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AP1 02.2017 GABARITO (1)

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Fundação CECIERJ/ UFF 
Graduação em Letras 
 
Disciplina: Teoria da Literatura II 
Coordenadora: Profa. Diana Klinger 
GABARITO DA AP1 – 02.2017 
 
1-Explique o conceito de mimese de Aristóteles e suas diferenças com a concepção 
de Platão. 
 
Para Platão, a imitação do artista não passa de uma forma de corromper a 
capacidade de raciocínio do homem, uma vez que este, através da representação, 
deixa-se levar pelos sentidos e pelas emoções, e não pela Razão que é a única via 
de acesso à verdade. Platão argumenta que a representação artística está 
duplamente afastada da verdade, pois o pintor ou o poeta imitam os objetos da 
realidade e esta já seria uma imitação dos conceitos, que são abstratos e 
universais. Daí que, para Platão, a filosofia seja mais importante na República, 
enquanto a poesia não serviria à educação dos cidadãos. 
Numa perspectiva mais abrangente, Aristóteles valoriza a mimese como 
forma de conhecimento e aprendizado. O conceito aristotélico mostra que não há 
afastamento da verdade, pois a arte não visa contar “o que aconteceu” e sim “o que 
poderia acontecer”, isto é, não visa à verdade e sim à verossimilhança. A 
representação não teria compromisso com a verdade, e, portanto, não poderia ser 
falsa como propunha Platão. Essa ideia também traz a diferença entre poesia e 
história, em que cabe ao poeta narrar “o que poderia ter acontecido, o possível, 
segundo a verossimilhança ou a necessidade” (p.14), enquanto compete à história 
a narração do que realmente aconteceu. Assim, a história visaria ao particular, 
enquanto a poesia visaria ao universal, assim como a filosofia. Do ponto de vista de 
Aristóteles, não há hierarquia entre poesia e filosofia. 
Diferente de Platão, Aristóteles dá à mimese (ou “representação”) um lugar 
especial em sua análise, ao estabelecer, a partir desse conceito, uma concepção 
estética para as artes. Em se tratando de um procedimento geral, a mimese implica 
a ação que distingue os homens dos animais e constitui-se como um princípio da 
natureza humana, uma vez que imitar torna-se uma tendência da natureza 
instintiva do homem. Assim, o filósofo distingue os humanos de todos os outros 
seres vivos por sua aptidão muito desenvolvida para a imitação e por através desta 
adquirir conhecimentos e experimentar prazer. 
Desse modo, a mimese para Aristóteles traduz a condição do processo de 
conhecimento e de invenção do próprio homem, uma vez que a experiência 
sensível também se faz por ela e com ela. Aristóteles explicita que “os seres 
humanos sentem prazer em olhar para as imagens que reproduzem objetos. A 
contemplação delas os instrui, e os induz a discorrer sobre cada uma, ou a 
discernir nas imagens as pessoas deste ou daquele sujeito conhecido” (p. 5). 
O conceito aristotélico de mímesis dá a ver, no plano da arte, um 
entendimento que vai além da mera reprodução da realidade e se desdobra em 
muitos modos de experimentar os sentidos da vida. Em sua Arte Poética, 
Aristóteles descreve os diferentes tipos de poesia, além da dança e da música, 
como artes de imitação e registra a primeira sistematização de natureza poética 
em espécies e divisão de gêneros (lírico, narrativo e dramático), de acordo com os 
 
 
aspectos encontrados em cada uma delas, ou seja, com os meios, os objetos e as 
maneiras de imitar. A tragédia e a épica se destacam na Poética porque tratam de 
homens “melhores do que são”, isto é, dos heróis da sociedade, aqueles que podem 
servir como exemplo por seu caráter e a nobreza de espírito. A tragédia é o gênero 
mais importante, pois produz catarse, isto é, identificação do público com o 
protagonista, horror e compaixão pela situação de infelicidade pela qual este passa 
sem merecê-la. Assim, a tragédia serve como formação espiritual e cidadã. 
 
 
2- Comente a concepção moderna de literatura no Romantismo alemão e a sua 
diferença em relação à concepção da Poética Clássica. A seguinte citação dos 
fragmentos de Schlegel sobre a poesia romântica (do livro O dialeto dos 
fragmentos) pode ajudar: 
 
116 “A poesia romântica é uma poesia universal progressiva. Sua destinação não é 
apenas reunificar todos os gêneros separados da poesia e por a poesia em contato 
com filosofia e retórica. (…) O gênero poético romântico ainda está em devir, sua 
verdadeira essência é mesmo a de que só pode vir a ser, jamais ser de maneira 
perfeita e acabada. Não pode ser esgotado por nenhuma teoria, e apenas uma 
crítica divinatória poderia ousar pretender caracterizar-lhe o ideal. Só ele é 
infinito, assim como só ele é livre, e reconhece, como sua primeira lei, que o 
arbítrio do poeta não reconhece nenhuma lei sobre si.” 
 
 Os fragmentos de F. Schlegel e Novalis veiculados na revista Athenaum 
demarcam uma maneira de pensar filosoficamente as obras literárias, na medida 
em que vão produzir uma crítica que se assume tão em devir quanto a própria 
poética em questão, a qual vai ser chamada, dentre outras qualificações, de “poesia 
universal progressiva”. Assim, o Romantismo alemão inaugura uma concepção de 
literatura completamente moderna pelo pendor de novidade que apresenta: a de 
uma arte fragmentária que funde todos os gêneros (poesia transgenérica) e, por 
conseguinte, acaba transcendendo filosofia e poesia em função de tal exercício de 
crítica em que vemos amalgamadas as reflexões estéticas e o trabalho filosófico 
dos românticos. Por se tratar de um movimento que envolveu pensadores e 
artistas diversos (além dos já citados, Schelling, Schiller, dentre outros do 
Idealismo alemão), há uma pluralidade de ideias em relação aos posicionamentos 
filosóficos destes e às teorias poéticas vistas em torno de cada obra literária, 
embora também haja, dentro da complexidade de pensamentos que o compõe, 
uma unidade de ideias fundantes. Assim, encontramos reunidas sensibilidade e 
razão; filosofia e poesia; intuição e reflexão; subjetividade e objetividade; real e 
Ideal. 
 À diferença da poética clássica, os poetas românticos consideram que a poesia 
não pode responder a regras a-históricas. Ao se afastarem das normativas 
clássicas, os românticos supõem um grau de liberdade e, portanto, de mudanças 
históricas no conceito de literatura. Diante das rígidas separações de gêneros das 
poéticas clássicas, eles propõem a mistura: poesia transcendental é uma mistura 
de filosofia e poesia. Como Kant, consideram que o belo não pode estar regido por 
uma lei, nem interior ao universo estético nem uma lei moral. Para os românticos, 
o gênio não se submete a regras, mas cria ou inaugura uma regra para que os 
outros formulem um juízo estético. 
 
 
 Como consequência da afirmação da liberdade individual, vai-se produzir uma 
mudança radical: no lugar da universalidade das regras da arte, o Romantismo 
institui um senso de historicidade da arte. A concepção do belo será, 
consequentemente, de natureza individual e sentimental para o Romantismo, ao 
contrário da concepção clássica que o considera universal e ideal.

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