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HISTÓRIA DO DIREITO PENAL 1. PERÍODO GERMÂNICO: até o século VI. O Direito tem caráter consuetudinário. Os delitos (quebra da paz) eram solucionados de maneira privada, pela vítima ou sua tribo, dada a fraca centralização do poder. A pena pública - a perda da paz - era reservada para delitos contra a comunidade (traição, covardia, ofensa ao culto). O processo penal orientava-se pelo duelo (disputatio) ou pelas ordálias. O estado de inimizade (faida) solucionava-se pela vingança de sangue (blutrache) ou pela composição (wergeld). 2. PERÍODO FRANCO: do século VI ao IX. Ocorre certa centralização do poder pela presença do rei (períodos merovíngio e carolíngio), bem como aparecem fontes jurídicas escritas (capitulares) e tribunais do monarca. Procurou-se atenuar o estado de inimizade provocado pelo crime com os convênios de reparação. Estabeleceram-se somas fixas para as indenizações. Previu-se pena pública para alguns delitos contra o Estado (contra a fidelidade ao monarca, a moeda, a religião cristã). Surgem os asilos eclesiásticos. 3. DIREITO CANÔNICO: com a fragmentação do poder político, nos séculos X a XII, a igreja passa a protagonizar a manutenção da ordem social. Bispos visitavam os povoados (visitatio), consultando as pessoas mais importantes sobre eventuais delitos ocorridos, bem como admitindo delações espontâneas. Em seguida, ocorria a inquisitio, processo para apuração da denúncia. As penas eclesiásticas eram a degradação, a deposição, a suspensão, os interditos e a excomunhão. Havia delitos eclesiásticos, seculares e mistos. Paulatinamente, a experiência eclesiástica na condução de inquéritos é compilada para orientar os inquisidores: compilações de Bernard Gui (1323), de Nicolau Eymerich (1376), de Kramer e Sprenger (Malleus Maleficarum, 1484), de Torquemada (Instruções, 1484), de Valdés (1561). Faz-se uso abusivo da tortura, como forma de apuração da verdade. 4. IDADE MODERNA: aos poucos, o poder secular volta a centralizar-se, apropriando-se da expediência eclesiástica do inquérito, para controle político. O crime passa a ser visto como atentado ao soberano, não à vítima. Por isso, as penas são atrozes: basicamente de morte e corporais. Além disso, a imposição de multas aos nobres permite ao monarca acumular recursos. Consolida-se, no Estado, a inquisitio. A pena assume um caráter definitivamente público: na Alemanha, Carlos V, em 1532, edita a Constituto Criminalis Carolina; na França, a partir do século XIII, os Costumes (recompilações de leis e usos feudais) vão cedendo lugar aos juízes reais; na Espanha, Afonso X, em 1263, edita as Siete Partidas, e, em 1485, surgem as Ordenanzas Reales de Castela; em Portugal, as Ordenações passam a regulamentar o Direito Penal (Afonsinas, de 1447, Manuelinas, de 1514, e Filipinas, de 1603). 5. IDADE CONTEMPORÂNEA: com o Iluminismo, inicia-se o processo de humanização do Direito Penal, já consolidado em sua natureza público-estatal. TEORIA DA NORMA PENAL socialização primária informal socialização secundária Controle social extranormativo formal penal normativo extrapenal - Direito penal: objetivo e subjetivo - Bem social / bem jurídico / bem jurídico-penal valores/interesses/necessidades/situações - Bem jurídico-penal transcendentalidade parte geral (leis especiais – art. 12 do CP) - Código Penal parte especial - Direito penal - fundamental e complementar; comum e especial primário (conduta) - Preceitos secundário (sanção) homogênea (Legislativo) - Lei penal em branco heterogênea (Executivo) - Lei penal em branco com complemento heterogêneo é constitucional, desde que descreva adequadamente a conduta proibida ou mandada, remetendo para o Poder Executivo a integração apenas de aspectos secundários da norma - Interpretação: A) Autêntica, doutrinária e judicial B) Gramatical, lógica, teleológica, histórica, sistemática C) Declaratória, restritiva, extensiva D) Interpretação progressiva E) Interpretação analógica e analogia formal imediata (lei – competência da União) - Fontes formal mediata (costumes, jurisprudência etc.) - Estados-membros podem legislar em matéria penal, desde que haja autorização via lei complementar da União (art. 22, parágrafo único, da CF) PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS - Princípio da dignidade da pessoa humana – art. 1º, III, CF (sobreprincípio) - Princípio da igualdade – art. 5º, caput, CF - Princípio da proporcionalidade/razoabilidade – arts. 1º, caput, e 5º, LIV, CF - Princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos ou da lesividade ou da ofensividade (criminalização/descriminalização) – art. 5º, caput, CF (liberdade) - Princípio de secularização – arts. 1º, parágrafo único, e 5º, VI, CF - Princípio de culpabilidade e responsabilidade subjetiva – art. 5º, caput, CF (igualdade e liberdade) - Princípio da legalidade (nullum crimen nulla poena sine lege scripta/costume, nullum crimen nulla poena sine lege stricta/analogia e medida provisória, nullum crimen nulla poena sine lege certa/determinação) – arts. 5º, XXXIX, e 62, § 1º, I, “b”, CF - Princípio da irretroatividade da lei penal (nullum crimen nulla poena sine lege praevia) – art. 5º, XL,CF - Direito penal mínimo – art. 5º, caput, CF (primado da liberdade: subsidiariedade e fragmentariedade) - Mandamentos de incriminação – art. 5º, XLI (discriminação a direitos fundamentais), XLII (racismo), XLIII (crimes de tortura, tráfico de drogas, terrorismo e hediondos), XLIV (contra a ordem constitucional-democrática), CF - Princípio da presunção de inocência – art. 5º, LVII, CF - Princípio da humanidade das penas - art. 5º, III, XLVII, XLVIII, XLIX e L, CF - Princípio da intranscendência das penas ou da pessoalidade – art. 5º, XLV, CF - Princípio da individualização das penas – art. 5º, XLVI, CF (cominação, aplicação, execução) NORMA PENAL NO TEMPO - Tempo do crime (art. 4º, CP) – ação ou omissão - Vigência – as leis devem indicar quando entram em vigor (art. 8º da LC 95/98, com a redação dada pela LC 107/2001); no período de vacância (vacatio legis), a lei, apesar de existente, vez que promulgada, não está ainda em vigor, não podendo ser aplicada - Sucessão de leis penais: dá-se quando uma mesma infração se sujeita a duas ou mais leis penais que se sucedem no tempo ultra-atividade - Extra-atividade retroatividade - Irretroatividade da norma penal (art. 1º, CP) – lex gravior - Retroatividade e ultratividade benéficas (art. 2º, CP) – lex mitior, abolitio criminis - Dúvida: pode-se ouvir o réu e seu defensor - Combinação de leis: STF não admite, nem STJ (Súmula 501); CP Militar também não (art. 2º, § 2º) - Leis intermediárias: sempre se aplica a mais benéfica - Leis temporárias e excepcionais (art. 3º, CP): são sempre ultra-ativas - Crimes continuado e permanente: aplica-se a lei nova mesmo mais gravosa (Súmula nº 711 do STF) - Lei penal em branco: norma complementar temporária ou excepcional é ultra-ativa - Aplicação da lei penal mais benéfica: após sentença condenatória definitiva, compete ao juiz da execução da pena (Súmula nº 611 doSTF) NORMA PENAL NO ESPAÇO - Lugar do crime (art. 6º, CP) – da conduta ou do resultado (teoria da ubiquidade, mista ou unitária) - Princípio da territorialidade temperada (como regra, a lei brasileira aplica-se aos crimes cometidos em território nacional). Exceção: imunidades diplomáticas (chefes de Estado e comitiva, agentes diplomáticos e familiares, funcionários estrangeiros e familiares detêm imunidade penal total, ficando sujeitos apenas à legislação nacional – Convenção de Viena de 1961 promulgada pelo Decreto nº 56.435/65; agentes consulares detêm imunidade apenas relativamente a atos funcionais, mas pode haver ampliação via tratado específico – Convenção de Viena de 1963 promulgada pelo Decreto nº 61.078/67; Estado acreditante pode renunciar à imunidade; Estado acreditado pode declarar agente estrangeiro persona non grata) - Território nacional: solo, mar territorial (12 milhas – Lei nº 8.617/93), espaço aéreo (Lei nº 7.565/86) - Território nacional por extensão: navios e aeronaves privados nacionais em alto-mar ou no espaço aéreo correspondente e navios e aeronaves públicos em qualquer lugar (art. 5º, § 1º, CP) - Embarcações e aeronaves públicas estrangeiras: não se aplica a lei brasileira incondicionada (art. 7º, § 1º, CP) - Extraterritorialidade condicionada (art. 7º, §§ 2º e 3º, CP) real, defesa ou proteção (art. 7º, I, “a” a “c”, CP) justiça universal (art. 7º, I, “d”, e II, “a”, CP) - Princípios nacionalidade ativa (art. 7º, II, “b”, CP) representação ou bandeira (art. 7º, II, “c”, CP) nacionalidade passiva (art. 7º, § 3º, CP) - Lei nº 9.455/97 (art. 2º): crime de tortura (extraterritorialidade incondicionada): ser a vítima brasileira ou estar o agente em local sob jurisdição nacional (princípios da nacionalidade passiva ou da justiça universal) - Competência: geralmente, será da Justiça Estadual (arts. 88 e segs. do CPP); porém, será da Justiça Federal, quando os crimes forem praticados contra bens, serviços ou interesses da União, tiverem caráter internacional previsto em tratado ou convenção, ocorrerem a bordo de navio ou aeronave, objetivarem o ingresso ou a permanência irregular de estrangeiro (art. 109, IV, V, IX e X, da CF) - Contravenções penais: lei brasileira não se aplica fora do território nacional (art. 2º, LCP) - Compensação de penas (art. 8º, CP) ativa (Estado que solicita) - Extradição (art. 5º, LI e LII, CF) passiva (Estado que concede) brasileiros natos (não – art. 5º, LI, CF) brasileiros naturalizados (não, salvo crimes comuns anteriores ou tráfico de entorpecentes) - Nacionalidade estrangeiros (sim, salvo crimes políticos ou de opinião – art. 5º, LII, CF) - Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro): deportação, expulsão, extradição - Deportação: basicamente, é a retirada forçada de estrangeiro nos casos de entrada ou estada irregular no Brasil; é simples ato administrativo da autoridade policial; regularizada a situação, o estrangeiro pode retornar ao Brasil - Expulsão: basicamente, é a retirada forçada de estrangeiro considerado nocivo para a ordem pública ou inconveniente aos interesses nacionais; é ato do Presidente da República, após processo administrativo com ampla defesa; enquanto não revogado o decreto de expulsão, o estrangeiro não pode retornar ao Brasil - Transferência de presos: depende de promessa de reciprocidade, acordos bilaterais ou tratados (como a Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior); pode ser ativa ou passiva; pode assumir as modalidades de prosseguimento da execução (pelas leis do país da execução) ou de conversão da condenação; pode abarcar penas, medidas de segurança ou medidas sócio-educativas; pressupõe consentimento do preso (caráter humanitário); somente se beneficiam nacionais; sustenta-se a necessidade de homologação da sentença penal pelo STJ; pressupõe condenação definitiva, havendo reserva de jurisdição do país da condenação no que toca à revisão da sentença e à concessão de anistia ou indulto - Entrega: figura instituída pelo Tratado de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional; podem ser entregues até mesmo nacionais; relação entre país e organismo internacional supranacional - Homologação de sentença penal condenatória estrangeira (art. 9º, CP): competência do STJ (EC nº 45/2004); apenas para a aplicação de sanções cíveis ou cumprimento de medida de segurança, bem como para a restituição de bens ou valores decorrentes de lavagem de ativos provenientes de crimes praticados no estrangeiro (art. 8º da Lei nº 9.613/98); para caracterizar reincidência, não é preciso homologação INVIOLABILIDADES PESSOAIS - Imunidade parlamentar: deputados federais e senadores, por palavra, voto e opinião; em qualquer local (art. 53 da CF); deputados estaduais, por palavra, voto e opinião; em qualquer local (art. 27, § 1º, da CF); vereadores, por palavra, voto e opinião; apenas na circunscrição do Município (art. 29, VIII, da CF); partícipes não respondem (Súmula nº 245 do STF só se aplica ao coautor); é causa de exclusão da tipicidade - Imunidade do advogado: arts. 133 da CF e 7º, § 2º, da Lei nº 8.906/94 (não abarca desacato, por decisão liminar do STF na ADIn 1.127-8, e calúnia); no exercício da atividade, em juízo ou fora dele PRAZO - Inclui-se dia do começo; contam-se dias, meses e anos pelo calendário comum; desconsideram-se frações de dias: arts. 10 e 11 do CP FATO PUNÍVEL - Conceito formal: infração à lei penal - Conceito material: lesão ou perigo de lesão a bem jurídico - Conceito analítico: fato típico, antijurídico e culpável pessoa natural - Sujeito ativo pessoa jurídica (Lei dos Crimes Ambientais) direto (titular do bem jurídico) - Sujeito passivo indireto (Estado) - Prejudicado (relevante para fins de responsabilidade civil) objeto jurídico - Objeto do delito objeto material TIPICIDADE garantia - Funções indiciária (ratio cognoscendi) formal (norma: proibição ou mandado) - Tipicidade material (bem jurídico) princípio da insignificância - Correção típica (interpretação) princípio da adequação social descritivos (objetivos e subjetivos) - Elementos normativos (jurídicos e extrajurídicos) imediata/direta Adequação típica mediata/indireta - Tipicidade: ação, resultado, nexo de causalidade, imputação objetiva (criação de risco não permitido e realização do risco) e imputação subjetiva/normativa (dolo/elementos subjetivos especiais e culpa) - Teorias da ação: a) teoria causal-naturalista (Liszt-Beling; “produção voluntária de uma modificação no mundo exterior”; não explica omissão; dolo e culpa na culpabilidade é assistemático) b) teoria finalista (Welzel; “exercício da atividade final”; dolo e culpa no tipo resolve o problema sistemático; não explica delitos culposos; postulado dasestruturas lógico-reais indemonstrável) c) teoria social (Jescheck; “conduta socialmente relevante”; não serve como limite; nos delitos artificiais a relevância jurídica precede a social) d) teoria pessoal (Roxin; “manifestação da personalidade”) - Exclusão da ação: vis absoluta (coação física absoluta), atos reflexos (atos instintivos ou automáticos são controláveis), estados de inconsciência (sonambulismo, mal súbito, hipnose profunda, embriaguez letárgica acidental), caso fortuito - Capacidade de ação da pessoa jurídica (art. 3º da Lei nº 9.605/98) de mera conduta - Crimes lesão de resultado concreto perigo abstrato - Relação de causalidade: a) teoria da conditio sine qua non ou da equivalência dos antecedentes: adotada no Brasil (art. 13, caput, CP); método da eliminação hipotética; problema do regresso ao infinito b) teoria da causalidade adequada: juízo de idoneidade para a produção do resultado preexistente absolutamente independente concomitante superveniente - Concausa preexistente relativamente independente concomitante superveniente - Exclusão do nexo causal: causas absolutamente independentes (art. 13, caput, CP) e causa relativamente independente superveniente (art. 13, § 1º, CP) - Omissão própria (crime de mera conduta) - Omissão imprópria (crimes comissivos por omissão): causalidade normativa (art. 13, § 2º, CP: devia e podia evitar o resultado) lei (dever legal) - Posição de garante assunção (obrigação contratual) ingerência (comportamento anterior) - Imputação objetiva (Roxin): a) criação de risco juridicamente desaprovado (exclusão: diminuição do risco e risco permitido) b) realização do risco juridicamente desaprovado (exclusão: ausência de realização do risco, âmbito de proteção da norma de cuidado, conduta alternativa conforme ao Direito e âmbito de proteção do tipo) dolo - Imputação subjetiva/normativa elementos subjetivos especiais culpa (inconsciente: normativa) representação - Dolo (natural) vontade direto - Dolo (art. 18, I, CP) eventual (teoria do consentimento) - Dolus antecedens e dolus subsequens (não fundamentam imputação dolosa) - Dolo de ímpeto e dolo de propósito - Elementos subjetivos especiais: de intenção (de resultado cortado e mutilados de dois atos; ex.: para si, com o fim de obter), de tendência (ex.: propósito de ultrajar), motivos especiais (ex.: motivos fútil, torpe, nobre), momentos especiais de ânimo (ex.: inescrupulosamente) imprudência/negligência/imperícia - Culpa (art. 18, II, CP) grave/leve consciente/inconsciente - Tipo culposo: excepcionalidade (art. 18, parágrafo único, CP) - Requisitos: tipicidade, conduta voluntária, resultado, relação causal, violação do dever objetivo de cuidado, previsibilidade objetiva - Crimes qualificados pelo resultado (art. 19, CP): dolo/dolo (art, 129, § 2º, IV, CP), culpa/culpa (art. 250, § 2º, c/c art. 258, in fine, CP), culpa/dolo (art. 302, parágrafo único, III, CTB), dolo/culpa-preterdoloso (art. 129, § 3º, CP) - Erro de tipo (art. 20, caput, CP): invencível, exclui dolo e culpa; vencível, exclui dolo, podendo haver punição a título de culpa, se prevista legalmente. - Erro provocado por terceiro (art. 20, § 2º, CP) - Error in persona (art. 20, § 3º, CP) ILICITUDE 1. INTRODUÇÃO: DEFINIÇÃO: ilicitude ou antijuridicidade é a relação de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. Há quem entenda mais adequado o termo ilicitude, já que o crime é um fato jurídico, classificado como ato ilícito (Assis Toledo). Está consagrado, porém, o termo antijuridicidade. A doutrina dominante sustenta o caráter subsidiário do Direito Penal, como reforço de proibições ou mandados de outros ramos do ordenamento jurídico. INDEPENDÊNCIA RELATIVA OU MITIGADA DAS INSTÂNCIAS: A ilicitude é uma só, dado o postulado da unidade do ordenamento jurídico, que não admite contradições. Contudo, segundo entendimento dominante, adota-se, no Brasil, a separação das instâncias penal e cível, com preponderância daquela, observada a suficiência probatória e a subordinação temática. Assim, faz coisa julgada no cível a sentença penal condenatória transitada em julgado (art. 63, CPP), podendo o próprio juízo penal fixar valor mínimo para a indenização (art. 387, IV, CPP). Também vinculam o juízo cível as sentenças penais definitivas que reconhecerem a inexistência do fato ou a negativa de autoria (art. 935, CC), bem como as causas de exclusão da ilicitude da legítima defesa, do estado de necessidade, do exercício regular de direito e do estrito cumprimento do dever legal (art. 65, CPP). Além disso, o processo civil pode ser suspenso no aguardo da solução do caso no processo penal (art. 265, IV, "a", e § 5º, do CPC). CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO: causas de justificação, justificantes, descriminantes ou causas de exclusão da ilicitude ou da antijuridicidade são permissões para que o agente realize a ação proibida ou deixe de realizar a ação mandada pela lei penal, em vista de situações de conflito social. Existem causas legais constantes da Parte Geral do CP (art. 23): estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal, exercício regular de direito. Existem causas de justificação previstas na Parte Especial do CP: arts. 128 e 142, por exemplo. Existem causas legais na legislação extrapenal (basicamente direitos e deveres). Existem também causas supralegais: consentimento do ofendido, colisão de deveres. FUNDAMENTO DAS JUSTIFICAÇÕES: as teorias monistas destacavam a finalidade como princípio unitário fundamentador das justificações (como o meio adequado para fins reconhecidos como justos, a ponderação de valores, o interesse predominante). Hoje, porém, são dominantes as teorias pluralistas, que identificam certos princípios sociais como fundamento das justificações: os princípios da proteção e da afirmação do Direito na legítima defesa, o princípio da ausência de interesse na proteção do bem jurídico no consentimento do ofendido, a área livre do Direito para a colisão de deveres etc. ERRO: o CP (Exposição de Motivos) adotou a teoria limitada da culpabilidade. Assim, no caso de descriminante putativa fática (erro de tipo permissivo), se o erro acerca da situação fática justificante era invencível, há isenção de pena; se vencível, pune-se o crime na forma culposa, se previsto o tipo respectivo (art. 20, § 1°). Já no caso de descriminante putativa normativa (erro de proibição indireto ou erro de permissão) acerca da existência ou dos limites jurídicos da justificação, se o erro era invencível, há isenção de pena (afasta a culpabilidade, mais precisamente a potencial consciência da ilicitude); se vencível, pune-se o crime na forma dolosa, com atenuação da pena (art. 21, caput). Aplicam-se a qualquer causa de justificação. 2. LEGÍTIMA DEFESA: PRINCÍPIOS: da proteção individual e da afirmação do Direito. REQUISITOS LEGAIS: art. 25 do CP. INJUSTA AGRESSÃO: a mera provocação não autoriza a reação, já que o CP a considera,apenas, como atenuante (art. 65, III, “c”). A agressão não precisa configurar crime; pode tratar-se de mero injusto civil (ex.: furto de uso). A agressão deve provir de ser humano; contra animais, há estado de necessidade (se o animal é usado como instrumento por alguém, há legítima defesa). A agressão pode derivar de ação ou omissão, dolosa ou culposa. Se nem mesmo conduta humana há (ataque epilético, sonambulismo etc.), a proteção de bem jurídico poderá dar-se via estado de necessidade. AGRESSÃO ATUAL OU IMINENTE: agressão pretérita ou futura não autoriza legítima defesa (não se funda em mero temor ou revide). Agressão atual ou iminente abarca os atos ocorridos desde o momento final da preparação (perigo concreto de lesão) até a sua consumação material. USO MODERADO DOS MEIOS NECESSÁRIOS: apesar da incidência do princípio da afirmação do Direito, a desproporção crassa entre agressão e reação não justifica (ex.: matar para evitar o furto de um relógio). Deve haver defesa apropriada do bem jurídico com o menor dano possível ao agressor. Não há dosagem milimétrica, já que a agressão, geralmente, perturba o ânimo do agente. Não se exige inevitabilidade do confronto. EXCESSO: é punível a título de dolo ou culpa. O excesso doloso pode dar-se ou porque o defendente, consciente e deliberadamente, aproveita-se da situação inicial de defesa para infligir dano desnecessário ao agressor, ou porque erra quanto aos limites da permissão (erro de proibição indireto). No excesso culposo, há uma imprudente falta de contenção do agente, provocando dano mais grave que o tolerado para a situação. O excesso pode ser, ainda, consciente ou inconsciente; este, também chamado de legítima defesa subjetiva, deriva de erro de tipo permissivo (o agente não percebe que a agressão cessou e continua a atingir o agressor), gerando absolvição se inevitável ou condenação a título de culpa se evitável (art. 20, § 1º). O excesso pode ser intensivo (meios desnecessários ou intensidade imoderada) ou extensivo (agressão já finda). Admite-se o chamado excesso escusável (ou “exculpante”), que afasta a culpabilidade, se for intensivo e derivar de medo, pavor ou confusão. BENS JURÍDICOS PROTEGÍVEIS: qualquer bem jurídico individual é passível de proteção. Bens jurídicos estatais, principalmente patrimônio público, também admitem legítima defesa. Já bens da comunidade, como a paz social ou a ordem pública, não a admitem, em vista dos perigos que poderiam ser criados; nesses casos, deve ser acionada a força pública (polícia). BEM JURÍDICO PRÓPRIO OU DE TERCEIRO: para a defesa de bem jurídico disponível de terceiro, deve haver consentimento (expresso ou presumido). Na tentativa de suicídio, o terceiro é, ao mesmo tempo, o defendido e o agressor. ELEMENTO SUBJETIVO: exige-se animus defendendi. PERMISSIBILIDADE DA DEFESA (LIMITAÇÕES ÉTICO-SOCIAIS): agressões de inimputáveis (crianças, bêbados ou loucos) somente autorizam o menor dano possível, inclusive fuga, se possível, pois o princípio da afirmação do Direito não cobra aplicação. A provocação prévia não autoriza a legítima defesa ao provocador, salvo excesso por parte do provocado. Agressões entre pessoas ligadas por relações de afetividade ou convivência comportam limitações ético-sociais. Agressões culposas ou decorrentes de erro também. Ofensas insignificantes exigem proporcionalidade estrita da repulsa. LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA: como descriminante putativa fática: se inevitável o erro, isenta de pena; se evitável, há punição a título de culpa, se previsto o tipo respectivo. Como descriminante putativa normativa (erro sobre os limites da justificação): se inevitável, isenta de pena; se evitável, há punição na forma dolosa, mas com atenuação da pena. CONFLITOS: não há legítima defesa real contra legítima defesa real ou contra estado de necessidade real. Pode haver legítima defesa real contra legítima defesa putativa. Pode haver legítima defesa putativa contra estado de necessidade real. A doutrina nacional admite a legítima defesa com aberratio ictus (com base no art. 73 do CP); apesar disso, parece mais adequado tratar a agressão ao terceiro inocente como estado de necessidade agressivo, a excluir a ilicitude, já que até mesmo a obrigação cível de indenizar persiste e não se pode impedir que o atingido pelo erro também se proteja (veja-se que o novo Código Civil não reproduziu o disposto no art. 1.540 do Codex revogado, que assegurava indenização ao inocente atingido pela reação defensiva, o que reforça a tese ora sustentada, pois só no estado de necessidade o terceiro inocente tem direito a indenização, de acordo com o disposto no art. 930, caput, do novo Código Civil). LEGÍTIMA DEFESA SUCESSIVA: o excesso do defendente autoriza a legítima defesa do agressor inicial. OFENDÍCULOS: a doutrina dominante trata como legítima defesa preordenada; corrente minoritária trata como exercício regular de direito. São mecanismos pré-dispostos à proteção de determinados bens jurídicos, principalmente patrimoniais (cerca elétrica, cachorros ferozes, cacos de vidro em muros). Os riscos correm por conta de quem os utiliza. Se inocente for atingido, quem os utilizou pode responder, ao menos, por culpa. Aparatos ocultos geralmente caracterizam o excesso. EFEITOS CÍVEIS: somente a legítima defesa real contra o agressor exclui indenização (arts. 188, I, e 930, parágrafo único, do CC). 3. ESTADO DE NECESSIDADE: PRINCÍPIO: proporcionalidade estrita. TEORIA UNITÁRIA: no Brasil, o Código Penal adota a teoria unitária: o estado de necessidade é sempre causa de exclusão da ilicitude (justificação), tanto se o bem salvo é de maior ou de mesma hierarquia que o sacrificado. Para a teoria diferenciadora, adotada pelo Código Penal Militar (arts. 39 e 43), se os bens jurídicos em jogo são de mesma hierarquia, há estado de necessidade exculpante apenas (somente afasta a culpabilidade). REQUISITOS LEGAIS: art. 24 do CP. PERIGO ATUAL: perigo já cessado ou de futuro remoto não autoriza estado de necessidade. O perigo pode derivar de fenômenos naturais (incêndios, inundações) ou de acontecimentos sociais (acidentes, distúrbios civis). PERIGO INVOLUNTÁRIO: voluntário é aquele que decorre de dolo, direto ou eventual (há divergência doutrinária quanto à culpa). A vontade dirige-se ao perigo, não ao resultado. Quem salva o provocador doloso do perigo, desconhecendo essa circunstância, atua em estado de necessidade de terceiro, se afetar algum bem jurídico de inocente. PERIGO INEVITÁVEL: o agente deve, sempre, optar pela solução menos gravosa. Se podia evitar a lesão, não há estado de necessidade. Se havia opção menos gravosa, o agente responde pelo excesso, intensivo ou extensivo, por dolo ou culpa. DIREITO PRÓPRIO OU ALHEIO: se o bem jurídico de terceiro é disponível, deve haver consentimento (expresso ou presumido). RAZOABILIDADE DO SACRIFÍCIO: no estado de necessidade, há conflito de bens, que é resolvido pelo princípio da proporcionalidade. O art. 24, § 2°, do CP, prevê causa de diminuição de pena, se não era razoável o sacrifício (assim, não parece possível sustentar-se o estado de necessidade exculpante supralegal, resultante do sacrifício de bem jurídico de maior valor, como o faz Assis Toledo). Critérios relativos: prepondera o bem jurídico protegido por tipo com pena maior, prepondera o perigo concreto ao abstrato, preponderam os bens jurídicos da personalidade aos materiais, preponderam osbens jurídicos relativos ao corpo e à vida sobre todos os demais, prepondera a lesão mais intensa à menos intensa. DEVER LEGAL DE ENFRENTAR O PERIGO: é o caso de algumas funções públicas ou profissões (policiais, bombeiros, médicos, capitães de navios). É de aplicação o princípio da razoabilidade, pois enfrentar o perigo não significa imolar-se. Não abarca o dever contratual. Quem causou o perigo não responde por eventual morte de bombeiro ou socorrista. ESTADO DE NECESSIDADE AGRESSIVO E DEFENSIVO: no primeiro, a ação é dirigida contra terceiro; no segundo, a ação é dirigida contra quem provocou (culposamente) o perigo. Se a ação de salvamento se volta contra quem provocou dolosamente o perigo, há legítima defesa. ELEMENTO SUBJETIVO: o agente deve conhecer a situação de perigo e agir na intenção de salvar o bem jurídico em risco. ESTADO DE NECESSIDADE PUTATIVO: como na legítima defesa, pode configurar erro de tipo permissivo ou erro de proibição indireto (erro de permissão sobre os limites da justificação). Pode dar-se estado de necessidade com aberratio criminis (ex.: atirar em cão raivoso e atingir terceiro). ESTADO DE NECESSIDADE RECÍPROCO: é possível (ex.: tábua da salvação). EFEITOS CÍVEIS: arts. 188, II, 929 e 930 do CC. No estado de necessidade agressivo, a obrigação de indenizar persiste, mas há ação de regresso contra o eventual provocador do perigo. 4. ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL: DEVER LEGAL: deriva da lei. Geralmente, trata-se de certas funções públicas (policiais, oficiais de Justiça), mas a doutrina majoritária estende aos particulares. Abarca todo e qualquer dever previsto em lei em sentido amplo (leis, decretos, regulamentos); não é aplicável a deveres morais, religiosos ou sociais. ESTRITO CUMPRIMENTO: os direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade indicam se o cumprimento do dever legal foi estrito. O excesso, intensivo ou extensivo, doloso ou culposo, é punível (CP ou Lei n° 4.898/65), bem como autoriza legítima defesa. Para prender em flagrante ou evitar fuga de preso, a morte dolosa não se justifica, a menos que exista situação de legítima defesa. Da mesma forma, parece inconstitucional a chamada Lei do Abate (Lei nº 9.614/98, regulamentada pelo Decreto nº 5.144/2004). ERRO DE TIPO PERMISSIVO: somente erros graves levam à punição a título de culpa. 5. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO: EXERCÍCIO REGULAR: o abuso de direito é punível. DIREITO: pode derivar da lei ou do costume (ex.: trote acadêmico, fila). CASOS: desforço imediato (art. 1.210, § 1º, do CC), corte de raízes ou galhos de árvores de prédios vizinhos (art. 1.283 do CC), atuação pro magistratu (prisão em flagrante e autoajuda), direito correcional (alguns consideram como estrito cumprimento de dever legal). Lesões esportivas, devido ao princípio da adequação social (Welzel), afastam a própria tipicidade, desde que observadas as regras do jogo (a doutrina, majoritariamente, considera exercício regular de direito). 6. CONSENTIMENTO DO OFENDIDO: NATUREZA: pode afastar a tipicidade (ex.: estupro, violação de domicílio) ou a ilicitude (ex.: lesão corporal, dano). No primeiro caso, fala-se em acordo; no segundo, em consentimento propriamente dito. Como justificação, é causa supralegal. FUNDAMENTO: princípio da ausência de interesse na proteção do bem jurídico. REQUISITOS: capacidade para consentir (18 anos de idade mais higidez mental, para Pierangelli; capacidade concreta de compreensão e juízo, para Roxin), bem disponível (quanto à integridade corporal, apenas para lesões leves), consentimento anterior ou simultâneo e sem vício (consentimento posterior ou derivado de fraude ou coação não justifica), FORMA DO CONSENTIMENTO: expressa ou tácita (basta consentimento mediante uma ação concludente); pode ser revogado a qualquer tempo (a revogação deve ser expressa). No caso de incapazes, o consentimento pode ser dado por seu representante legal, exceto em decisões existenciais (extração de órgãos, risco de morte, afetação da dignidade). ELEMENTO SUBJETIVO: se o agente desconhecia o consentimento, responde pelo crime. CONSENTIMENTO PRESUMIDO: é subsidiário em relação ao consentimento real; existindo este, o presumido não subsiste. Justifica, se razoável, mesmo com posterior insurgência do titular do bem jurídico. ERRO SOBRE A SITUAÇÃO FÁTICA: aplica-se o art. 20, § 1°, do CP (ex.: médico que realiza intervenção cirúrgica devido a prontuário errado que lhe é apresentado). CASOS: intervenções médicas (se há risco de morte, o médico pode/deve agir, independentemente de consentimento: art. 146, § 3°, I, do CP). TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS: ver Lei nº 9.434/97. ESTERILIZAÇÃO: ver Lei n° 9.263/96. 7. COLISÃO DE DEVERES: FUNDAMENTO: é permissão análoga ao estado de necessidade (Fragoso). Não há previsão no CP; é causa de justificação supralegal (alguns tratam como caso de inexigibilidade de conduta diversa no âmbito da culpabilidade). PRINCÍPIO DA PONDERAÇÃO DE BENS: critérios: valor dos bens jurídicos ameaçados, posição jurídica do destinatário da norma (deveres especiais prevalecem sobre os gerais), natureza do dever (deveres de omissão prevalecem sobre os de ação), proximidade do perigo. EXTENSÃO: em princípio, pode abarcar tanto deveres de ação como de omissão. Exemplos: pai que se vê na contingência de ter de salvar dois filhos de afogamento; pai que se vê na contingência de ter de furtar para saciar a fome dos filhos; médico que se vê na contingência de violar sigilo profissional para evitar propagação de doença contagiosa. CULPABILIDADE 1. INTRODUÇÃO: FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL (Maurício Antônio Ribeiro Lopes): art. 5º, XLV (responsabilidade pessoal), art. 1º, III (dignidade da pessoa humana), art. 4º, II (prevalência dos direitos humanos), art. 5º, caput (inviolabilidade do direito à liberdade e igualdade). FUNDAMENTO DOGMÁTICO: a estrutura analítica do crime é criação doutrinária, a partir da lei. Através dos artigos do CP que tratam da imputabilidade, do erro de proibição, da coação moral irresistível etc., pode-se inferir a categoria da culpabilidade. PRINCÍPIO DE CULPABILIDADE: nullum crimen nulla poena sine culpa significa que não se pode penalizar alguém sem ser-lhe reprovável o injusto (fundamento) e que a pena não pode ultrapassar o limite da culpabilidade (limite). Convém observar, porém, que os pressupostos da culpabilidade como fundamento da pena são diferentes dos da culpabilidade como limite. Naquela, trata-se da imputabilidade, da potencial consciência da ilicitude e da exigibilidade de conduta diversa; nesta, trata-se de circunstâncias consideradas na medição da pena (circunstâncias judiciais e legais). ELEMENTOS: imputabilidade (capacidade de culpabilidade); consciência real ou potencial da ilicitude; exigibilidade de comportamento diverso (normalidade das circunstâncias do fato). CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE: inimputabilidade; erro de proibição invencível; inexigibilidade de outra conduta. CONSEQUÊNCIAS: permite legítima defesa (é injusto); persiste indenização cível (é injusto). EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CULPABILIDADE: Concepção psicológica: relaciona-se com o causalismo naturalista.Culpabilidade é a relação subjetiva entre o autor e o fato (Von Liszt); é a ligação psíquica entre o autor e o fato. Era integrada apenas pelo dolo e pela culpa, tendo como pressuposto a imputabilidade. O fato punível, assim, tinha uma parte exterior descritivo-objetiva (tipicidade e ilicitude) e uma parte interior descritivo-subjetiva (culpabilidade). Somente o erro (que elimina o elemento intelectual) ou a coação (que elimina o elemento volitivo) afastavam a culpabilidade. Crítica: apresentava incoerência, pois a culpa tem caráter normativo, não psicológico (principalmente culpa inconsciente); não explicava as causas de exculpação, em que o elemento subjetivo permanecia intacto. Concepção complexa ou psicológico-normativa: Frank (1907) concebeu a culpabilidade como reprovabilidade, sem, porém, afastar dela o dolo e a culpa. Assim, situações anormais também afastariam a culpabilidade. Culpabilidade era, pois, relação psicológica e juízo de reprovação. Goldschmidt, em seguida, viu na inexigibilidade a idéia diretriz das causas de exculpação. Freudenthal, então, desenvolveu a inexigibilidade como causa geral supralegal de exclusão da culpabilidade (não-poder-agir-de-outro-modo). Mezger foi o grande difusor dessa concepção. Sofreu influência do neokantismo, o qual veio a tomar o lugar do positivismo naturalista. Valores ingressam na teoria do delito. Na culpabilidade, é a reprovação. Dolo e culpa passam a ser meros elementos da culpabilidade, e não sua forma. A culpabilidade não é mais interna ao agente, mas externa: é um juízo de reprovação, de censura. Elementos: imputabilidade, dolo e culpa, exigibilidade. O dolo engloba vontade, representação e consciência da ilicitude. Concepção normativa pura: com Welzel (finalismo), o dolo e a culpa passam para o tipo, restando a culpabilidade como pura reprovabilidade (teoria normativa pura). Fala-se, agora, em ação – e não culpabilidade - dolosa ou culposa. O dolo do tipo é o natural, destituído da consciência da ilicitude, que permanece na culpabilidade. São seus elementos a imputabilidade, a possibilidade de conhecimento da ilicitude e a exigibilidade de obediência ao Direito. CONCEITOS DE CULPABILIDADE: Formal: conjunto de elementos exigidos por um ordenamento jurídico específico como seus pressupostos. Material: fundamento último da reprovação a partir do qual a legislação estabelece seus pressupostos (teorias do poder-agir-de-outro-modo de Welzel - dominante -, da responsabilidade pelo próprio caráter, da dirigibilidade normativa de Roxin, da atribuição segundo necessidades preventivo-gerais de Jakobs). PODER-AGIR-DE-OURO-MODO: critério dominante é o do homem médio. LIVRE ARBÍTRIO E ALTERIDADE: do confronto entre deterministas e indeterministas surgiu a divisão das consequências do crime em medidas de segurança e penas. Em verdade, o que fundamenta, substancialmente, a culpabilidade é o princípio de alteridade (Juarez Cirino dos Santos). Independentemente do grau de liberdade real do homem, a presença do outro exige motivação normativa (Roxin fala em dirigibilidade normativa). É evidente que o ser humano age diferentemente dos demais seres vivos, pois pode controlar seus impulsos e dirigir-se com base em sentido, valores e normas. A sociedade é inconcebível sem a motivabilidade normativa. A lei penal presume a liberdade (autodeterminação), prevendo hipóteses que a excluem (inimputabilidade, erro de proibição etc.). No processo, não se precisa provar a existência da liberdade de atuar de outro modo, mas – sim – eventuais circunstâncias que a excluem ou a limitam. CULPABILIDADE PELO FATO E DE AUTOR: em um Estado Democrático de Direito não se pode censurar alguém pelo que é, mas pelo que fez. A culpabilidade, assim, há de apreciar-se, em princípio, no momento da realização do tipo. A pena não pode fundamentar-se no caráter ou na conduta de vida do agente, apesar de poder ser considerada na fixação da pena aplicável em decorrência da prática de um fato delituoso (ex.: art. 59 do CP – personalidade do agente etc.). 2. IMPUTABILIDADE: CONCEITO: significa capacidade de culpabilidade; imputável é quem pode ser responsável. Pressupõe idade e higidez mental. O CP fixou critérios negativos que excluem a imputabilidade: menoridade; doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; embriaguez completa oriunda de caso fortuito ou força maior; dependência ou intoxicação completa oriunda de caso fortuito ou força maior (este previsto na Lei de Drogas). MENORIDADE: são inimputáveis os menores de 18 anos de idade, que se sujeitam, em caso de ato infracional, às regras do ECA (arts. 228 da CF e 27 do CP). Emancipação não afeta menoridade penal (sistema biológico puro). Já responde penalmente quem comete crime no dia em que estiver completando 18 anos de idade (art. 10 do CP), não importando a hora (STJ); vale a hora oficial, mesmo sendo horário de verão. PSICOPATOLOGIAS: sistema biopsicológico (misto): doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado mais incapacidade de entender o caráter ilícito do ato ou de determinar-se de acordo com o entendimento (art. 26 do CP). CLASSES: Doença mental (inimputabilidade): psicoses (demência, epilepsia, esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva). Perturbação da saúde mental (semi-imputabilidade): neuroses, psicopatia. Desenvolvimento mental retardado (semi-imputabilidade e inimputabilidade): oligofrenia, surdimutismo. Desenvolvimento mental incompleto (semi-imputabilidade e inimputabilidade): silvícolas. TEMPO DO CRIME: incapacidade deve existir no momento da prática do crime, nem antes, nem depois. No caso de doença mental superveniente, o CPP prevê a suspensão do processo (art. 152) e a LEP, internação provisória simples ou conversão (arts. 108 e 183). PRESUNÇÃO DE PERICULOSIDADE: crime apenado com reclusão gera internamento; crime apenado com detenção gera tratamento ambulatorial (art. 97 do CP). O réu é absolvido impropriamente, com imposição de medida de segurança (Súmula 422 do STF). PRAZO: no caso de inimputabilidade, a medida de segurança é, de acordo com a lei, fixada por prazo indeterminado. Porém, tanto doutrina como jurisprudência vêm impondo limite à sua duração, por força da vedação constitucional de penas perpétuas. No STF, por exemplo, já se entendeu que o prazo máximo é de 30 anos (HC 84.219-4/SP, 1ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio, em 16.08.2005). SEMI-IMPUTABILIDADE: prevista para os casos duvidosos. Pode atenuar a pena ou levar à aplicação de medida de segurança. Sistema vicariante (art. 98 do CP): pena ou medida de segurança. Há condenação do réu, com ulterior atenuação da pena ou substituição por medida de segurança pelo prazo de privação de liberdade fixado (contudo, pelo item 22 da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral, uma vez substituída a pena por medida de segurança, o semi-imputável haveria de passar a ser tratado como inimputável). EMBRIAGUEZ: gera absolvição, sem imposição de medida de segurança, se completa e oriunda de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º, do CP). Se incompleta e oriunda de caso fortuito ou força maior, atenua a pena (art. 28, § 2º, do CP). Se preordenada, agrava a pena (art. 61, II, “l”, do CP). Se patológica, implica medida de segurança (art. 26 do CP). ACTIO LIBERA IN CAUSA: teoria que procura explicar que o estado de inimputabilidade não isenta de pena se o resultado era previsível ou foi querido anteriormente (ação livre na causa), como exceçãoao princípio da simultaneidade. EMOÇÃO E PAIXÃO: não afetam imputabilidade (art. 28, I, do CP), exceto se patológicas. 3. POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE: OBJETO: conhecimento do injusto concreto, da lesividade da conduta ou da anti-socialidade do comportamento. Não confundir com desconhecimento da lei. CONHECIMENTO DO INJUSTO: não precisa ser real (basta potencial). É suficiente conhecimento na esfera do profano. Erros de subsunção, de eficácia, de vigência ou de punibilidade são, em princípio, irrelevantes. Meios: reflexão (delitos mala in se) e informação (delitos mala prohibita). No âmbito dos crimes tradicionais dificilmente ocorrerá o erro escusável. Nas áreas regidas por normas especiais geralmente há dever de informar-se. ESPÉCIES DE ERRO: Erro de tipo permissivo (sobre a situação de fato justificante): atinge dolo, afastando tipicidades dolosa e culposa, se inevitável (art. 20, § 1º, do CP). Erro de proibição direto: atinge consciência da ilicitude, afastando culpabilidade, se inevitável (art. 21, caput, do CP). Erro de proibição indireto (ou erro de permissão: sobre existência ou limites normativos de justificação): atinge consciência da ilicitude, afastando culpabilidade, se inevitável (art. 21, caput, do CP). Se o erro for sobre algum dever de agir, é chamado de erro de mandado (art. 21, caput, do CP). TEORIAS ESTRITA E LIMITADA DA CULPABILIDADE: razão da distinção: fidelidade ao direito (o erro de tipo permissivo deve ser apenado mais brandamente que o erro de permissão porque o agente respeita os valores e normas jurídicas, errando sobre a situação fática apenas). CP adota teoria limitada da culpabilidade (itens 17 e 19 da Exposição de Motivos). DESCRIMINANTES PUTATIVAS: Fáticas: erro de tipo permissivo (art. 20, § 1º, do CP). Normativas: erro de proibição indireto ou de permissão (art. 21, caput, do CP). INEVITABILIDADE (ESCUSABILIDADE) DO ERRO QUANTO À ILICITUDE DO FATO: depende de inúmeras variáveis, como posição social, capacidade pessoal, valores dominantes etc. (art. 21, parágrafo único, do CP). 4. EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA: EXCULPAÇÃO: circunstâncias fáticas anormais afetam dirigibilidade normativa. HIPÓTESES LEGAIS: Coação moral irresistível (vis compulsiva – art. 22 do CP): é punível o autor da coação (autoria mediata); pressupõe perigo atual e inevitável de outro modo (ameaça); a resistibilidade deve ser analisada nos aspectos objetivos e subjetivos; se é resistível, há atenuante, de acordo com o art. 65, III, “c”, do CP (coagido e coator respondem em concurso de pessoas); temor reverencial não a caracteriza; pressupõe coator, coagido e vítima; pode haver coação moral irresistível putativa. Vis absoluta (coação física) exclui ação. Obediência hierárquica (art. 22 do CP): a ordem não deve ser manifestamente ilegal; o subordinado responde pelo excesso doloso ou culposo, se desbordar da ordem dada; é de ser considerada a capacidade intelectual do subordinado; exige relação de direito público; juízo de oportunidade ou conveniência não toca ao subordinado; autor da ordem ilegal responde; é atenuante também (art. 65, III, “c”, do CP); pode haver obediência hierárquica putativa. HIPÓTESES SUPRALEGAIS: Objeção de consciência: CF garante liberdade de consciência (art. 5º, VI); é decisão moral tida como dever interno; implica ponderação com outros direitos fundamentais e com a segurança do Estado. Desobediência civil: consiste em atos demonstrativos públicos (bloqueios, ocupações, passeatas etc.); não pode haver violência nem resistência ativa a ordem; exculpa, porque o injusto é mínimo e a motivação é relevante. Excesso escusável na legítima defesa: nas hipóteses de afetos astênicos (medo, confusão, susto), mesmo havendo excesso (apenas intensivo, para a doutrina dominante), o agente pode ser desculpado; justifica-se pela dupla redução do injusto e da culpabilidade (Jescheck) ou pela desnecessidade de prevenção (Roxin). Estado de necessidade exculpante: o CP adotou a teoria unitária (o Código Penal Militar adotou a teoria diferenciadora); assim, mesmo sendo de mesma natureza os bens jurídicos protegido e lesado, haverá exclusão da antijuridicidade. Alguns autores brasileiros, porém, sustentam a teoria diferenciadora (Fragoso, Pierangelli). Genérica: admitida pelo STJ. 5. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA: CONSTITUIÇÃO FEDERAL: muitos autores defendem que a CF não previu a responsabilidade penal da pessoa jurídica (Pierangelli, Bitencourt, Cernicchiaro). Há que aguardar-se pronunciamento do STF; contudo, é o Legislador o principal concretizador da CF, o que gera a presunção de constitucionalidade da Lei dos Crimes Ambientais. Proposta de Emenda Constitucional nº 269 de 1995, que pretendia alterar a redação do art. 225, § 3º, da CF, foi arquivada. LEI Nº 9.605/98: previu responsabilidade penal da pessoa jurídica no art. 3º. Luiz Régis Prado entende difícil não considerá-lo ofensivo à CF. O STJ já entendeu possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por crime ambiental, condicionando, porém, à identificação das pessoas físicas que atuaram em nome da empresa (REsp 610.114, 5ª Turma, rel. Min. Gilson Dipp, unânime, julgado em 17.11.2005, e RMS 16.696, 6ª Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, unânime, julgado em 09.02.2006); contudo, o STF refutou a tese (RE 548.181, 1ª Turma, rel. Min. Rosa Weber, por maioria, julgado em 06.08.2013). REQUISITOS: a) infração penal cometida por decisão de representante legal ou contratual ou por órgão colegiado da empresa (coautoria necessária, responsabilidade por ricochete); executor material pode ser também qualquer preposto; b) infração penal cometida no interesse ou benefício da empresa; ato individual de representante, sem proveito à empresa, não gera responsabilização coletiva; c) em princípio, somente as pessoas jurídicas de direito privado podem ser responsabilizadas (incluídas as empresas públicas e as sociedades de economia mista). Críticas à responsabilização de entidades públicas: penas previstas são inaplicáveis; a infração não é cometida em proveito da comunidade como exige a lei; seria hipótese de autopunição; d) infração deve ocorrer na esfera de atividades da empresa, com utilização de seu poder e estrutura (Shecaira). CRÍTICA: os críticos sustentam que as empresas não teriam capacidade de ação, de culpabilidade e de pena. Sem razão, ao que parece. As pessoas jurídicas são realidades juridicamente construídas e, como tal, centros de normatividade. As empresas agem através de seus órgãos. A categoria dogmático-penal da ação depende da descrição típica, não mais subsistindo como conceito pré-jurídico. A vontade da pessoa jurídica, por vezes, não é reconduzível à vontade individual dos seus dirigentes (deliberações coletivas). A culpabilidade há de ser baseada em responsabilidade social (responsabilidade por organização), através da “informação construída” (David Baigún) à vista da regulamentação estatal do ramo de atividade. Pode-se comparar o comportamento da empresa acusada com o de outras com potencial assemelhado, através de critérios de razoabilidade. O princípio subjacente é a exigibilidade de ação institucional diversa. Hipóteses mais comuns de exclusão da responsabilidade: erro de proibição, coação moral irresistível e anormalidade da situação fática. Quanto à pena, a prevenção geral positiva a justifica (reforçar a fidelidade às regras de direito das empresas que as seguem),bem como existem inúmeras sanções adequadas à natureza das pessoas jurídicas (multa, restritiva de direito etc.).
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