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Tráfico de Pessoas Gabriella Campelo Jardim 1 Lenise I. Soares 2 O tráfico de pessoas é uma violação grave aos direitos humanos e fundamentais, tendo em vista o sofrimento das vítimas diante de tamanha violência física e psicológica. Na presente resenha temática será abordado o ponto de vista histórico de como surgiu o tráfico de pessoas, sua definição, a exploração sexual como uma de suas principais modalidades e, por fim, a questão da prevenção, punição e a proteção que o Brasil oferece as vítimas de um crime tão cruel e pouco discutido. O TDP como é conhecido no âmbito nacional é considerado pela comunidade internacional como violação dos direitos do ser humano e foi tutelado pelo Tribunal Penal Internacional como crime contra a humanidade, no art. 7 do Estatuto de Roma no Decreto 4.388 de 25 de setembro de 2002, promulgado no Brasil na referida data. Introdução Apesar de ser um fenômeno recorrente na sociedade à séculos, o tráfico humano é ainda uma temática pouco abordada no convívio social. Apesar da legislação brasileira e internacional tratarem dessa temática desde o início dos anos 2000, esse crime ainda não possui um bom funcionamento e desenvolvimento, em razão da carência em informações e preparo de profissionais para lidar com vítimas de tal crime contra a humanidade. A definição do crime de tráfico humano é necessária para seu total entendimento, a organização das nações unidas elaborou uma convenção internacional aprovada no ano 2000, intitulada Protocolo de Palermo, o qual foi admitido no Brasil no ano de 2004. No capítulo I, artigo 3, alínea “a”, o tráfico de pessoas diz respeito ao recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaças ou uso de força ou qualquer outra forma 1 Curso: Direito. 2 Curso: Direito. de coação, ao rapto, fraude ou engano, abuso de autoridade ou situação de vulnerabilidade para obter o consentimento de uma pessoa para fins de exploração. Histórico O tráfico de pessoas para exploração sexual nas afeições que conhecemos hoje é contemporâneo. Rodrigues enfatiza que o exame histórico expõe que, “desde a Colônia, o Brasil sofre desse mal. Nos séculos XVI a XIX, escravas negras eram obrigadas a se prostituir pelos seus senhorios (1ª EDIÇÃO 2013, p. 55)” Com o fim da escravidão negra, o fluxo migratório trouxe ao país as escravas brancas para serem exploradas sexualmente. A partir do final do século XIX, já abolida a escravidão de negros, a preocupação passa a ser com o tráfico de escravas brancas para fim de exploração sexual. No Brasil, o Código Criminal do Império não previa crime de lenocínio, mas este foi incluído no Código Penal de 1980, período de intensa migração. Segundo explica Lená Medeiros Menezes, a exploração sexual de mulheres não era uma atividade nova durante o século XIX e início do século XX, mas havia adquirido uma nova caracterização “a medida que o capitalismo e a expansão europeia haviam redesenhado o mundo e a vida urbana, promovendo a internacionalização dos mercado e a expansão dos prazeres”. Nesse cenário, a mulher transformou-se em produto de exportação da Europa para outros caminhos. (RODRIGUES, 2013, p. 59-60). A escravidão é muito mais antiga do que o tráfico de negros, essa prática surgiu junto com a humanidade, quando os povoados eram derrotados e escravizados por colonizadores, nos impérios como a Babilônia, o Egito, Roma e Grécia. Os países como a América e o Brasil convivem há séculos com o tráfico de escravos. Na Grécia e Roma antiga os governantes faziam dos perdedores de lutas e guerras seus prisioneiros, mas não buscavam lucros. Em alguns países como a África e a Europa já existia o tráfico e a escravidão há muitos anos. As navegações do século XV e a chamada “ERA MODERNA”, proveniente da crise do feudalismo europeu, com o estouro do comércio, da emergência dos burgos e burguesia, o “NOVO MUNDO” proporcionava uma área promissora á ampliação da fé dos reinados europeus. “A terra visitada por Pedro Álvares Cabral acabou sendo identificada com a atividade de exploração do pau-brasil (Nogueira, 2014, p. 67)”. No segundo período da colonização portuguesa os africanos passaram a serem escravos dos portugueses, conforme Sakamoto, no livro Tráfico de Pessoas (Nogueira, 2014, p. 31), “entre o ano de 1500 e 1850, os tumbeiros traficaram da África ao Brasil cerca de 4,8 milhões de pessoas, capturadas ou sequestradas em guerras e vendidas aos tumbeiros- traficantes”. Preponderavam entre eles homens novos com auto potencial para trabalho. Algumas adolescentes vinham não para se reproduzir necessariamente, mas para o prazer do Senhorio, assim combinavam o tráfico negreiro com a exploração sexual. Como relatado em livros de História, vários escravos negros se revoltavam contra seu Senhorio fugindo e se organizando em comunidades, estas chamadas de Quilombos. Com o passar do tempo à escravidão foi vista como forma de trabalho pouco produtiva, a escravidão estava com seus dias contados, “em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Aurea (Machado, 2016)”. Com o surgimento das máquinas a vapor e das ferrovias, surgiu uma nova forma de mão de obra barata a importação de trabalhadores estrangeiros, como os chineses, japoneses, italianos, espanhóis, alemães, portugueses e suíços. Houve denúncias sobre o tratamento que auferiam, considerando-se uma forma de escravidão por dívida. Várias mulheres vinham traficadas. Já outras vinham por vontade própria e algumas destas, ao desembarcarem, eram submetidas a circunstâncias de coação. “Dava-se aquilo que as Nações Unidas ponderariam um dia como tráfico humano (Nogueira, 2014, p. 69).” Embora hoje os tempos sejam diferentes, muitas particularidades do tráfico do século passado mantem-se, alguns métodos e alguns motivos conservam semelhanças impressionantes, como se tivessem congeladas no tempo. “Como o caráter transnacional, vítimas vulneráveis, ilusão durante o aliciamento, situação de escravidão por dívidas no local de destino (Rodrigues, 1ª EDIÇÃO 2013, p. 63/64)”. Hoje, de local de destino, o Brasil tornou-se primordialmente exportador de escravos sexuais. Segundo Thaís de Camargo Rodrigues em seu livro Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual, “a globalização coloca a disposição dos traficantes de pessoas todas as ferramentas possíveis para fins lícitos, como a evolução dos meios de comunicação e a facilidade de atravessar fronteiras”. Os aliciadores procuram vítimas com vulnerabilidade sociais e econômicas, estas vítimas são tratadas como mercadorias e são vendidas aquelas mais promissoras. O tráfico de seres humanos na sociedade de hoje tem por fim um único proposito a exploração de pessoas, sejam para fins sexuais, escravos, retirada de órgãos, etc. Exploração sexual O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual ocorre no mundo todo, sendo de um país para o outro, de um estado para outro estado. A exploração sexual não deixa de ser um trabalho escravo, a maior parte das vítimas traficadas são do gênero feminino. Explorar é uma conduta de vários significados, contendo em seu universo desde uma simples procura ou estudo, passando por uma pesquisa, até chegar à condição de tirar proveito de alguém ou algo. E neste último sentido, pode- se fazê-lo de maneira honesta ou desonesta. O modo desonesto abrange má- fé, envolvendo o abuso de ingenuidade alheia, enganando ou ludibriando, para, então, tirar proveito ou lucro, em prejuízo do explorado. (NUCCI, 2015, p. 101). Conformedescreve Cunha (2016, p. 150) em seu livro, “exploração sexual, de acordo com o excelente estudo de Eva Faleiros, pode ser deliberada como uma dominação e abuso do corpo de uma criança, adolescentes e adultos, por desbravadores sexuais, formados muitas vezes, em rede de venda local e global, por pais ou responsáveis”. Sendo definidos como prostituição, pornografia e o tráfico para fins sexuais. Em sua maioria os criminosos são homens e atuam no aliciamento, agenciamento dessas mulheres, são de nacionalidade brasileira, possuem uma boa conversa, bem vestidos, já para o recrutamento dessas vítimas são enviadas mulheres de boa aparência, com falsas fotos de como é sua vida fora do Brasil. Essas quadrilhas que atuam no tráfico de pessoas são muito bem articuladas e cuidadosas, cada pessoa dentro dessa organização criminosa possui um papel diferente, os aliciadores, proprietários, intermediários, empregados e recrutadores. O perfil das vítimas que são traficadas para fora do Brasil ou mesmo dentro dele são pessoas pobres com baixa escolaridade, com problemas econômicos e sociais, geralmente são afros descentes, jovens e bonitas, mas também há aquelas mulheres com nível de escolaridade média e que estavam empregadas antes de serem aliciadas. Estas mulheres são enganadas com a falsa promessa de emprego, convites de pessoas conhecidas, além de responderem a anúncios de casamento encontrados em sites de relacionamento. A propósito essas mulheres em sua grande maioria são traficadas para fora do Brasil. As vítimas saem do Brasil, para Portugal ou Espanha, ganham roupas novas, documentos, passagem aérea e mil dólares, para quando chegarem à Alfândega não apontarem dúvidas para as autoridades alfandegárias. Chegando ao país de destino, já havia um aliciador esperando-as para tirar o seu passaporte e o dinheiro que haviam recebido, são obrigadas a trabalhar imediatamente. Foi calculado o quanto era pago a cada mulher pelo programa sexual realizado, e o total de despesas que ela teria tido com o traficante. A vítima para pagar as suas primeiras despesas ela é obrigada a ter 4.500 relações sexuais. A vítima traficada é obrigada a viver em condições precárias, viver confinada sem contato com o mundo fora do “abrigo”, as suas despesas são pagas pelo seu aliciador, a vítima nunca consegue saudar sua dívida, ela só aumenta. Segundo a UNODOC (2010), foram reconhecidas que o tráfico para exploração sexual na sua maioria é mulheres traficadas a partir do Brasil, e atinge majoritariamente as comunidades pobres do norte do país, como no Amazonas, Pará, Amapá e Roraima. Combate ao tráfico de pessoas no Brasil Em 2006 foi aprovado, o Decreto 5.948/06 no Brasil o qual instituiu A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, conhecida pela sigla PNETP, o qual institui princípios, diretrizes e ações de prevenção e repressão ao TDP. Tendo como princípios norteadores o respeito à dignidade da pessoa humana, a proteção, a não discriminação, assistência às vítimas tanto a direta e a indireta, a promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos e o respeito aos tratados e convenções internacionais de direitos humanos. No ano de 2013 foi instituído o decreto n° 7.901 em 4 de fevereiro, onde instituiu-se o Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, CONATRAP, este comitê propõe estratégias para gestação e implementação da PNETP. O I PNETP foi aprovado pelo Decreto 6.347/2008 e o II PNETP, foi acatado pela Portaria Interministerial 3 nº 634/2013 nesse protocolo foi adotada a definição dada pelo Protocolo Tradicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, o Protocolo de Palermo está definido em seu artigo 2º. 3 Portaria Interministerial é aquela que é elaborada, assinada e publicada por dois ou mais ministérios, sobre assuntos de convergência desses Ministérios. É um ato administrativo apenas, que pode regulamentar um Decreto ou uma Lei já existente. Outro programa de enfrentamento ao tráfico de pessoas é o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), no qual se destina à prevenção, controle e repressão da criminalidade, atuando em suas raízes socioculturais (Ministério da Justiça, 2010). O programa possui 94 ações dividas em ações estruturais e programas locais, contando com o apoio da União, Estado e Municípios. Conforme Thaís de Camargo Rodrigues (1ª EDIÇÃO 2013, p.148), “cita a pesquisa e o pesquisador Siddhart Kara, aponta alguns elementos da ineficácia na luta contra o tráfico de pessoas”: o primeiro elemento apontado é que houve um crescimento de atenção maior por parte da mídia para o presente delito, mas continua sendo pouco compreendido, o segundo ponto se refere as organizações que trabalham ao combate ao TDP e possuem poucos recursos e não possuem colaboradores internacionais, o terceiro apontamento faz referência a legislação que é pouco aplicada e frágil, e por último exitem copiosos estudos e artigos referente ao tema, infelizmente não há uma análise econômica e empresarial da manufatura do tráfico com a finalidade de reconhecer pontos estratégicos para mediação, sendo assim intende-se que ainda há um longo caminho para ser cursado com relação ao tráfico de pessoas. Conclusão Dessa forma entende-se que o tráfico de pessoas, ainda é um crime silencioso e invisível para a sociedade precisa ser conhecido e combatido com mais voracidade. O tráfico humano é uma prática criminosa que não possui fronteiras, a organização internacional do trabalho traz como principais fatores que favorecem o tráfico de pessoas como sendo: a pobreza, ausência de oportunidades de trabalho e a falta de perspectivas na sociedade, fatores esses dos quais os aliciadores se aproveitam para ludibriar suas vítimas com propostas de emprego vantajosas. Entre todas as modalidades de tráfico humano, a exploração sexual é o fim mais procurado e lucrativo. Para ser eficaz, esse sistema utiliza a violência física e emocional com a vítima, normalmente mulheres e adolescentes, se beneficiando da falta de amparo e tratamento dirigido à mulheres em tais condições. A vida humana é tratada como uma mercadoria taxativa monetariamente, infringindo todos os anseios e perspectivas de um cidadão e desmerecendo seus direitos e garantias como tal. REFERÊNCIAS Cunha, Rogério Sanches e Pinto, Ronaldo Batista Tráfico de Pessoas Lei 13.344/2016 comentada por artigos [Livro]. - Salvador : JusPodivm, 2016. Machado, Lívia em.com.br [Online] // S/A Estado de Minas. - 13 de 05 de 2016. - 28 de 08 de 2017. - http://www.em.com.br/app/noticia/especiais/educacao/enem/2016/05/13/noticia- especial-enem,762306/128-anos-da-abolicao-da-escravidao-no-brasil.shtml. Nogueira, Christiane .V., Novaes Marina, Bignami Renato (organizadores) Tráfico de Pessoas [Livro]. - São Paulo : Paulinas, 2014. Nucci, Guilherme de Souza Prostituição, lenocínio e tráfico de pessoas: aspectos constitucionais e penais [Livro]. - Rio de Janeiro : Forense, 2015. - 2ª Edição revista, atualizada e ampliada. Rodrigues, Thaís de Camargo TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA EXPLORAÇÃO SEXUAL [Livro]. - São Paulo : Saraiva, 2013. - 1ª EDIÇÃO. Valente, Denise Passelo Tráfico de Pessoas Para Exploração do Trabalho- Trabalhadores em situação análoga à de escravo em São Paulo [Livro]. - São Paulo : LTR, 2012.
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