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GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 Depto de Letras, Artes e Cultura O INTERROGATÓRIO Peter Weiss ********************************** Oratório em 11 cantos Tradução de Teresa Linhares e Carlos de Queiroz Telles Personagens: JUIZ PROMOTOR Advogado de Defesa Acusados 1 - 18 (representam pessoas existentes) Testemunhas 1 - 19 (representam pessoas anônimas) I CANTO DA PLATAFORMA II CANTO DO CAMPO III CANTO DA MÁQUINA DE FAZER FALAR IV CANTO DOS SOBREVIVENTES V CANTO DA MORTE DE LILI TOFLER VI CANTO DO SARGENTO STARK VII CANTO DO MURO NEGRO VIII CANTO DO FENOL IX CANTO DO CÁRCERE X CANTO DO ZYKLON B XI CANTO DOS FORNOS CREMATÓRIOS GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 NOTA DO AUTOR Na montagem desta peça não deverá haver a intenção de reconstituir o tribunal onde foram instaurados os processos sobre os campos de con-centração. Para o autor, esta reconstituição não faria sentido,do mesmo modo como não teria sentido uma reconstituição do campo. Centenas de testemunhas compareceram perante o tribunal por ocasião dos interrogatórios. A confrontação das testemunhas e dos acusados, as declarações e as respostas, sempre estiveram sobrecarregadas por forte emoção, De tudo isto, deve transparecer apenas um resumo. Os diálogos devem mostrar os fatos, como foram expostos no processo. As experiências e confrontações pessoais devem ceder lugar ao anonimato,. Despojados de seus nomes, as testemunhas do drama tornam-se simples porta-vozes.As 9 testemunhas repetem apenas o que centenas delas declararam anterior mente. As diversidades das experiências pode, quando muito, transparecer através de modificações de vozes e temperamentos. As testemunhas 1 e 2 faziam parte da administração do campo. As testemunhas 4 e 5 são mulheres. As demais são prisioneiros que sobreviveram. Ao contrário das testemunhas, cada um dos 18 acusados representa uma figura bem determinada: seus nomes foram recolhidos do processo verdadeiro o fato de que aqui eles apareçam com seus próprios nomes é mui to significativo, uma vez que eles tinham estes nomes também na ocasião dos acontecimentos a que se refere o processo, enquanto os presos eram simples números. As pessoas que são nomeadas neste drama, não devem entretanto ser novamente acusadas. Eles apenas emprestam suas identidades ao autor,como símbolos de um sistema que criou muitos homens culpados e impunes. Na montagem do espetáculo, pode haver um intervalo após o sexto canto. CANTO DA PLATAFORMA JUIZ Testemunha, o senhor era Chefe da Estação onde chegavam os trens com os deportados. Qual era a distancia entre a estação e o campo? TEST. 1 Dois quilômetros, até o velho quartel. Cerca de cinco até o Campo Principal. JUIZ O senhor também trabalhava no Campo? TEST. 1 Não. Meu serviço era apenas zelar pelo bom estado das linhas e controlar o horário dos trens. JUIZ Qual era o estado da ferrovia? TEST. 1 A linha era bem construída e perfeitamente conservada. JUIZ Era o senhor quem determinava o horário dos trens? TEST. 1 Não. Apenas tomava decisões de ordem técnica, relacionadas com o tráfego entre a estação e o campo. JUIZ Existem documentos assinados pelo senhor GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 determinando horários para os trens. TEST. 1 Pode ter acontecido. Talvez eu tenha assinado na ausência de outros. JUIZ O senhor sabia qual era a finalidade dos transportes? TEST. 1 Não estava informado sobre o assunto. JUIZ Mas o senhor sabia que os trens estavam carregados de pessoas. TEST. 1 Sabiamos apenas que eram pessoas transferidas e colocadas sob a proteção do Reich. JUIZ O senhor nunca perguntou a si mesmo por que os trens sempre voltavam vazios do Campo? TEST. 1 Era lá que ficavam alojadas as pessoas transportadas. PROMOTOR Testemunha, o senhor ocupa hoje um posto de responsabilidade na Direção das Estradas de Ferro Federais. Podemos então admitir sua competência em assuntos relacionados a equipamentos e cargas. Qual era o equipamento e qual era a carga dos trens que chegavam? TEST. 1 Eram trens de Carga. Conforme os certificados cada vagão transportava cerca de 60 pessoas. PROMOTOR Eram vagões para carga, ou vagões para gado? TEST. 1 Eram vagões semelhantes aos que também se empregam para o transporte de gado. PROMOTOR Havia instalações sanitárias nos vagões? TEST. 1 Não sei. PROMOTOR Com que frequência chegavam estes trens? TEST. 1 Não saberia dizer. PROMOTOR Porem chegavam com frequência? TEST. 1 Naturalmente Era, uma estação terminal de muito trafego. PROMOTOR O senhor não achava estranho que estes transportes chegassem de quase todos os países da Europa? TEST. 1 Tinhamos tanto trabalho, que não podíamos nos preocupar com este tipo de coisas. PROMOTOR O senhor nunca se interessou pelo que podia acontecer com as pessoas transportadas? TEST. 1 Elas eram empregadas no Campo em trabalhos braçais. PROMOTOR Mas não chegavam apenas pessoas aptas para o trabalho. Seguiam para o campo famílias inteiras, com velhos e crianças. TEST. 1 Eu não tinha tempo para examinar a carga dos trens. PROMOTOR O senhor morava onde? Perto da Estação. PROMOTOR Quem mais morava na cidade? GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 TEST. 1 Os funcionários do Campo e o pessoal das indústrias próximas. A população do lugar tinha sido evacuada. PROMOTOR E que indústrias eram essas? TEST. 1 I.G. Farben, Krupp e Siemens PROMOTOR O senhor via os detentos que trabalhavam ali? TEST. 1 Quando entravam e quando saiam. PROMOTOR Que aspecto eles tinham? TEST. 1 Iam sempre marchando . E cantavam, PROMOTOR O senhor sabia alguma coisa sobre as condições de vida no Campo? TEST. 1 Diziam tantas tolices que ninguém sabia em que acreditar... PROMOTOR O senhor não ouviu falar em extermínio de seres humanos? TEST. 1 Como se poderia acreditar numa coisa dessas JUIZ Testemunha, o senhor era o responsável pela expedição da carga. TEST. 2 Meu trabalho era apenas entregar os vagões para as equipes de manobra. JUIZ E o que faziam estas equipes? TEST.2 Engatavam uma locomotiva que conduzia os vagões para dentro do Campo, JUIZ Quantos homens iam em cada vagão? TEST. 2 Não saberia dizer Era expressamente proibido se aproximar dos trens. JUIZ Quem proibia? TEST. 2 As tropas de guarda. JUIZ Todos os trens traziam documentação sobre a carga? TEST. 2 Na maior parte das vezes, não. Só uma indicação das quantidades transportadas, escritas a giz sobre os vagões. JUIZ E quais eram estes números? TEST. 2 60 cabeças, 80 cabeças, conforme o caso. JUIZ Quando chegavam os trens? TEST. 2 Geralmente, à noite. PROMOTOR Que impressão causavam ao senhor esses carregamentos? TEST. 2 Não compreendo a pergunta. PROMOTOR Testemunha, o senhor é hoje Inspetor Geral das Estradas de Perro Federais. Tem portantogrande experiência sobre condições de transporte. Os ruídos que se ouviam dentro dos vagões não o alertaram sobre a situação das pessoas transportadas TEST. 2 Certa vez, vi uma mulher erguer uma criança junto a um respiradouro GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 pedindo água aos gritos Fui buscar uma garrafa para entregar a ela. Nesse momento chegou uma sentinela e disse que eu seria fuzilado se não me afastasse imediatamente. JUIZ Testemunha, segundo os seus cálculos quantos trens chegavam a estação? TEST. 2 A media era de um por dia. Em casos especiais, até 2 ou 3. JUIZ Qual era o tamanho dos trens? TEST. 2 Podiam ter até 60 vagões . JUIZ Alguma vez o senhor esteve dentro do Campo? TEST. 2 Apenas uma. Acompanhei a locomotiva de manobras para regularizar alguns papéis. Desci junto ao portão da entrada e fui ao escritório do Campo. Quase não pude sair porque não tinha salvo-conduto. JUIZ O que o senhor viu no Campo? TEST. 2 Nada, Eu estava preocupado em poder sair. JUIZ O senhor viu as chaminés no fim da plataforma de desembarque? E a fumaça? E o reflexo do fogo? TEST. 2 Sim, a fumaça eu vi. JUIZ E o que pensou que fosse? TEST. 2 Pensei que eram os fornos da padaria do Campo Tinha ouvido dizer que ali se assava dia e noite, Era um campo muito grande. TEST. 3 Não paramos de viajar durante 5 dias. No segundo, nossas provisões já tinham acabado. Éramos 89 no vagão, com nossas malas e pacotes. Faziamos nossas necessidades sobre a palha. Muitos estavam doentes. Oito estavam mortos. Nas estações, podiamos ver pelos respiradouros as tropas de guarda serem servidas de sopa e café. Na última noite, quando nossos filhos já não choravam, o trem tomou um desvio secundário. Atravessamos um terreno plano, iluminado por refletores. Chegamos logo a um grande edifício parecido com uma granja Antes de atravessar os portões, a locomotiva apitou. O trem parou e as portas dos vagões foram abertas com violência. Apareceram detentos, com roupas listradas, gritando para nós: GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 "Todos para fora, depressa, depressa!" Havia uma altura de um metro e meio até o chão, coberto de cascalhos. Os velhos e os doentes cairam sobre as pedras cortantes. Os mortos e as bagagens foram jogados para fora, Tivemos que deixar tudo ali. Mulheres e crianças para um lado, os homens para o outro. Perdi de vista minha família . As pessoas gritavam por todos os lados chamando os seus parentes. Os cachorros latima. Das torres de vigilância, focos de luz e metralhadoras apontavam para nós. Na extremidade da plataforma de desembarque o céu era vermelho. 0 ar estava sujo de fumaça. A fumaça tinha um cheiro de coisa doce e chamuscada. Era a fumaça que permaneceria para sempre. TEST. 4 Ouvi meu marido me chamando, mas não podiamos sair do lugar. Éramos um grupo de mulheres e crianças, em filas de cinco pessoas. Depois, tivemos que passar diante de alguns oficiais. Um deles estendia o braço para a frente e indicava com o dedo: direita ou esquerda. As crianças e as velhas para a esquerda. Eu fiquei do lado direito. O grupo da esquerda atravessou os trilhos e tomou um outro caminho. Por um momento eu vi minha mãe entre as crianças. Piquei calma, pensando que logo nos veriamos de novo. Perto de mim, vima. mulher disse: "Esses vão para um campo de repouso". Havia caminhões naquele caminho, e um carro da Cruz Vermelha. Vimos todos subirem nos caminhões e ficamos contentes porque eles não precisariam maisandar. Nos continuamos a pé, por uma estrada cheia de lama. Eu levava pela mão o filho de minha cunhada. Ela carregava o menor no colo. Então, um dos detentos se aproximou de mim e perguntou se o menino era meu. GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 Quando disse que não ele mandou que eu o devolvesse a mãe. Foi o que eu fiz pensando que isto trouxesse alguma vantagem para ela. Mas eles foram para o lado esquerdo e eu para a direita. O oficial que nos separava era muito amável. Perguntei a ele para onde iam os outros e ele me respondeu: "Vão tomar um banho e daqui ha uma hora estarão de volta" JUIZ A testemunha sabe quem era esse oficial? TEST. 5 Eu soube depois. Ele se chamava Dr. Capesius. JUIZ A senhora pode fazer o favor de me indicar o acusado Dr. Capesius? TEST. 5 Quando eu olho estas caras me parece difícil reconhecer alguém. Mas aquele senhor ali, eu conheço. JUIZ Como e seu nome? TEST. 5 Doutor Capesius. ACUSADO 3 A testemunha por certo está me confundindo com outra pessoa. Eu nunca participei na triagem do desembarque, TEST. 6 já conhecia o Dr. Capesius antes da guerra. Eu era médico e ele me visitou muitas vezes em minha cidade, como representante farmacêutico das indústrias Bayer. Quando eu o encontrei no campo perguntei a ele o que seria de nós. Ele me disse: "tudo estará bem aqui". Contei a ele que a minha mulher estava doente. Ele respondeu: "Então ela deve ficar deste lado e será tratada". Indicou o grupo dos velhos e doentes e eu disse a minha mulher que fosse com eles. Ela partiu com sua sobrinha e alguns outros parentes. Embarcaram todos nos caminhões. JUIZ O senhor não tem nenhuma dúvida de que este seja o doutor Capesius? TEST. 6 Nenhuma. Eu conversei com ele. E foi para mim uma grande alegria encontrá-lo naquele momento. JUIZ Acusado Capesius, o senhor conhece esta testemunha? ACUSADO 3 Não. JUIZ O senhor ficava sobre a plataforma quando os trens chegavam? ACUSADO Picava ali apenas para recolher os medicamentos que viessem na bagagem dos presos. Minha função era guardá-los na farmácia. GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 JUIZ Testemunha, o senhor viu na plataforma de desembarque algum outro dos acusados aqui presentes? TEST. 6 Vi aquele. E sei o seu nome: ele se chama Hofmann. JUIZ A ousado Hofmann, que fazia o senhor quando os presos chegavam? ACUSADO 8 Manutenção da ordem e do silêncio. JUIZ De que maneira? ACUSADO 8 As pessoas eram agrupadas e em seguida os médicos decidiam quem tinha condições para o trabalho. As vezes, muitos eram considerados aptos. Outras, quase nenhum. Havia uma porcentagem certa que era estabelecida em função da necessidade de mão de obra. JUIZ E o que acontecia com aqueles que não eram usados no trabalho? ACUSADO 8 Iam para a câmara de gás. JUIZ Qual a porcentagem dos que eram designados para o trabalho? ACUSADO 8 Em média, um terço de cada trem. Quando o Campo estava lotado, todos eram liquidados imediatamente. JUIZ O senhor mesmo fez a triagem alguma vez? ACUSADO 8 Sobre esse assunto só posso dizer que coloquei muitos inaptos do lado dos aproveitados, quando eles me suplicavam que fizesse isso. JUIZ O senhor tinha esse direito? ACUSADO 8 Não. Era proibido. Mas sobre isso o pessoal fechava os olhos. JUIZ Durante o serviçode triagem era distribuída alguma ração especial ACUSADO 8 Sim. Ganhávamos pão. Uma ração de salsicha e um quinto de litro de álcool. JUIZ O senhor empregava violência durante o seu trabalho? ACUSADO 8 Sempre havia muita confusão e algumas vezes era necessário dar uns gritos e uns bofetões. Eu apenas cumpria o meu dever. JUIZ Como foi que o senhor começou a fazer este serviço? ACUSADO 8 Por acaso. Foi assim que aconteceu: GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 meu pai era dono de um bar muito frequentado por membros do partido, e meu irmão tinha uma farda sobrando que eu costumava usar. Um dia, me designaram para um trabalho. Eu não sabia o que era, nem para onde estava indo. Quando cheguei ao Campo quãs saber se o lugar era bom para mim. Me responderam: "Para você, é ótimo! PROMOTOR Acusado Hofmann, o senhor sabia o que acontecia com os presos selecionados ACUSADO 8 Senhor procurador, eu pessoalmente não tinha nada contra essa gente. Também viviam entre nós e antes que fossem presos eu sempre dizia a minha família: continuem a comprar nos seus empórios, eles são gente como os outros. PROMOTOR O senhor continuava a ter essa opinião quando trabalhava no Campo?. ACUSADO 8 O senhor sabe, não ê? Quando há tanta gente num espaço tão pequeno, sempre acontecem coisas desagradáveis. Mas fora a câmara de gás que era horrível, naturalmente, todos tinham a sua oportunidade de sobreviver. Quanto a mim, sempre me portei bem! O que eu podia fazer? Ordens eram ordens. E agora, por causa disso, tenho que aguentar esse processo! Senhor Procurador, eu vivia tranquilo como um bom cidadão, e de repente veem me buscar e gritam: Hofmann! E me apontam: Hofmann! Não compreendo de jeito nenhum o que querem de mim! TEST. 7 Depois que estávamos agrupados, uma sentinela veio nos perguntar: "Alguém está doente?" Alguns sairam da fila porque acharam que seriam mais bem tratados. Foram colocados no grupo da esquerda. Quando a sentinela veio buscá-los houve um tumulto. Ele atirou num grupo. Cinco ou seis morreram. JUIZ Testemunha: GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 encontra-se no tribunal a pessoa a que se refere? TEST. 7 Senhor Presidente, já faz muitos anos que não vejo nenhum deles. Encará-los para mim é doloroso. Este aqui, se parece com aquele tal. Poderia ser o mesmo. Se chamava Bischof. JUIZ O senhor está certo disso ou tem alguma dúvida? TEST. 7 Eu não tinha dormido nada, aquela noite. Colocamos em dúvida as declarações da testemunha. É muito possível que acredite reconhecer o rosto de nosso cliente, por causa das fotos divulgadas na imprensa. O cansaço da testemunha invalida o seu depoimento. JUIZ Acusado Bischof, o senhor quer se manifestar sobre esta acusação? Acusado lj? Para mim é um mistério a afirmação da testemunha. Também não compreendo o que a testemunha quer dizer com cinco ou seis. Se tivesse dito cinco ou se tivesse dito seis, faria algum sentido. JUIZ O senhor trabalhava na plataforma de desembarque dos presos? ACUSADO 15 Eu apenas organizava os grupos e é tudo. Nunca atirei em ninguém, senhor presidente. Quero que tudo fique bem claro aqui. Há anos que esta história me atormenta e eu até ja peguei uma doença do coração. Agora ainda veem amargurar os últimos dias da minha vida com insultos deste tipo! PROMOTOR O que o acusado quer dizer com "insultos"? JUIZ O acusado está nervoso. Certamente não está se referindo ao procedimento da promotoria, (os acusados riem) TEST. 8 Como detento, eu fazia parte do comando de limpesa. Nós tínhamos que retirar as bagagens dos que chegavam, o acusado Baretski tomava parte da triagem sobre a plataforma e acompanhava o transporte ate os fornos crematórios. JUIZ Testemunha, o senhor reconhece o acusado? TEST. 8 Ali está: o Blockfuhrer Baretski GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 ACUSADO 13 Eu apenas pertencia a equipe de guarda. Um chefe de comando não poderia fazer a triagem das pessoas inaptas para o trabalho. Isto competia exclusivamente aos módicos. JUIZ O senhor tinha conhecimento da finalidade daquela seleção? ACUSADO 13 Chegamos a saber e eu fiquei indignado. Durante uma licença contei a minha mãe. Ela não queria acreditar. Dizia que era impossível. Que não se queima gente porque a carne não se queima. TEST. 8 Vi Baretzki designar as pessoas com seu bastão. Para ele, as coisas nunca andavam depressa. Ele sempre apressava o movimento. Certo dia, chegou um trem com três mil preeoe A maioria estava doente. Baretzki gritou para nós: "Vocês tem 15 minutos para esvaziar os vagões!" Uma criança nasceu durante o descarregamento. Eu a enrolei nuns trapos e a coloquei perto da mãe. Baretzki chegou com o seu bastão e bateu em mim e na mulher. "O que você está fazendo com esta porcaria?" gritou. E deu um pontapé no menino que o atirou a uns 10 metros de distância. Em seguida me ordenou: "Traga aqui aquela merda!" Mas o menino estava morto. JUIZ Testemunha, o senhor jura sobre isto? TEST. 8 Juro. Baretzki tinha também um golpe especial. Era conhecido por isto. JUIZ Que espécie de golpe? TEST. 8 Era um golpe dado com a mão aberta. Bem em cima da aorta. Na maior parte das vezes era mortal. ACUSADO 13 A testemunha acaba de dizer que eu usava um bastão, Se eu usava um bastão não precisava nenhum golpe especial. E se eu batia com a mão não precisaria usar o bastão. Senhor Presidente, isto e uma calúnia. Eu não conheço nenhum golpe especial, (os acusados riem) JUIZ Testemunha, quem mais o senhor viu na plataforma? GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 TEST.8 Todos os médicos estavam lá. A triagem fazia parte do trabalho deles. O Dr, Frank estava lá. O Dr. Schatz. 0 Dr. Lucas. Advogado Testemunha, onde o senhor ficava durante as triagens? TEST. 8 Em vários pontos da plataforma, recolhendo as bagagens. ADVOGADO O senhor pode nos descrever como era a plataforma? TEST. 8 Ficava atrás do portão da entrada. A sua direita era o campo dos homens, A esquerda, o das mulheres. No fim da plataforma, a esquerda e a direita ficavam os novos fornos crematórios de números 1 e 3 Depois de entrarem, os trens ficavam geralmente na linha da direita. ADVOGADO Qual era o comprimento da plataforma? TEST. 8 Cerca de 800 metros. ADVOGADO E o comprimento dos trens? TEST.8 Ocupavam frequentemente dois terços da plataforma. ADVOGADO Onde eram feitas as triagens? TEST. 8 No meio da plataforma. ADVOGADO Onde eram agrupadas as pessoas? TEST. 8 Tanto sobre os trilhos como sobre a plataforma. ADVOGADO Qual era a largura da plataforma? TEST. 8 Dez metros mais ou menos. ADVOGADO Sendo assim, as pessoas se dividiam em dois grupos Um perto do outro. E cada grupo em fileiras de cinco. A defesa coloca em dúvida o depoimento. Não seria possível a testemunha, nomeio da multidão e recolhendo bagagens, permanecer próxima aos oficiais que realizavam a triagem. JUIZ Acusado Dr. Frank, o senhor tomou parte nas triagens? ACUSADO 4 Eu era apenas suplente no serviço da plataforma. Meu trabalho era confiscar o equipamento dos dentistas que chegassem, para o consultório dentário dos presos. Em seguida, eu devia registrar e uniformizar os dentistas e técnicos odontológicos. Quando pegavam alguém que minhas relações com os presos eram francamente amigáveis. JUIZ Acusado, Dr. Lucas, GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 que fazia o senhor na plataforma? ACUSADO 6 Jamais exerci nenhuma atividade ali. Eu sempre disse que era médico só para salvar vidas humanas e não para destruí-las. Alem do mais, minha religião católica me obrigava a isso. Quando quizeram forçar-me fingi que estava doente. Fiz tudo o que podia para voltar ao exército. Quando obtive uma licença me dirigi ao meu antigo superior, falei com um arcebispo meu conhecido e também com um eminente jurista. Todos concordaram em que não se deve obedecer a ordens imorais, mas sem chegar ao extremo de por em risco a própria vida. E mais: que nós estávamos em guerra e muitas coisas deviam ser toleradas. PROMOTOR Dr. Lucas, que doenças o senhor simulava quando recebia ordens para participar nas triagens? ACUSADO 6 Fingia ter uma cólica de fígado ou uma perturbação estomacal. PROMOTOR Não lhe perguntavam porque o senhor tinha cólicas sempre nessas horas? ACUSADO 6 Nunca houve dificuldades. Minha resistência passiva era a única forma de escapar. Mesmo hoje em dia, não vejo como poderia ter agido de outro modo. PROMOTOR E quando o senhor não podia escapar, o que fazia então? ACUSADO 6 Apenas em três ou quatro vezes minhas recusas de nada serviram. Eu recebi a ordem de ir até a plataforma sob a ameaça de imediata detenção em caso de recusa. PROMOTOR Então, o senhor participou das triagens ACUSADO 6 Eu apenas tinha que escolher as pessoas aptas para o trabalho. E fazia isto de maneira a que passassem também um grande número de inaptos. PROMOTOR E os outros? ACUSADO 6 Os outros eram separados. ADVOGADO Em hipótese alguma pode-se julgar condenável GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 os médicos terem participado da triagem dos presos, uma vez que desta forma eles faziam o possível para reduzir o número de vítimas. PROMOTOR Que era feito das bagagens depois da triagem? TEST.8 Eram levadas para os armazéns, registradas e guardadas. PROMOTOR Qual era o tamanho destes armazéns? TEST.8 Havia 35 barracões. PROMOTOR O senhor pode nos fornecer algum dado sobre o volume e o valor dos bens apreendidos? TEST. 8 Antes da deportação, os presos eram aconselhados a levarem todos seus objetos de valor, uma vez que no lugar onde seriam instalados não poderiam conseguir nada. Eles levavam tudo o que podiam, tudo o que tinham, até os menores objetos. Na primeira triagem, sobre a plataforma, muitas coisas já eram apreendidas Os médicos separavam os instrumentos profissionais e também as jóias e outros objetos de valor que colocavam de lado, enchendo malas inteiras. Também as equipes de vigilância e o pessoal do trem pegavam a sua parte. Para nós, sempre sobrava alguma coisa que logo podiamos trocar Nos armazéns, os cálculos se faziam em milhares. PROMOTOR Testemunha, o senhor poderia nos fornecer algum número mais exato sobre o total dos bens que eram levados pelos presos. TEST. 8 Pelo balanço referente ao período de 12 de abril de 42 a 15 de dezembro de 43, os valores em dinheiro, títulos e jóias alcançavam 132 milhões de marcos, fora 1.900 vagões de roupas e tecidos, no valor de 46 milhões de marcos. E isto foi antes da época dos grandes trens. PROMOTOR O que era feito destes valores? TEST. 8 Eram transferidos pare o Banco do Reich ou então para o Ministério das Finanças. Os metais preciosos eram fundidos. Objetos menores, como relógios por exemplo, eram distribuídos entre as tropas. JUIZ Nunca houve um movimento de revolta na plataforma Os que chegavam eram em número muito superior aos seus guardas. Eram separados de suas famílias e dos seus bens sem nenhuma resistência? TEST. 9 Eles nunca opuseram resistência. JUIZ Por que não? TEST. 9 Porque chegavam esgotados GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 e mortos de fome. Tudo o que desejavam era poder descansar um pouco. JUIZ Não tinham a menor ideia do que os esperava? TEST. 9 Como poderiam acreditar que praticamente já não existiam? Cada um pensava ainda que pudesse sobreviver. CANTO DO CAMPO TEST. 4 Quando esperávamos em frente a entrada do Campo, depois de termos atravessado a linha do trem, ouvi um detento dizer a uma mulher: "O carro da Cruz Vermelha serve apenas para levar o gás até as câmaras. É ali que seus parentes vão morrer." A mulher começou a gritar. Um oficial ouviu essas palavras, dirigiu-se a ela e disse: "Minha senhora, como pode acreditar nas palavras de um detento? São todos criminosos e doentes mentais. Veja as suas orelhas disformes e as cabeças raspadas. A senhora não deve acreditar no que eles dizem." JUIZ Testemunha, o senhor se lembra quem era esse oficial? TEST. 4 Tornei a me encontrar com ele depois disso. Eu trabalhava sob suas ordens, como empregado de escritório no Departamento Político. Seu nome é Broad. JUIZ O senhor pode nos apontar o acusado Broad? TEST. 4 O senhor Broad é aquele. (O acusado cumprimenta amavelmente a testemunha) JUIZ O que fizeram com aquele detento que falou na plataforma? TEST. 4 Ouvi dizer que foi condenado a 150 chicotadas por causar desordens. Ele morreu. JUIZ Acusado Broad, tem algo a declarar sobre o assunto? GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 ACUSADO 16 Não me lembro deste caso. Em nosso Campo nunca foram dadas tantas chicotadas de uma vez só. TEST. 3 Assim que nossas bagagens foram deixadas para trás e que nos separaram de nossas famílias, atravessamos sem desconfiança o portão, entre as cercas de arame farpado. Acreditávamos que nossas mulheres e filhos iam ganhar comida e que logo estaríamos juntos. Mas vimos centenas de pessoas esfarrapadas, na maioria só pele e ossos. Nossa esperança morreu. TEST. 6 Uma delas chegou perto de nós e gritou: "Vejam, olhem a fumaça do outro lado dos barracões. Aquilo é suas mulheres e seus filhos. Também para vocês que entraram aqui só vai haver uma saída: a boca das chaminés!" TEST. 3 Pomos levados a um barracão de limpesa. Os guardas e os detentos vieram trazendo uma pilha de fichas. Ficamos nus e tudo o que ainda nos restava foi levado por eles: relógios, alianças, documentos, fotografias. Em seguida, cada um de nós foi tatuado com um número no antebraço esquerdo. JUIZ Como era feita a tatuagem? TEST. 3 Imprimiam os números na pele fazendopequenos furos com agulhas e em seguida esfregavam uma tinta especial. Rasparam nossos cabelos e nos fizeram tomar uma ducha. Depois nos deram roupas. JUIZ Que espécie de roupas? TEST. 3 Uma cueca velha, uma camiseta, um paletó rasgado, uma calça remendada, um gorro e um par de tamancos. Depois, em passo de marcha fomos para a nossa prisão. JUIZ Como era essa prisão? TEST. 3 Um barracão de madeira, sem janelas. Uma porta na frente, uma porta atrás. Clarabóias no teto inclinado. X direita e à esquerda, beliches de três andares, os mais baixos, quase no chão, os de cima apoiados em tabiques de cimento. O barracão tinha quarenta metros de comprimento. JUIZ Quantos presos cabiam ali? TEST. 3 O espaço estava calculado para 500 homens. Nós éramos mil. JUIZ Havia quantos barracões deste tipo? TEST. 3 Mais de duzentos. JUIZ Qual era a largura de cada cama? TEST. 4 Um metro e oitenta, aproximadamente. Nesse espaço dormiam seis homens. GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 Para descansar, eram obrigados a mudar de posição dormiam sobre o lado esquerdo e sobre o lado direito, alternadamente. JUIZ Havia palha ou coberta? TEST. 3 Algumas camas tinham palha. A palha estava podre. Caia da cama de cima sobre as de baixo. Para cada cama havia um cobertor. Os que ficavam nas pontas puxavam cada um para o seu lado. Os mais fortes ficavam no meio. JUIZ Os barracões tinham aquecimento? TEST. 3 Havia dois aquecedores. Dos aquecedores partiam tubos em direção a chaminé do centro. Os tubos eram cimentados e o cimento nos servia de mesa. Raramente os aquecedores eram acesos. JUIZ Como eram as instalações sanitárias? TEST. 3 No barracão de limpesa havia bancos de madeira debaixo de uma canalização esburacada. A água pingava dos tubos. As latrinas eram grandes caixas de cimento. Em cima delas, havia tábuas com buracos. Ali cabiam ate duzentas pessoas. Os guardas das privadas tomavam conta para que ninguém ficasse lá muito tempo. O pessoal de guarda batia nos presos com varas para que eles saissem logo. Alguns não podiam se apressar muito e por causa do esforço que faziam saia um pedaço do intestino. Depois de serem expulsos, voltavam a esperar na fila. Não havia papel. Alguns arrancavam pedaços da roupa para se limpar, ou roubavam, durante a noite, pedaços de uniformes dos outros para fazerem uma provisão. As necessidades deviam ser feitas pela manhã. Durante o dia era proibido. Quem fosse surpreendido nas privadas fora de hora era condenado a prisão. A água suja do barracão das duchas passava pelas latrinas para fazer escoar os excrementos. Havia sempre entupimentos porque a pressão da água não era suficiente. Então vinham as brigadas de limpesa para extrair a coisa. GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 0 fedor das latrinas se misturava com o cheiro da fumaça. TEST. 4 As bacias que nos davam serviam para tres coisas: se lavar, tomar sopa e fazer as necessidades da noite. No Campo das mulheres a única torneira ficava junto das privadas. O fio d'água corria depois para as latrinas. As mulheres lutavam para beber e apanhar um pouco de água em suas bacias. Aquelas que desistiam de se lavar, desistiam de viver. TEST. 5 Logo que desembarquei na plataforma, no meio daquela agitação, vi que ali cada um tinha que se defender sozinho, obedecer as autoridades, dar uma boa impressão e evitar tudo o que pudesse nos rebaixar ainda mais. Quando nos estenderam sobre as mesas no prédio de recepção e nos revistaram o ânus e os órgãos sexuais para procurar objetos de valor, os últimos restos da existência anterior desapareceram. Família, lar, bens pessoais, profissão, Tudo isto foi liquidado pelo número da matrícula. Começamos a viver dentro de novas regras e nos integramos nesse universo. Era o único mundo normal para quem quizesse sobreviver. A primeira condição era ter saúde e força física. Eu seguia de perto aquelas que estavam muito fracas para comer parte da sua ração. Vigiava as que tinham um lugar melhor para dormir e estavam para morrer. Nossa ascençao nesta nova sociedade começava no barracão, que era agora o nosso lar. Dos tijolos frios da cama inferior lutávamos sem parar para chegar aos lugares mais quentes nas camas de cima. Se duas de nós tinham que comer no mesmo prato GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 uma não tirava os olhos da garganta da outra para estar bem segura de que ela não comeria uma colher a mais. Nossas ambições tinham apenas um fim: furtar alguma coisa. Se era normal que nos tivessem roubado tudo, então era normal que nós também roubássemos. A sujeira, as feridas, as doenças, tudo era normal. Era normal que muitas pessoas morressem à nossa volta, como também era normal que pudéssemos morrer a qualquer momento. Era normal a ausência de emoção e a insensibilidade a vista dos cadáveres. Era normal que entre nós houvesse mulheres dispostas a espancar as outras para ajudar as vigilantes. Aquela que se tornava auxiliar da responsável pela prisão não estava mais nos últimos degraus, e aquela que conseguia se tornar simpática para as chefes da guarda subia ainda mais. So escapava quem tinha capacidade. Quem, dia a dia, sem nunca se distrair, defendia o seu lugar e a sua ração. As incapazes, as de espírito lento, as amáveis, as desequilibradas, as desaptadas, as que se lamentavam ou que se compadeciam da sua sorte, eram esmagadas. TEST. 6 Na primeira manhã, nos reunimos para a chamada. Chovia. Ficamos de pé durante horas e horas e vimos do outro lado da plataforma, atrás da cerca de arame farpado, algumas mulheres serem empurradas para dentro dos caminhões. Elas estavam nuas e gritavam para nós, os homens. Espervam nossa ajuda, mas nós estávamos ali, tremendo, e não podiamos fazer nada. TEST. 4 Eu cheguei a um barracão que estava cheio de cadáveres. Entre os mortos, alguma coisa se mexia. GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 Era uma moça. Puxei a menina para fora e perguntei a ela: "Quem é você? Desde quando você está aqui?" "Não sei", respondeu. "Por que você está no meio dos mortos?" perguntei. Ela me disse: "Eu não posso mais ficar com os vivos." Morreu naquela mesma tarde. TEST. 5 Tivemos que abrir grandes covas. Muitas mulheres desmaiaram com o peso das pás de terra. Estávamos dentro da água até a cintura. Os guardas que nos vigiavam eram muito moços. Uma mulher se dirigiu ao chefe da tropa: "Capitão , gritou, "eu não posso trabalhar desse modo, estou grávida," Os rapazes riram. Com uma pá, um deles forçou a cabeça dela para baixo da água, até que ela se afogou. TEST. 7 Ouvi uma sentinela conversar com um menino de uns nove anos através do arame farpado. "Você já sabe muita coisa para a sua idade." dizia o homem. O menino respondeu: "Eusei que já sei muito e sei também que não vou aprender mais nada." Foi levado com um grupo de quase noventa meninos para os caminhões. Quando os outros se debatiam o menino gritou: "Subam no caminhão e não gritem assim. Vocês viram que nossos pais e avos já foram embora. Subam logo, vamos nos encontrar com eles." E quando o caminhão deu a partida, eu ouvi o menino gritar para a sentinela: "Você não vai ganhar nada com isso!" TEST. 8 De manhã, cada um ganhava meio litro de caldo, um pouco de café e cinco gramas de açúcar. Alguns guardavam um pedaço de pão da noite anterior. Ao meio dia era servida uma sopa feita com restos de batatas, couves e nabos. Vinha junto uma ração mínima de carne ou de sebo e uma espécie de farinha GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 que dava ao caldo o gosto especial de "Sopa do Campo". Para completar, punham pedaços de papel e farrapos. Quando a sopa era distribuída os presos não brigavam para serem os primeiros a comer, mas lutavam pelos últimos lugares da fila. 0 primeiro terço da sopa era apenas água, com algum alimento no fundo. Depois da revista da noite, cada um ganhava o seu pedaço de pão de 300 a 350 gramas e alguns alimentos: 20 gramas de salsicha, 30 gramas de margarina, uma colher de salada de nabos. Nas sextas feiras, as vezes cinco ou seis batatas cozidas. Muitos dias só havia metade da refeição ou mesmo nada, porque o pessoal do Campo, desde as sentinelas até o comandante, se servia sem cerimonia nos armazéns dos presos. PROMOTOR Testemunha, quantas calorias tinha em média a alimentação diária? TEST. 8 Cerca de mil ou mil e trezentas calorias. O organismo em repouso pode subsistir com mil e setecentas calorias. Um trabalhador braçal necessita de quatro mil. Como todos trabalhavam duro, logo estavam esgotados. Conforme o estado de fome e desnutrição os movimentos ficavam mais lentos. Quase não aguentávamos carregar o próprio corpo. A apatia e a sonolência eram sinais típicos da fraqueza. A debilidade física era acompanhada por um esgotamento total que levava ao desinteresse completo pelos acontecimentos. 0 preso se tornava incapaz de concentrar seus pensamentos. A memória enfraquecia tão depressa GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 que as vezes se esqueciam do próprio nome. Em média, cada preso não vivia mais do que três ou quatro meses. ADVOGADO Testemunha, como foi então que o senhor sobreviveu? TEST. 8 Só podia sobreviver aquele que conseguia durante as primeiras semanas uma colocação no Campo, como trabalhador especializado, ou então quando era nomeado para uma função auxiliar. Um detento que exercesse um cargo especial e soubesse explorar esse previlêgio podia fazer praticamente tudo o que quizesse dentro do Campo. ADVOGADO Qual era o seu cargo? TEST. 8 Eu era detento médico. No começo trabalhei no Isolamento, depois na Enfermaria. JUIZ Quais eram as condições desses locais? TEST. 8 No Isolamento havia ratos que roiam os cadáveres e também os doentes graves. Pela manhã, apareciam mordidos os pés dos agonizantes. Os ratos vinham de noite roer o pão nos bolsos dos presos. E eles brigavam, dizendo: "Você roubou o meu pão!" "Não, foram os ratos!" Milhões de pulgas torturavam a gente. Os que usavam botas, desistiam. Os insetos tornavam insuportável o seu uso. Aquele que usasse apenas chinelos e farrapos podia ao menos se coçar. Na Enfermaria as condições eram melhores pois havia ataduras e gaze, um pote de pomada de ictiol e um outro com pasta d*água. Nos passávamos a pomada nas feridas e a pasta nas eczemas, para que ficassem escondidas. Nos tinhamos também alguns comprimidos de aspirina, que ficavam pendurados por fios. Os presos com menos de 38 graus de febre GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 tinham o direito de lambê-las uma vez, os com mais de 38, duas vezes. JUIZ Quais eram as doenças mais frequentes? TEST. 8 Além de debilidade geral e das contusões por pancadas, tínhamos escarlatina e paratifo, tifo abdominal, desinteria, tuberculose e uma doença crónica do Campo: uma diarreia rebelde a todos os tratamentos. A furunculose também se espalhava por toda parte Muitas vezes, as pancadas abriam feridas onde a carne se despregava dos ossos. Eu vi no Campo doenças que pensei que nunca veria, doenças que so se encontram nos tratados médicos Por exemplo, a Noma, uma gangrena da boca que so aparece nas pessoas totalmente desnutridas. Formavam-se buracos nas faces e através deles podiamos enxergar os dentes. Ou então o Fogo Selvagem, uma doença extremamente rara, em que a pele se desfaz em pústulas e em poucos dias o doente morre. TEST. 9 Depois da chamada da noite, o chefe do nosso grupo escolhia alguns para uma sessão de ginástica. Tinhamos que fazer o "salto da rã". "Saltem, saltem, depressa, mais depressa!" gritava. E se alguém não conseguia continuar ele o derrubava a pancadas. JUIZ Como se chamava esse Chefe? TEST. 9 Chamava-se Bednarek e posso identificá-lo. ACUSADO 18 Nunca ouvi dizer que batiam nas pessoas durante a sessão de ginástica. JUIZ Em que consistiam os exercícios? ACUSADO 18 Os presos insubordinados tinham que fazer alguns movimentos: direita, esquerda; direita, esquerda, So isso. TEST. 9 No inverno, Bednarek forçava os presos a ficar debaixo da ducha fria durante uma meia hora. Ficavam gelados até o sangue. Então eram atirados no pátio, onde morriam. ACUSADO 18 Estas declarações são inventadas. Eu não poderia fazer o que dizem. Eu era um simples detento, auxiliar de serviço. Acima de mim estava o Ordenança, o Chefe das Brigadas de Trabalho e o Chefe do Campo. Eu mesmo, posso afirmar, com orgulho, GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 que deixava dormir em meu quarto alguns companheiros presos e em nosso bloco, a noite, sempre nos divertíamos. TEST. 9 Quando Bednarek matava um preso, ia para o seu quarto e rezava. ACUSADO 18 Devo dizer que eu tenho mesmo muita fé. Mas nunca tive coragem de rezar, havia muitos delatores. Eu não matei ninguém. No máximo dei umas pancadas quando era preciso separar alguns presos que brigavam, TEST. 3 No Campo havia uma pessoa que sempre estava onde alguém apanhava ou era morto. Seu nome era Zaduk. Kaduk era uma espécie de símbolo. JUIZ Testemunha, queira apontar o ACUSADO Kaduk. TEST. 3 este é Kaduk. (O acusado 7 faz uma espécie de careta para a testemunha) Os presos apelidaram Kaduk de "Professor" ou então de "Santo Doutor Kaduk", porque ele fazia suas triagens particulares. Pescava as vítimas pelo pescoço ou pelas pernas, com o cabo de sua bengala. ACUSADO 7 Senhor Diretor, esta afirmação é falsa. TEST. 3 Eu estava lá quando Kaduk tirou da enfermaria centenas de presos. Foram obrigadosa deixar as roupas na lavanderia e passar em fila na sua frente. Ele estendia sua bengala a um metro do chão e os presos tinham que saltar por cima. Aquele que esbarrava na bengala ia para a câmara de gás. Quem conseguia pular era espancado até desmaiar. "Salta mais uma vez" gritava Kaduk, mas na segunda vez ninguém conseguia. ACUSADO 7 Nunca selecionei nenhum preso. Não era eu quem decidia. Meu serviço era outro. JUIZ Qual era então o seu serviço? ACUSADO 7 Na hora das triagens, eu devia vigiar tudo. Sempre prestei a maior atenção para que nenhum dos rejeitados passasse por sua conta GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 para o grupo dos aptos para o trabalho. JUIZ O senhor trabalhava na plataforma? ACUSADO 7 Trabalhava. Tinha que dirigir a movimentação dos grupos. JUIZ E como fazia? ACUSADO 7 Todos para fora, bagagens na plataforma, filas de cinco, marchar. TEST. 3 Kaduk atirava ao acaso, sobre as pessoas. ACUSADO 7 Não é meu estilo atirar ao acaso. Se eu quizesse atirar, teria feito pontaria. Podem acreditar: eu era um bom atirador. Mas fiz apenas o que era o meu dever. JUIZ E qual era esse dever? CUSADO 7 Tomar conta da operação de desembarque e fazer tudo andar direito. As crianças eram regularmente separadas e também as mães que não queriam largar os filhos. Os trens chegavam no ponto certo. A violência não era necessária de jeito nenhum. Todos aceitavam a coisa com calma. Ninguém resistia, porque era evidente que toda resistência seria inútil. TEST. 6 Uma vez, Kaduk bateu num preso do nosso grupo até que ele caiu no chão. Então atravessou a bengala no seu pescoço e ficou de pé sobre ele se balançando até o homem morrer asfixiado. ACUSADO 7 Mentira! Mentira! JUIZ Sente-se, senhor Kaduk. E não grite com a testemunha! ACUSADO 7 Senhor Juiz, tudo o que se diz aqui é uma grande mentira. Para mim, so importa que falem a verdade. Nunca ninguém matou um preso desta maneira. Tínhamos ordem de tomar cuidado com a mão de obra. Mas toda hora essa gente caia antes que eu levantasse a mão. Eles estavam só fingindo. (os acusados riem) Senhor Diretor, não tínhamos interesse em bater em ninguém. As cinco e meia da madrugada já estávamos de pé e a noite ainda tínhamos o serviço na plataforma. Era demais, Senhor Diretor, Eu so quero viver em paz. Tenho demonstrado isso GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 nos últimos anos. Fui enfermeiro e meus pacientes me queriam bem. Eles podem testemunhar. Me chamavam de "Papai Kaduk". Isto não quer dizer nada? Tenho que pagar hoje pelo que me forçaram a fazer? Todos os outros fizeram o mesmo! Por que pegaram logo a mim? TEST. 4 Quanto mais se conseguia oprimir os inferiores, mais se melhorava de posição. Eu via a cara da responsável do bloco quando ela falava com a vigilante geral. Picava alegre e amável, mesmo que estivesse morrendo de medo. Ás vezes, ela era tratada pela vigilante como se fosse uma de suas melhores amigas, e então tinha a liberdade. Mas a vigilante também podia ter dormido mal e então o azar era da sua favorita, porque, nossa vigilante já tinha passado por tudo aquilo Acabaram com sua família na sua frente, ela assistiu matarem seus filhos e ficou insensível a tudo, como todas nós. Ela sabia que se perdesse o cargo ninguém a ajudaria e no seu lugar poriam uma outra para nos maltratar. Então ela nos maltratava porque queria a todo custo sobreviver. TEST. 5 O problema de justiça ou injustiça não existia mais. Só interessava aquilo que podia ser útil no momento. Só nossos donos podiam se dar ao luxo de ter caprichos, sentir piedade e emoção, fazer planos para o futuro. O Dr. Rhode, médico do Campo, me chamou para a sua seção. Ele soube que nós haviamos estudado na mesma cidade e me perguntou se já não tinhamos nos encontrado no bar Ritter, onde ele costumava beber. Eu pensei: se isso for conveniente para ele, eu posso muito bem me lembrar. GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 Disse que sim e ele me contou a sua juventude. Depois disse: "Quando acabar a guerra, ainda nos veremos por lá." Um dia, o Dr. Mengele mandou flores para uma mulher grávida. Também a mulher do comandante mandou cumprimentos e um casaquinho que ela mesma tinha tricotado Alguém teve a ideia de pintar anoezinhos nas paredes do "barracão das crianças e de por ali uma caixa de areia. Os caminhos que levavam aos fornos crematórios eram limpos com ancinhos entre um transporte e outro. Passavam por arbustos bem cuidados e havia canteiros de flores entre a erva que crescia sobre as câmaras de gás subterrâneas, Mengele sempre chegava com seu ar esperto, os polegares no cinturão. Dizia bom dia para as crianças que o chamavam de titio, antes de serem dissecadas no seu laboratório. Assim mesmo, havia ali um homem chamado Flacke: na sua seção ninguém morria de fome, e os presos vestiam roupa lavada. Eu perguntei a ele: "Enfermeiro-Chefe, para quem e porque o senhor faz isso, já que todos terão que desaparecer um dia para que não fique nenhuma testemunha?" Ele me respondeu; "Sempre haverá alguém entre nós para impedir que isso aconteça," PROMOTOR Testemunha, a senhora quer dizer com isso que se cada funcionário do Campo quizesse se opor a situação poderia mudá-la? TEST. 5 Foi isso mesmo o que eu quis dizer... TEST. 1 A gente so podia reagir normalmente assim que chegava. Depois de ficar ali algum tempo era impossível. Havia regulamentos que controlavam todos e era preciso obedecer. PROMOTOR Testemunha, o senhor tinha sido chamado, como medico, GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 para combater as epidemias. TEST. 4 Entre os funcionários do Campo e suas famílias haviam sido constatados casos de tifo e escarlatina. Fui designado pelo Instituto de Higiene para examinar a situação. PROMOTOR O senhor então não precisava cuidar dos presos?' TEST. 1 Não. PROMOTOR O senhor não tomou conhecimento do que acontecia no Campo? TEST. 1 Assim que eu cheguei, o Chefe do Laboratório me disse: "Tudo isso é novo para você e não e assim tao grave. Nos não temos nada que ver com o extermínio de seres humanos, e isso não é da nossa conta. Se você não quizer continuar aqui, depois de quinze dias pode ir embora," Comecei a trabalhar com a firme intenção de deixar o Campo em duas semanas. Depois de alguns dias, o Dr, Wirth me ordenou que tomasse parte na triagem dos presos da plataforma. Quando eu disse que preferia não ir ele me responde: "La você não terá muito trabalho." Mas eu me recusei. PROMOTOR E o que aconteceu depois da sua negativa? TEST. 1 Nada. Eu não tive que participar das triagens PROMOTOR O senhor abandonou o Campo depois do estágio previsto? TEST. 1 Não, decidi ficar assim mesmo, para tratardas epidemias. Apesar de tudo, vi que era possível impedir que algumas coisas acontecessem sem me expor muito. Graças ao meu trabalho passou o perigo das epidemias. PROMOTOR Entre os funcionários. Não entre os presos. TEST. 1 Certamente. Era essa a minha missão. JUIZ Testemunha, o senhor era responsável pelo corpo de guarda e pelas tropas de vigilância. Em que consistia o seu trabalho? TEST. 2 Meu trabalho era verificar GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 se os soldados vigiavam o Campo de maneira segura. JUIZ Qual era o regulamento da vigilância? TEST. 2 Em caso de tentativa de fuga, o soldado devia advertir o prisioneiro disparando três tiros para o alto» Se a pessoa não parasse, ele devia atirar para matar. JUIZ Algum preso foi morto a tiros por esse motivo? TEST. 2 Enquanto eu era o encarregado, não. JUIZ Algum preso foi atirado sobre a cerca eletrificada? TEST. 2 Enquanto eu era o encarregado, não. JUIZ Isso aconteceu em outras ocasiões? TEST. 2 Ouvi falar. JUIZ As tropas de vigilância cumpriam as instruções? TEST. 2 Que eu saiba, cumpriam. Posso dar minha palavra de honra. JUIZ Que sabe o senhor sobre o “Tiro ao Gorro"? TEST. 2 Sobre o que? JUIZ Sobre o "Tiro ao Gorro"? TEST. 2 Ouvi falar. JUIZ Que ouviu sobre isso? TEST. 2 Diziam que eles jogavam longe os gorros e atiravam. JUIZ Quem lançava os gorros, de quem eram eles e quem atirava? TEST. 2 Não sei, JUIZ Conte então aquilo de que ouviu falar. TEST. 2 Bom, mandavam que um preso tirasse o seu gorro e o jogasse para longe. Então diziam? "Corre, vai buscar o seu gorro!" Quando ele corria, era. fuzilado. JUIZ E se não corresse? TEST. 2 Também era fuzilado porque estava desobedecendo uma ordem. PROMOTOR Testemunha, davam rações especiais como prêmio por cada preso morto em tentativa de fuga? TEST. 2 Nunca ouvi falar disso, nem posso acreditar. Não seria digno de um soldado receber um premio por essas ações. PROMOTOR O Tribunal possui alguns documentos nos quais consta que, em diversas ocasiões, as sentinelas foram recompensadas pelo fuzilamento de presos em fuga. TEST. 2 Nada sei sobre isso. PROMOTOR Testemunha, GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 estamos informados que atualmente o senhor é diretor de uma companhia de seguros. ADVOGADO Protesto! A intervenção da promotoria nada tem a ver com os debates! PROMOTOR Testemunha, podemos admitir que o senhor conhece o valor legal de uma assinatura? TEST. 2 É claro. PROMOTOR Algumas dessas listas de recompensa estão assinadas pelo senhor. TEST. 2 É possível. Talvez fosse algum caso de rotina. Não me lembro mais. CANTO DA MÁQUINA DE FAZER FALAR JUIZ Testemunha, a senhora trabalhava como detenta auxiliar no Departamento Político. Qual era o seu serviço? TEST. 5 No começo, eu era datilógrafa da Secretaria. Depois, por causa de meus conhecimentos de outras línguas, me tornei intérprete. JUIZ Quem requisitou a senhora para este trabalho? TEST. 5 O senhor Boger JUIZ Testemunha, a senhora reconhece o acusado Boger? TEST. 5 O senhor Boger é este (O acusado cumprimenta amavelmente a testemunha). ADVOGADO Testemunha, onde ficava o Departamento Político? TEST. 5 Ficava num barracão de madeira atrás de um dos portões. ADVOGADO Atrás de qual dos portões? TEST. 5 Logo à esquerda da entrada do antigo Quartel. ADVOGADO A que distância do Campo Principal se encontrava o antigo Quartel? TEST. 5 Cerca de três quilômetros. ADVOGADO Onde a senhora ficava alojada? TEST. 5 No Campo das mulheres. ADVOGADO A senhora poderia descrever o trajeto que fazia até o local de seu trabalho? TEST. 5 Todas as manhãs, saiamos do Campo GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 e atravessávamos um terreno plano. Nosso caminho cruzava a linha do trem. Muitas vezes, tinhamos que esperar na barreira até que se completassem as manobras. Atrás da barreira havia algumas granjas abandonadas. Depois, atravessávamos um portão de grades. Dentro, havia um grupo de árvores e o crematório antigo. O Departamento Político ficava ao seu lado. ADVOGADO O Departamento Político estava dentro do perímetro do Campo? TEST. 5 Não. Ficava fora do Campo Principal. Depois dos prédios da administração, da cerca dupla de arame farpado e das torres de vigilância que cercavam os blocos dos presos. ADVOGADO Qual era a aparência externa do Departamento Político? TEST. 5 Era uma construção térrea, pintada de verde. ADVOGADO Como era a Secretaria? TEST. 5 Tinha vasos de flores nas janelas e cortinas. Nas paredes havia quadros e dísticos morais. ADVOGADO Que espécie de quadros e que tipo de dísticos? TEST. 5 Não me lembro mais. ADVOGADO Quem chefiava a Secretaria? TEST. 5 O senhor Broad. As secretárias deviam andar sempre impecáveis. Podiamos deixar crescer nossos cabelos e usávamos lenços sobre eles. Tinhamos roupas e sapatos de verdade. De manhã, lustrávamos os sapatos com saliva. ADVOGADO Como o senhor Boger tratava a senhora? TEST. 5 O senhor Boger sempre me tratou bem. Muitas vezes, ele até me dava um prato com as sobras de sua comida. Um dia ele salvou minha vida, quando quiseram me levar para o grupo de castigo. Tinham me denunciado por negligência na limpesa do pó. O senhor Boger mandou anular a denúncia. JUIZ Testemunha, quantas secretárias trabalhavam no Departamento? TEST. 5 Éramos 16 moças. JUIZ Qual era a sua função? GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 TEST. 5 Deviamos aprontar a lista dos mortos, isto ó, o cadastramento das baixas, as datas e causas dos falecimentos. Os assentamentos deviam ter uma exatidão absoluta. Se houvesse algum erro, o senhor Broad ficava furioso. JUIZ Onde ficavam os arquivos? TEST. 5 Em duas mesas. Numa delas ficavam os fichários com os números dos vivos. Na outra, ficavam os fichários com os números dos mortos. lá nós podiamos ver quantos sobreviviam de cada trem. Depois de uma semana, de cada cem sobravam uns trinta. JUIZ Nesses arquivos constavam todos os casos de falecimento ocorridos no Campo? TEST. 5 Só eram registrados os presos que tinham número de matrícula. Aqueles que iam diretamente da plataforma para as câmaras de gás, não constavam de nenhuma lista. JUIZ Quais eram as causas de falecimento que a senhora registrava? TEST. 5 A maioria das causas era fictícia. Por exemplo, não podiamos registrar "fuzilado por tentativa de fuga." Em lugar disso, usávamos "ataque cardíaco". Escrevíamos desinteria em vez de subnutrição. Tinhamos que prestar atenção para que não morressem dois presos no mesmo minuto. Também era preciso encontrar causas de falecimento condizentes com a idade. Assim, um homem de vinte anos não devia morrer do coração. Nos primeiros tempos, eram enviadas cartas aosparentes dos mortos. PROMOTOR A testemunha se lembra do que estava escrito nestas cartas? TEST. 5 "Apesar de todos os cuidados médicos não foi possível salvar a vida do interno. Apresentamos nossos sinceros pêsames por esta dolorosa perda. Se for seu desejo, podemos enviar uma urna com as cinzas, contra um reembolso postal de 15 marcos." GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 PROMOTOR Nestas urnas estavam mesmo as cinzas do falecido? TEST. 5 Naquelas urnas havia cinzas de muitos mortos. Nós podíamos ver, pelas janelas, os cadáveres amontoados em frente ao crematório antigo. PROMOTOR Pode nos fornecer as cifras relacionadas aos casos de falecimentos registrados pela senhora? TEST. 5 Nós trabalhávamos de 12 a 15 horas por dia nos registros de falecimentos. Eram anotados até trezentos mortos por dia. PROMOTOR Havia mortes causadas pela intervenção direta do Departamento Político? TEST. 5 Ali morriam presos todos os dias. Fuzilados ou espancados. ADVOGADO Testemunha, onde eram executados os presos? TEST. 5 No bloco onze, dentro do Campo. ADVOGADO A senhora podia entrar lá? TEST. 5 Não, mas sabiamos de tudo o que se passava. Todas as informações chegavam ate nós. Boger nos dizia: "Aquilo que as senhoras veem e ouvem aqui, nunca viram nem ouviram." JUIZ Como eram feitos os interrogatórios no Departamento Político? TEST. 5 Boger começava a interrogar com muita calma. Ele se colocava bem perto do preso e fazia as perguntas que eu traduzia. Se o preso não respondia Boger sacudia o seu chaveiro na cara do homem. Se o preso teimava em não responder batia com as chaves na cara dele. Finalmente, ele chegava mais perto e dizia ao prisioneiro: "Eu tenho uma máquina que vai fazer você falar." JUIZ Que máquina era essa? TEST. 5 Boger so dizia "maquina de falar" JUIZ Onde ficava a máquina? TEST. 5 Na sala ao lado. JUIZ A senhora viu essa máquina? TEST. 5 Vi. GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 JUIZ Como era ela? TEST. 5 Eram barras de madeira suspensas sobre cavaletes. ADVOGADO Testemunha, sua memória não estará confusa? TEST. 5 Era uma armação onde os presos ficavam pendurados Ouviamos as pancadas e os gritos. Depois de uma hora ou mesmo de várias horas, eles eram retirados, irreconhecíveis. JUIZ Ainda estavam vivos? TEST. 5 Quem não morria naquilo sobrevivia apenas algumas horas. Uma vez Boger me viu chorando e disse: "Aqui, a senhora deve esquecer seus sentimentos pessoais," JUIZ Por que motivo os presos recebiam esse castigo? TEST. 5 Ás vezes porque tinham roubado um pedaço de pão, ou porque não tinham obedecido imediatamente uma ordem para trabalhar mais depressa. As vezes bastava uma denúncia. Havia uma caixa para as cartas dos delatores, onde era muito fácil jogar um pedaço de papel. ACUSADO 2 Nunca me ocupei com semelhantes bobagens. No Departamento Político apenas cuidávamos dos atos de resistência. JUIZ Testemunha, quantos detidos a senhora viu morrer depois de sairem da máquina? TEST. 5 Pelo menos uns vinte. JUIZ A senhora pode testemunhar que pelo menos vinte vezes viu pessoas morrerem na sua frente? TEST. 5 Sim. JUIZ Testemunha, a senhora também assistiu aos espancamentos? TEST. 5 Assisti. Uma vez vi um homem pendurado ali de cabeça para baixo. Outra vez, vi uma mulher amarrada na máquina. Boger nos obrigava a olhar. ACUSADO 2 É verdade que a testemunha serviu de intérprete no Departamento Mas ela nunca esteve presente GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 durante os interrogatórios. Nessas ocasiões, as senhoras não eram admitidas. TEST. 5 Senhoras ... ACUSADO 2 Agora posso perfeitamente falar assim, (os acusados riem) JUIZ Testemunha, a senhora viu algum dos acusados aqui presentes espancar os presos? TEST. 5 Vi Boger em mangas de camisa segurando um chicote. Muitas vezes ele saía manchado de sangue. Uma vez, ouvi Broad dizer a Lachmann, um dos membros do Departamento Político: "Olha Gerhard, esse sangrou como um aninal." E me deu seu paletó para limpar. Esses senhores eram muito cuidadosos com a sua aparência. Broad gostava de se olhar no espelho, principalmente quando foi promovido. Eu mesma costurei o galão novo em seu uniforme. Uma vez, também tive que limpar as botas de Boger. JUIZ Por que motivo? TEST. 5 Lá fora tinha chegado um caminhão cheio de crianças. Vi pela janela da Secretaria um menino saltar para fora, com uma maçã na mão. Boger saiu, o menino estava lá com sua maçã. Boger agarrou o menino pelos pés e arrebentou sua cabeça contra a parede do barracão Depois recolheu a maçã, me chamou e disse: "Limpe tudo isso." Mais tarde, durante um interrogatório, ele estava comendo a maçã. ADVOGADO Testemunha, a senhora jamais mencionou esse caso nos depoimentos anteriores. TEST. 5 Eu não conseguia falar. ADVOGADO Por que? TEST. 5 Por motivos particulares. ADVOGADO Pode nos dizer estes motivos? TEST. 5 Depois do que aconteceu nunca mais quis ter filhos. ADVOGADO Por que então falou agora? TEST. 5 Agora, que vi Boger de novo, não pude deixar de falar. JUIZ Acusado Boger, tem algo a alegar contra esta denúncia? ACUSADO 2 Tudo não passa de pura invenção. A testemunha retribui muito mal a confiança que na ocasião depositei nela. TEST. 7 Eu fui levado com outros presos GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 para a sala de interrogatório do Departamento Político. O senhor pode nos descrever esta sala? TEST. 7 No chão haviam tapetes que tinham sido arrancados de um trem francês. A mesa de Boger ficava de lado, quase em frente à porta. Ele estava sentado na mesa quando eu entrei. A intérprete estava sentada atrás. JUIZ Havia mais alguém na sala? TEST. 7 O chefe do Departamento Político, Grabner, e os acusados Dylewskí e Broad. JUIZ O que lhe disseram? TEST. 7 Boger falou: "Nos somos o Departamento Político. Nós nunca perguntamos, nos so ouvimos. Você mesmo deve saber o que tem para contar." JUIZ Por que motivo o senhor foi levado para lá TEST. 7 Eu não sabia. Não sabia o que devia dizer e pedi a eles que me interrogassem. Então me bateram até que eu desmaiei. Quando voltei a mim, estava jogado num corredor com Boger de pé, ao meu lado. Ele mandou que eu me levantasse, mas eu não podia me erguer. Então ele avançou para mim e eu consegui me levantar apoiado na parede. Vi que estava todo ensanguentado. No chão, nas minhas roupas, havia muito sangue. Minha cabeça estava arrebentada e meu nariz quebrado. Durante a tarde e uma boa parte da noite tive que ficar de pé, com a cara contra a parede. Também estavam lá outros presos. Quando alguém virava o rosto para trás, batiam com sua cabeça na parede. No dia seguinte me interrogaram de novo junto comos outros presos. JUIZ O que queriam saber? TEST. 7 Nunca soube do que se tratava. Bateram-me na cabeça, várias vezes, acho que com uma espécie de cabo de aço Depois tive que voltar para o corredor e um preso GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 que estava comigo foi levado por Boger para uma outra sala. Ele se chamava Walter Windmuller. JUIZ Sabe o que aconteceu com ele? TEST. 7 Calculo que ficou la dentro duas ou três horas. Eu continuei no corredor, virado contra a parede. Quando Windmuller saiu ficou ao meu lado. Escorria sangue pelas suas calças. Ele perdeu o equilíbrio muitas vezes. Nos tinhamos aprendido a falar sem mexer os lábios. Perguntei o que tinha acontecido. Ele respondeu: "lá dentro me esmagaram os testículos." Windmuller morreu no mesmo dia. JUIZ Boger foi responsável pela morte desse preso? TEST. 7 Estou certo que bateram para matar. Boger foi o responsável se é que não foi ele mesmo quem bateu JUIZ O Acusado Boger tem algo a declarar? ACUSADO 2 Senhor Presidente, se me permite esclarecer o fato, não foi isto o que aconteceu. JUIZ O que houve então? ACUSADO 2 Senhor Presidente, não matei ninguém. Eu apenas conduzia os interrogatórios JUIZ Que espécie de interrogatórios? ACUSADO 2 Ás vezes, bem duros, conforme os regulamentos do Campo. JUIZ Em que se baseavam esses regulamentos? ACUSADO 2 Éramos responsáveis pela segurança do Campo. Deviamos ser severos com os traidores e outros elementos perigosos. JUIZ Acusado Boger, na sua qualidade de Comissário de Polícia o senhor não sabe que qualquer pessoa submetida a um interrogatório diz tudo o que quizerem que ela diga? ACUSADO 2 Não tenho esta opinião e particularmente no que se "refere ao trabalho que faziamos. Por causa da obstinação dos presos, só podíamos obter declarações com o uso da força. GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 TEST. 8 Quando fui chamado para um interrogatório, vi sobre a mesa de Boger um prato de arenques. Grabner perguntou se eu estava com fome. Respondi que não. Mas Grabner disse: "Eu sei que faz tempo que você não come, mas hoje você vai ver que eu tenho um bom coração. Boger preparou uma salada para você." Ele me deu ordem para comer, mas eu não podia porque estava algemado. Então Boger esfregou o prato na minha cara Tive que engolir os arenques. Estavam tão salgados que eu vomitei. Eles me obrigaram a comer de novo o meu vômito e o resto dos arenques. Quando eu ainda tinha um pouco na boca Boger gritou: "Tomem cuidado para que ele não vomite o resto no corredor." Em seguida me levaram ao bloco onze e me penduraram numa estaca com as mãos amarradas nas costas. Era o que eles chamavam de Travessão. Nos penduravam pelas mãos numa altura exata em que só as pontas dos pés encostavam no chão. Boger ia batendo e também me dava pontapés no ventre. Na minha frente estava um balde de água. Boger perguntou se eu queria beber. Ele ria e balançava meu corpo de um lado para o outro. Quando desmaiei me jogaram a água. Não sentia mais os meus braços. As articulações estavam quase arrebentadas. Boger fazia perguntas, mas minha língua estava tão inchada que eu não podia responder. Boger então me disse: "Nos temos outra máquina reservada para você. E me levaram de volta para o Departamento Político. ADVOGADO Testemunha, o senhor foi submetido ao Travessão? TEST. 8 Fui. ADVOGADO Então está provado que era possível sobreviver. TEST. 8 Eu me lembro de uma manhã na primavera de 1942. Uma fila de acusados era conduzida ao antigo posto de correio, GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 onde tinham instalado o Departamento Político. Na frente, iam os presos que levavam os cavaletes e as traves de madeira. Pareciam postes de cerca. Atrás deles iam guardas com metralhadoras e os chefes do Departamento, levando documentos e chicotes feitos com nervos de boi especialmente preparados para o espancamento. Aquelas traves eram os suportes onde se amarravam os presos. JUIZ Foi essa a primeira vez que usaram esse instrumento? TEST. 8 Ele já existia antes, mas de uma forma mais primitiva. No começo, era apenas uma barra de ferro colocada sobre duas mesas, mas como a barra sacudia com o preso durante os espancamentos, eles construiram as armações para dar maior estabilidade. ADVOGADO Testemunha, onde obteve estas informações? TEST. 8 Sabíamos tudo o que acontecia em nosso setor do Campo. O campo antigo não tinha mais que 200 ou 300 metros. Era muito pequeno. Podíamos ver todo o campo de cada um dos 28 blocos. JUIZ Por que razão o senhor foi chamado para o interrogatório TEST. 8 Eu trabalhava na construção dos canos de escoamento, que passavam em volta dos campos exteriores. Nessa ocasião eu ajudei um prisioneiro a encontrar sua mãe, que estava alojada no campo das mulheres. O preso se chamava Janicki. Primeiro ele foi levado para a sala de interrogatórios e depois atirado no corredor. Ainda estava vivo. Abriu a boca e com a língua de fora lambia o chão por causa da sede. Boger partiu para cima dele e quebrou a sua cabeça com um pontapé. GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 Depois me disse: "Agora é a sua vez: Se você não disser a verdade vai te acontecer o mesmo." Fui então amarrado na barra. JUIZ Queira nos descrever o que acontecia lá. TEST. 8 O preso era obrigado a sentar no chão com os joelhos dobrados. As mãos eram amarradas na frente dos joelhos. A barra era atravessada no espaço que ficava entre os braços e os joelhos. Depois suspendiam a barra sobre os cavaletes. JUIZ Quem executava os preparativos? TEST. 8 Dois detentos auxiliares. JUIZ Havia mais alguém na sala? TEST. 8 Eu vi Boger, Broad e Dylewski. Boger me interrogava mas eu não podia responder. Estava de cabeça para baixo e os dois detentos faziam meu corpo girar. ADVOGADO Quais eram as perguntas que faziam? TEST. 8 Queriam saber outros nomes. JUIZ O senhor foi espancado? TEST. 8 Boger e Dylewski me batiam alternadamente ADVOGADO Não seriam os detentos que batiam? TEST. 8 Eram Boger e Dylewski, com os chicotes na mão. JUIZ Em que parte do corpo eles batiam? TEST. 8 Nas nádegas, nas costas, coxas, mãos, pés, e nuca. Mas golpeavam principalmente os órgãos genitais. Demaiei três vezes. Me jogaram água. JUIZ Acusado Boger, o senhor reconhece ter torturado esta testemunha? ACUSADO 2 A esta pergunta respondo decididamente: não. TEST. 8 Ainda tenho as cicatrizes. ACUSADO 2 Mas não causadas por mim. JUIZ Acusado Boger, o senhor empregou o instrumento aqui descrito ACUSADO 2 Em alguns casos GETEB – O Interrogatório Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro
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