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Peter Weiss Interrogatório

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GETEB – O Interrogatório 
Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro 
Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 
 
 
 
 
Depto de Letras, Artes e Cultura 
 
 
 
 
 
 
 
 
O INTERROGATÓRIO 
 
Peter Weiss 
 
********************************** 
 
Oratório em 11 cantos 
 
Tradução de Teresa Linhares e Carlos de Queiroz Telles 
 
 
 
 
Personagens: 
JUIZ 
PROMOTOR 
Advogado de Defesa 
Acusados 1 - 18 (representam pessoas existentes) 
Testemunhas 1 - 19 (representam pessoas anônimas) 
 
I CANTO DA PLATAFORMA 
II CANTO DO CAMPO 
III CANTO DA MÁQUINA DE FAZER FALAR 
IV CANTO DOS SOBREVIVENTES 
V CANTO DA MORTE DE LILI TOFLER 
VI CANTO DO SARGENTO STARK 
VII CANTO DO MURO NEGRO 
VIII CANTO DO FENOL 
IX CANTO DO CÁRCERE 
X CANTO DO ZYKLON B 
XI CANTO DOS FORNOS CREMATÓRIOS 
 
 
 
 
GETEB – O Interrogatório 
Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro 
Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 
 
NOTA DO AUTOR 
 
Na montagem desta peça não deverá haver a intenção de reconstituir o tribunal onde 
foram instaurados os processos sobre os campos de con-centração. Para o autor, esta 
reconstituição não faria sentido,do mesmo modo como não teria sentido uma 
reconstituição do campo. Centenas de testemunhas compareceram perante o tribunal por 
ocasião dos interrogatórios. A confrontação das testemunhas e dos acusados, as 
declarações e as respostas, sempre estiveram sobrecarregadas por forte emoção, 
De tudo isto, deve transparecer apenas um resumo. Os diálogos devem mostrar os 
fatos, como foram expostos no processo. As experiências e confrontações pessoais 
devem ceder lugar ao anonimato,. Despojados de seus nomes, as testemunhas do drama 
tornam-se simples porta-vozes.As 9 testemunhas repetem apenas o que centenas delas 
declararam anterior mente. As diversidades das experiências pode, quando muito, 
transparecer através de modificações de vozes e temperamentos. 
As testemunhas 1 e 2 faziam parte da administração do campo. As testemunhas 4 e 5 
são mulheres. As demais são prisioneiros que sobreviveram. 
Ao contrário das testemunhas, cada um dos 18 acusados representa uma figura bem 
determinada: seus nomes foram recolhidos do processo verdadeiro o fato de que aqui 
eles apareçam com seus próprios nomes é mui to significativo, uma vez que eles tinham 
estes nomes também na ocasião dos acontecimentos a que se refere o processo, 
enquanto os presos eram simples números. 
As pessoas que são nomeadas neste drama, não devem entretanto ser novamente 
acusadas. Eles apenas emprestam suas identidades ao autor,como símbolos de um 
sistema que criou muitos homens culpados e impunes. 
Na montagem do espetáculo, pode haver um intervalo após o sexto canto. 
 
CANTO DA PLATAFORMA 
 
JUIZ Testemunha, 
o senhor era Chefe da Estação 
onde chegavam os trens com os deportados. 
Qual era a distancia entre a estação e o campo? 
TEST. 1 Dois quilômetros, até o velho quartel. Cerca de cinco até o Campo Principal. 
JUIZ O senhor também trabalhava no Campo? 
TEST. 1 Não. 
Meu serviço era apenas zelar 
pelo bom estado das linhas 
e controlar o horário dos trens. 
JUIZ Qual era o estado da ferrovia? 
TEST. 1 A linha era bem construída 
 e perfeitamente conservada. 
JUIZ Era o senhor quem determinava o horário dos trens? 
TEST. 1 Não. 
Apenas tomava decisões 
de ordem técnica, 
relacionadas com o tráfego 
entre a estação e o campo. 
JUIZ Existem documentos 
 assinados pelo senhor 
GETEB – O Interrogatório 
Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro 
Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 
 
 determinando horários 
 para os trens. 
TEST. 1 Pode ter acontecido. Talvez eu tenha assinado na ausência de outros. 
JUIZ O senhor sabia 
qual era a finalidade dos transportes? 
TEST. 1 Não estava informado sobre o assunto. 
JUIZ Mas o senhor sabia que os trens estavam carregados de pessoas. 
TEST. 1 Sabiamos apenas 
que eram pessoas transferidas 
e colocadas sob a proteção do Reich. 
JUIZ O senhor nunca perguntou a si mesmo por que os trens 
 sempre voltavam vazios do Campo? 
TEST. 1 Era lá que ficavam alojadas as pessoas transportadas. 
PROMOTOR Testemunha, 
o senhor ocupa hoje um posto de responsabilidade 
na Direção das Estradas de Ferro Federais. 
Podemos então admitir sua competência 
em assuntos relacionados a equipamentos e cargas. 
Qual era o equipamento e qual era a carga 
dos trens que chegavam? 
TEST. 1 Eram trens de Carga. 
 Conforme os certificados cada vagão transportava cerca de 60 pessoas. 
PROMOTOR Eram vagões para carga, ou vagões para gado? 
TEST. 1 Eram vagões semelhantes aos que também 
 se empregam para o transporte de gado. 
PROMOTOR Havia instalações sanitárias nos vagões? 
TEST. 1 Não sei. 
PROMOTOR Com que frequência chegavam estes trens? 
TEST. 1 Não saberia dizer. 
PROMOTOR Porem chegavam com frequência? 
TEST. 1 Naturalmente 
 Era, uma estação terminal de muito trafego. 
PROMOTOR O senhor não achava estranho que estes 
 transportes chegassem de quase todos os países da Europa? 
TEST. 1 Tinhamos tanto trabalho, 
que não podíamos nos preocupar 
com este tipo de coisas. 
PROMOTOR O senhor nunca se interessou 
pelo que podia acontecer 
com as pessoas transportadas? 
TEST. 1 Elas eram empregadas no Campo em trabalhos braçais. 
PROMOTOR Mas não chegavam apenas pessoas 
 aptas para o trabalho. 
 Seguiam para o campo famílias inteiras, 
 com velhos e crianças. 
TEST. 1 Eu não tinha tempo 
 para examinar a carga dos trens. 
PROMOTOR O senhor morava onde? 
 Perto da Estação. 
PROMOTOR Quem mais morava na cidade? 
GETEB – O Interrogatório 
Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro 
Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 
 
TEST. 1 Os funcionários do Campo 
e o pessoal das indústrias próximas. 
A população do lugar 
tinha sido evacuada. 
PROMOTOR E que indústrias eram essas? 
TEST. 1 I.G. Farben, Krupp e Siemens 
PROMOTOR O senhor via os detentos que trabalhavam ali? 
TEST. 1 Quando entravam e quando saiam. 
PROMOTOR Que aspecto eles tinham? 
TEST. 1 Iam sempre marchando . E cantavam, 
PROMOTOR O senhor sabia alguma coisa 
 sobre as condições de vida no Campo? 
TEST. 1 Diziam tantas tolices 
 que ninguém sabia em que acreditar... 
PROMOTOR O senhor não ouviu falar 
 em extermínio de seres humanos? 
TEST. 1 Como se poderia acreditar numa coisa dessas 
JUIZ Testemunha, 
 o senhor era o responsável pela expedição da carga. 
TEST. 2 Meu trabalho era apenas 
entregar os vagões 
para as equipes de manobra. 
JUIZ E o que faziam estas equipes? 
TEST.2 Engatavam uma locomotiva 
 que conduzia os vagões para dentro do Campo, 
JUIZ Quantos homens iam em cada vagão? 
TEST. 2 Não saberia dizer 
 Era expressamente proibido 
 se aproximar dos trens. 
JUIZ Quem proibia? 
TEST. 2 As tropas de guarda. 
JUIZ Todos os trens traziam documentação sobre a carga? 
TEST. 2 Na maior parte das vezes, não. 
 Só uma indicação das quantidades transportadas, 
 escritas a giz sobre os vagões. 
JUIZ E quais eram estes números? 
TEST. 2 60 cabeças, 80 cabeças, conforme o caso. 
JUIZ Quando chegavam os trens? 
TEST. 2 Geralmente, à noite. 
PROMOTOR Que impressão causavam ao senhor esses carregamentos? 
TEST. 2 Não compreendo a pergunta. 
PROMOTOR Testemunha, 
 o senhor é hoje Inspetor Geral 
das Estradas de Perro Federais. 
Tem portantogrande experiência 
sobre condições de transporte. 
Os ruídos que se ouviam dentro dos vagões 
não o alertaram sobre a situação das pessoas transportadas 
TEST. 2 Certa vez, vi uma mulher 
erguer uma criança junto a um respiradouro 
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Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 
 
pedindo água aos gritos 
Fui buscar uma garrafa 
para entregar a ela. 
Nesse momento chegou uma sentinela 
e disse que eu seria fuzilado 
se não me afastasse imediatamente. 
JUIZ Testemunha, 
segundo os seus cálculos 
quantos trens chegavam a estação? 
TEST. 2 A media era de um por dia. 
 Em casos especiais, até 2 ou 3. 
JUIZ Qual era o tamanho dos trens? 
TEST. 2 Podiam ter até 60 vagões . 
JUIZ Alguma vez 
 o senhor esteve dentro do Campo? 
TEST. 2 Apenas uma. Acompanhei a locomotiva de manobras 
para regularizar alguns papéis. 
Desci junto ao portão da entrada 
e fui ao escritório do Campo. 
Quase não pude sair 
porque não tinha salvo-conduto. 
JUIZ O que o senhor viu no Campo? 
TEST. 2 Nada, 
 Eu estava preocupado em poder sair. 
JUIZ O senhor viu as chaminés 
no fim da plataforma de desembarque? 
E a fumaça? E o reflexo do fogo? 
TEST. 2 Sim, a fumaça eu vi. 
JUIZ E o que pensou que fosse? 
TEST. 2 Pensei que eram os fornos 
da padaria do Campo 
Tinha ouvido dizer 
que ali se assava dia e noite, 
Era um campo muito grande. 
TEST. 3 Não paramos de viajar durante 5 dias. 
No segundo, nossas provisões já tinham acabado. 
Éramos 89 no vagão, 
com nossas malas e pacotes. 
Faziamos nossas necessidades sobre a palha. 
Muitos estavam doentes. Oito estavam mortos. 
Nas estações, podiamos ver pelos respiradouros 
as tropas de guarda serem servidas de sopa e café. 
Na última noite, 
 quando nossos filhos já não choravam, 
 o trem tomou um desvio secundário. 
 Atravessamos um terreno plano, iluminado por refletores. 
 Chegamos logo a um grande edifício parecido com uma granja 
 Antes de atravessar os portões, a locomotiva apitou. 
 O trem parou e as portas dos vagões foram abertas com violência. 
 Apareceram detentos, com roupas listradas, gritando para nós: 
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"Todos para fora, depressa, depressa!" 
Havia uma altura de um metro e meio até o chão, 
coberto de cascalhos. 
Os velhos e os doentes 
cairam sobre as pedras cortantes. 
Os mortos e as bagagens foram jogados para fora, 
Tivemos que deixar tudo ali. 
Mulheres e crianças para um lado, 
os homens para o outro. 
Perdi de vista minha família . 
As pessoas gritavam por todos os lados 
chamando os seus parentes. 
Os cachorros latima. 
Das torres de vigilância, 
focos de luz e metralhadoras 
apontavam para nós. 
Na extremidade da plataforma de desembarque 
o céu era vermelho. 
0 ar estava sujo de fumaça. 
A fumaça tinha um cheiro 
de coisa doce e chamuscada. 
Era a fumaça que permaneceria para sempre. 
TEST. 4 Ouvi meu marido me chamando, 
mas não podiamos sair do lugar. 
Éramos um grupo de mulheres e crianças, 
em filas de cinco pessoas. 
Depois, tivemos que passar 
diante de alguns oficiais. 
Um deles estendia o braço para a frente 
e indicava com o dedo: direita ou esquerda. 
As crianças e as velhas para a esquerda. 
Eu fiquei do lado direito. 
O grupo da esquerda atravessou os trilhos 
e tomou um outro caminho. 
Por um momento eu vi minha mãe 
entre as crianças. 
Piquei calma, 
pensando que logo nos veriamos de novo. 
Perto de mim, vima. mulher disse: 
"Esses vão para um campo de repouso". 
Havia caminhões naquele caminho, e um 
carro da Cruz Vermelha. Vimos todos subirem 
nos caminhões e ficamos contentes 
porque eles não precisariam maisandar. 
Nos continuamos a pé, 
por uma estrada cheia de lama. 
Eu levava pela mão o filho de minha cunhada. 
Ela carregava o menor no colo. 
Então, um dos detentos se aproximou de mim 
e perguntou se o menino era meu. 
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Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 
 
Quando disse que não 
ele mandou que eu o devolvesse a mãe. Foi o que eu fiz 
pensando que isto trouxesse alguma vantagem para ela. 
Mas eles foram para o lado esquerdo 
e eu para a direita. 
O oficial que nos separava 
era muito amável. 
Perguntei a ele para onde iam os outros e ele me respondeu: 
"Vão tomar um banho e daqui ha uma hora estarão de volta" 
JUIZ A testemunha sabe quem era esse oficial? 
TEST. 5 Eu soube depois. 
 Ele se chamava Dr. Capesius. 
JUIZ A senhora pode fazer o favor 
 de me indicar o acusado Dr. Capesius? 
TEST. 5 Quando eu olho estas caras 
me parece difícil reconhecer alguém. 
Mas aquele senhor ali, eu conheço. 
JUIZ Como e seu nome? 
TEST. 5 Doutor Capesius. 
ACUSADO 3 A testemunha por certo 
está me confundindo com outra pessoa. 
Eu nunca participei 
na triagem do desembarque, 
TEST. 6 já conhecia o Dr. Capesius antes da guerra. Eu era médico 
e ele me visitou muitas vezes 
em minha cidade, 
como representante farmacêutico 
das indústrias Bayer. 
Quando eu o encontrei no campo 
perguntei a ele o que seria de nós. 
Ele me disse: "tudo estará bem aqui". 
Contei a ele que a minha mulher estava doente. 
Ele respondeu: 
"Então ela deve ficar deste lado e será tratada". 
Indicou o grupo dos velhos e doentes 
e eu disse a minha mulher que fosse com eles. 
Ela partiu com sua sobrinha 
e alguns outros parentes. 
Embarcaram todos nos caminhões. 
JUIZ O senhor não tem nenhuma dúvida 
de que este seja o doutor Capesius? 
TEST. 6 Nenhuma. Eu conversei com ele. 
 E foi para mim uma grande alegria encontrá-lo naquele momento. 
JUIZ Acusado Capesius, 
 o senhor conhece esta testemunha? 
ACUSADO 3 Não. 
JUIZ O senhor ficava sobre a plataforma quando os trens chegavam? 
ACUSADO Picava ali apenas para recolher os 
 medicamentos que viessem na bagagem dos presos. 
 Minha função era guardá-los na farmácia. 
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JUIZ Testemunha, 
 o senhor viu na plataforma de desembarque algum outro dos acusados aqui 
presentes? 
TEST. 6 Vi aquele. E sei o seu nome: ele se chama Hofmann. 
JUIZ A ousado Hofmann, 
 que fazia o senhor quando os presos chegavam? 
ACUSADO 8 
 Manutenção da ordem e do silêncio. 
JUIZ De que maneira? 
ACUSADO 8 As pessoas eram agrupadas 
e em seguida os médicos decidiam 
quem tinha condições para o trabalho. 
As vezes, muitos eram considerados aptos. 
Outras, quase nenhum. 
Havia uma porcentagem certa 
que era estabelecida 
em função da necessidade 
de mão de obra. 
JUIZ E o que acontecia com aqueles que não eram usados no trabalho? 
ACUSADO 8 Iam para a câmara de gás. 
JUIZ Qual a porcentagem 
dos que eram designados 
para o trabalho? 
ACUSADO 8 Em média, um terço de cada trem. 
Quando o Campo estava lotado, 
todos eram liquidados imediatamente. 
JUIZ O senhor mesmo 
 fez a triagem alguma vez? 
ACUSADO 8 Sobre esse assunto 
só posso dizer 
que coloquei muitos inaptos 
do lado dos aproveitados, 
quando eles me suplicavam 
que fizesse isso. 
JUIZ O senhor tinha esse direito? 
ACUSADO 8 Não. Era proibido. 
Mas sobre isso 
o pessoal fechava os olhos. 
JUIZ Durante o serviçode triagem 
 era distribuída alguma ração especial 
ACUSADO 8 Sim. 
Ganhávamos pão. 
Uma ração de salsicha 
e um quinto de litro de álcool. 
JUIZ O senhor empregava violência durante o seu trabalho? 
ACUSADO 8 Sempre havia muita confusão 
 e algumas vezes era necessário dar uns gritos e uns bofetões. 
 Eu apenas cumpria o meu dever. 
JUIZ Como foi que o senhor começou a fazer este serviço? 
ACUSADO 8 Por acaso. Foi assim que aconteceu: 
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meu pai era dono de um bar 
muito frequentado por membros do partido, 
e meu irmão tinha uma farda sobrando 
que eu costumava usar. 
Um dia, me designaram para um trabalho. 
Eu não sabia o que era, 
nem para onde estava indo. 
Quando cheguei ao Campo 
quãs saber se o lugar era bom para mim. 
Me responderam: 
"Para você, é ótimo! 
PROMOTOR Acusado Hofmann, o senhor sabia 
 o que acontecia com os presos selecionados 
ACUSADO 8 Senhor procurador, eu pessoalmente 
não tinha nada contra essa gente. 
Também viviam entre nós 
e antes que fossem presos 
eu sempre dizia a minha família: 
continuem a comprar nos seus empórios, 
eles são gente como os outros. 
PROMOTOR O senhor continuava a ter essa 
 opinião quando trabalhava no Campo?. 
ACUSADO 8 O senhor sabe, não ê? 
Quando há tanta gente 
num espaço tão pequeno, 
sempre acontecem coisas desagradáveis. 
Mas fora a câmara de gás 
que era horrível, naturalmente, 
todos tinham a sua oportunidade 
de sobreviver. 
Quanto a mim, sempre me portei bem! O que eu podia fazer? 
Ordens eram ordens. 
E agora, por causa disso, 
tenho que aguentar esse processo! 
Senhor Procurador, 
eu vivia tranquilo 
como um bom cidadão, 
e de repente veem me buscar 
e gritam: Hofmann! 
E me apontam: Hofmann! 
Não compreendo de jeito nenhum 
o que querem de mim! 
TEST. 7 Depois que estávamos agrupados, uma sentinela veio nos perguntar: "Alguém 
está doente?" Alguns sairam da fila porque acharam que seriam mais bem tratados. 
Foram colocados no grupo da esquerda. 
Quando a sentinela veio buscá-los 
houve um tumulto. 
Ele atirou num grupo. 
Cinco ou seis morreram. 
JUIZ Testemunha: 
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 encontra-se no tribunal a pessoa a que se refere? 
TEST. 7 Senhor Presidente, 
já faz muitos anos 
que não vejo nenhum deles. 
Encará-los 
para mim é doloroso. 
Este aqui, se parece com aquele tal. 
Poderia ser o mesmo. 
Se chamava Bischof. 
JUIZ O senhor está certo disso ou tem alguma dúvida? 
TEST. 7 Eu não tinha dormido nada, aquela noite. 
Colocamos em dúvida 
as declarações da testemunha. 
É muito possível 
que acredite reconhecer 
o rosto de nosso cliente, 
por causa das fotos divulgadas na imprensa. 
O cansaço da testemunha invalida o seu depoimento. 
JUIZ Acusado Bischof, 
o senhor quer se manifestar 
sobre esta acusação? 
Acusado lj? 
Para mim é um mistério 
a afirmação da testemunha. 
Também não compreendo 
o que a testemunha quer dizer 
com cinco ou seis. 
Se tivesse dito cinco 
ou se tivesse dito seis, 
faria algum sentido. 
JUIZ O senhor trabalhava na plataforma de desembarque dos presos? 
ACUSADO 15 Eu apenas organizava os grupos e é tudo. 
 Nunca atirei em ninguém, senhor presidente. 
 Quero que tudo fique bem claro aqui. 
 Há anos que esta história me atormenta e eu até ja 
 peguei uma doença do coração. 
 Agora ainda veem amargurar os últimos dias 
 da minha vida com insultos deste tipo! 
PROMOTOR O que o acusado quer dizer com "insultos"? 
JUIZ O acusado está nervoso. 
 Certamente não está se referindo ao procedimento da promotoria, 
(os acusados riem) 
TEST. 8 Como detento, eu fazia parte do comando de limpesa. 
 Nós tínhamos que retirar as bagagens dos que chegavam, 
 o acusado Baretski tomava parte da triagem sobre 
 a plataforma e acompanhava o transporte ate os fornos crematórios. 
JUIZ Testemunha, 
 o senhor reconhece o acusado? 
TEST. 8 Ali está: o Blockfuhrer Baretski 
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Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 
 
ACUSADO 13 Eu apenas pertencia a equipe de guarda. Um chefe de comando não 
poderia fazer a triagem das pessoas inaptas para o trabalho. Isto competia 
exclusivamente aos módicos. 
JUIZ O senhor tinha conhecimento 
da finalidade daquela seleção? 
ACUSADO 13 Chegamos a saber 
e eu fiquei indignado. 
Durante uma licença 
contei a minha mãe. 
Ela não queria acreditar. 
Dizia que era impossível. 
Que não se queima gente 
porque a carne não se queima. 
TEST. 8 Vi Baretzki 
designar as pessoas com seu bastão. Para ele, 
as coisas nunca andavam depressa. 
Ele sempre apressava o movimento. 
Certo dia, chegou um trem com três mil preeoe 
A maioria estava doente. 
Baretzki gritou para nós: 
"Vocês tem 15 minutos 
para esvaziar os vagões!" 
Uma criança nasceu durante o descarregamento. 
Eu a enrolei nuns trapos e a 
coloquei perto da mãe. 
Baretzki chegou com o seu bastão e bateu em mim e na mulher. 
"O que você está fazendo com esta porcaria?" gritou. 
E deu um pontapé no menino 
que o atirou a uns 10 metros de distância. 
Em seguida me ordenou: 
"Traga aqui aquela merda!" 
Mas o menino estava morto. 
JUIZ Testemunha, 
 o senhor jura sobre isto? 
TEST. 8 Juro. 
 Baretzki tinha também um golpe especial. Era conhecido por isto. 
JUIZ Que espécie de golpe? 
TEST. 8 Era um golpe dado com a mão aberta. 
 Bem em cima da aorta. 
 Na maior parte das vezes era mortal. 
ACUSADO 13 A testemunha acaba de dizer 
que eu usava um bastão, 
Se eu usava um bastão 
não precisava nenhum golpe especial. 
E se eu batia com a mão 
não precisaria usar o bastão. 
Senhor Presidente, isto e uma calúnia. 
Eu não conheço nenhum golpe especial, (os acusados riem) 
JUIZ Testemunha, 
 quem mais o senhor viu na plataforma? 
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TEST.8 Todos os médicos estavam lá. 
A triagem fazia parte do trabalho deles. 
O Dr, Frank estava lá. O Dr. Schatz. 0 Dr. Lucas. 
Advogado 
Testemunha, 
onde o senhor ficava 
durante as triagens? 
TEST. 8 Em vários pontos da plataforma, recolhendo as bagagens. 
ADVOGADO O senhor pode nos descrever como era a plataforma? 
TEST. 8 Ficava atrás do portão da entrada. 
A sua direita era o campo dos homens, 
A esquerda, o das mulheres. 
No fim da plataforma, 
a esquerda e a direita 
ficavam os novos fornos crematórios 
de números 1 e 3 
Depois de entrarem, 
os trens ficavam geralmente 
na linha da direita. 
ADVOGADO Qual era o comprimento da plataforma? 
TEST. 8 Cerca de 800 metros. 
ADVOGADO E o comprimento dos trens? 
TEST.8 Ocupavam frequentemente dois terços da plataforma. 
ADVOGADO Onde eram feitas as triagens? 
TEST. 8 No meio da plataforma. 
ADVOGADO Onde eram agrupadas as pessoas? 
TEST. 8 Tanto sobre os trilhos como sobre a plataforma. 
ADVOGADO Qual era a largura da plataforma? 
TEST. 8 Dez metros mais ou menos. 
ADVOGADO Sendo assim, as pessoas se dividiam 
em dois grupos Um perto do outro. 
E cada grupo em fileiras de cinco. 
A defesa coloca em dúvida o depoimento. 
Não seria possível a testemunha, 
nomeio da multidão 
e recolhendo bagagens, 
permanecer próxima 
aos oficiais que realizavam a triagem. 
JUIZ Acusado Dr. Frank, 
o senhor tomou parte nas triagens? 
ACUSADO 4 Eu era apenas suplente 
no serviço da plataforma. 
Meu trabalho era confiscar o equipamento 
dos dentistas que chegassem, 
para o consultório dentário dos presos. 
Em seguida, eu devia registrar e uniformizar 
os dentistas e técnicos odontológicos. 
Quando pegavam alguém 
que minhas relações com os presos eram francamente amigáveis. 
JUIZ Acusado, Dr. Lucas, 
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 que fazia o senhor na plataforma? 
ACUSADO 6 Jamais exerci nenhuma atividade ali. 
Eu sempre disse que era médico 
só para salvar vidas humanas 
e não para destruí-las. 
Alem do mais, minha religião católica 
me obrigava a isso. 
Quando quizeram forçar-me 
fingi que estava doente. 
Fiz tudo o que podia 
para voltar ao exército. 
Quando obtive uma licença 
me dirigi ao meu antigo superior, 
falei com um arcebispo meu conhecido 
e também com um eminente jurista. 
Todos concordaram 
em que não se deve obedecer 
a ordens imorais, 
mas sem chegar ao extremo 
de por em risco a própria vida. 
E mais: que nós estávamos em guerra 
e muitas coisas deviam ser toleradas. 
PROMOTOR Dr. Lucas, 
que doenças o senhor simulava 
quando recebia ordens 
para participar nas triagens? 
ACUSADO 6 Fingia ter uma cólica de fígado ou uma perturbação estomacal. 
PROMOTOR Não lhe perguntavam 
porque o senhor tinha cólicas 
sempre nessas horas? 
ACUSADO 6 Nunca houve dificuldades. 
 Minha resistência passiva era a única forma de escapar. 
 Mesmo hoje em dia, não vejo como poderia ter agido de outro modo. 
PROMOTOR E quando o senhor não podia escapar, o que fazia então? 
ACUSADO 6 Apenas em três ou quatro vezes 
minhas recusas de nada serviram. 
Eu recebi a ordem 
de ir até a plataforma 
sob a ameaça de imediata detenção 
em caso de recusa. 
PROMOTOR Então, o senhor participou das triagens 
ACUSADO 6 Eu apenas tinha que escolher 
as pessoas aptas para o trabalho. 
E fazia isto de maneira 
a que passassem também 
um grande número de inaptos. 
PROMOTOR E os outros? 
ACUSADO 6 Os outros eram separados. 
ADVOGADO Em hipótese alguma 
pode-se julgar condenável 
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os médicos terem participado 
da triagem dos presos, 
uma vez que desta forma 
eles faziam o possível para reduzir 
o número de vítimas. 
PROMOTOR Que era feito das bagagens depois da triagem? 
TEST.8 Eram levadas para os armazéns, registradas e guardadas. 
PROMOTOR Qual era o tamanho destes armazéns? 
TEST.8 Havia 35 barracões. 
PROMOTOR O senhor pode nos fornecer algum 
 dado sobre o volume e o valor dos bens apreendidos? 
TEST. 8 Antes da deportação, 
os presos eram aconselhados 
a levarem todos seus objetos de valor, 
uma vez que no lugar onde seriam instalados 
não poderiam conseguir nada. 
Eles levavam tudo o que podiam, 
tudo o que tinham, até os menores objetos. 
Na primeira triagem, sobre a plataforma, 
muitas coisas já eram apreendidas 
Os médicos separavam os instrumentos profissionais 
e também as jóias e outros objetos de valor 
que colocavam de lado, enchendo malas inteiras. 
Também as equipes de vigilância 
e o pessoal do trem 
pegavam a sua parte. 
Para nós, sempre sobrava alguma coisa que logo podiamos trocar 
Nos armazéns, os cálculos se faziam em milhares. 
PROMOTOR Testemunha, o senhor poderia nos 
 fornecer algum número mais exato sobre o 
 total dos bens que eram levados pelos presos. 
TEST. 8 Pelo balanço referente ao período 
de 12 de abril de 42 a 15 de dezembro de 43, 
os valores em dinheiro, títulos e jóias 
alcançavam 132 milhões de marcos, 
fora 1.900 vagões de roupas e tecidos, 
no valor de 46 milhões de marcos. 
E isto foi antes da época dos grandes trens. 
PROMOTOR O que era feito destes valores? 
TEST. 8 Eram transferidos pare o Banco do Reich ou então 
 para o Ministério das Finanças. 
 Os metais preciosos eram fundidos. 
 Objetos menores, como relógios por exemplo, 
 eram distribuídos entre as tropas. 
JUIZ Nunca houve um movimento de revolta na plataforma 
 Os que chegavam eram em número muito superior aos seus guardas. 
 Eram separados de suas famílias e dos seus bens sem nenhuma resistência? 
TEST. 9 Eles nunca opuseram resistência. 
JUIZ Por que não? 
TEST. 9 Porque chegavam esgotados 
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e mortos de fome. 
Tudo o que desejavam 
era poder descansar um pouco. 
JUIZ Não tinham a menor ideia do que os esperava? 
TEST. 9 Como poderiam acreditar 
que praticamente já não existiam? 
Cada um pensava ainda 
que pudesse sobreviver. 
 
CANTO DO CAMPO 
 
TEST. 4 Quando esperávamos 
em frente a entrada do Campo, 
depois de termos atravessado a linha do trem, 
ouvi um detento dizer a uma mulher: 
"O carro da Cruz Vermelha 
serve apenas para levar o gás 
até as câmaras. 
É ali que seus parentes vão morrer." 
A mulher começou a gritar. 
Um oficial ouviu essas palavras, 
dirigiu-se a ela e disse: 
"Minha senhora, 
como pode acreditar 
nas palavras de um detento? 
São todos criminosos 
e doentes mentais. 
Veja as suas orelhas disformes 
e as cabeças raspadas. 
A senhora não deve acreditar 
no que eles dizem." 
JUIZ Testemunha, 
o senhor se lembra 
quem era esse oficial? 
TEST. 4 Tornei a me encontrar com ele depois disso. 
 Eu trabalhava sob suas ordens, como empregado 
 de escritório no Departamento Político. 
 Seu nome é Broad. 
JUIZ O senhor pode nos apontar o acusado Broad? 
TEST. 4 O senhor Broad é aquele. 
(O acusado cumprimenta amavelmente a testemunha) 
JUIZ O que fizeram com aquele detento que falou na plataforma? 
TEST. 4 Ouvi dizer 
que foi condenado 
a 150 chicotadas 
por causar desordens. 
Ele morreu. 
JUIZ Acusado Broad, 
tem algo a declarar 
sobre o assunto? 
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ACUSADO 16 Não me lembro deste caso. Em nosso Campo 
 nunca foram dadas tantas chicotadas de uma vez só. 
TEST. 3 Assim que nossas bagagens foram deixadas 
 para trás e que nos separaram de nossas famílias, 
 atravessamos sem desconfiança o portão, 
 entre as cercas de arame farpado. 
 Acreditávamos que nossas mulheres e filhos 
iam ganhar comida 
e que logo estaríamos juntos. 
Mas vimos centenas de pessoas esfarrapadas, 
na maioria só pele e ossos. 
Nossa esperança morreu. 
TEST. 6 Uma delas chegou perto de nós e gritou: 
 "Vejam, olhem a fumaça do outro lado dos barracões. 
 Aquilo é suas mulheres e seus filhos. 
 Também para vocês que entraram aqui só vai 
 haver uma saída: a boca das chaminés!" 
TEST. 3 Pomos levados a um barracão de limpesa. 
 Os guardas e os detentos vieram trazendo uma pilha de fichas. 
 Ficamos nus e tudo o que ainda nos restava foi levado por eles: 
relógios, alianças, documentos, fotografias. Em seguida, cada um de nós 
foi tatuado com um número no antebraço esquerdo. 
JUIZ Como era feita a tatuagem? 
TEST. 3 Imprimiam os números na pele 
fazendopequenos furos com agulhas 
e em seguida esfregavam uma tinta especial. 
Rasparam nossos cabelos 
e nos fizeram tomar uma ducha. 
Depois nos deram roupas. 
JUIZ Que espécie de roupas? 
TEST. 3 Uma cueca velha, uma camiseta, um paletó rasgado, 
 uma calça remendada, um gorro e um par de tamancos. 
 Depois, em passo de marcha fomos para a nossa prisão. 
JUIZ Como era essa prisão? 
TEST. 3 Um barracão de madeira, sem janelas. 
Uma porta na frente, 
uma porta atrás. 
Clarabóias no teto inclinado. 
X direita e à esquerda, 
beliches de três andares, 
os mais baixos, quase no chão, 
os de cima apoiados em tabiques de cimento. 
O barracão tinha quarenta metros de comprimento. 
JUIZ Quantos presos cabiam ali? 
TEST. 3 O espaço estava calculado para 500 homens. Nós éramos mil. 
JUIZ Havia quantos barracões deste tipo? 
TEST. 3 Mais de duzentos. 
JUIZ Qual era a largura de cada cama? 
TEST. 4 Um metro e oitenta, aproximadamente. 
 Nesse espaço dormiam seis homens. 
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 Para descansar, eram obrigados a mudar de posição 
 dormiam sobre o lado esquerdo e sobre o lado direito, alternadamente. 
JUIZ Havia palha ou coberta? 
TEST. 3 Algumas camas tinham palha. 
A palha estava podre. 
Caia da cama de cima 
sobre as de baixo. 
Para cada cama havia um cobertor. 
Os que ficavam nas pontas 
puxavam cada um para o seu lado. 
Os mais fortes ficavam no meio. 
JUIZ Os barracões tinham aquecimento? 
TEST. 3 Havia dois aquecedores. 
Dos aquecedores partiam tubos 
em direção a chaminé do centro. 
Os tubos eram cimentados 
e o cimento nos servia de mesa. 
 Raramente os aquecedores eram acesos. 
JUIZ Como eram as instalações sanitárias? 
TEST. 3 No barracão de limpesa havia 
 bancos de madeira debaixo de uma canalização esburacada. 
 A água pingava dos tubos. 
As latrinas eram grandes caixas de cimento. 
Em cima delas, havia tábuas com buracos. 
Ali cabiam ate duzentas pessoas. 
Os guardas das privadas tomavam conta 
para que ninguém ficasse lá muito tempo. 
O pessoal de guarda 
batia nos presos com varas 
para que eles saissem logo. 
Alguns não podiam se apressar muito 
e por causa do esforço que faziam 
saia um pedaço do intestino. 
Depois de serem expulsos, 
voltavam a esperar na fila. 
Não havia papel. 
Alguns arrancavam pedaços da roupa para se limpar, 
ou roubavam, durante a noite, 
pedaços de uniformes dos outros para fazerem uma provisão. 
As necessidades deviam ser feitas pela manhã. 
Durante o dia era proibido. 
Quem fosse surpreendido nas privadas fora de hora 
era condenado a prisão. 
A água suja do barracão das duchas 
passava pelas latrinas 
para fazer escoar os excrementos. 
Havia sempre entupimentos 
porque a pressão da água não era suficiente. 
Então vinham as brigadas de limpesa 
para extrair a coisa. 
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0 fedor das latrinas 
se misturava com o cheiro da fumaça. 
TEST. 4 As bacias que nos davam 
serviam para tres coisas: 
se lavar, tomar sopa 
e fazer as necessidades da noite. 
No Campo das mulheres 
a única torneira 
ficava junto das privadas. 
O fio d'água corria depois para as latrinas. As mulheres 
lutavam para beber e apanhar 
um pouco de água em suas bacias. 
Aquelas que desistiam de se lavar, 
desistiam de viver. 
TEST. 5 Logo que desembarquei na plataforma, 
 no meio daquela agitação, 
vi que ali cada um tinha que se defender sozinho, 
obedecer as autoridades, 
dar uma boa impressão 
e evitar tudo o que pudesse 
nos rebaixar ainda mais. 
Quando nos estenderam sobre as mesas 
no prédio de recepção 
e nos revistaram o ânus e os órgãos sexuais 
para procurar objetos de valor, 
os últimos restos da existência anterior 
desapareceram. 
Família, lar, bens pessoais, profissão, 
Tudo isto foi liquidado 
pelo número da matrícula. 
Começamos a viver 
dentro de novas regras 
e nos integramos 
nesse universo. 
Era o único mundo normal 
para quem quizesse sobreviver. 
A primeira condição 
era ter saúde e força física. 
Eu seguia de perto 
aquelas que estavam muito fracas 
para comer parte da sua ração. 
Vigiava 
as que tinham um lugar melhor para dormir e estavam para morrer. 
Nossa ascençao nesta nova sociedade 
começava no barracão, 
que era agora o nosso lar. 
Dos tijolos frios da cama inferior 
lutávamos sem parar 
para chegar aos lugares mais quentes nas camas de cima. 
Se duas de nós tinham que comer no mesmo prato 
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uma não tirava os olhos da 
garganta da outra para estar bem segura 
de que ela não comeria uma colher a mais. 
Nossas ambições tinham apenas um fim: 
furtar alguma coisa. Se era normal 
que nos tivessem roubado tudo, 
então era normal 
que nós também roubássemos. 
A sujeira, as feridas, as doenças, 
tudo era normal. 
Era normal 
que muitas pessoas morressem à nossa volta, como também era normal 
que pudéssemos morrer a qualquer momento. Era normal 
a ausência de emoção e a insensibilidade a vista dos cadáveres. 
Era normal que entre nós houvesse mulheres 
dispostas a espancar as outras 
para ajudar as vigilantes. 
Aquela que se tornava 
auxiliar da responsável pela prisão 
não estava mais nos últimos degraus, 
e aquela que conseguia 
se tornar simpática 
para as chefes da guarda 
subia ainda mais. 
So escapava quem tinha capacidade. 
Quem, dia a dia, sem nunca se distrair, defendia 
o seu lugar e a sua ração. 
As incapazes, 
as de espírito lento, 
as amáveis, 
as desequilibradas, 
as desaptadas, 
as que se lamentavam 
ou que se compadeciam da sua sorte, 
eram esmagadas. 
TEST. 6 Na primeira manhã, nos reunimos para a chamada. Chovia. 
Ficamos de pé durante horas e horas 
e vimos do outro lado da plataforma, 
atrás da cerca de arame farpado, 
algumas mulheres serem empurradas 
para dentro dos caminhões. 
Elas estavam nuas 
e gritavam para nós, os homens. 
Espervam nossa ajuda, 
mas nós estávamos ali, tremendo, 
e não podiamos fazer nada. 
TEST. 4 Eu cheguei a um barracão 
que estava cheio de cadáveres. 
Entre os mortos, 
alguma coisa se mexia. 
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Era uma moça. 
Puxei a menina para fora 
e perguntei a ela: 
"Quem é você? 
Desde quando você está aqui?" "Não sei", respondeu. 
"Por que você está no meio dos mortos?" 
perguntei. 
Ela me disse: 
"Eu não posso mais ficar com os vivos." 
Morreu naquela mesma tarde. 
TEST. 5 Tivemos que abrir grandes covas. 
 Muitas mulheres desmaiaram com o peso das pás de terra. 
 Estávamos dentro da água até a cintura. 
 Os guardas que nos vigiavam eram muito moços. 
 Uma mulher se dirigiu ao chefe da tropa: 
 "Capitão , gritou, "eu não posso trabalhar desse modo, estou grávida," 
 Os rapazes riram. Com uma pá, um deles forçou a 
 cabeça dela para baixo da água, até que ela se afogou. 
TEST. 7 Ouvi uma sentinela conversar com um menino de uns nove anos através do 
arame farpado. "Você já sabe muita coisa para a sua idade." dizia o homem. O 
menino respondeu: "Eusei que já sei muito e sei também que não vou aprender mais 
nada." 
Foi levado com um grupo 
de quase noventa meninos 
para os caminhões. 
Quando os outros se debatiam 
o menino gritou: 
"Subam no caminhão 
e não gritem assim. 
Vocês viram que nossos pais e avos 
já foram embora. 
Subam logo, vamos nos encontrar com eles." 
E quando o caminhão deu a partida, 
eu ouvi o menino 
gritar para a sentinela: 
"Você não vai ganhar nada com isso!" 
TEST. 8 De manhã, cada um ganhava 
meio litro de caldo, 
um pouco de café 
e cinco gramas de açúcar. 
Alguns 
guardavam um pedaço de pão 
da noite anterior. 
Ao meio dia 
era servida uma sopa 
feita com restos de batatas, 
couves e nabos. 
Vinha junto uma ração mínima 
de carne ou de sebo 
e uma espécie de farinha 
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que dava ao caldo 
o gosto especial de "Sopa do Campo". 
Para completar, 
punham pedaços de papel 
e farrapos. 
Quando a sopa era distribuída 
os presos não brigavam 
para serem os primeiros a comer, 
mas lutavam pelos últimos lugares da fila. 
0 primeiro terço da sopa 
era apenas água, 
com algum alimento no fundo. 
Depois da revista da noite, 
cada um ganhava o seu pedaço de pão 
de 300 a 350 gramas 
e alguns alimentos: 
20 gramas de salsicha, 
30 gramas de margarina, 
uma colher de salada de nabos. 
Nas sextas feiras, as vezes 
cinco ou seis batatas cozidas. 
Muitos dias só havia metade da refeição 
ou mesmo nada, 
porque o pessoal do Campo, 
desde as sentinelas até o comandante, 
se servia sem cerimonia 
nos armazéns dos presos. 
PROMOTOR Testemunha, 
quantas calorias 
tinha em média 
a alimentação diária? 
TEST. 8 Cerca de mil ou mil e trezentas calorias. 
 O organismo em repouso 
pode subsistir com mil e setecentas calorias. 
Um trabalhador braçal necessita de quatro mil. 
Como todos trabalhavam duro, 
logo estavam esgotados. 
Conforme o estado de fome e desnutrição 
os movimentos ficavam mais lentos. 
Quase não aguentávamos 
carregar o próprio corpo. 
A apatia e a sonolência 
eram sinais típicos da fraqueza. 
A debilidade física 
era acompanhada por um esgotamento total 
que levava ao desinteresse completo 
pelos acontecimentos. 
0 preso se tornava incapaz 
de concentrar seus pensamentos. 
A memória enfraquecia tão depressa 
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que as vezes se esqueciam 
do próprio nome. 
Em média, cada preso 
não vivia mais do que três ou quatro meses. 
ADVOGADO Testemunha, como foi então que o senhor sobreviveu? 
TEST. 8 Só podia sobreviver 
aquele que conseguia 
durante as primeiras semanas 
uma colocação no Campo, 
como trabalhador especializado, 
ou então quando era nomeado 
para uma função auxiliar. 
Um detento que exercesse um cargo especial 
e soubesse explorar esse previlêgio 
podia fazer praticamente tudo o que quizesse 
dentro do Campo. 
ADVOGADO Qual era o seu cargo? 
TEST. 8 Eu era detento médico. 
No começo trabalhei no Isolamento, 
depois na Enfermaria. 
JUIZ Quais eram as condições desses locais? 
TEST. 8 No Isolamento havia ratos 
que roiam os cadáveres 
e também os doentes graves. 
Pela manhã, 
apareciam mordidos 
os pés dos agonizantes. 
Os ratos vinham de noite 
roer o pão nos bolsos dos presos. 
E eles brigavam, dizendo: 
"Você roubou o meu pão!" 
"Não, foram os ratos!" 
Milhões de pulgas 
torturavam a gente. 
Os que usavam botas, desistiam. 
Os insetos tornavam insuportável o seu uso. 
Aquele que usasse apenas chinelos e farrapos 
podia ao menos se coçar. 
Na Enfermaria 
as condições eram melhores 
pois havia ataduras e gaze, 
um pote de pomada de ictiol 
e um outro com pasta d*água. 
Nos passávamos a pomada nas feridas 
e a pasta nas eczemas, 
para que ficassem escondidas. 
Nos tinhamos também 
alguns comprimidos de aspirina, 
que ficavam pendurados por fios. 
Os presos com menos de 38 graus de febre 
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tinham o direito de lambê-las uma vez, 
os com mais de 38, duas vezes. 
JUIZ Quais eram as doenças mais frequentes? 
TEST. 8 Além de debilidade geral 
e das contusões por pancadas, 
tínhamos escarlatina e paratifo, 
tifo abdominal, desinteria, tuberculose 
e uma doença crónica do Campo: 
uma diarreia rebelde a todos os tratamentos. 
A furunculose também se espalhava por toda parte 
Muitas vezes, as pancadas abriam feridas 
onde a carne se despregava dos ossos. 
Eu vi no Campo 
doenças que pensei que nunca veria, 
doenças que so se encontram nos tratados médicos 
Por exemplo, a Noma, 
uma gangrena da boca 
que so aparece nas pessoas 
totalmente desnutridas. 
Formavam-se buracos nas faces 
e através deles podiamos enxergar os dentes. 
Ou então o Fogo Selvagem, 
uma doença extremamente rara, 
em que a pele se desfaz em pústulas 
e em poucos dias o doente morre. 
TEST. 9 Depois da chamada da noite, o chefe 
 do nosso grupo escolhia alguns para uma sessão de ginástica. 
 Tinhamos que fazer o "salto da rã". 
 "Saltem, saltem, depressa, mais depressa!" gritava. 
 E se alguém não conseguia continuar ele o derrubava a pancadas. 
JUIZ Como se chamava esse Chefe? 
TEST. 9 Chamava-se Bednarek 
 e posso identificá-lo. 
ACUSADO 18 Nunca ouvi dizer 
que batiam nas pessoas 
durante a sessão de ginástica. 
JUIZ Em que consistiam os exercícios? 
ACUSADO 18 Os presos insubordinados 
 tinham que fazer alguns movimentos: 
 direita, esquerda; direita, esquerda, So isso. 
TEST. 9 No inverno, 
 Bednarek forçava os presos a ficar debaixo da ducha fria 
 durante uma meia hora. Ficavam gelados até o sangue. 
 Então eram atirados no pátio, onde morriam. 
ACUSADO 18 Estas declarações são inventadas. 
 Eu não poderia fazer o que dizem. 
 Eu era um simples detento, auxiliar de serviço. 
 Acima de mim estava o Ordenança, 
 o Chefe das Brigadas de Trabalho e o Chefe do Campo. 
 Eu mesmo, posso afirmar, com orgulho, 
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 que deixava dormir em meu quarto alguns 
 companheiros presos e em nosso bloco, a noite, 
 sempre nos divertíamos. 
TEST. 9 Quando Bednarek matava um preso, 
 ia para o seu quarto e rezava. 
ACUSADO 18 Devo dizer 
 que eu tenho mesmo muita fé. Mas nunca tive coragem de rezar, havia muitos 
delatores. Eu não matei ninguém. 
 No máximo dei umas pancadas quando 
 era preciso separar alguns presos que brigavam, 
TEST. 3 No Campo havia uma pessoa 
que sempre estava 
onde alguém apanhava ou era morto. 
Seu nome era Zaduk. 
Kaduk era uma espécie de símbolo. 
JUIZ Testemunha, 
queira apontar o 
ACUSADO Kaduk. 
TEST. 3 este é Kaduk. 
(O acusado 7 faz uma espécie de careta para a testemunha) 
 Os presos apelidaram Kaduk de "Professor" 
ou então de "Santo Doutor Kaduk", 
porque ele fazia suas triagens particulares. 
Pescava as vítimas 
pelo pescoço ou pelas pernas, 
com o cabo de sua bengala. 
ACUSADO 7 Senhor Diretor, 
 esta afirmação é falsa. 
TEST. 3 Eu estava lá 
quando Kaduk tirou da enfermaria centenas de presos. Foram obrigadosa deixar as roupas na lavanderia 
e passar em fila 
na sua frente. 
Ele estendia sua bengala 
a um metro do chão 
e os presos tinham que saltar por cima. 
Aquele que esbarrava na bengala 
ia para a câmara de gás. 
Quem conseguia pular 
era espancado até desmaiar. 
"Salta mais uma vez" gritava Kaduk, 
mas na segunda vez ninguém conseguia. 
ACUSADO 7 Nunca selecionei nenhum preso. 
 Não era eu quem decidia. Meu serviço era outro. 
JUIZ Qual era então o seu serviço? 
ACUSADO 7 Na hora das triagens, 
eu devia vigiar tudo. 
Sempre prestei a maior atenção 
para que nenhum dos rejeitados 
passasse por sua conta 
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para o grupo dos aptos para o trabalho. 
JUIZ O senhor trabalhava na plataforma? 
ACUSADO 7 Trabalhava. 
 Tinha que dirigir a movimentação dos grupos. 
JUIZ E como fazia? 
ACUSADO 7 Todos para fora, bagagens na plataforma, 
 filas de cinco, marchar. 
TEST. 3 Kaduk atirava ao acaso, sobre as pessoas. 
ACUSADO 7 Não é meu estilo atirar ao acaso. 
 Se eu quizesse atirar, teria feito pontaria. Podem acreditar: 
eu era um bom atirador. 
Mas fiz apenas 
o que era o meu dever. 
JUIZ E qual era esse dever? 
CUSADO 7 Tomar conta da operação de desembarque 
e fazer tudo andar direito. 
As crianças eram regularmente separadas 
e também as mães que não queriam largar os filhos. 
Os trens chegavam no ponto certo. 
A violência não era necessária 
de jeito nenhum. 
Todos aceitavam a coisa com calma. 
Ninguém resistia, 
porque era evidente 
que toda resistência seria inútil. 
TEST. 6 Uma vez, 
Kaduk bateu num preso do nosso grupo 
até que ele caiu no chão. 
Então atravessou a bengala no seu pescoço 
e ficou de pé sobre ele 
se balançando 
até o homem morrer asfixiado. 
ACUSADO 7 Mentira! Mentira! 
JUIZ Sente-se, senhor Kaduk. 
 E não grite com a testemunha! 
ACUSADO 7 Senhor Juiz, tudo o que se diz aqui 
 é uma grande mentira. 
 Para mim, so importa que falem a verdade. 
 Nunca ninguém matou um preso desta maneira. 
 Tínhamos ordem de tomar cuidado com a mão de obra. 
 Mas toda hora essa gente caia antes que eu levantasse a mão. 
 Eles estavam só fingindo. 
(os acusados riem) Senhor Diretor, 
não tínhamos interesse em bater em ninguém. 
As cinco e meia da madrugada já estávamos de pé 
e a noite ainda tínhamos o serviço na plataforma. 
Era demais, 
Senhor Diretor, 
Eu so quero viver em paz. 
Tenho demonstrado isso 
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nos últimos anos. 
Fui enfermeiro 
e meus pacientes me queriam bem. 
Eles podem testemunhar. 
Me chamavam de "Papai Kaduk". 
Isto não quer dizer nada? 
Tenho que pagar hoje 
pelo que me forçaram a fazer? 
Todos os outros 
fizeram o mesmo! 
Por que pegaram logo a mim? 
TEST. 4 Quanto mais se conseguia 
oprimir os inferiores, 
mais se melhorava de posição. 
Eu via a cara da responsável do bloco 
quando ela falava com a vigilante geral. 
Picava alegre e amável, 
mesmo que estivesse morrendo de medo. 
Ás vezes, 
ela era tratada pela vigilante 
como se fosse uma de suas melhores amigas, 
e então tinha a liberdade. 
Mas a vigilante também podia ter dormido mal 
e então o azar era da sua favorita, 
porque, nossa vigilante já tinha passado por tudo aquilo 
Acabaram com sua família 
na sua frente, ela assistiu matarem seus filhos e ficou insensível 
a tudo, como todas nós. 
Ela sabia que se perdesse o cargo ninguém 
a ajudaria e no seu lugar poriam uma 
outra para nos maltratar. 
Então ela nos maltratava porque queria a todo custo 
sobreviver. 
TEST. 5 O problema 
de justiça ou injustiça não existia mais. Só interessava 
aquilo que podia ser útil no momento. 
Só nossos donos 
podiam se dar ao luxo 
de ter caprichos, 
sentir piedade e emoção, 
fazer planos para o futuro. 
O Dr. Rhode, médico do Campo, 
me chamou para a sua seção. 
Ele soube 
que nós haviamos estudado na mesma cidade e me perguntou 
se já não tinhamos nos encontrado 
no bar Ritter, 
onde ele costumava beber. 
Eu pensei: 
se isso for conveniente para ele, eu posso muito bem me lembrar. 
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Disse que sim 
e ele me contou a sua juventude. 
Depois disse: 
"Quando acabar a guerra, 
ainda nos veremos por lá." 
Um dia, o Dr. Mengele mandou flores para uma mulher grávida. 
Também a mulher do 
comandante mandou cumprimentos 
e um casaquinho que ela mesma tinha tricotado 
Alguém teve a ideia 
de pintar anoezinhos 
nas paredes do "barracão das crianças 
e de por ali uma caixa de areia. 
Os caminhos que levavam aos fornos crematórios 
eram limpos com ancinhos 
entre um transporte e outro. 
Passavam por arbustos bem cuidados 
e havia canteiros de flores 
entre a erva que crescia 
sobre as câmaras de gás subterrâneas, 
Mengele sempre chegava com seu ar esperto, 
os polegares no cinturão. 
Dizia bom dia para as crianças 
que o chamavam de titio, 
antes de serem dissecadas 
no seu laboratório. 
Assim mesmo, havia ali um homem 
chamado Flacke: 
na sua seção ninguém morria de fome, 
e os presos vestiam roupa lavada. Eu 
perguntei a ele: "Enfermeiro-Chefe, 
para quem e porque o senhor faz isso, 
já que todos terão que desaparecer um dia 
para que não fique nenhuma testemunha?" 
Ele me respondeu; 
"Sempre haverá alguém entre nós 
para impedir que isso aconteça," 
PROMOTOR Testemunha, a senhora 
 quer dizer com isso que se cada funcionário 
 do Campo quizesse se opor a situação poderia mudá-la? 
TEST. 5 Foi isso mesmo o que eu quis dizer... 
TEST. 1 A gente so podia reagir normalmente 
assim que chegava. 
Depois de ficar ali algum tempo 
era impossível. 
Havia regulamentos 
que controlavam todos 
e era preciso obedecer. 
PROMOTOR Testemunha, 
o senhor tinha sido chamado, como medico, 
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para combater as epidemias. 
TEST. 4 Entre os funcionários do Campo 
 e suas famílias haviam sido constatados 
 casos de tifo e escarlatina. 
 Fui designado pelo Instituto de 
 Higiene para examinar a situação. 
PROMOTOR O senhor então não precisava cuidar dos presos?' 
TEST. 1 Não. 
PROMOTOR O senhor não tomou conhecimento 
 do que acontecia no Campo? 
TEST. 1 Assim que eu cheguei, 
o Chefe do Laboratório me disse: 
"Tudo isso é novo para você 
e não e assim tao grave. 
Nos não temos nada que ver 
com o extermínio de seres humanos, 
e isso não é da nossa conta. 
Se você não quizer continuar aqui, 
depois de quinze dias pode ir embora," 
Comecei a trabalhar 
com a firme intenção 
de deixar o Campo em duas semanas. 
Depois de alguns dias, 
o Dr, Wirth me ordenou que tomasse parte 
na triagem dos presos da plataforma. 
Quando eu disse que preferia não ir ele me 
responde: "La você não terá muito trabalho." 
Mas eu me recusei. 
PROMOTOR E o que aconteceu depois da sua negativa? 
TEST. 1 Nada. 
 Eu não tive que participar das triagens 
PROMOTOR O senhor abandonou o 
 Campo depois do estágio previsto? 
TEST. 1 Não, decidi ficar assim mesmo, 
 para tratardas epidemias. 
 Apesar de tudo, vi que era possível 
impedir que algumas coisas acontecessem 
sem me expor muito. 
Graças ao meu trabalho 
passou o perigo das epidemias. 
PROMOTOR Entre os funcionários. 
 Não entre os presos. 
TEST. 1 Certamente. 
 Era essa a minha missão. 
JUIZ Testemunha, 
o senhor era responsável 
pelo corpo de guarda 
e pelas tropas de vigilância. 
Em que consistia o seu trabalho? 
TEST. 2 Meu trabalho era verificar 
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se os soldados vigiavam o Campo 
de maneira segura. 
JUIZ Qual era o regulamento da vigilância? 
TEST. 2 Em caso de tentativa de fuga, 
o soldado devia advertir o prisioneiro 
disparando três tiros para o alto» 
Se a pessoa não parasse, 
ele devia atirar para matar. 
JUIZ Algum preso foi morto a tiros por esse motivo? 
TEST. 2 Enquanto eu era o encarregado, não. 
JUIZ Algum preso foi atirado sobre a cerca eletrificada? 
TEST. 2 Enquanto eu era o encarregado, não. 
JUIZ Isso aconteceu em outras ocasiões? 
TEST. 2 Ouvi falar. 
JUIZ As tropas de vigilância cumpriam as instruções? 
TEST. 2 Que eu saiba, cumpriam. 
 Posso dar minha palavra de honra. 
JUIZ Que sabe o senhor 
 sobre o “Tiro ao Gorro"? 
TEST. 2 Sobre o que? 
JUIZ Sobre o "Tiro ao Gorro"? 
TEST. 2 Ouvi falar. 
JUIZ Que ouviu sobre isso? 
TEST. 2 Diziam 
 que eles jogavam longe os gorros e atiravam. 
JUIZ Quem lançava os gorros, de quem eram eles e quem atirava? 
TEST. 2 Não sei, 
JUIZ Conte então 
aquilo de que ouviu falar. 
TEST. 2 Bom, mandavam que um preso tirasse 
 o seu gorro e o jogasse para longe. 
 Então diziam? "Corre, vai buscar o seu gorro!" 
 Quando ele corria, era. fuzilado. 
JUIZ E se não corresse? 
TEST. 2 Também era fuzilado 
 porque estava desobedecendo uma ordem. 
PROMOTOR Testemunha, 
 davam rações especiais como prêmio 
 por cada preso morto em tentativa de fuga? 
TEST. 2 Nunca ouvi falar disso, 
nem posso acreditar. 
Não seria digno de um soldado 
receber um premio por essas ações. 
PROMOTOR O Tribunal possui alguns documentos 
nos quais consta que, 
em diversas ocasiões, 
as sentinelas foram recompensadas 
pelo fuzilamento de presos em fuga. 
TEST. 2 Nada sei sobre isso. 
PROMOTOR Testemunha, 
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estamos informados 
que atualmente 
o senhor é diretor 
de uma companhia de seguros. 
ADVOGADO Protesto! 
 A intervenção da promotoria nada tem a ver com os debates! 
PROMOTOR Testemunha, podemos admitir 
 que o senhor conhece o valor legal 
 de uma assinatura? 
TEST. 2 É claro. 
PROMOTOR Algumas dessas listas de recompensa 
 estão assinadas pelo senhor. 
TEST. 2 É possível. 
 Talvez fosse algum caso de rotina. 
 Não me lembro mais. 
 
CANTO DA MÁQUINA DE FAZER FALAR 
 
JUIZ Testemunha, 
a senhora trabalhava 
como detenta auxiliar 
no Departamento Político. 
Qual era o seu serviço? 
TEST. 5 No começo, 
 eu era datilógrafa da Secretaria. 
 Depois, por causa de meus conhecimentos 
 de outras línguas, me tornei intérprete. 
JUIZ Quem requisitou 
 a senhora para este trabalho? 
TEST. 5 O senhor Boger 
JUIZ Testemunha, 
 a senhora reconhece 
 o acusado Boger? 
TEST. 5 O senhor Boger é este 
(O acusado cumprimenta amavelmente a testemunha). 
ADVOGADO Testemunha, 
 onde ficava o Departamento Político? 
TEST. 5 Ficava num barracão de madeira 
 atrás de um dos portões. 
ADVOGADO Atrás de qual dos portões? 
TEST. 5 Logo à esquerda da entrada 
 do antigo Quartel. 
ADVOGADO A que distância do Campo Principal 
 se encontrava o antigo Quartel? 
TEST. 5 Cerca de três quilômetros. 
ADVOGADO Onde a senhora ficava alojada? 
TEST. 5 No Campo das mulheres. 
ADVOGADO A senhora poderia descrever 
 o trajeto que fazia até o local de seu trabalho? 
TEST. 5 Todas as manhãs, saiamos do Campo 
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e atravessávamos um terreno plano. 
Nosso caminho 
cruzava a linha do trem. 
Muitas vezes, tinhamos que esperar na barreira 
até que se completassem as manobras. 
Atrás da barreira 
havia algumas granjas abandonadas. 
Depois, atravessávamos um portão de grades. 
Dentro, havia um grupo de árvores 
e o crematório antigo. 
O Departamento Político ficava ao seu lado. 
ADVOGADO O Departamento Político 
 estava dentro do perímetro do Campo? 
TEST. 5 Não. 
 Ficava fora do Campo Principal. 
 Depois dos prédios da administração, 
 da cerca dupla de arame farpado e das torres de vigilância 
 que cercavam os blocos dos presos. 
ADVOGADO Qual era a aparência externa 
 do Departamento Político? 
TEST. 5 Era uma construção térrea, pintada de verde. 
ADVOGADO Como era a Secretaria? 
TEST. 5 Tinha vasos de flores nas janelas e cortinas. 
Nas paredes havia quadros e dísticos morais. 
ADVOGADO Que espécie de quadros 
 e que tipo de dísticos? 
TEST. 5 Não me lembro mais. 
ADVOGADO Quem chefiava a Secretaria? 
TEST. 5 O senhor Broad. 
As secretárias deviam andar sempre impecáveis. 
Podiamos deixar crescer nossos cabelos 
e usávamos lenços sobre eles. 
Tinhamos roupas e sapatos de verdade. 
De manhã, lustrávamos os sapatos 
com saliva. 
ADVOGADO Como o senhor Boger tratava a senhora? 
TEST. 5 O senhor Boger sempre me tratou bem. 
Muitas vezes, ele até me dava um prato 
com as sobras de sua comida. 
Um dia ele salvou minha vida, 
quando quiseram me levar 
para o grupo de castigo. 
Tinham me denunciado 
por negligência na limpesa do pó. 
O senhor Boger mandou anular a denúncia. 
JUIZ Testemunha, 
 quantas secretárias 
 trabalhavam no Departamento? 
TEST. 5 Éramos 16 moças. 
JUIZ Qual era a sua função? 
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TEST. 5 
Deviamos aprontar a lista dos mortos, 
isto ó, o cadastramento das baixas, 
as datas e causas dos falecimentos. 
Os assentamentos deviam ter 
uma exatidão absoluta. 
Se houvesse algum erro, 
o senhor Broad ficava furioso. 
JUIZ Onde ficavam os arquivos? 
TEST. 5 Em duas mesas. 
Numa delas ficavam os fichários 
com os números dos vivos. 
Na outra, ficavam os fichários 
com os números dos mortos. 
lá nós podiamos ver 
quantos sobreviviam de cada trem. 
Depois de uma semana, 
de cada cem sobravam uns trinta. 
JUIZ Nesses arquivos 
 constavam todos os casos 
 de falecimento ocorridos no Campo? 
TEST. 5 Só eram registrados 
os presos que tinham 
número de matrícula. 
Aqueles que iam diretamente 
da plataforma para as câmaras de gás, 
não constavam de nenhuma lista. 
JUIZ Quais eram as causas de falecimento 
 que a senhora registrava? 
TEST. 5 A maioria das causas era fictícia. 
Por exemplo, não podiamos registrar 
"fuzilado por tentativa de fuga." 
Em lugar disso, usávamos "ataque cardíaco". 
Escrevíamos desinteria em vez de subnutrição. 
Tinhamos que prestar atenção 
para que não morressem dois presos no mesmo minuto. 
Também era preciso 
encontrar causas de falecimento 
condizentes com a idade. 
Assim, um homem de vinte anos 
não devia morrer do coração. 
Nos primeiros tempos, 
eram enviadas cartas aosparentes dos mortos. 
PROMOTOR A testemunha se lembra 
do que estava escrito nestas cartas? 
TEST. 5 "Apesar de todos os cuidados 
 médicos não foi possível salvar a vida do interno. 
 Apresentamos nossos sinceros pêsames por esta dolorosa perda. 
 Se for seu desejo, podemos enviar uma urna com as cinzas, 
 contra um reembolso postal de 15 marcos." 
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PROMOTOR Nestas urnas estavam 
 mesmo as cinzas do falecido? 
TEST. 5 Naquelas urnas 
 havia cinzas de muitos mortos. 
 Nós podíamos ver, pelas janelas, 
 os cadáveres amontoados em frente ao crematório antigo. 
PROMOTOR Pode nos fornecer 
 as cifras relacionadas aos casos 
 de falecimentos registrados pela senhora? 
TEST. 5 Nós trabalhávamos 
 de 12 a 15 horas por dia 
 nos registros de falecimentos. 
 Eram anotados até trezentos mortos por dia. 
PROMOTOR 
Havia mortes causadas pela intervenção direta do Departamento Político? 
TEST. 5 Ali morriam 
 presos todos os dias. Fuzilados ou espancados. 
ADVOGADO Testemunha, 
 onde eram executados os presos? 
TEST. 5 No bloco onze, dentro do Campo. 
ADVOGADO A senhora podia entrar lá? 
TEST. 5 Não, 
 mas sabiamos de tudo 
 o que se passava. 
 Todas as informações 
 chegavam ate nós. Boger nos dizia: 
 "Aquilo que as senhoras 
 veem e ouvem aqui, 
 nunca viram nem ouviram." 
JUIZ Como eram feitos os interrogatórios 
 no Departamento Político? 
TEST. 5 Boger começava a interrogar com muita calma. 
Ele se colocava bem perto do preso 
e fazia as perguntas 
que eu traduzia. 
Se o preso não respondia 
Boger sacudia o seu chaveiro 
na cara do homem. 
Se o preso teimava em não responder 
batia com as chaves na cara dele. 
Finalmente, ele chegava mais perto 
e dizia ao prisioneiro: 
"Eu tenho uma máquina 
que vai fazer você falar." 
JUIZ Que máquina era essa? 
TEST. 5 Boger so dizia "maquina de falar" 
JUIZ Onde ficava a máquina? 
TEST. 5 Na sala ao lado. 
JUIZ A senhora viu essa máquina? 
TEST. 5 Vi. 
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JUIZ Como era ela? 
TEST. 5 Eram barras de madeira 
 suspensas sobre cavaletes. 
ADVOGADO Testemunha, 
 sua memória não estará confusa? 
TEST. 5 Era uma armação 
onde os presos ficavam pendurados 
Ouviamos as pancadas e os gritos. 
Depois de uma hora 
ou mesmo de várias horas, 
eles eram retirados, 
irreconhecíveis. 
JUIZ Ainda estavam vivos? 
TEST. 5 Quem não morria naquilo 
 sobrevivia apenas algumas horas. 
 Uma vez Boger me viu chorando e disse: 
"Aqui, a senhora deve esquecer 
seus sentimentos pessoais," 
JUIZ Por que motivo 
os presos recebiam esse castigo? 
TEST. 5 Ás vezes porque tinham roubado um pedaço de pão, 
ou porque não tinham obedecido imediatamente 
uma ordem para trabalhar mais depressa. 
As vezes bastava uma denúncia. 
Havia uma caixa para as cartas dos delatores, 
onde era muito fácil jogar um pedaço de papel. 
ACUSADO 2 Nunca me ocupei 
com semelhantes bobagens. 
No Departamento Político 
apenas cuidávamos 
dos atos de resistência. 
JUIZ Testemunha, 
 quantos detidos a senhora 
 viu morrer depois de sairem da máquina? 
TEST. 5 Pelo menos uns vinte. 
JUIZ A senhora pode testemunhar 
 que pelo menos vinte vezes 
 viu pessoas morrerem na sua frente? 
TEST. 5 Sim. 
JUIZ Testemunha, 
 a senhora também assistiu aos espancamentos? 
TEST. 5 Assisti. 
Uma vez vi um homem pendurado ali 
de cabeça para baixo. 
Outra vez, vi uma mulher 
amarrada na máquina. 
Boger nos obrigava a olhar. 
ACUSADO 2 É verdade que a testemunha 
serviu de intérprete no Departamento 
Mas ela nunca esteve presente 
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durante os interrogatórios. 
Nessas ocasiões, 
as senhoras não eram admitidas. 
TEST. 5 Senhoras ... 
ACUSADO 2 Agora posso perfeitamente falar assim, 
(os acusados riem) 
JUIZ Testemunha, 
 a senhora viu algum dos acusados 
 aqui presentes espancar os presos? 
TEST. 5 Vi Boger em mangas 
 de camisa segurando um chicote. 
 Muitas vezes ele saía manchado de sangue. 
 Uma vez, ouvi Broad dizer a Lachmann, 
 um dos membros do Departamento Político: 
 "Olha Gerhard, esse sangrou como um aninal." 
 E me deu seu paletó para limpar. 
 Esses senhores eram muito cuidadosos com a sua aparência. 
 Broad gostava de se olhar no espelho, 
 principalmente quando foi promovido. 
 Eu mesma costurei o galão novo em seu uniforme. 
 Uma vez, também tive que limpar as botas de Boger. 
JUIZ Por que motivo? 
TEST. 5 Lá fora tinha chegado 
 um caminhão cheio de crianças. 
 Vi pela janela da Secretaria um menino 
 saltar para fora, com uma maçã na mão. 
 Boger saiu, o menino estava lá com sua maçã. 
 Boger agarrou o menino pelos pés 
 e arrebentou sua cabeça contra a parede do barracão 
 Depois recolheu a maçã, me chamou e disse: "Limpe tudo isso." 
 Mais tarde, durante um interrogatório, ele estava comendo a maçã. 
ADVOGADO Testemunha, 
 a senhora jamais mencionou 
 esse caso nos depoimentos anteriores. 
TEST. 5 Eu não conseguia falar. 
ADVOGADO Por que? 
TEST. 5 Por motivos particulares. 
ADVOGADO Pode nos dizer estes motivos? 
TEST. 5 Depois do que aconteceu 
 nunca mais quis ter filhos. 
ADVOGADO Por que então falou agora? 
TEST. 5 Agora, que vi Boger de novo, 
 não pude deixar de falar. 
JUIZ Acusado Boger, tem algo a alegar contra esta denúncia? 
ACUSADO 2 Tudo não passa de pura invenção. 
A testemunha 
retribui muito mal 
a confiança que na ocasião 
depositei nela. 
TEST. 7 Eu fui levado com outros presos 
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 para a sala de interrogatório do Departamento Político. 
 O senhor pode nos descrever esta sala? 
TEST. 7 No chão haviam tapetes 
que tinham sido arrancados 
de um trem francês. 
A mesa de Boger ficava de lado, 
quase em frente à porta. 
Ele estava sentado na mesa 
quando eu entrei. 
A intérprete estava sentada atrás. 
JUIZ Havia mais alguém na sala? 
TEST. 7 O chefe do Departamento Político, Grabner, 
 e os acusados Dylewskí e Broad. 
JUIZ O que lhe disseram? 
TEST. 7 Boger falou: 
 "Nos somos o Departamento Político. 
 Nós nunca perguntamos, nos so ouvimos. 
 Você mesmo deve saber o que tem para contar." 
JUIZ Por que motivo o senhor foi levado para lá 
TEST. 7 Eu não sabia. 
Não sabia o que devia dizer 
e pedi a eles que me interrogassem. 
Então me bateram até que eu desmaiei. 
Quando voltei a mim, 
estava jogado num corredor 
com Boger de pé, ao meu lado. 
Ele mandou que eu me levantasse, 
mas eu não podia me erguer. 
Então ele avançou para mim 
e eu consegui me levantar 
apoiado na parede. 
Vi que estava todo ensanguentado. 
No chão, nas minhas roupas, 
havia muito sangue. 
Minha cabeça estava arrebentada 
e meu nariz quebrado. 
Durante a tarde 
e uma boa parte da noite 
tive que ficar de pé, 
com a cara contra a parede. 
Também estavam lá outros presos. 
Quando alguém virava o rosto para trás, 
batiam com sua cabeça na parede. 
No dia seguinte me interrogaram de novo 
junto comos outros presos. 
JUIZ O que queriam saber? 
TEST. 7 Nunca soube do que se tratava. 
 Bateram-me na cabeça, várias vezes, 
 acho que com uma espécie de cabo de aço 
 Depois tive que voltar para o corredor e um preso 
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 que estava comigo foi levado por Boger para uma outra sala. 
 Ele se chamava Walter Windmuller. 
JUIZ Sabe o que aconteceu com ele? 
TEST. 7 Calculo que ficou la dentro duas ou três horas. 
Eu continuei no corredor, 
virado contra a parede. 
Quando Windmuller saiu 
ficou ao meu lado. 
Escorria sangue pelas suas calças. 
Ele perdeu o equilíbrio muitas vezes. 
Nos tinhamos aprendido a falar 
sem mexer os lábios. 
Perguntei o que tinha acontecido. 
Ele respondeu: 
"lá dentro 
me esmagaram os testículos." 
Windmuller morreu no mesmo dia. 
JUIZ Boger foi responsável pela morte desse preso? 
TEST. 7 Estou certo 
 que bateram para matar. 
 Boger foi o responsável 
 se é que não foi ele mesmo quem bateu 
JUIZ O Acusado Boger 
 tem algo a declarar? 
ACUSADO 2 Senhor Presidente, 
 se me permite esclarecer o fato, 
 não foi isto o que aconteceu. 
JUIZ O que houve então? 
ACUSADO 2 Senhor Presidente, não matei ninguém. 
 Eu apenas conduzia os interrogatórios 
JUIZ Que espécie de interrogatórios? 
ACUSADO 2 Ás vezes, bem duros, 
 conforme os regulamentos do Campo. 
JUIZ Em que se baseavam esses regulamentos? 
ACUSADO 2 Éramos responsáveis 
pela segurança do Campo. 
Deviamos ser severos 
com os traidores 
e outros elementos perigosos. 
JUIZ Acusado Boger, 
 na sua qualidade de Comissário de Polícia 
 o senhor não sabe que qualquer pessoa 
 submetida a um interrogatório 
 diz tudo o que quizerem que ela diga? 
ACUSADO 2 Não tenho esta opinião 
e particularmente no que se "refere 
ao trabalho que faziamos. 
Por causa da obstinação dos presos, 
só podíamos obter declarações 
com o uso da força. 
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TEST. 8 Quando fui chamado para um interrogatório, 
 vi sobre a mesa de Boger um prato de arenques. 
Grabner perguntou se eu estava com fome. 
Respondi que não. Mas Grabner disse: 
"Eu sei que faz tempo que você não come, 
mas hoje você vai ver 
que eu tenho um bom coração. 
Boger preparou uma salada para você." 
Ele me deu ordem para comer, 
mas eu não podia 
porque estava algemado. 
Então Boger esfregou o prato na minha cara 
Tive que engolir os arenques. 
Estavam tão salgados que eu vomitei. 
Eles me obrigaram a comer de novo 
o meu vômito e o resto dos arenques. 
Quando eu ainda tinha um pouco na boca 
Boger gritou: "Tomem cuidado para que ele 
não vomite o resto no corredor." 
Em seguida me levaram ao bloco onze 
e me penduraram numa estaca com as 
mãos amarradas nas costas. 
Era o que eles chamavam de Travessão. 
Nos penduravam pelas mãos numa altura exata 
em que só as pontas dos pés encostavam no chão. 
Boger ia batendo e também me dava pontapés no ventre. 
Na minha frente estava um balde de água. 
Boger perguntou se eu queria beber. 
Ele ria e balançava meu corpo 
de um lado para o outro. 
Quando desmaiei 
me jogaram a água. 
Não sentia mais os meus braços. 
As articulações estavam quase arrebentadas. 
Boger fazia perguntas, 
mas minha língua estava tão inchada 
que eu não podia responder. 
Boger então me disse: 
"Nos temos outra máquina reservada para você. 
E me levaram de volta 
para o Departamento Político. 
ADVOGADO Testemunha, 
 o senhor foi submetido ao Travessão? 
TEST. 8 Fui. 
ADVOGADO Então está provado 
 que era possível sobreviver. 
TEST. 8 Eu me lembro de uma manhã 
 na primavera de 1942. 
Uma fila de acusados era conduzida 
ao antigo posto de correio, 
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onde tinham instalado o Departamento Político. 
Na frente, iam os presos 
que levavam os cavaletes e as traves de madeira. 
Pareciam postes de cerca. 
Atrás deles iam guardas com metralhadoras 
e os chefes do Departamento, 
levando documentos 
e chicotes feitos com nervos de boi 
especialmente preparados para o espancamento. 
Aquelas traves 
eram os suportes onde se amarravam os presos. 
JUIZ Foi essa a primeira vez 
que usaram esse instrumento? 
TEST. 8 Ele já existia antes, 
mas de uma forma mais primitiva. 
No começo, 
era apenas uma barra de ferro 
colocada sobre duas mesas, 
mas como a barra sacudia com o preso 
durante os espancamentos, 
eles construiram as armações 
para dar maior estabilidade. 
ADVOGADO Testemunha, 
 onde obteve estas informações? 
TEST. 8 Sabíamos tudo 
 o que acontecia em nosso setor do Campo. 
 O campo antigo não tinha mais que 200 
 ou 300 metros. Era muito pequeno. 
 Podíamos ver todo o campo de cada um dos 28 blocos. 
JUIZ Por que razão 
 o senhor foi chamado para o interrogatório 
TEST. 8 Eu trabalhava na construção 
 dos canos de escoamento, 
 que passavam em volta 
 dos campos exteriores. 
 Nessa ocasião eu ajudei um prisioneiro 
 a encontrar sua mãe, 
que estava alojada no campo das mulheres. 
O preso se chamava Janicki. 
Primeiro ele foi levado 
para a sala de interrogatórios 
e depois atirado no corredor. 
Ainda estava vivo. 
Abriu a boca 
e com a língua de fora 
lambia o chão 
por causa da sede. 
Boger partiu para cima dele 
e quebrou a sua cabeça 
com um pontapé. 
GETEB – O Interrogatório 
Peter Weiss. O Interrogatório - Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro 
Brasileiro / UFSJ – Outubro/2011 
 
Depois me disse: 
"Agora é a sua vez: 
Se você não disser a verdade 
vai te acontecer o mesmo." 
Fui então amarrado na barra. 
JUIZ Queira nos descrever o que acontecia lá. 
TEST. 8 O preso era obrigado a sentar no chão 
com os joelhos dobrados. 
As mãos eram amarradas 
na frente dos joelhos. 
A barra era atravessada 
no espaço que ficava 
entre os braços e os joelhos. 
Depois suspendiam a barra 
sobre os cavaletes. 
JUIZ Quem executava os preparativos? 
TEST. 8 Dois detentos auxiliares. 
JUIZ Havia mais alguém na sala? 
TEST. 8 Eu vi Boger, 
Broad e Dylewski. 
Boger me interrogava 
mas eu não podia responder. 
Estava de cabeça para baixo 
e os dois detentos 
faziam meu corpo girar. 
ADVOGADO Quais eram as perguntas 
 que faziam? 
TEST. 8 Queriam saber outros nomes. 
JUIZ O senhor foi espancado? 
TEST. 8 Boger e Dylewski 
 me batiam alternadamente 
ADVOGADO Não seriam os detentos que batiam? 
TEST. 8 Eram Boger e Dylewski, 
 com os chicotes na mão. 
JUIZ Em que parte do corpo eles batiam? 
TEST. 8 Nas nádegas, nas costas, 
 coxas, mãos, pés, e nuca. 
 Mas golpeavam principalmente 
 os órgãos genitais. 
 Demaiei três vezes. Me jogaram água. 
JUIZ Acusado Boger, o senhor 
 reconhece ter torturado esta testemunha? 
ACUSADO 2 A esta pergunta 
 respondo decididamente: não. 
TEST. 8 Ainda tenho as cicatrizes. 
ACUSADO 2 Mas não causadas por mim. 
JUIZ Acusado Boger, 
o senhor empregou 
o instrumento aqui descrito 
ACUSADO 2 Em alguns casos 
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Brasileiro

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