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arte fotografica

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Sobre a arte fotográfica 
| Artigo de Jean-Marie Schaeffer* | 
A interrogação sobre o estatuto artístico da fotografia é tão antiga quanto a própria 
fotografia. Esta antiguidade é, aliás, o único argumento que pode falar em favor da 
questão. Encarada friamente do ponto de vista de uma antropologia das artes, por 
exemplo, ela não merece mais do que um dar de ombros. É que a resposta - positiva - 
foi dada pela própria invenção do dispositivo fotográfico: a arte fotográfica existe desde 
e porque a fotografia existe. Por um lado, como produto da technè humana, a imagem 
fotográfica é sempre uma obra de arte. Por outro, como "representação visual", ela 
perde-se naturalmente no uso estético secular das "imagens", uso que se pode observar 
nas mais diversas civilizações. A fotografia encontrou-se, também, desde suas origens, 
investida esteticamente - e isso mais pela intenção do fotógrafo do que pela atenção do 
receptor. Ela preenche, de fato, duas das condições centrais que associamos, em geral, à 
noção de obra de arte: ser um artefato e ser suscetível de dar lugar a uma função estética 
intencional ou não. A questão de saber quando estamos "simplesmente" diante de uma 
obra de arte e quando estamos diante de uma obra de arte parece-me ser de pouca 
importância, ainda mais porque a segunda noção, contrariamente à primeira, é histórica, 
cultural e socialmente muito instável. Em todo caso, a fotografia não é, a priori, um 
candidato a este estatuto improvável mais que, por exemplo, a escultura egípcia, cuja 
função primordial não era estética, e que no entanto figura entre as artes canônicas. 
Como todas as artes, a fotografia possui evidentemente certos traços específicos. Mas o 
que distingue das artes visuais gráficas não é nem o seu caráter múltiplo (a gravura e a 
escultura por fundição são também múltiplas) nem a utilização de um dispositivo 
técnico (a câmera obscura utilizada pelos pintores holandeses, assim como o simples 
pincel, são também dispositivos técnicos). Dois traços parecem decisivos. O primeiro 
reside na especificidade genética da imagem: a imagem fotográfica é uma impressão 
fotônica, um traço extraído do real. Em outras palavras, existe um laço causal direto 
entre a imagem fotográfica e o que ela apresenta. E a ocorrência desta especificidade é 
também uma fonte fundamental do investimento estético da fotografia. Em segundo 
lugar, contrariamente ao que se passa nas artes visuais gráficas, a representação 
analógica não é um jogo da fotografia, mas um dado do dispositivo técnico. Muitos 
mal-entendidos nascem disso: do fato de que a fotografia não tem que "trabalhar" para 
aceder à figuração; pretendeu-se que ela surgia da simples "reprodução". Na realidade, 
no caso da (re)presentação fotográfica, assiste-se simplesmente a um deslocamento do 
investimento criador: estando garantida a figuração, os procedimentos criadores 
investem nas suas modalidades e modalizações. 
Em resumo, se aborda a fotografia do ponto de vista de suas potencialidade estéticas 
como técnica visual específica, nada permite subtraí-la do domínio das artes visuais. É 
suficiente que se reconheçam suas especificidades próprias, e que se pare de exigir que 
ela seja o que não pode ser, a saber, uma criação pictural. E, de certa maneira, isso 
deveria fechar o debate. 
Fotografia e o mundo da arte 
Permanece clara a outra questão, aquela do estatuto relativamente marginal da 
fotografia em relação às outras artes visuais. Esta marginalidade é real, mas é preciso 
perceber que ela é de ordem puramente institucional, e que não interessa nada saber se a 
fotografia pode ser uma prática artística. Não quero dizer com isso que essa 
marginalidade seja sem conseqüências para a fotografia, mas simplesmente que seu 
destino dependeu e continua a depender mais das contingências da evolução 
institucional do "mundo das artes" e de seus procedimentos de legitimação "artística" do 
que de uma eventual transfiguração da fotografia. 
Talvez fosse necessário começar por nos perguntarmos se estar no centro dos "mundos 
da cultura e da arte" é ainda uma situação desejável em nossos dias de crise das artes 
plásticas num contexto de museificação galopante. 
Será que a fotografia não deve uma parte de sua vitalidade (nunca desmentida, que eu 
saiba) ao fato de que a circulação de seus valores estéticos ainda escapa largamente à 
legitimação dos museus? Não penso aqui, evidentemente, no museu como lugar de 
memória de obras, mas como seção de registro artístico, como instância de legitimação 
artística e estética que faz um curto-circuito na vida artística: este museu me parece 
particularmente inadaptado a uma arte que nunca parou de extrair energias sempre 
novas da dispersão dos locais e suportes que investiu. 
Do ponto de vista da arte dos museus, a fotografia é, sem contestação, uma arte impura 
no sentido em que muito freqüentemente sua prática é inscrita em finalidades 
pragmáticas: reportagem, fotografia de moda ou publicidade, documentação etc. Donde 
o questionamento da argumentação que define este número de La recherche 
photographique: "Talvez a fotografia quase não chegue a ultrapassar os domínios da 
ação, do trabalho, da comunicação, ou da família." Mas o interesse estético da fotografia 
também não reside nos laços íntimos que ela não cessa de ter com a ação, o trabalho, a 
comunicação ou a família? Afinal, esse é o caso de numerosas artes, na maior parte das 
culturas e na maior parte das épocas históricas: a obsessão da pureza artística é recente e 
talvez transitória. A função didática dos vitrais, na Idade Média, não os impediu de 
serem obras de arte de grande poder estético, e o fato de que a arquitetura seja em geral 
também funcional, quer dizer, tenha raramente uma finalidade puramente artística ou 
estética, não impediu jamais que alguém a considere uma arte canônica. 
A fotografia e a cultura visual contemporânea 
Parece-me também que não convém tomar a situação institucional da pintura como 
ponto de referência para resolver a questão do estatuto da arte fotográfica. Desde a 
invenção das novas mídias visuais (a fotografia em primeiro lugar, o cinema em 
seguida, depois o sinal de vídeo e as imagens virtuais), a pintura de facto perdeu o lugar 
central que em outros tempos foi seu na experiência visual humana: a fotografia o 
retomou no nível de sua capacidade mimética, e o cinema ultrapassa no terreno da 
narração visual. Ora, parece-me que o destino da pintura moderna e contemporânea está 
em parte ligado a essa transformação fundamental de seu estatuto cultural. Isso vale 
para o abandono da figuração pelos abstracionistas, isso vale para a absorção, mais 
recente, da prática especificamente pictural pelas artes plásticas, e, mesmo de maneira 
mais radical, para a "arte genérica" (Thierry de Duve), e isso vale também para sua 
museificação, que é o corolário de sua retirada do centro vital da cultura visual 
moderna. Tudo isso não retira nenhum mérito da arte pictural contemporânea, 
simplesmente, seria absurdo que a fotografia corresse atrás de um destino de que ela é 
uma das causas. 
Quer ela queria, quer não, parece-me que, por razões evidentes, a fotografia está mais 
ligada ao cinema, ao sinal de vídeo e às imagens virtuais do que a pintura. Ora, 
nenhuma dessas artes encontra nos museus seu lugar canônico de obra acabada. Penso 
que acontece o mesmo com uma grande parte da arte fotográfica. Não quero dizer com 
isso que o museu não pode acolher a fotografia (ele o faz e freqüentemente bem), nem 
que ele não pode funcionar como memória histórica das obras, mas duvido que ele 
possa jamais dar conta da legitimação artística e estética da prática artística fotográfica 
na sua diversidade e dispersão sociais e culturais - enquanto para a pintura ele se tornou 
o mediador institucional incontornável. 
A fotografia está, portanto, mal-adaptada a uma "culturados museus", e sua 
marginalidade é tal apenas na medida em que pensemos que a circulação das artes 
visuais deve passar exclusivamente pelo museu. Ora, a fotografia pode circular de 
muitas outras maneiras. É preciso não esquecer, por exemplo, que ela sempre circulou 
tanto sob forma impressa (revista e livros) como sob forma de impressões originais, 
penduradas em molduras. Em nossos dias, graças ao procedimentos de numeração e 
armazenamento em CD-ROM, a quantidade de imagens que podem circular sob esta 
forma de derivada é multiplicável ao infinito. De um ponto de vista purista, podemos 
sempre, certamente, desconsiderar esta circulação, já que ela sustenta-se mais no regime 
de reprodução que no regime da presença direta da obra. Mas, sem querer pôr em 
dúvida a perda de substância estética que sofre assim a imagem fotográfica, eu penso 
que a reprodução (por impressão ou por numerização) de uma fotografia não pode ser 
colocada no mesmo plano que reprodução (fotográfica, impressa ou numérica) de uma 
pintura. Há uma proximidade semiótica e estética bem maior entre uma fotografia e sua 
reprodução que entre uma pintura e sua reprodução (é preciso, evidentemente, distinguir 
a reprodução da cópia: a cópia de uma pintura compartilha com o original o mesmo 
suporte semiótico e o mesmo tipo de per-tinência estética): no momento em que 
contemplamos uma fotografia numa revista ou num livro, temos a impressão de que é a 
própria fotografia que estamos vendo, e não uma simples reprodução. Enfim e 
sobretudo, o suporte numérico não intervém mais apenas na conservação das 
fotografias, mas também, cada vez mais, no seu ângulo de visão e não é necessário ser 
um grande profeta para prever que os aparelhos de fotografia digitais são chamados a se 
tornar para a fotografia o que o vídeo é para o cinema. Aliás, essa digitalização não 
muda fundamentalmente a archè da fotografia, quer dizer, o estatuto fotônico do sinal 
fotográfico, mas unicamente os procedimentos de sua tradução em imagem (que deixam 
de ser químicos para se tornarem eletrônicos). Ora a fotografia numerizada e 
armazenada em disco faz da impressão numérica uma obra fotográfica original 
multiplicável à vontade - estando claro que multiplicar não é reproduzir - por simples 
reduplicação de sinais numéricos. Parece-me que há fortes chances de que o futuro da 
arte fotográfica esteja mais ligado à tela do computador e à televisão interativa (e, 
portanto, ligado economicamente à noção de direitos autorais) do que às molduras de 
museu (quer dizer, ligado a uma economia da raridade e da prova única). Mas, como diz 
o provérbio, "quem viver, verá". 
Jean-Marie Schaeffer é diretor de pesquisas no CNRS, membro do Centre de recherches sur les arts et le 
langage (EHESS-CNRS) e autor de A imagem precária (Papirus, 1996). 
Este texto foi originalmente publicado na revista La recherche photographique nº 18, de maio de 1995. 
Traduzido por Flávia Cesarino Costa, foi publicado na Revista Imagens nº 6, da Unicamp.

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