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Os Direitos Fundamentais em Espécie Direitos e Garantias Individuais O Direito à vida • art. 5, CF/88: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: • [...] XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; • A vida humana é o bem jurídico mais importante dentre todos os direitos constitucionalmente tutelados, afinal, estar vivo é um pressuposto elementar para se usufruir dos demais direitos e liberdades garantidos na Constituição Federal. • “O direito à vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito de estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse”. – Paulo Gustavo Gonet Branco • DUAS PERSPECTIVAS DO DIREITO À VIDA (DESDOBRAMENTOS) • i) Direito de continuar vivo (acepção negativa) • ii) Direito de ter uma vida digna (acepção positiva) • i) Direito de continuar vivo: garante-se que sua existência física não será violada nem pelo Estado nem por outros particulares. • Como? • O Poder Constituinte originário vedou a aplicação da pena de morte, ressalvado o caso de guerra declarada ( art. 5º, XLVII c/c art. 84 XIX, ambos da CF/88). • OBSERVAÇÃO 1: o poder constituído reformador, tampouco o legislador infraconstitucional, não poderão estabelecer a pena de morte para outros casos, vez que a garantia de não recebê-la (ressalvada a guerra declarada) é cláusula pétrea (art. 60,§ 4°, IV; CF/88) e não admite restrição ou supressão por emenda ou legislação ordinária • Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais. • ii) Direito de ter uma vida digna: expande o conceito de viver para além da simples subsistência física. íntima e indissociável relação com a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. • Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: • III - a dignidade da pessoa humana; • Portanto, • TOTAL LIGAÇÃO COM OS DEMAIS DIREITOS (LIBERDADES INDIVIDUAIS E DIREITOS SOCIAIS) • Resguardar uma vida com dignidade é tarefa multifacetária, que exige que o Estado assegure ao indivíduo o acesso à bens e utilidades necessárias para uma vida apropriada, forneça serviços essenciais (como o de educação, o de saúde, etc.). • Em relação à defesa das liberdades (para que o indivíduo tenha uma vida digna), é necessário que o Estado proíba qualquer tipo de tratamento desmerecedor, como a tortura (art. 5°, III, CF/88), as penas de caráter perpétuo, de trabalhos forçados ou as cruéis,(art. 5°, XVLII, “b”, “c” e “e”, CF/88). • XLVII - não haverá penas: • a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; • b) de caráter perpétuo; • c) de trabalhos forçados; • d) de banimento; • e) cruéis; • QUESTÕES CONTROVERSAS • 1) Princípio da vida humana • Nossa CF/88 não dispõe sobre o início da vida humana. • Não é atribuição da ciência jurídica fixar este marco, mas sim das ciências naturais. • Não há, todavia, qualquer consenso científico hoje a esse respeito. • Discussão. Princípio da vida humana? • Corrente A) CONCEPÇÃO. • A concepção (fecundação do óvulo pelo espermatozoide, da qual resulta um ovo ou zigoto) marca esse início. • O Pacto de São José da Costa Rica, internalizado no ordenamento pátrio pelo Decreto 678/1992, adota essa teoria. • “Artigo 4º - Direito à vida • 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”. • CORRENTE B) NIDAÇÃO • Outros defendem que a nidação (fixação do zigoto no útero materno) é um marco temporal mais adequado, haja vista o embrião só se desenvolver dentro do Útero. • Esta segunda perspectiva entende que a vida humana em potencial começaria a partir do início da vida viável. • CORRENTE C) FORMAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL • Para uma terceira corrente, a vida humana só tem início a partir da formação do sistema nervoso central (capacidade neurológica de sentir prazer e dor), o que ocorre por volta do 14º dia após a concepção. • Esse é o entendimento do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha. • “Vida, no sentido de existência em desenvolvimento de um indivíduo humano, começa, de acordo com reconhecidas descobertas biológico-fisiológicas, no décimo quarto dia depois da concepção (implantação, individualização). O processo de desenvolvimento que então tem início é contínuo, não se manifestando uma clara definição, nem se permitindo qualquer delimitação precisa entre as várias fases de desenvolvimento da vida humana”. – Luís Roberto Barroso • CORRENTE D) ENTRE A 24ª E A 26ª SEMANA DE GESTAÇÃO • Há, por fim, quem entenda que a passagem da "pessoa humana em potencial" para "pessoa humana tout court” (sem nada a acrescentar) ocorreria a partir do momento em que o feto passa a ter capacidade de existir fora do ventre materno, entre a 24ª e a 26ª semana gestação (+ ou – 6 meses). • QUAL POSICIONAMENTO SEGUIR, JÁ QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO DELIMITOU SUA PREFERÊNCIA? • O ordenamento jurídico se ocupa em preservar o bem jurídico "vida” fornecendo balizas orientadoras para a solução de algumas questões difíceis do Direito, como a (im)possibilidade da realização do aborto, a (in)viabilidade de manipulação das células tronco, etc. • Como resultado dessa omissão do texto constitucional, e em meio as vigorosas divergências de ordem religiosa, científica e filosófica, coube ao legislador ordinário fornecer um direcionamento por meio da Lei nº 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) e ao STF reafirmar essa orientação legislativa. • POSICIONAMENTO DO STF (ADI 3.510) • A corte declarou a constitucionalidade dos preceitos da Lei de Biossegurança que permitem, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não usados no respectivo procedimento. • INÍCIO DA VIDA: Para o STF, a vida não se inicia com a fecundação do óvulo (a partir da concepção), mas em determinada fase de desenvolvimento do embrião humano, após a formação da placa neural. • INVIOLABILIDADE INTEGRAL DO DIREITO À VIDA É PARA AQUELES QUE SOBREVIVEM AO PARTO: Assim, não se efetiva a proteção do embrião no âmbito constitucional, pois, de acordo com o STF, a inviolabilidade constitucional do direito à vida refere-se, exclusivamente, a indivíduos que sobreviveram ao parto. • OBSERVAÇÃO: A POTENCIALIDADE DE VIDA JUSTIFICA CERTA PROTEÇÃO. Não custa lembrar que a circunstância de o embrião ter a potencialidade de se tornar uma pessoa humana é meritória o suficiente para justificar uma proteção contra tentativas levianas de impedir sua continuidade fisiológica. • Exemplos: • 1) O Direito Civil resguarda os direitos do nascituro (que há de nascer). • 2) O Código Penal criminaliza o aborto. • “Asseverou que as pessoas físicas ou naturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto, dotadas do atributo a que o art. 2° do Código Civil denomina personalidade civil, assentando que a Constituição Federal, quando se refere à "dignidade da pessoa humana” (art. 1°, III), "direitos da pessoa humana” (art. 34, VII, b), "livre exercício dos direitos...individuais"(art. 85, III) e "direitos e garantias individuais" (art. 60, § 4°, IV), estaria falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa. Assim, numa primeira síntese, a Carta Magna não faria de todo e qualquer estágio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva, e que a inviolabilidade de que trata seu art. 5° diria respeito exclusivamente a um indivíduo já personalizado”. – trecho extraído do julgamento da ADI 3.510 • 2) Aborto. • a interrupção prematura da gravidez é conduta considerada criminosa na legislação infraconstitucional, já que o Código Penal tipifica como infração, nos artigos 124 a 126, a provocação de aborto em si mesma ou a autorização para que outrem provoque, bem como o ato de provocar o aborto com ou sem o consentimento da gestante: • Art. 124, 125 e 126, Código Penal/1940: • Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos; • Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos; • Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. • DUAS HIPÓTESES, NA LEGISLAÇÃO, EM QUE O ABORTO NÃO É CONSIDERADO CRIME: • (i) quando não há outro meio de salvar a vida da gestante, caso em que teremos o aborto necessário (ou terapêutico). • Art. 128, I, CP: "Não se pune o aborto praticado por médico: se não há outro meio de salvar a vida da gestante". • (ii) ou quando a gravidez resultar de estupro e o aborto for precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (caso em que teremos o aborto sentimental). • Art. 128, II, CP, " Não se pune o aborto praticado por médico: se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.“ • Obs.: PORTARIA Nº 1.145, DE 07 DE JULHO DE 2005 - Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde. • TERCEIRA HIPÓTESE DE NÃO CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO (JURISPRUDÊNCIA DO STF) • (iii) Além dessas duas hipóteses legais, o STF, em 2012, no julgamento da ADPF nº 54, identificou uma terceira possibilidade, ao declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencefálico seria conduta tipificada no Código Penal. • A anencefalia, vulgarmente conhecida como “ausência de cérebro”, caracteriza-se como “uma má formação rara do tubo neural, caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural nas primeiras semanas da formação embrionária”. • FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: No julgamento, destacou-se que a tipificação penal da antecipação terapêutica do parto do feto anencefálico não estaria em conformidade com a Constituição, especialmente diante dos preceitos que garantem o Estado laico, a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a proteção da autonomia, da liberdade, da privacidade e da saúde. • Alguns argumentos sustentados nos votos.. • “aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida potencial. No caso do anencéfalo, repito, não existe vida possível” – Min. Marco Aurélio • "Se não há vida a ser protegida, não há tipicidade“ – Min. Celso de Mello • Observação: 1ª Turma do STF: descriminalização do aborto. Habeas Corpus (HC) 124306 • A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) afastou a prisão preventiva de E.S. e R.A.F., denunciados pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro pela suposta prática do crime de aborto com o consentimento da gestante e formação de quadrilha (artigos 126 e 288 do Código Penal). A decisão foi tomada nesta terça-feira (29) no julgamento do Habeas Corpus (HC) 124306. De acordo com o voto do ministro Luís Roberto Barroso, que alcançou a maioria, além de não estarem presentes no caso os requisitos que autorizam a prisão cautelar, a criminalização do aborto é incompatível com diversos direitos fundamentais, entre eles os direitos sexuais e reprodutivos e a autonomia da mulher, a integridade física e psíquica da gestante e o princípio da igualdade. • “é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal - que tipificam o crime de aborto –para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade. • A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e • igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria. • A tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos”. • OBSERVAÇÃO. MICROCEFALIA? • ADI 5581 • OBSERVAÇÃO 2: ADPF 442 • Partido questiona no STF artigos do Código Penal que criminalizam aborto • O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou no Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, na qual pede que a Corte declare a não recepção parcial dos artigos 124 e 126 do Código Penal pela Constituição da República. O partido alega que os dispositivos, que criminalizam o aborto provocado pela gestante ou realizado com sua autorização, violam os princípios e direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal. • A tese central defendida na ADPF é a de que as razões jurídicas que moveram a criminalização do aborto pelo Código Penal de 1940 não mais se sustentam. “Em democracias constitucionais laicas, isto é, naquelas em que o ordenamento jurídico neutro garante a liberdade de consciência e crença no marco do pluralismo razoável e nas quais não se professa nenhuma doutrina religiosa como oficial, como é o caso do Brasil, enfrentar a constitucionalidade do aborto significa fazer um questionamento legítimo sobre o justo”, argumenta. Para o partido, a longa permanência da criminalização do aborto “é um caso de uso do poder coercitivo do Estado para impedir o pluralismo razoável”, pois torna a gravidez um dever, sendo que, em caso de descriminalização, “nenhuma mulher será obrigada a realizá-lo contra sua vontade”. • O partido pede a concessão de liminar para suspender prisões em flagrante, inquéritos policiais e andamento de processos ou decisões judiciais baseados na aplicação dos artigos 124 e 126 do Código Penal a casos de interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez. No mérito, pede a declaração de não recepção parcial dos dispositivos pela Constituição, excluindo do âmbito de sua incidência a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12 semanas, “de modo a garantir às mulheres o direito constitucional de interromper a gestação, de acordo com a autonomia delas, sem necessidade de qualquer forma de permissão específica do Estado, bem como garantir aos profissionais de saúde o direito de realizar o procedimento”. • 3) Eutanásia, Ortotanásia e Suicídio Assistido • São legítimasas condutas que apressam (ou não alongam) a vida de um enfermo terminal, acometido de intenso sofrimento físico ou psíquico, cuja morte breve é inevitável e irreversível ? Eutanásia: definida como a ação médica intencional que abrevia a vida de um paciente terminal que vivencia extremo sofrimento e se encontra em situação incurável - já que pelos padrões médicos em vigor não será capaz de se recuperar e sobreviver. Exemplo: injeção letal que induz a morte de um enfermo. Ortotanásia: ocasiona a morte em razão da interrupção dos tratamentos médicos que, apesar de manterem o sujeito vivo, não ofertam a ele nenhuma chance de recuperação. Exemplo: desligamento dos aparelhos de respiração artificial de um paciente com insuficiência grave ou falência cardiorrespiratória. • O suicídio assistido: consiste na “retirada da própria vida com auxílio ou assistência de terceiro” que presta informações ou coloca à disposição do paciente os meios e condições necessárias à prática. OBSERVAÇÃO: Esta hipótese não se confunde com o induzimento ao suicídio, no qual o terceiro age sobre a vontade do sujeito passivo a fim de interferir em sua liberdade de ação. • COMO ESSAS CONDUTAS SÃO VISTAS PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO? • em todos os casos tem-se, de acordo com a legislação vigente, crime de homicídio (ART. 121, CP). • OBSERVAÇÃO: No que pese a criminalização, parece-nos que está sendo construído, no Brasil, um consenso acerca da ortotanásia. • Primeiro, temos a Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina que preceitua ser "permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal (Art. 1º)” • Há também, em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 6.715/2009, que tem por objetivo alterar o Decreto-Lei nº 2.848/1940 (Código Penal), para excluir da ilicitude a ortotanásia. Se aprovado, o projeto incluirá no diploma repressivo o seguinte dispositivo: • Art. 136-A. Não constitui crime, no âmbito dos cuidados paliativos aplicados a paciente terminal, deixar de fazer uso de meios desproporcionais e extraordinários, em situação de morte iminente e inevitável, desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. § 1° A situação de morte iminente e inevitável deve ser previamente atestada por 2 (dois) médicos. § 2° A exclusão de ilicitude prevista neste artigo não se aplica em caso de omissão de uso dos meios terapêuticos ordinários e proporcionais devidos a paciente terminal. • A legislação penal brasileira, no entanto, não diferencia todas as situações mencionadas, tratando de maneira uniforme hipóteses que merecem tratamentos diferenciados. Levando-se em conta a autonomia da vontade, núcleo e fundamento da dignidade da pessoa humana, é plausível concluir que, ao menos, nos casos de ortotanásia, cuidado paliativo e limitação consentida de tratamento, havendo manifestação voluntária do paciente ou de seu representante após o adequado processo de informação e devidamente registrada mediante TCLE (Termo de consentimento livre e esclarecido), não há conduta antijurídica”. – Marcelo Novelino Direito à Igualdade • Princípio geral de todo o ordenamento e pedra angular do regime democrático, a igualdade recebeu da Constituição especial e robusta proteção, sendo várias as manifestações do poder originário sobre o tema (art. 3º, III e IV; art. 5º, caput e I; art. 7°, XXX e XXXI, etc.). • “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: • III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; • IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. • Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: • I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; • Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: • XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; • XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; • A igualdade é o instrumento pelo qual a obrigação de respeitar as demais pessoas deve ser distribuída de modo universal. • OBSERVAÇÃO: RESTRIÇÕES AO DIREITO DE IGUALDADE? • No caso dos direitos de igualdade, não há um âmbito de proteção material e, por consequência, não há que se falar em sua restrição, diferentemente de outros direitos fundamentais (vida, liberdade, privacidade, propriedade, etc.) que podem sofrer intervenções legitimas, desde que justificadas constitucionalmente. • Bodo PIEROTH e Bernhard SCHLINK: “Ao contrário dos direitos de liberdade, que asseguram ao seu titular o direito de resistência contra intervenções estatais nas respectivas áreas de proteção, ou seja, que impossibilitam ou dificultam a manutenção de um status quo (exemplo: direito à propriedade) e, principalmente, a prática do comportamento tutelado pela norma (exemplo: a livre expressão do pensamento segundo o art. 5.°, IV CF), o ‘direito’ à igualdade não assegura nenhum comportamento específico cujo exercício pudesse ser atrapalhado, cuja área de proteção pudesse ser ‘invadida’ pelo Estado. Não há que se falar, portanto, em área de proteção e tampouco em intervenção estatal nesta”. • IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE MATERIAL: • IGUALDADE FORMAL • A afirmação constante no caput do art. 5º - "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” - contemplou uma perspectiva formal para o princípio da isonomia, consagradora de um tratamento igualitário perante a lei. • A tradicional fórmula “perante a lei”, por muito tempo, foi compreendida no sentido literal, isto é, exclusivamente como um dever de igualdade na aplicação do direito. • Assim, vinculava apenas os órgãos administrativos e o Poder Judiciário no âmbito da aplicação das leis.... mas não o legislador quando de sua elaboração. • Esta interpretação restritiva deixou de ser adotada desde meados do século passado, quando a vinculação do legislador aos direitos fundamentais se tornou algo inquestionável. • Essa vertente FORMAL DA ISONOMIA (igualdade perante a lei) foi concebida após as revoluções do século XVIII e edificou-se logo nos primeiros textos constitucionais dos EUA (1787) e da França (1791) - pioneiros na estruturação de documentos constitucionais escritos e consagradores de direitos fundamentais. Manteve-se como ideia-chave do constitucionalismo liberal que dominou o século XIX e, naquela época, foi crucial para a abolição de privilégios. • (...) segundo esse conceito de igualdade, que veio para dar sustentação jurídica ao Estado liberal burguês, a lei deve ser igual para todos, sem distinções de qualquer espécie. Abstrata por natureza e levada a extremos por força do postulado da neutralidade estatal (uma outra noção cara ao ideário liberal), o princípio da igualdade perante a lei foi tido, durante muito tempo, como a garantia da concretização da liberdade. Para os pensadores e teóricos da escola liberal, bastaria a simples inclusão da igualdade no rol de direitos fundamentais para que a mesma fosse efetivamente assegurada no sistema constitucional. – Joaquim Barbosa • IGUALDADE MATERIAL • Aos poucos, porém, essa concepção puramente formalista demonstrousua insuficiência em equacionar verdadeiramente a igualdade entre os indivíduos, já que os marginalizados seguiam sem acesso às mesmas oportunidades, bens e "condições de partida” que os socialmente favorecidos. • Vedava-se um tratamento discriminatório pela lei, mas nada se fazia para mudar a situação fática e evitar a perpetuação das profundas desigualdades concretas que marcavam a vida social. • Iniciou-se, então, um processo de questionamento dessa leitura oitocentista do princípio da isonomia, criando o cenário adequado para o robustecimento da perspectiva material (substancial), que considerasse as desigualdades reais existentes na vida fática, permitindo que situações desiguais fossem destinatárias de soluções distintas. • Recuperava-se, com isso, a lógica aristotélica de que os desiguais devem ser tratados desigualmente, na medida da sua desigualdade. IGUALDADE FORMAL IGUALDADE MATERIAL • “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam”. Ruy Barbosa • "(...) temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”. – Boaventura de Souza Santos • Em síntese, é possível falar nas seguintes perspectivas/facetas do princípio da isonomia: • 1) FORMAL: por alguns intitulada "igualdade perante a lei", refere-se à interpretação e aplicação igualitária de um diploma normativo já confeccionado; • 2) MATERIAL: ou “igualdade na lei”, na qual o respeito à igualdade se dá em esfera abstrata e genérica, na fase de criação do direito, alcançando os Poderes Públicos (inclusive o legislador, claro) quando elaboram um ato normativo; • 3) Material-dinâmica ou militante da igualdade: transformadora da igualdade em um objetivo a ser perseguido pelo Estado, consiste na adoção de políticas públicas que visem reduzir as desigualdades fáticas, os estigmas e preconceitos que recaem sobre certos segmentos da sociedade. • PRINCÍPIO DA ISONOMIA X AÇÕES AFIRMATIVAS • Ações afirmativas (affirmatives actions): trata-se de mecanismo de inclusão social, concebido para corrigir e mitigar os efeitos presentes das discriminações ocorridas no passado. • As ações afirmativas se caracterizam como práticas ou políticas estatais de tratamento diferenciado a certos grupos historicamente vulneráveis, periféricos ou hipossuficientes, buscando redimensionar e redistribuir bens e oportunidades a fim de corrigir distorções. • Tais políticas públicas visam oportunizar aos que foram menos favorecidos (por critérios sociais, econômicos, culturais, biológicos) o acesso aos meios que reduzam ou compensem as dificuldades enfrentadas, de forma que possam ser sanadas as distorções que os colocaram em posição desigual diante dos demais integrantes da sociedade. • (...) a definição jurídica objetiva e racional da desigualdade dos desiguais, histórica e culturalmente discriminados, é concebida como uma forma para se promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na cultura dominantes na sociedade. Por esta desigual ação positiva promove-se a igual ação jurídica efetiva; por ela afirma-se uma fórmula jurídica para se provocar uma efetiva igualação social, política, econômica no e segundo o Direito, tal como assegurado formal e materialmente no sistema constitucional democrático. A ação afirmativa é, então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias. – Carmen Lúcia • AÇÕES AFIRMATIVAS: REALIZAÇÃO POSITIVA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE Exemplos na Constituição: • Art. 37, VIII, CF/88 - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão; • Art. 7º, CF/88 - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; • Art. 3º, CF/88 - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. • "toda a axiologia constitucional é tutelar de segmentos sociais brasileiros historicamente desfavorecidos, culturalmente sacrificados e até perseguidos, como, verbi gratia, o segmento dos negros e dos índios” (ADI 3330, Min. Ayres Britto) • AÇÕES AFIRMATIVAS: NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA À RAZOABILIDADE • A doutrina esclarece que as ações afirmativas apenas serão legítimas quando não se basearem em critérios arbitrários e não promoverem favoritismos desproporcionais. • Isso porque toda ação afirmativa elege um grupo a ser contemplado pelas vantagens compensatórias, afastando os demais não abrangidos pela política pública de favorecimento, criando um cenário que pode ocasionar a discriminação inversa(ou reversa). • “A adoção de políticas positivas deve ser precedida de uma profunda análise das condições e peculiaridades locais, bem como de um estudo prévio sobre o tema, sendo que sua legitimidade irá depender da observância de determinados critérios, sob pena, de atingir, de forma indireta e indevida, o direito dos que não foram beneficiados por elas (discriminação reversa) – Marcelo Novelino. • AÇÕES AFIRMATIVAS: DIFICULDADE EM DELIMITAR CRITÉRIOS • Para Joaquim Barbosa, um caminho para solucionar esta dificuldade é reconhecer a necessidade de a diferenciação receber justificação razoável, racional e proporcional. • “A motivação da ação afirmativa será razoável quando estiver amparada por um motivo coerente e plausível que fundamente a distinção; será racional quando for objetiva e suficiente ao delimitar o segmento social atingido; proporcional quando reajustar com equilíbrio as situações desiguais. EXEMPLOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS QUE CONCRETIZAM AÇÕES AFIRMATIVAS, NO BRASIL: 1) Cotas étnico-raciais para a seleção e ingresso de estudante em universidades (tema desenvolvido na ADPF 186) Nesta ação, entendeu o STF, por unanimidade, que a reserva na Universidade de Brasília de 20% das vagas para estudantes que se autodeclararem afrodescendentes é constitucional. • “Constitui providência adequada e proporcional ao atingimento dos mencionados desideratos. A política de ação afirmativa adotada pela Universidade de Brasília não se mostra desproporcional ou irrazoável, afigurando-se também sob esse ângulo compatível com os valores e princípios da Constituição“ – Ricardo Lewandowski • “Os meios empregados e os fins perseguidos pela UnB são marcados pela proporcionalidade, razoabilidade e as políticas são transitórias, com a revisão periódica de seus resultados". • 2) Programa Universidade para Todos – PROUNI ( Lei nº 11.096/2005) • Programa que destina-se à concessão de bolsas de estudo integrais e bolsas de estudo parciais para estudantes de cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos. Essas bolsas concedidas pelo PROUNI são destinadas: • (i) a estudante que tenha cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral; • (ii) a estudante portador de deficiência, nos termos da lei; • (iii) a professor da rede pública de ensino, para os cursos de licenciatura, normal superior e pedagogia, destinados à formação do magistério da educação básica. • O STF declarou a constitucionalidade do Prouni no julgamento da ADI 3330 (Info. 664) • Programa Universidade para Todos (PROUNI). Ações afirmativas do Estado. Cumprimento do princípioconstitucional da isonomia. • “(...) A desigual ação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que hajam sido contemplados com bolsa integral não ofende a Constituição pátria, porquanto se trata de um descrímen que acompanha a toada da compensação de uma anterior e factual inferioridade ("ciclos cumulativos de desvantagens competitivas"). Com o que se homenageia a insuperável máxima aristotélica de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, máxima que Ruy Barbosa interpretou como o ideal de tratar igualmente os iguais, porém na medida em que se igualem; e tratar desigualmente os desiguais, também na medida em que se desigualem.“(ADI 3.330, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 3-5-2012, Plenário, DJE de 22-3-2013.) • CARÁTER TRANSITÓRIO/TEMPORÁRIO AÇÕES AFIRMATIVAS: • Em via de regra (existem exceções), as ações afirmativas possuem caráter temporário. • disponibilização estatal de recursos, bens e oportunidades diferenciadas a determinados grupos, tem por intuito diminuir assimetrias sociais e desigualdades ocasionadas por situações históricas particulares. • Assim, quando estas diferenças estiverem devidamente eliminadas, as medidas afirmativas devem ser reduzidas e, por fim, extintas. • Foi essa a percepção do STF no julgamento da ADPF 186, na qual a Corte ressaltou que “tão logo as distorções históricas que o programa estatal visa corrigir forem devidamente superadas, não há mais razão que justifique a subsistência do programa, pois se ele, ainda assim fosse mantido, poderia converter-se em inaceitável benesse permanente, em detrimento não só da coletividade mas também da democracia”.
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