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Topik, S. A Presença do Estado, Cap.5 Industrialização.

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A Presença do Estado – Capítulo 5: Industrialização. 
Steven Topik 
Autor: Bruno Gabriel Witzel de Souza 
 
1.A Política Industrial no Império. 
 A política imperial seria conduzida tendo-se em mente fundamentalmente os interesses agrário-exportadores 
que viam na utilização da mão-de-obra escrava seu principal mecanismo de desenvolvimento. O sistema escravista 
tornava impossível o desenvolvimento de uma econômica monetária e da operação do sistema de mercado, as linhas 
de crédito eram reduzidas e voltadas quase que exclusivamente para a agricultura. Assim, não causa estranheza que os 
latifundiários do império se opusessem fortemente a qualquer tentativa de industrialização. 
 De início, a própria produção cafeeira, que em períodos já avançados da Primeira República teria um forte 
papel estimulador da indústria (ao desenvolver a economia nacional, aumentar o produto e a renda nacional, e 
conseqüentemente consolidar um mercado interno) funcionou como grande pólo atrativo de recursos, fortalecendo as 
posições latifundiárias observadas acima. 
 Em períodos subseqüentes, alguns fazendeiros buscaram investir em algumas pequenas indústrias, sobretudo 
de transformação de bens finais de consumo. Seu objetivo não era propriamente o desenvolver uma indústria nacional, 
mas o de verticalizar a produção: muitos cafeicultores investiram em máquinas beneficiadoras, em indústrias têxteis 
para produzir sacas de café etc. Assim, careceu o Brasil, de início, de uma forte burguesia industrial, ciente de seus 
próprios objetivos e capaz de pressionar o Estado em prol daquelas metas. 
 
2. A República. 
 O Brasil experimentaria no primeiro “surto” industrial na década de 1880 um aumento significativo das 
unidades produtivas; no entanto, deve-se sempre lembrar que estas primeiras “indústrias” devem ser encaradas mais 
como pequenos estabelecimentos artesanais com graus tecnológicos e de especialização baixíssimos. 
 A instauração republicana abriria uma nova perspectiva. Werneck Sodré chega mesmo a afirmar que, pela 
primeira vez, “a burguesia ocupou o palco” entre 1889 e 1894. 
 Apesar de as indústrias terem se desenvolvido largamente no período, o autor afirma que isto não foi o 
resultado de nenhuma política específica para o setor, mas a conseqüência do crescimento geral que se experimentou e 
resultado de outros fatores que certamente beneficiariam os industriais mas que não tinham este objetivo 
propriamente. Além disso, a política econômica, sobretudo para o setor industrial, não seguiu uma tendência clara, 
variando paradoxalmente em diversos casos. 
 Durante este período, justamente o do Encilhamento, as taxas alfandegárias seriam aplicadas com uma 
proporção fixa em ouro. O resultado é que as taxas efetivas cobradas sobre produtos importados cresceram 
consideravelmente e atuou como um forte impulso à atividade industrial. No entanto, o objetivo primeiro era o 
aumento das receitas públicas, não o estímulo industrial. 
 Se é certo que o Encilhamento auxiliou largamente as indústrias, é também verdadeiro que o governo de 
Deodoro adotou medidas contrárias ao desenvolvimento industrial: pelo Acordo Comercial Blaine-Mendonça, o país 
proveu tarifas especiais para produtos norte-americanos para não receber uma sobretaxa sobre o açúcar e sobre o café 
no mercado ianque. Por fim, é interessante ressaltar que o próprio aumento do federalismo prejudicou em bom grau as 
indústrias: desfrutando os estados de maior autonomia, não raro instituíam tarifas sobre a circulação de mercadorias 
entre os estados (o que era inconstitucional, mas praticado), dificultando largamente a criação de um mercado 
ampliado e necessário a qualquer desenvolvimento industrial. 
 
3. A Vez da Burguesia. 
 Floriano Peixoto, por sua vez, é considerado como o presidente mais favorável ao desenvolvimento da 
indústria nacional. No entanto, as medidas de política econômica tomadas em seu governo demonstram a limitação da 
ação a que se estava sujeito naquele Estado caracterizadamente oligárquico. 
 A descentralização federalista (com a maior autonomia financeira dos estados) e as medidas de liberalismo 
econômico eram observadas como as maiores realizações do período republicano. 
 Nesse contexto, pode-se ter uma idéia da oposição a qualquer força intervencionista do Estado sobre a 
economia para promover a industrialização. A desvalorização do mil-réis e o aumento das taxas alfandegárias são 
interessantes a títulos de exemplos: não demorou para que estas políticas suscitassem a oposição até mesmo do setor 
industrial, dependente que este era de matérias-primas e bens de capital importados. 
 Apesar de não incluir metas industriais em sua política monetária e orçamentária, Floriano forneceu algum 
apoio à indústria principalmente através do aumento tarifário e de um projeto totalmente inédito de fornecimento de 
crédito para o desenvolvimento industrial. 
 Este projeto financeiro foi resultado, sobretudo, da crise do fim do Encilhamento. Com o término do frenesi 
econômico, muitas empresas de caráter industrial-manufatureiro recorreram ao governo. No entanto, o projeto não 
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receberia a devida atenção, encontrando opositores tanto entre a elite mais tradicional, ligada à agricultura, quanto 
entre os próprios industriais; segundo o argumento vigente da oposição, os empréstimos acabariam caindo na mão de 
industriais estrangeiros, beneficiando pouco a indústria nacional, e ainda poderia gerar uma nova onda especulativa 
como a que causada em fins do Encilhamento e que conduzira à toda aquela dificuldade. Assim, o projeto passaria 
apenas em uma segunda versão, pela qual os empréstimos seriam concedidos pelo Banco da República; o crédito 
assim obtido seria utilizado fundamentalmente como capital de giro, não ocorrendo inversões substantivas a partir 
dele. 
 Apesar deste precedente aberto por Floriano em prol da indústria, “não se pode esquecer que [...] o 
crescimento do setor manufatureiro era mais um subproduto da política do que o seu objetivo declarado”. 
 
4. A Volta dos Fazendeiros. 
 Em 1894, a elite cafeicultora paulista voltaria ao poder e desta vez para permanecer por três mandatos. Este 
poderia parecer o grande triunfo do laissez-faire, do liberalismo econômico, mas não o foi porque apesar de alguns 
interesses diferenciados, industriais e cafeicultores não eram necessariamente classes dicotômicas entre si. 
 Em primeiro lugar, muitos fazendeiros, comerciantes e banqueiros já haviam realizado grandes investimentos 
industriais, de modo que tinham algum interesse em maior ou menor grau em seu desenvolvimento; as indústrias 
relacionadas a produtos agrícolas, que demandavam as matérias-primas do campo, por exemplo, eram passiveis de 
uma proteção especial (sobretudo as têxteis demandantes do algodão nacional). Além disso, as indústrias cresciam 
como demandantes da mão-de-obra que começava a avolumar-se nas cidades em franca expansão. Desse modo, havia 
fatores que não poderiam ser simplesmente ignorados pelo Estado em favor de uma política pura de laissez-faire. 
 Além disso, as recorrentes dificuldades financeiras do Tesouro Nacional não lhe poderiam permitir uma 
política muito liberal: “já que 70% de todas as receitas federais provinham das tarifas de importação, teria sido 
impossível adotar uma política de livre-comércio”. 
 A indústria desenvolveu-se bem sob o governo dos três paulistas. Em partes, o governo já não poderia ignorar 
a importância crescente do setor para a economia nacional: elas diminuíam as necessidades de importação, consumiam 
matérias-primas nacionais, proporcionavam receitas fiscais e empregavam um número crescente de trabalhadores, os 
quais começaram a organizar-se e mostrar sua força crescente (em 1906, RJ e SP já haviam tido experiênciascom 
greves). Além disso, a indústria beneficiou-se, neste período, de fatores exógenos a si: a diminuição dos preços do 
café e a proibição da expansão dos cafezais deslocaram capitais para a indústria, além de ter-se retomado o fluxo de 
capitais estrangeiros para o país em decorrência do saneamento das contas públicas e externas. 
 
5. O Presidente Industrial. 
 A partir de 1906, com o Convênio de Taubaté, a idéia do laissez-faire cairia por terra mesmo dentro do grupo 
mais a favor do liberalismo: os cafeicultores. É particularmente interessante observar “como a onda intervencionista 
depois de 1906 foi guiada por interesses agrícolas muito mais que por interesses industriais”. 
 Neste contexto, chegava ao poder o proprietário de uma mina de ouro e de uma grande indústria de tecelagem 
de Minas Gerais: Afonso Pena. 
 Entre 1906 e 1914, o mercado brasileiro daria passos mais largos para sua consolidação, com o PNB tendo 
crescido, no período, 100%. Ao mesmo tempo, as exportações cresceram 25%, o que demonstra a participação 
significativamente maior do mercado interno para a economia nacional. Outras circunstâncias funcionavam para a 
expansão industrial, como as elevadas tarifas alfandegárias, que, segundo um relatório norte-americano, eram as 
maiores de todos os países do hemisfério ocidental. Expansão creditícia e aumento dos influxos e de indústrias 
estrangeiras são outros fatores responsáveis pelo aumento da produção industrial brasileira no período. 
 
6. A Primeira Guerra Mundial. 
 Causa estranheza o fato de o Brasil não ter assumido uma postura mais nacionalista frente à proteção de sua 
indústria durante a IGM e é ainda mais estranho que, no início do conflito, tenham-se fortalecido políticas de laissez-
faire que pareciam ter caído com as sucessivas valorizações do café. 
 Topik afirma que o papel da IGM sobre o desenvolvimento industrial brasileiro é motivo para amplas 
discussões na historiografia. O ponto principal é o de saber se a indústria nacional foi motivada pelo mercado externo, 
a partir do que se concluiria os aspectos negativos da guerra, ou se o conflito estimulou efetivamente a produção 
nacional através de um processo de substituição de importações e como os lucros então acumulados foram 
convertidos, se o foram, em investimentos no pós-guerra. Em sua própria visão, o autor afirma que a conjuntura da 
guerra levou basicamente a duas fases de industrialização: primeiro, houve um processo de substituição de 
importações, e depois um aumento de capital através da importação de tecnologias e bens de capital a partir do capital 
acumulado durante o conflito. 
 A ação estatal durante a guerra sobre a indústria, no entanto, seria pequena. O único setor industrial favorecido 
seria o da indústria de base, que já vinha sendo considerada estratégica para a defesa nacional desde o início da década 
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de 1920, baseada na perspectiva de “[...] segurança nacional seria mais do que armas e a defesa das costas do país; 
seria o fortalecimento da sociedade”. 
 Os dois principais produtos beneficiados por esta limitada intervenção seriam o ferro e o aço, inclusive pela 
criação de uma siderúrgica sob administração federal. 
 
7. A Década de 1920. 
 A questão da defesa nacional sobreviveria ao fim da guerra. Com sérias dificuldades para atrair o capital 
nacional necessário às vultosas inversões de capital necessárias para indústrias de base e pela oposição dos próprios 
industriais em relação a aumentos nas tarifas de bens de capital (o que seria feito para estimular o desenvolvimento de 
sua produção nacional, mas prejudicaria a indústria já existente, baseada que estava no processamento de bens de 
consumo), a alternativa mais viável passou a ser a de investidores estrangeiros. Embora algumas leis propusessem a 
concessão de crédito para capitalistas nacionais, estas não avançaram muito, seja em decorrência de dificuldades 
políticas, seja pela indisposição do capital nacional. 
 De fato, o nacionalismo brasileiro não se direcionava contra as empresas internacionais, mas buscava que 
estas fossem atraídas para o país e aqui produzissem com recursos nacionais, voltando-se crescentemente para o 
mercado interno. “Os brasileiros, que temiam a dependência e insistiam na necessidade da auto-suficiência, sempre 
recebiam as empresas estrangeiras de braços abertos, desde que elas produzissem no Brasil e respeitassem as leis 
brasileiras”. 
 É sob esta perspectiva que se vêem multiplicar as empresas industriais estrangeiras. Na indústria química, na 
do petróleo, e na de eletricidade, o modelo de “nacionalismo econômico” se repete. Instalaram-se no país inúmeras 
indústrias que eram mais “tradings” que fabricantes, uma vez que importavam todos os componentes 
tecnologicamente relevantes para apenas beneficiar o produto internamente. Apesar da limitação destas indústrias para 
desenvolver qualquer tecnologia nacional e propiciar um desenvolvimento auto-sustentado de nossa própria indústria, 
não se pode negar o papel que tiveram no aumento da capacidade produtiva nacional e no interesse crescente que 
apresentavam em relação ao próprio mercado brasileiro.

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