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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ FABÍOLA SCHMIDT QUADROS LEI DA PALMADA: AUTONOMIA DOS PAIS E A INTERVENÇÃO DO ESTADO CURITIBA 2015 FABÍOLA SCHMIDT QUADROS LEI DA PALMADA: AUTONOMIA DOS PAIS E A INTERVENÇÃO DO ESTADO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito Orientador: Prof. Marcelo Nogueira Artigas CURITIBA 2015 TERMO DE APROVAÇÃO FABÍOLA SCHMIDT QUADROS LEI DA PALMADA: AUTONOMIA DOS PAIS E A INTERVENÇÃO DO ESTADO Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de bacharel em Direito no Curso de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná Curitiba, de de 2015. _________________________ Professor Dr. Eduardo de Oliveira Leite Universidade Tuiuti do Paraná Coordenador do Núcleo de Monografias Orientador: Professor Marcelo Nogueira Artigas Universidade Tuiuti do Paraná – Faculdade de Ciências Jurídicas Professor: Universidade Tuiuti do Paraná – Faculdades de Ciências Jurídicas Professor: Universidade Tuiuti do Paraná – Faculdades de Ciências Jurídicas AGRADECIMENTOS Dedico especial agradecimento ao meu marido Valter Carretas que sempre me incentivou para a realização dos meus ideais, encorajando-me a enfrentar todos os obstáculos da vida. Meu eterno respeito, amor e gratidão. Aos meus filhos Bruna, Luiz Henrique, Ana Carolina e Maria Fernanda com muito amor, que em todos os momentos tiveram paciência e compreensão nas minhas intensas horas de estudos, e que não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa da vida. À minha mãe querida, por acreditar em mim e me dar força para ir atrás dos meus sonhos. .Às minhas irmãs, cunhados e sobrinhos, pelo incentivo e apoio que me deram durante todo o curso. Agradeço imensamente ao professor Marcelo Nogueira Artigas pela paciência na orientação e incentivo que tornou possível a conclusão desta monografia. E aos queridos professores que durante o curso desempenharam com dedicação as aulas ministradas. RESUMO O presente trabalho versa sobre a Lei da Palmada nº 13.010/2014 que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente nº 8.069/90 na busca de garantir à criança e ao adolescente o direito de serem criados e educados sem o uso de castigo físico e tratamento cruel ou degradante. Tal alteração visa garantir o direito de uma criança ou jovem de ser educado sem o uso de castigos corporais. Embora, observa-se a preocupação em preservar estes direitos inerentes à criança e ao adolescente, ressalta-se também que, existe o dever do Estado em preservá-los e garanti-los, por meio de políticas publicas e ações diversas. Assim, esse trabalho tem como objetivo discutir a relação da autonomia dos pais e o papel do Estado como interventor de tais direitos no contexto familiar, bem como apresentar aspectos gerais, opiniões de especialistas sob a ótica jurídica e psicológica e apontamentos favoráveis e desfavoráveis acerca do tema. Palavras-chave: Lei da Palmada nº 13.010/14. Alteração Estatuto da criança e adolescente. Intervenção do Estado. Autonomia dos pais. LISTA DE SIGLAS CC CÓDIGO CIVIL CF CONSTITUIÇÃO FEDERAL ECA ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE FGV FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS OAB ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL ONU ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS UNICEF FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA, CECRIA CENTRO DE REFERÊNCIA, ESTUDOS E AÇÕES SOBRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 08 2 APONTAMENTOS HISTÓRICOS DAS RELAÇÕES FAMILIARES ............ 11 2.1 CONCEITO DE FAMÍLIA .............................................................................. 11 2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA ......................................................... 12 3 EXERCICIO DO PODER FAMILIAR ............................................................ 18 3.1 PODER FAMILIAR E O ESTADO................................................................. 19 4 A LEI 13.010/2014 (LEI DA PALMADA) ...................................................... 22 4.1 BREVE HISTÓRICO DA TRAMITAÇÃO DA LEI Nº 13.010/2014 .............. 22 4.2 DA LEI E SEUS OBJETIVOS ....................................................................... 23 4.3 ALTERAÇÃO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ......... 25 5 NORMAS PROTETIVAS DE AFETO NAS RELAÇÕES FAMILIARES ....... 29 5.1 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ............................................................................................. 30 5.1.1 Principio da proteção integral ....................................................................... 30 5.1.2 Principio do melhor interesse da criança e do adolescente .......................... 32 5.1.3 Principio da dignidade da pessoa humana ................................................... 33 5.1.4 Principio da solidariedade familiar ................................................................ 33 5.1.5 Principio da afetividade ................................................................................. 34 6 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS À LEI DA PALMADA Nº 13.010/2014 ................................................................................................................... 36 7 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SUAS CONSEQUÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ...................... 41 7.1 VIOLÊNCIA FAMILIAR ................................................................................ 42 7.1.1 Violência física .............................................................................................. 42 7.1.2 Violência sexual ............................................................................................ 43 7.1.3 Violência Psicológica .................................................................................... 44 7.1.4 Negligência ................................................................................................... 45 7.2 CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA NO DESENVOLVIMENTO DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES ........................................................... 46 8 INTERVENÇÃO DO ESTADO E AUTONOMIA DOS PAIS SOB A ÓTICA DA LEI DA PALMADA .................................................................................. 48 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 52 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ......................................................................... 57 8 1 INTRODUÇÃO “Os filhos não precisam de pais gigantes, mas de seres humanos que falem a sua linguagem e sejam capazes de penetrar- lhes o coração.” Augusto Cury O presente trabalho tem como característica refletir sobre a Lei nº 13.010 de 26 de junho de 2014, que versasobre a “Lei da Palmada”, rebatizada como “Lei Menino Bernardo”, a qual complementa o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) estabelecendo o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel e degradante. O Brasil assinou a Convenção sobre os Direitos da Criança1, desde 24 de setembro de 1990, assumindo a obrigação de assegurar à criança o direito de ser educada sem violência, trazendo para si a obrigação não somente de coibir após o ato violento, punindo o agressor, mas principalmente antes do acontecimento para que a criança e o adolescente se desenvolva sem maiores dificuldades para um vida adulta mais promissora, isso independentemente da existência da lei. A alteração da Lei prevê ainda que o Estado deverá atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas na educação de menores. A lei ainda determina como punição pelas práticas que ela define penas de advertência, encaminhamento a programas de proteção à família e orientação psicológica. Vale ressaltar no presente estudo, o histórico das relações familiares para compreender melhor o dever de cuidado ao menor, bem como as consequências jurídicas da falta deste. A proteção do interesse das crianças e adolescentes encontra respaldo nos direitos e princípios fundamentais erigidos em nível constitucional. A lei pela forma como se constituiu, tenta reforçar a preservação da dignidade de crianças e adolescentes, de modo que sejam observados direitos fundamentais como saúde, igualdade, lazer e trabalho. Para tanto, a importância da 1 Convenção sobre os direitos da criança, ratificado pelo decreto nº 99.710/1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm. Acessado em 05 apr2015. 9 família, cuja responsabilidade advém dos pais em nortear seus ensinamentos e a educação como um todo baseada no afeto e na solidariedade, propiciando um ambiente saudável, livre de quaisquer maus-tratos, assegurando pleno desenvolvimento do menor. Note-se, porém, que as responsabilidades não se reduzem aos pais, pois a própria lei anterior já dizia ser responsabilidade de todos, por isso, é de responsabilidade também do Estado e de toda a sociedade. Tem se discutido muito o crescimento de casos de violência ao menor2, crises financeiras, separação dos pais, características individuais da criança como temperamento difícil, retardo mental, hiperatividade, entre outros3 são fatores que levam os pais a educar seus filhos com pequenos castigos e agressões, passando a ser condutas aceitáveis no meio social como limites de correção. Porém, em caso de situações em que os pais venham a cometer atos, ainda que com intuito de educar, que extrapolem limites, estes pelos quais consensualmente estabelece a sociedade como não sendo violentos, motivaram o Estado em certa medida intervir justamente porque tais limites podem ocorrer em diferentes condições sociais, humanas, psicológicas, culturais e educativas, propriamente dito, de conformidade com o ambiente em que vive os atores familiares. Daí surge relevante lacuna sobre a compreensão e segurança da fronteira entre o que é prejudicial e não prejudicial na educação do filho e seu futuro. Por isso, buscam-se respostas para inquietantes questões: Havia mesmo necessidade de criar esta lei? A lei 8.069/90 que estatuiu o estatuto da criança e do adolescente era insuficiente? A lei da Palmada intervém na liberdade individual das famílias e dos educadores? A lei pode acarretar interpretações equivocadas e tornar-se arbitrária, levando risco às liberdade humanas? Na inexistência da lei da palmada, o juiz consegue suprir os riscos sociais inerentes à educação dos filhos nos limites entre a violência e a própria educação? O juiz recebe ferramentas jurídicas suficientemente satisfatórias para aplicar adequadamente eventuais punições de acordo com os fatos para proteger o menor e o adolescente? 2 AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Violência doméstica contra crianças e adolescentes: um cenário em (dês)construção. Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/Cap_01.pdf. Acesso em 30mar.2015 3 GRUPO PESQUISA VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR. Violência contra crianças e adolescentes. Disponível em: http://violenciaintrafamiliarfmp.blogspot.com.br/2007/10/violncia-contra- crianas-e-adolescentes.html. Acesso em: 30 mar. 2015. 10 Ressalta-se que não será apresentada uma opinião técnica com relação ao tema, haja vista que tal desiderato demanda estudo aprofundado em outras ciências, deixando tal incumbência a doutrinadores e estudiosos, ou seja, o presente trabalho não tem o escopo de lançar maiores críticas a essa lei, tão somente, introduzir uma discussão à respeito da intervenção do Estado no âmbito familiar. Como fonte de informação para pesquisa, além da lei nº 13.010/2014, que versa sobre a “Lei da Palmada”, foram pesquisados o Estatuto da Criança e Adolescente, Lei nº 8.069/90, a Constituição Federal de 1988, o Código Penal Brasileiro, bem como livros, artigos e estudos acerca do tema publicados na internet. 11 2 APONTAMENTOS HISTÓRICOS DAS RELAÇÕES FAMILIARES É necessário abordar o histórico das relações familiares, como pressuposto básico para compreender a origem do dever de cuidado em que estão submetidas as crianças e adolescentes, bem como as consequências jurídicas da falta deste. A família é, indubitavelmente, umas das bases nucleares estruturantes da sociedade, seja na forma tradicional, ou sob as mais modernas formas de composição. Sendo inegável seu papel no núcleo do sistema jurídico-social. Novos valores sociais foram instituídos através do advento da Constituição Federal de 1988, impondo a revalorização da pessoa humana. A família, portanto, é reconhecida como alicerce da sociedade e é admitida a pluralidade de formas, havendo a necessidade do Direito paralelamente reagir a essas mudanças, garantindo-lhes respeito e proteção. 2.1 CONCEITO DE FAMÍLIA A família é uma instituição responsável por promover a educação dos filhos e influenciar o comportamento dos mesmos no meio social e é relevante o papel desta para o desenvolvimento do menor. È nela que são transmitidos os valores morais e sociais que servem de base para o processo de socialização do indivíduo. Segundo Silvio Rodrigues num conceito mais amplo de família diz: “Ser a formação por todas aquelas pessoas ligadas por vínculo de sangue, ou seja, todas aquelas pessoas provindas de um tronco ancestral comum, o que inclui, dentro da órbita da família, todos os parentes consangüíneos. Num sentido mais estrito, constitui a família o conjunto de pessoas compreendido pelos pais e sua prole”4 Para Maria Helena Diniz: “Família no sentido amplíssimo seria aquela em que indivíduos estão ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade. Já a acepção lato sensu do vocábulo refere-se aquela formada além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes da linhareta ou colateral, bem como os afins (os parentes do outro cônjuge ou 4 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. Vol.6 - Direitode Família. 28. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.p.4. 12 companheiro). Por fim, o sentido restrito restringe a família à comunidade formada pelos pais (matrimônio ou união estável) e a da filiação.5 Desde os primórdios a concepção de família evoluiu ao longo dos anos, até a concepção atual que privilegia o afeto. Vale ressaltar que o contrato, a família e a propriedade, importantes institutos do Direito Civil, ganharam novos contornos, de unidade econômica para uma compreensão solidária e afetiva. Gustavo Tepedino sintetiza essa nova ordem que se descortina no âmbito familiar, ao sustentar que: “As relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por muito complexas que se apresentem, nutrem-se todas elas, de substancias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar: afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido a arte e a virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência de dar e receber amor.” 6 Assim sendo, pode-se perceber que a família é um conjunto de indivíduos com ancestrais em comum, ligados por laços consangüíneos, de afinidade ou de afetividade, gerando a necessidade de convivência que, por sua vez, dá origem ao núcleo familiar. 2.1.1 Evolução Histórica da Família O presente tópico não tem o condão de esgotar, tampouco aprofundar os estudos sobre os aspectos da evolução histórica da família, todavia, é importante apontar alguns registros relevantes, indispensáveis ao tema principal deste trabalho. Desde os primórdios, a família é considerada um elemento de grande importância para estrutura social, a primeira célula de organização social, que vem evoluindo gradativamente, desde os tempos mais remotos até a atualidade. A organização familiar passou de entidade amplíssima para restrita, com o decurso do tempo. Na era primitiva, quando o conhecimento do uso da força era vital para estabelecer a sobrevivência, as relações familiares também mantinham essa 5 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: Direito de Família. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 5. p. 9 6 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.p. 64 13 base, onde o mais forte comandava o grupo, levando o homem ao poder e a mulher à submissão. Acerca da formação dos grupos familiares há diversas teorias, dentre elas Pontes de Miranda ao citar o alemão, Bachofen, em meados de 1861, menciona que eram grandes os grupos e havia promiscuidade, o homem primitivo não possuía sensibilidade para estabelecer um padrão equânime.7 Neste período, o agrupamento familiar vivia em endogamia, pois caracterizava pelas relações individuais, cujo relacionamento sexual ocorria entre os integrantes da própria tribo. Posteriormente, passaram a se relacionar com mulheres de outras tribos, ocorrendo mais tarde exclusividade nas relações individuais, dando origem à família monogâmica8, sendo fundamental para o desenvolvimento da sociedade. Com relação à sociedade romana, a família teve um papel importantíssimo, sendo abarcado não apenas pelo ponto de vista social, como também pelo aspecto econômico, religioso, político e jurídico. O grupo familiar era organizado sobre o princípio da autoridade, pois o pater era o membro de maior importância na família romana. A família era uma entidade hierarquizada que se fundava no poder do pater, o qual era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz, possuindo poder quase absoluto sobre a mulher, os filhos e os escravos, ou seja, era ele que determinava o funcionamento do grupo. Os filhos eram tratados conforme o sexo. Os filhos homens, tão somente ganhavam a posição de sui júris com o falecimento do pater, assim podia constituir nova família, antes disso não detinha plena capacidade, não havendo sequer possibilidade de contrair obrigações por não ter seu próprio patrimônio9. Apenas os filhos homens poderiam herdar. No período pós-romano, a visão da família recebe a influência do Direito Germânico, em especial, a espiritualidade cristã, ao centrar o núcleo da família entre 7 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família. atualizado por Vilson Rodrigues Alves Campinas - SP: Brookseller, 2001. p.33. 8 Característica da família monogâmica: Funda-se no predomínio do homem. Seu objetivo é procriar filhos, cuja paternidade seja indiscutida, já que logo eles serão os herdeiros das riquezas do pai.Os laços conjugais somente podiam ser quebrados pelo homem.Os dois cônjuges compartilham os afetos e cuidados com relação aos filhos.Forma uma unidade social com maior firmeza e mais coerente.A mulher tem maior proteção e uma posição de dignidade e hierarquia. 9 DANTAS, San Tiago. Direito de família e das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p.19 14 pais e os filhos, tendo o casamento um caráter de Sacramento, passa-se, pois daquele enfoque autocrático para um enfoque mais democrático e afetivo.10 Concernente à família na Idade Média, é inegável o domínio da Igreja Católica sobre as relações familiares fortemente influenciada pelo Direito Canônico. A família também era responsável pela educação da prole, bem como, pelo ensinamento dos preceitos religiosos. O direito consuetudinário da Idade Média diverge das ideias adotadas pela tradição romana, e nesse aspecto, José Virgílio extrai algumas mudanças: “a) o exercício do pátrio poder é temporário, por isso que condiciona ao interesse do filho; b) a função do pátrio poder é também atribuição da mãe, na falta do pai; c) o pátrio poder não obsta a que o filho tenha bens próprios”.11 Com a Revolução Industrial, a família como unidade básica da produção econômica foi substituída pelas grandes empresas de capital intensivo, onde empregados trabalhavam por um salário. Assim, as esferas domésticas e econômicas se divorciaram e a ideia de família, assim como sua função, foi alterada. O homem passa a trabalhar na fábrica e a mulher ingressa no mercado de trabalho com a finalidade de ajudar no sustento da família, alias todos os membros incluindo as crianças. Essa desagregação de infância e mundo do trabalho criou novas visões sobre a infância. A Lei das Fábricas de 1833 visou limitar o trabalho de crianças em fábricas e tentou introduzir duas horas de escolarização obrigatória para todas elas. Contudo, é no século XIX que se inicia o progresso da indústria, portanto a família começa a ganhar nova forma, perdendo a figura paterna seu autoritarismo. Vale ressaltar a existência da Constituição de 1891 que resulta da proclamação da República e prevê o casamento civil, havendo, portanto, a desvinculação da Igreja com o Estado. A família evoluiu com o passar do tempo, no século XX, com o Código de 1916, era concebida como uma entidade matrimonializada, patrimonializada, patriarcal e hierarquizada. Na época, a família patriarcal era o pilar central da legislação, um dos aspectos foi a indissolubilidade do casamento e a capacidade 10 CORRÊA, Marise Soares. A história e o discurso da lei: o discurso antecede à história. Porto Alegre: PUCRS, 2009. Tese (Doutorado em História), Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2009. p. 16. 11 ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O Pátrio poder. Rio deJaneiro: Tupã, 1960.p. 33. 15 relativa da mulher. O artigo 23312 do Código Civil de 1916 intitulava o marido como único chefe da sociedade conjugal e à mulher era imputada a função de colaboração no exercício dos encargos da família, conforme artigo 24013 da mesma lei. Quanto ao instituto da filiação, havia distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, naturais e adotivos, os filhos concebidos fora do casamento não possuíam qualquer direito. Tais previsões jurídicas foram sendo modificadas, dado que não teriam condições de se manterem por muito tempo em nosso ordenamento jurídico, pois, assim como a sociedade dá seus precisos passos para a evolução, o direito com ela caminha de mãos dadas, o que deu inicio a nova ordem constitucional com o advento da Constituição Federal de 1988. Com a promulgação da Carta Magna, houve um novo tratamento ao direito de família, recebendo novos contornos, compreendendo princípios e direitos conquistados pela sociedade, qual seja, garantir direitos a todos e igualdade plena entre os indivíduos de uma mesma sociedade. Paulo Lôbo aduz: “Com a implosão, social e jurídica, da família patriarcal, cujos últimos estertores se deram antes do advento da Constituição de 1988, não faz sentido que seja reconstruído o poder do pai (pátrio) para o poder dos pais(familiar). A mudança foi muito mais intensa, na medida em que o interessados pais está condicionado ao interesse do filho, ou melhor, ao interesse de sua realização como pessoa em desenvolvimento”14 Uma nova base jurídica foi lançada visando auferir o respeito aos princípios constitucionais, tais como a igualdade, liberdade, e acima de tudo o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. 12 BRASIL. Presidência da República. Código Civil Lei 3071/16 | Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Disponível em: http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/103251/codigo-civil-de-1916- lei-3071-16. Revogado pela lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Acessado em 30 mar.2015 13 BRASIL. Presidência da República. Código Civil Lei 3071/16 | Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Disponível em: http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/103251/codigo-civil-de-1916- lei-3071-16. Revogado pela lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Acessado em 30 mar.2015. 14 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 268. 16 Eduardo Silva15 em sua obra destaca que “A família despede-se da sua condição de unidade econômica e passa a ser uma unidade afetiva, uma comunidade de afetos, relações e aspirações solidárias.” No que tange aos cônjuges, é importante destacar no art. 226 no parágrafo 5º que os “direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, serão exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”, tirando qualquer dúvida com relação à antiga forma seguida pela sociedade antiga. Aos filhos, por sua vez, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, parágrafo 6º, proíbe-se qualquer forma de discriminação, extinguindo com a distinção de filiação, reconhecendo a igualdade entre os filhos. No texto dispõe que: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” Contudo, os nascidos dentro ou fora do casamento passaram à exercer todos os direitos e deveres, assegurando à eles a ampla igualdade entre todos os filhos, consagrados na Constituição Federal, no Código Civil e no Estatuto da Criança e Adolescente, evidenciando a proximidade do ordenamento jurídico com os anseios da realidade social. O Estatuto da Criança e do Adolescente surgiu com o advento da Lei 8.069, de 13 de Julho de 1990, trazendo em seu Capítulo III, Seção I, o cuidado com o menor e sua inserção familiar, garantindo-lhe a Dignidade da Pessoa Humana, dentre outros tantos direitos de suma importância, qual trataremos mais adiante num capítulo específico. Procurando adaptar-se à evolução social e às mudanças legislativas, promulgou-se o Código Civil de 2002, o qual introduziu algumas alterações que se faziam necessárias, confirmando o que fora constitucionalmente previsto, há uma base jurídica criada para a família, conforme nos ensina Carlos Roberto Gonçalves: “Todas as mudanças sociais havidas na segunda metade do século passado e o advento da Constituição Federal de 1988, com as inovações mencionadas, levaram à aprovação do Código Civil de 2002, com a convocação dos pais a uma “paternidade responsável” e a assunção de uma realidade familiar concreta [...], prioriza-se a família socioafetiva, a não discriminação de filhos, a co-responsabilidade dos pais quanto ao exercício 15 SILVA, Eduardo. “A Dignidade da pessoa humana e a comunhão plena de vida: o direito de família entre a Constituição e o Código Civil”. Editora dos Tribunais, 2002. p.450-451. 17 do poder familiar, e se reconhece o núcleo monoparental como entidade familiar.” 16 O referido código harmonizado com a Constituição Federal de 1988, destacou-se a função social da família. Evidencia-se, portanto mudanças de paradigmas estabelecidas nos institutos do Direito de Família no aspecto desta não ser mais admitida sob o ponto de vista individualista e patrimonial, mas sob a perspectiva da pessoa humana, procurando atender o desenvolvimento de suas necessidades com base nas relações de afeto, proporcionando maior atenção entre seus integrantes. Para Eduardo de Oliveira Leite, “O Direito reconhece finalmente a nova família estruturada nas relações de autenticidade, afeto, amor diálogo e igualdade.” 17 O Código Civil de 2002 trouxe a igualdade dos cônjuges no âmbito familiar, dissolvendo-se o poder patriarcal. Também dedicou sobre a dissolução do vínculo conjugal, bem como a atualização da adoção, sem qualquer distinção entre os filhos biológicos e os adotados. Regulamentou ainda a união estável entre o homem e a mulher, assim como o reconhecimento de direitos decorrentes das relações concubinas. Assim, a Constituição Federal de 1988 e o Direito Civil Contemporâneo, oportunizaram grandes mudanças no campo do Direito de Família, destacando o principio da dignidade da pessoa humana, posicionando filhos e pais em igualdade. 16 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: direito de família, 6 ed. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 17 – 18 17 LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de direito de família: origem e evolução do Casamento. Curitiba: Juruá, 1991., p. 367 18 3 EXERCICIO DO PODER FAMILIAR O pátrio poder tem seu fundamento no direito grego e direito romano. Nada obstante, o pátrio poder foi praticado com mais rigidez no direito romano, por intermédio do instituto pater famílias que atingia toda a família.18 A Constituição Federal de 1988 veio para causar revolução no Direito de Família, como a igualdade entre todos os filhos, bem como o pai e mãe nas mesmas condições de direitos e deveres, sem distinção entre eles, comandando a estrutura da família, pregando, no âmbito familiar, a felicidade e o afeto mútuo, para que os filhos tenham a possibilidade de aperfeiçoar-se e desenvolver-se como cidadãos a fim de alcançar a ampla e irrestrita dignidade humana. De forma harmônica, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, veio reiterar, preceituando que o poder familiar será exercidopelo pai e pela mãe da criança na forma que dispuser a lei. Em 2002, houve a reforma do Código Civil e este por sua vez teve toda sua estrutura na Constituição Federal de 1988, adotando a figura do poder familiar exercido de forma igualitária entre os pais. Assim no exercício do poder familiar, à vontade de um dos genitores não se sobrepõe a do outro, dando relevância ao melhor interesse da criança e do adolescente. Denise Damo Comel, defende que: “Assim, o que se tem é que o Código Civil evoluiu da denominação de pátrio poder para poder familiar, sendo certo que não criou uma nova figura jurídica, mas assim o fez para compatibilizar a tradicional e secular existente aos novos conceitos jurídicos e valores sociais, em especial para que não evidenciasse qualquer discriminação entre os a ele sujeitos, também entre o casal de pais com relação ao encargo de criar e educar os filhos, destacando o caráter instrumental da função.”19 Sobre o tema, Maria Helena Diniz ressalta que: “o poder familiar é uma espécie de função correspondente a um encargo privado, sendo o poder familiar um direito-função e um poder-dever, que estaria numa posição intermediária entre o poder e o direito subjetivo”.20 18 No Direito Romano os textos existentes mostram a rigidez com que funcionava o instituto o pater famílias tinha um poder de vida e morte sobre seus filhos. http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/28292-28303-1-PB.html Acessado em 30mar2015. 19 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar.2003 São Paulo: RT p. 55 20 DINIZ, Maria Helena de. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 22. ed. rev. Atual. São Paulo: Saraiva. 2007. v.5.p. 515. 19 Assim sendo, é um encargo atribuído pelo Estado aos pais, em benefício dos filhos, de forma irrenunciável. Todavia, a análise será direcionada à pessoa do filho. Com a evolução histórica, o filho passou de objeto para sujeito de direito, assim, a criança vem sendo protegida não apenas pelos pais, como também pelo Estado e pela sociedade em situações específicas, as quais mereçam atenção, como caso da violência ora discutido, quando os próprios membros causam conflitos e tensões não solúveis pela própria família, assegurando à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, o respeito entre outros. Conforme disposto o art. 227 da Constituição Federal de 1988.21 3.1 PODER FAMILIAR E O ESTADO O poder familiar constitui responsabilidade comum dos pais aos filhos em prestar o necessário ao seu sustento proporcionando-lhes, alimentação, vestuário, educação, moradia, lazer, assistência à saúde, devendo ser exercida com maior interesse ao menor. O Estado estabelece limites aos pais para o exercício do poder familiar, passando a intervir de forma subsidiaria em seu âmbito, cuja função é formular e executar políticas sociais, em parceria com a sociedade, bem como fiscalizar os pais no que tange o cumprimento do texto constitucional. Uma vez violada a norma constitucional, o Estado tem autorização para intervir nas relações familiares em prol da criança e do adolescente. Assim, a família base da sociedade, tem total proteção do estado, destacando-se na Constituição Federal nos seus arts. 226 e 227 que tratam de maneira específica o princípio da proteção integral a família e ao menor. Vejamos: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. 21 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessado em 29 mar. 2015. 20 § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Regulamento) § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Regulamento § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. E também no art. 227, temos que: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. § 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; 21 V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativada liberdade; VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins. VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204. § 8º A lei estabelecerá: I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas. Deste modo, é dever dos pais, do Estado e também de toda sociedade prover a proteção integral das crianças e adolescentes, bem como buscar a efetivação dos seus direitos fundamentais. Em suma, o Estado é legitimo para interferir na relação familiar, com a intenção de defender os menores que o habitam, fiscalizando o adimplemento de tal encargo, podendo suspender ou até excluir o poder familiar, desde que seja em situações específicas e determinadas na lei. Mais adiante, trataremos sobre a intervenção do estado no poder familiar num capítulo específico direcionado à Lei da Palmada (Lei Nº 13.010/2014) que é o tema do presente trabalho. 22 4 A LEI 13.010/2014 (LEI DA PALMADA) A Lei da Palmada n° 13.010/2014 altera a Lei nº 8.069/1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante.22 A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts.: 18-A, 18-B e 70-A. O desafio desta explanação é justamente tratar acerca destes três artigos que vem causando polêmica sobre sua eficácia ou não dentro do contexto normativo voltado a pretensão objetiva de proteger as crianças e adolescentes contra atos violentos e degradantes desferidos por pais e educadores no processo de desenvolvimento do indivíduo. 4.1 BREVE HISTÓRICO DA TRAMITAÇÃO DA N° 13.010/2014 Inicialmente o Projeto de Lei n° 2.654/200323 foi apresentado à Câmara dos Deputados em 2003 pela deputada Maria do Rosário (PT-RS). Posteriormente atendendo a nova disposição da ONU (Organização das Nações Unidas), o novo texto de Projeto de Lei de n° 7.672/1024 foi enviado ao Poder Executivo, relatado pela deputada Teresa Surita (PMDB-RR), que apresentou texto substitutivo ao projeto inicial, tendo o mesmo sido aprovado na Comissão Especial no dia 14 de dezembro de 2011. No dia 21 de maio de 2014 foi aprovada a redação final do Projeto de Lei de n° 7.672/10 pela Câmara dos Deputados, que visou ampliar os direitos das crianças e adolescentes, incluindo no Estatuto da Criança e Adolescente um trecho que visa impedir a agressão constituída como agressão física chamada de palmada. 22 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia Assuntos Jurídicos. LEI Nº 13.010, DE 26 DE JUNHO DE 2014. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- 2014/2014/Lei/L13010.htm Acessado em 08JAN2015 23 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 2654/2003. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=146518 Acessado em 08JAN2015. 24 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 7672/2010. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=483933 Acessado em 08JAN2015. 23 A Lei da Palmada foi uma expressão criada pela mídia, mas quando foi aprovada, a Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados batizou o projeto de lei de Lei Menino Bernardo, em homenagem ao menino de 11 (onze) anos, Bernardo Boldrini, encontrado morto em um matagal na cidade de Três Passos no Rio Grande Do Sul, dia 14 de abril de 2015.2526 No dia 04 de junho de 2014 a Lei da Palmada foi aprovada pelo Senado e no dia 27 de junho do mesmo ano foi sancionada pela Presidente Dilma Roussef e publicada no Diário Oficial da União. Todavia, a presidência vetou o trecho que determina que os que exercem cargo público, profissionais da saúde, assistência social ou de educação, tem obrigação de denunciar às autoridades de casos os quais tem conhecimento envolvendo suspeita ou confirmação de castigo físico, tratamento cruel ou degradante com maus tratos contra criança ou adolescente, sob pena de ser multado com o pagamento de três a 20 (vinte) salários mínimos. Assim, o veto justificou afirmando que ampliar o rol de profissionais que têm esse dever “acabaria por obrigar profissionais sem habilitação específica e cujas atribuições não guardariam qualquer relação com a temática”.27 4.2 DA LEI E SEUS OBJETIVOS Com o advento da lei da palmada, fica estabelecido que as crianças e adolescentes tem o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante, alterando portanto o Estatuto da Criança e do Adolescente. O referido estatuto condena maus-tratos contra o menor, mas não define se os maus-tratos seriam físicos ou morais. Desta forma, com alteração ora 25 Menino Bernardo Uglione Boldrini, 11, foi encontrado morto em um matagal na cidade de Frederico Westphalen (a 447 km de Porto Alegre). O pai do garoto, o médico Leandro Boldrini, a madrasta, a enfermeira Graciele Ugulini, e uma amiga dela, a assistente social Edelvânia Wirganovicz, são suspeitos e foram presos preventivamente. O corpo foi encontrado na segunda-feira (14), enterrado em um matagal. http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/04/16/amiga- de-madrasta-diz-que-menino-foi-dopado-e-morto-com-injecao-letal.htm 27 DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/72283103/dou-secao-1-27-06-2014-pg-11. Acessado em 09 jan.2015. 24 mencionada, o “castigo físico” passa a ser definido como “ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente”. O que significa que os pais que agredirem fisicamente seus filhos serão encaminhados para cursos de orientação e tratamento psicológico ou psiquiátrico, mais advertência. A nova lei trouxe um implemento a mais, o qual não contempla a lei original. A lei da palmada vai além do ambiente doméstico, e se estende também aos integrantes da família ampliada, responsáveis ou qualquer outra pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar crianças. A deputada Teresa Surita, relatora do projeto da Lei da Palmada, em entrevista à Revista Crescer, esclarece a necessidade de sua criação: “Essa é uma lei educativa. O nosso objetivo maior é a mudança dos valores da sociedade porque o Brasil tem a cultura do bater. Na década de 50, as crianças e adolescentesapanharam muito. Existia a palmatória na escola, o castigo de ajoelhar no milho, que, felizmente, foram se transformando. Hoje, a família não admite que ninguém bata. A babá não pode bater nem a escola, mas os pais querem ter esse direito porque acham que a surra ou a palmada vão educar, mas já está comprovado de que bater não educa. Não existe palmada pedagógica. Quando você agride uma criança, está causando medo, não reflexão, muito menos educação. Se você for em qualquer pronto-socorro ou em delegacias, vai se deparar com casos de violência em crianças. Em casos como esses, os pais agressores serão encaminhados para assistência psicológica e psiquiátrica. [...] Essa preocupação cabe ao Estado porque têm crianças que morrem por maus- tratos e agressão. Mas tudo começa com a palmada. A maioria dos Conselhos Tutelares não dá continuidade para casos de violência. Nós estamos trabalhando na reeducação da sociedade, na mudança de cultura. Vamos falar de Isabella Nardoni, um caso extremo. Quantas vezes, depois que aconteceu o processo, os vizinhos disseram que já haviam escutado gritos, choros e brigas no apartamento. Foram muitos! O caso ficou muito conhecido no Brasil, mas quantos casos existem assim e ninguém sabe? A violência doméstica é uma coisa velada. Não se fala abertamente. Com essa lei, queremos evitar casos mais graves como esses.28 A Deputada ainda complementa em sua entrevista: “[...] Outro motivo para criação da Lei é porque o Brasil assinou com a Organização das Nações Unidas (ONU), para fazer essa mudança para que as nossas crianças possam ter esse direito e, por fim, porque até hoje não houve nenhuma campanha nesse sentido.” 28 MENEGUEÇO, Bruna. “Objetivo da Lei da Palmada é educar, não punir” diz relatora. Disponível em: http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI284938-15046,00.html. Acesso em 14 de janeiro de 2015. 25 O legislador acredita que é importante compreender a criação da lei para sociedade, complementando o Estatuto da Criança e Adolescente por tratar de questões culturais e preventivas. Estima-se uma mudança cultural através de denúncias de violência contra o infante, contando com testemunhos de terceiros, como vizinhos, parentes, funcionários, assistentes sociais que certifiquem os castigo corporal e que tenham intenção de denunciar o responsável ao Conselho Tutelar. Ressalta-se que as punições de casos de violência mais grave já estão abarcados no Código Penal e no próprio ECA, haja vista, que o propósito da lei em comento é a elaboração de campanhas educativas destinadas a conscientizar o público sobre a ilicitude do uso da violência contra criança e adolescente, ainda que sob a alegação de propósitos pedagógicos. 4.3 ALTERAÇÃO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A Lei 13.010/2014 trouxe modificações significativas no Estatuto da Criança e do Adolescente no que tange a violência contra a criança, tendo em seu conteúdo novas conceituações normativas. Na área de prevenção, especificamente relacionado aos direitos individuais de cunho fundamental da criança e do adolescente, a lei 13.010/2014 trouxe duas novas figuras nessa área especifica dos direitos fundamentais: a objetividade jurídica trazida pela lei com o acréscimo do art. 18-A e 18-B29, sobre o direito da criança e o adolescente com maior detalhamento e definições acerca da educação e cuidados sem uso de violência, como castigos físicos, tratamento cruel ou degradante, analisemos o novo conteúdo: 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas sócio educativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los. Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se: 29 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos jurídicos. Lei 13.010/2010 de 26 de junho de 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- 2014/2014/Lei/L13010.htm . Acessado em 09 jan. 2015. 26 I - castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em: a) sofrimento físico; ou b) lesão; II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que: a) humilhe; ou b) ameace gravemente; ou c) ridicularize” Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas sócio educativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso: I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; II - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; III - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; IV - obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado; V - advertência. Parágrafo único. As medidas previstas neste artigo serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais.” Como visto, o caput objetiva um enunciado propositivo para que essa cultura da não violência possa ser considerada agora também como uma diretriz para interpretação de cada um dos casos concretos, como violência dentro da família, vida comunitária e também na escola. Na primeira parte do art. 18-A, a criança e o adolescente tem direito de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos, bem como tratamento cruel ou degradante, logo são sujeitos de direito. Segundo opiniões de defensores das alterações citadas não é possível mais educar a criança ou adolescente seja no âmbito familiar ou escolar com uso do castigo físico, os quais tenham tratamentos cruéis, degradantes, vexatório e humilhante. Até porque tratamento dessa natureza não pode ser estratégia ou pretexto de processo educativo. Como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos, executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, ainda que temporariamente, deverá cuidá-los, educá-los e protegê-los. O parágrafo único do art. 18-A traz uma conceituação normativa sobre o que é castigo físico como sendo a ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em: a) sofrimento físico ou; b) lesão. 27 E também conceituou tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que: a) humilhe; ou b) ameace gravemente; ou c) ridicularize. E não precisa ser conjugado, pode ser um ou outro. A forma de violência está contemplada no art. 18-B que cuida especificamente das medidas legais aplicáveis à título de responsabilização estatutária, ou seja, além da possibilidade de serem responsabilizados pelas medidas legais previstas no ECA, é possível também em relação as pessoas agressoras serem adotadas outras responsabilidades no âmbito civil,administrativo e penal, quais sejam: I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; II - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; III - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; IV - obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado; V – advertência e; ainda no parágrafo único: As medidas previstas neste artigo serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais. O Estatuto da Criança e Adolescente no seu artigo 70 versa que: “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”. Com a nova lei, acrescentou o art. 70-A que dispõe o seguinte: “Art. 70-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes, tendo como principais ações: I - a promoção de campanhas educativas permanentes para a divulgação do direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos; II - a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e com as entidades não governamentais que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente; III - a formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação e assistência social e dos demais agentes que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente para o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente; IV - o apoio e o incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra a criança e o adolescente; V - a inclusão, nas políticas públicas, de ações que visem a garantir os direitos da criança e do adolescente, desde a atenção pré-natal, e de 28 atividades junto aos pais e responsáveis com o objetivo de promover a informação, a reflexão, o debate e a orientação sobre alternativas ao uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante no processo educativo; VI - a promoção de espaços intersetoriais locais para a articulação de ações e a elaboração de planos de atuação conjunta focados nas famílias em situação de violência, com participação de profissionais de saúde, de assistência social e de educação e de órgãos de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. Parágrafo único. As famílias com crianças e adolescentes com deficiência terão prioridade de atendimento nas ações e políticas públicas de prevenção e proteção” Ressalta-se que a pretensão do legislador com estas novas inserções mais descritivas dos atos, tanto de violência, de proteção e de assistência as famílias, tem como objetivo legal trazer uma nova cultura nas relações familiares, seja elas ampliadas ou não, e, da mesma forma os responsáveis pelas crianças, com deveres pré determinados na lei de proteger, educar e de inserir os menores no processo de formação da cultura da não-violência. Além disso, o artigo 70-A, diz ser dever da União, dos Estados e dos Municípios desenvolver políticas públicas com o objetivo de incentivar aos responsáveis de crianças e adolescentes a educá-los sem o uso de castigos físicos. Na sequencia será apontado, algumas das normas protetivas acerca do afeto nas relações familiares. 29 5 NORMAS PROTETIVAS DE AFETO NAS RELAÇÕES FAMILIARES O direito, como ciência social, é um conjunto de regras dotadas de sanções que regem as relações dos homens que vivem em sociedade, tem como função social regular fatos sociais. Assim sendo, diante do afeto que se fundam nas relações familiares, para o que se propõe a lei, é imprescindível compreender as normas presentes no ordenamento jurídico brasileiro, estabelecidas quanto à proteção do afeto. Tratar com respeito a questão do afeto por lei federal ou quaisquer outras normas do nosso sistema jurídico, é tarefa por demais ousada e árdua do legislador que, por sua vez, posiciona-se como definidor de sentimentos, os quais dependem de infinitas diversidades culturais, sociais, ambientais, econômicas entre muitos outros fatores que se correlacionam, formando um quadro de análise altamente complexo e de extrema responsabilidade. Portanto, não é possível dizer que o direito positivo e sua ciência possam integrar missões tão difíceis como esta para amparar direitos humanos e sociais. Outrossim, o que parece possível, é que a lei possa garantir à criança e ao adolescente,com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Porém, determinar afeto por lei, a missão é bem mais intrincada. Contudo, se verifica aparente pretensão prioritária do legislador, pela lógica dos efeitos da norma, de alcançar minimamente a ternura e o afeto entre familiares no que diz respeito à formação e desenvolvimento das crianças e adolescentes do nosso país, buscando substituir a rigidez antiga pela habilidade do afeto e o amor, coisa que não é possível prever até que a uso da lei possa comprovar estes resultados ao longo do tempo. Maria Isabel Pereira da Costa sobre afetividade nos ensina que: “O tratamento carinhoso e respeitoso é, sem dúvida, o que melhor atende ao interesse da criança e do adolescente. Então, se faltar o carinho, o afeto e o respeito pela personalidade da criança, que está em fase de formação, se está negando a essa criança um direito fundamental protegido pela 30 constituição.” 30 Assim sendo, essa prioridade, como é definida na própria lei anterior do ECA, se traduz no dever de todos de atender o melhor interesse da criança e do adolescente, o que se constitui em princípio amparados pela Constituição Federal pelo art. 22731, que garantem um direito fundamental. Como supramencionado, o Brasil signatário da Convenção sobre o Direito das Crianças, ratifica seu compromisso constitucional no âmbito internacional, colaborando com a universalização do bem para as crianças e adolescentes nas relações familiares em que os pais compreendam a capacidade dos filhos de aprender e se desenvolver sem o emprego da violência. 5.1 PRINCIPIOS NORTEADORES DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A criança e o adolescente têm direitos e garantias na Constituição Federal de 1988, no Código Civil de 2002, no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, bem como tratados internacionais e leis ordinárias, como exaustivamente citado anteriormente, devendo ser protegidos pela família, sociedade e Estado na mais absoluta prioridade e proteção integral psicológica, social e humana. Desta forma, é necessário explanar os direitos do menor, por se tratar de pessoas em desenvolvimento, sujeitos de direito, e que portanto, tem um conjunto de direitos fundamentais que deve ser assegurados. 5.1.1 Princípio da proteção integral30 COSTA, Maria Isabel Pereira da. Família: do autoritarismo ao afeto. Como e a quem indenizar a omissão do afeto? Revista brasileira de direito de família Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 7, n. 32, Out./Nov., 2005. p. 34 31 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 31 Em nome da prioridade de proteção integralizada como condição de pessoa humana em desenvolvimento, a lei tem papel fundamental e, pelo que se vê ela se apresenta com objetivos de dar a sociedade, meios de prover condições para agir em proteção das crianças e adolescentes. Tal proteção está consagrada no art. 227 da Constituição Federal de 1988, que estabelece que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. O que se verifica a priori quanto a nossa Constituição, é que por si mesma ela já contempla todos os tipos de cuidados e proteção das nossas crianças e adolescentes, sendo suficiente para agir independentemente das leis complementares existentes, pois a norma constitucional pela forma como se apresenta é auto aplicável32. Porém, se faz necessário definir com mais clareza quem são as pessoas sujeitas à penalidades, sanções e recomendações de medidas, as quais a lei se proporá a fazer. A Declaração dos Direitos das Crianças originou a doutrina da Proteção Integral, que apenas entrou no ordenamento jurídico com o advento da Constituição Federal de 1988. A Declaração teve seu crescimento primeiramente no âmbito internacional, dando destaque à Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989, aprovada por unanimidade pela Assembleia Geral das Nações Unidas, definindo o conjunto de direitos, reconhecendo que a criança e o adolescente são sujeitos de direito, necessitando de cuidados e proteção especial, decorrente de sua vulnerabilidade. O principio da Proteção Integral também está conceituada no art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, determinando que: 32 A Doutrina clássica classifica em normas auto-aplicáveis e normas não auto-aplicáveis, mas José Afonso não faz tal diferenciação, considerando que todas as normas constitucionais são auto- aplicáveis, pois são revestidas de eficácia jurídica, ou seja, dotada de capacidade para produzir efeitos no mundo jurídico, seja em maior ou menor grau. 32 “Art. 3. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.” Consequentemente, esse princípio reflete em todo o sistema jurídico, devendo cada ato administrativo ser analisado em consonância com a Constituição Federal de 1988 em seu art. 227, assim como com o Estatuto da Criança e adolescente. 5.1.2 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente O principio do melhor interesse da criança e do adolescente também está previsto no art. 227 da Constituição Federal de 1988 e no art. 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Paulo Luiz Netto Lôbo, esclarece que: “O princípio do melhor interesse significa que a criança – incluído o adolescente,segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança – deve ter seus interesses tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas relações familiares, como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade.[…] No Passado recente, em havendo conflito, a aplicação do direito era mobilizada para os interesses dos pais, sendo a criança mero objeto da decisão.” 33 Tal princípio pode ser traduzido como todas as condutas que devem ser tomadas levando em consideração o que é melhor para o menor, e por serem pessoas em desenvolvimento e vulneráveis, devem ser protegidas pela família, pelo Estado e pela sociedade, garantindo o desenvolvimento de sua personalidade e os direitos fundamentais essenciais. 5.1.3 Princípio da dignidade da pessoa humana 33 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 75-76. 33 A Constituição Federal em seu artigo 227 assegura o direito à vida, o respeito, mas principalmente busca assegurar a dignidade da pessoa humana. É um principio compreendido como macroprincípio que atinge à todos de forma indistinta e muito amplo. A Dignidade da Pessoa Humana é o bem maior do ordenamento jurídico brasileiro, cujo principio está inserido na Constituição Federal como principio fundamental, no art. 1º inc. III, da CF. É dever da família, do Estado e da sociedade, resguardar o menor de qualquer ofensa ou ato de atentatório contra sua dignidade. Desta forma, possuem obrigação solidária, ou seja, responsabilidade pelos danos causados ao menor, ainda que por omissão ou negligência, posto que o mesmo se encontra num estado incompleto de desenvolvimento. Em suma, este princípio tem como finalidade que o menor seja tratado com o devido respeito por todos, em especial no seu âmbito familiar. 5.1.4 Princípio da solidariedade familiar O Principio da Solidariedade está fundamentado no preâmbulo da CF/88 ao declarar à constituição do Estado Democrático fundado nos princípios de uma sociedade fraterna. Maria Berenice Dias esclarece que: “tal princípio tem procedência nas relações afetivas em que ficam percebidas a fraternidade e a reciprocidade, sendo que nada mais é do que o dever que cada pessoa tem para com o próximo”.34 A solidariedade ocorre em âmbito familiar no plano material e imaterial. O primeiro diz respeito ao dever de prestar alimentos, de modo que no segundo a solidariedade se desenvolve no âmbito moral, ou seja, não abrange apenas o auxilio material aos membros da família, mas também o afeto e apoio moral, vivendo em ambiente recíproco de compreensão e cooperação. Neste diapasão Paulo Luiz Netto Lôbo alude que: 34 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2011. p. 66 e 67. 34 “Assim, podemos afirmar que o princípio da solidariedade é o grande marco paradigmático que caracteriza a transformação do Estado liberal e individualista em Estado democrático e social, com suas vicissitudes e desafios, que o conturbado século XX nos legou. É a superação do individualismo jurídico pela função social dos direitos.”35 5.1.5 Princípio da afetividade Assim como os demais princípios, o da afetividade também está amparado na Constituição Federal nos seus arts. 226 §4º, 227, caput, §5º c/c o §6º, conformedispõe: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...) § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” . Embora não esteja explícito, ele trata da igualdade entre os filhos, independente de sua origem, da igualdade de direitos quando provenientes de adoção, entidade familiar formada por qualquer dos pais, e ainda, quando se garante ao menor o direito à convivência familiar, segundo nos ensina Paulo Lôbo36 O principio da efetividade está atrelado ao principio da dignidade da pessoa humana que compõe a base do direito de família. Assim, para Maria Berenice Dias: “o princípio da afetividade decorre das obrigações que o Estado impõe aos seus cidadãos, por isso, segundo a autora,a Constituição elenca um rol 35 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op cit., p.05 36 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op cit., p. 48/49 35 imenso de direitos individuais e sociais para garantir a dignidade de todos”.37 Ressalta-se ainda que de acordo com a Declaração Universal dos Direitos da Criança, é assegurado o direito ao amor e à compreensão, sendo ainda garantido o direito de crescer na companhia dos pais, num ambiente cujo afeto e segurança moral o integrem.38 A afetividade é essencial para o pleno desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes promovendo à eles formação com caráter de qualidade. Isto posto, não havendo afetividade entre os integrantes de uma família, em especial nos menores, na qual se encontram em fase de desenvolvimento e construção da personalidade, poderá gerar danos irreparáveis, capazes de mexer com a estrutura do ser humano, frustrando toda proteção que o ordenamento jurídico propicia à relação familiar. 37 DIAS; Maria Berenice; BASTOS, Eliene Ferreira; MORAES, Naime Márcio Martins. Afeto e estruturas familiares. Ibdfam, 2010. P. 365. 38 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex41.htm. Acessado em 03 apr2015. 36 6 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS À LEI DA PALMADA Nº 13.010/2014 A temática acerca da relação familiar no contexto de violência ou não violência depende de uma série de reflexões, estas as quais envolve inclusive ânimos de transformação social para uma perspectiva de futuro melhor para as nossas crianças e adolescentes de agora. Indubitavelmente, tal conclusão faz com que toda a problemática se constitua de grande complexidade sobre os mais diversos aspectos, sentidos, interpretações e conclusões sobre tudo pode acontecer, e sobre todos os acontecimentos. A análise ocorre de acordo com inúmeros fatores intrínsecos que formam conceitos, definições e especialmente interpretações voltadas a partir de um momento histórico, de um momento cultural, econômico, social, em consonância com as pretensões sobre as quais se objetiva aproximar as leis da justiça. Nesta esteira a incapacidade inerente e própria da sociedade na harmonização das opiniões e correntes se dá justamente por conta da liberdade individual e coletiva, expressadas de acordo com as circunstancias e momentos específicos de cada sociedade. Porém, evidentemente, todos os atores desta relevante transformação contínua na sociedade visam, de qualquer modo, neste contexto, a proteção, o bem estar e o desenvolvimento das nossas crianças e adolescentes. Para Ricardo Monezi, pesquisador e professor do Instituto de Medicina Comportamental da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a criança, desde pequena, tem percepções sociais. E afirma que tapas diários e agressões podem desencadear traumas na fase adulta. "Para ela não interessa se dói ou não. O espaço dela está sendo invadido. A questão da Lei da Palmada deve tirar de cena o uso da agressividade com fins educacionais, que faz parte da cultura do brasileiro. Você substitui o diálogo por uma agressão física. Os piores prejuízos são da esfera psicossocial. Uma dos fatores é a criança achar que deve usar a violência para tudo. Além disso, há aqueles que podem desenvolver fobias e depressão".39 39 MONEZI, Ricardo apud TIEPO, Priscila. Advogada explica e pais comentam a Lei da Palmada. Disponível em: http://mulher.uol.com.br/gravidez-e- filhos/noticias/redacao/2014/06/17/advogada-explica-e-pais-comentam-a-lei-da-palmada-opine- tambem.htm acessado em 31mar2015. 37 Do ponto de vista psicológico Sanira Amaral Logrado, coach e especialista em psicologia sistêmica, complementou que é triste o País ter que aprovar leis para coibir a agressão dentro do lar, e comparou a nova norma à Lei Maria da Penha, que protege quem é mais fraco e não pode se defender. Acrescentou ainda: “Nesse sentido, o aspecto positivo dessa lei é que chama atenção para o fato de que a educação tem que ser diálogo, não violência. Os pais necessitam ter o exercício do diálogo e compreender que a violência não pode fazer parte da educação. A discussão provocada por essa medida é interessante para que a sociedade avalie a violência cometida contra a criança dentro de muitos lares de forma ‘educativa”40 Entretanto, Sanira reiterou que o aspecto negativo da Leia da Palmada é que ela intervém na intimidade da família e faz com que os pais fiquem na dúvida em como educar seus filhos. Com isso, acabam por pecar na permissividade. “É certo que a educação é um processo longo e exigente, para o qual não há receitas prontas, mas os pais devem educar, ou construir o seu modo de educar pautado em valores e princípios éticos. A força física apenas gera medo e o medo faz obedecer, mas não transmite princípios, nem impõe respeito. Educar é também dar exemplos e assim direcionar os filhos para um bom desenvolvimento emocional e para isso é imprescindível, os pais terem consciência do seu próprio funcionamento, ou seja, o que faz, para que faz e não só o porquê faz”41 No aspecto jurídico, Roberta Densa, advogada integrante da Comissão de Direitos Infanto-Juvenis da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo aduz: “As palmadas não serão punidas, mas apenas aquelas agressões que possam causar dano físico às crianças. "Esse nome mais confunde do que esclarece. O estatuto já falava sobre agressão às crianças. Essa lei vem 40 LOGRADO, Sanira apud RODRIGUES, Deivid. Profissionais opinam sobre a Lei da Palmada. Disponível em: http://www.atribunamt.com.br/2014/06/profissionais-opinam-sobre-lei-da-palmada/. Acessado em 30 mar2015 41 LOGRADO, Sanira apud RODRIGUES, Deivid. Op cit. 38
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