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5 DISLIPIDEMIAS E ATEROSCLEROSE Os lípides, de natureza lipofílica, são transportados no sangue em lipoproteínas, que consistem da camada externa que contém proteína (chamadas de apolipoproteína ou simplesmente apo) e lípides polares (fosfolípides e colesterol não-esterificado) que envolvem o centro hidrofóbico, mais interno de lípides neutros (triglicerídeos, ésteres de colesterol e vitaminas lipossolúveis) (Figura 5.1). 62 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física FIGURA 5.1 Composição de quatro principais lipoproteínas no sangue As apoproteínas exercem várias funções fisiológicas, além de simplesmente solubilizar os lípides circulantes: agem como cofatores de enzimas ou ligantes de receptores na superfície celular. Transporte de lípides no sangue: o metabolismo de lipoproteínas será resumidamente descrito a seguir (Figura 5.2). Quilomicron VLDL LDL HDL Colesterol livre (CL- não esterificado) Fosfolipideos(FL) Triacilglicerois (TG) Colesterol esterificado Apoproteína (apo) Dislipidemias e Aterosclerose 63 FIGURA 5.2 Metabolismo de lipoproteínas Os lípides da dieta são transportados em quilomícrons (QM) que têm apo B-48, CII e E. Nos tecidos adiposo e muscular, QM perde ácidos graxos dos triglicerídeos (TG) pela ação da lipase lipoproteica (LPL), e seu cofator apo CII, originando o QM remanescente (QMr), que são captados pelo fígado pelos receptores de remanescentes. A lipoproteína de densidade muito baixa (VLDL), rica em TG e possui apo B-100, CII e E. VLDL, sofre ação da LPL, originando seu remanescente, a lipoproteína de densidade intermediária (IDL). A IDL pode ser captada pelo fígado (receptor de remanescente) ou interage com HDL. A proteína de transferência de éster de colesterol (CETP), contida em HDL, faz a permuta entre colesterol (COL) de HDL por TG de IDL. O resultado é a transformação de IDL em lipoproteína de densidade baixa (LDL) e HDL mais carregada de TG. LDL transporta colesterol para os tecidos extra-hepáticos que possuem receptores LDL, endocitando-a. HDL faz o transporte reverso de colesterol após sua esterificação pela LCAT (lecitina colesterol acil transferase), tendo a apo A-I como cofator. HDL transfere o colesterol para o fígado, através de sua interação com receptores SRBI hepáticos. 64 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física Após a digestão e absorção, os lípides da dieta são transportados na linfa como partículas de quilomícrons (QM). Os QM possuem apo B- 48 e E como principais apoproteínas. Eles penetram inicialmente pelo ducto torácico para depois alcançar a circulação sistêmica. Nos capilares dos tecidos adiposo e muscular, dentro de poucas horas após a alimentação, os QM sofrem a hidrólise de seus triacilgliceróis pela ação da enzima lipase lipoproteica, utilizando como cofator a apo CII. Após esta ação da lipase, os quilomícrons são chamados quilomícrons remanescentes (QMr), os quais são rapidamente retirados da circulação pelo fígado, por meio da interação entre a apo E e os receptores de apo E nas membranas dos hepatócitos. A lipoproteína de densidade muito baixa (VLDL) é uma partícula rica em triglicérides derivada do fígado e, além de outras apoproteínas, apresenta apo B-100 e apo E em sua constituição. Da mesma forma que os quilomícrons, a VLDL perde seus triglicérides por ação da lipase lipoproteica auxiliada pela apo CII, originando um remanescente mais denso chamado lipoproteína, de densidade intermediária (IDL). A IDL contém quantidades iguais de colesterol e triglicérides, e as principais apoproteínas presentes são apo B-100 e apo E. Esta partícula tem dois destinos: é captada pelo fígado pela interação das apoproteínas com receptores E ou B/E de hepatócitos ou sofre catabolismo adicional (perda de lípides e apoproteínas) e se transforma em LDL. A LDL é a principal transportadora de colesterol na circulação. Transporta colesterol para os tecidos extra-hepáticos, cujas membranas apresentam os receptores B/E que reconhecem a apo B-100, única proteína presente na partícula de LDL. A HDL é uma lipoproteína que apresenta apo A-I e apo E como principais apoproteínas. São envolvidas no transporte reverso de colesterol, o único processo pelo qual o colesterol livre dos tecidos periféricos é transportado para o fígado para metabolismo ou excreção. Neste processo, o colesterol é esterificado por ação da LCAT (lecitina colesterol acil transferase) tendo a apo A-I como cofator e lecitina (fosfatidilcolina) como doador de grupo acil para a reação. O potencial protetor de HDL na aterosclerose vem do fato de essa lipoproteína ser capaz de retirar o excesso de colesterol livre, não só de membranas celulares como do próprio subendotélio (na placa aterosclerótica). Finalmente, as Lp(a), que são partículas de LDL às quais uma glicoproteína de alto peso molecular denominada apo (a) está ligada através de ponte dissulfeto. As concentrações séricas de Lp(a) são hereditárias e são menos afetadas por fatores ambientais do que as Dislipidemias e Aterosclerose 65 outras lipoproteínas. Altas concentrações de Lp(a) têm sido associadas com elevado risco de doença cardiovascular, possivelmente por causa da homologia da apo(a) com o plasminogênio. Por sua similaridade a essa proteína fibrinolítica, a apo (a) liga-se à rede de fibrina na luz arterial, sem, contudo, degradá-la, impedindo, assim, a destruição do trombo na área da lesão aterosclerótica, aumentando o risco de obstrução e isquemia. 5.1 ATEROSCLEROSE A aterosclerose é uma alteração inflamatória de artérias de médio e grande calibres pela deposição lipídica, na qual ocorre espessamento da camada íntima com a perda da elasticidade e posterior calcificação. Postulada como resposta à injúria endotelial vascular, a aterosclerose consiste de lesões focais da camada íntima arterial, caracterizadas pela deposição de colesterol, fibrose e inflamação. Um estado pró-trombótico também faz parte do quadro. Embora qualquer artéria possa ser afetada, o sítio de maior significância clínica da doença são a aorta e as artérias coronárias, tendo como principais consequências o infarto do miocárdio, a isquemia cerebral e o aneurisma aórtico. A injúria vascular pode resultar da interação de várias forças, incluindo anormalidades metabólicas e nutricionais, tais como hiperlipidemias, forças mecânicas associadas com hipertensão arterial, toxinas exógenas como aquelas encontradas no tabaco, proteínas anormalmente glicadas associadas com o diabetes mellitus, lípides ou proteínas modificadas oxidativamente e, possivelmente, infecções virais. Em vários estudos experimentais e epidemiológicos tem sido mostrado que as dislipidemias caracterizadas por níveis elevados de LDL e ou reduzidos de HDL estão associadas à aterogênese acelerada. LDL circulante atravessa o endotélio e fica aprisionada na região subendotelial, onde sofre modificação oxidativa da porção lipídica e proteica. A modificação oxidativa das moléculas lipídicas inclui a degradação de ácidos graxos poli-insaturados e a geração de intermediários reativos de oxigênio. A molécula de colesterol também sofre oxidação e a apo B-100 sofre degradação. Essas modificações levam à perda de reconhecimento destas lipoproteínas pelo receptor de LDL, sendo agora reconhecida pelos receptores scavengers ou de limpeza (ScR) de macrófagose de células musculares lisas. Esses receptores são expressos na presença de altos níveis de colesterol 66 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física intracelular, resultando na formação de células espumosas (foam cells), que é característica da placa inicial. A forma como ocorre o início da formação de placa aterosclerótica a partir de LDl oxidada, é mostrada na Figura 5.3. FIGURA 5.3 5.1.1 Estágios de desenvolvimento da aterosclerose As estrias gordurosas, lesões mais precoces da aterosclerose, são encontradas em necrópsias desde idades tão precoces como um ano. Os achados histológicos são macrófagos abarrotados de gorduras no subendotélio que formam estrias amareladas ao longo da parede arterial, resultado do acúmulo de células espumosas. Estas células são acompanhadas por um número variável de linfócitos T e células musculares lisas. Estas últimas também podem acumular lípides, tornando-se foam cells. O processo de aterosclerose começa como uma forma especializada de inflamação, presumivelmente em resposta à Luz do vaso InƟma média adventícia LDLox na inƟma monócito Linfócito T Celula endotelial Molecula de adesão Receptor scavenger Celula espumosa Gotas de lipideos Celula muscular lisa Camada média Lâmina elástica Macrófago Mediadores inflamatórios citocinas Dislipidemias e Aterosclerose 67 injúria do endotélio. Essas lesões não são obstrutivas e podem ou não progredir para lesões avançadas. As lesões intermediárias são placas fibrogordurosas que contêm os mesmos elementos celulares da lesão precoce. Entretanto, a proporção relativa de macrófagos carregados de lípides, células T e células musculares lisas pode variar. Geralmente, a lesão fibrogordurosa alcança uma aparência mais complexa, consistindo de camadas alternadas de células espumosas e células musculares lisas com uma grande quantidade de tecido conjuntivo. A placa fibrosa ou placa avançada ou lesão complicada tem uma superfície coberta por uma capa de espessura variada, consistindo de várias camadas de células musculares lisas cercadas por uma matriz densa de tecido conjuntivo que contém colágeno, fibras elásticas e proteoglicanas. As células musculares lisas que compõem esta lesão tomam uma característica plana. O centro do material necrótico consiste de debris celulares, cristais de colesterol e células espumosas. Calcificações são encontradas próximo ao centro necrótico. A capa fibrosa é mais delgada nas regiões laterais e margens da lesão, sendo estes locais mais susceptíveis ao rompimento e à posterior formação de trombos, precipitando a obstrução e a isquemia. As fases de desenvolvimento da lesão aterosclerótica são mostradas na Figura 5.4. 68 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física FIGURA 5.4 Progressão do Processo Aterosclerótico 5.1.2 Diagnóstico clínico As hiperlipidemias podem manifestar-se como hipercolesterolemia e ou hipertrigliceridemia. O excesso de lípides é resultado do acúmulo de uma ou mais classes de lipoproteínas, devido à menor remoção do plasma e ou maior produção. As hiperlipidemias podem ser classificadas como primárias ou secundárias. As desordens primárias são genéticas (familiares) ou não-genéticas (esporádicas). As desordens secundárias surgem de alguma alteração, como dieta, uso de álcool e outras drogas ou doença de etiologia hormonal, infecciosa ou maligna (Alvarez-Leite et al., 2002). Dislipidemias e Aterosclerose 69 A abordagem clínica tem como objetivo prevenir, diagnosticar e tratar as dislipidemias e suas complicações, como as alterações cutâneas, pancreatite aguda (no caso de hipertrigliceridemia) e doença isquêmica arterial. A entrevista com o paciente é necessária para a identificação de antecedentes familiares, para fornecer subsídios ao diagnóstico das causas, bem como a estratificação do risco de doença cardiovascular (ver adiante). Assim, idade, sexo, origem, caracterização de hábitos alimentares e estilo de vida, o tempo de diagnóstico da dislipidemia, sintomas e sinais relatados, uso de drogas, outras patologias associadas que concorrem para a elevação de lipoproteínas plasmáticas e a história familiar de dislipidemias e ou eventos ateroscleróticos são de fundamental importância na abordagem do paciente. De especial interesse é a pesquisa de hábitos alimentares, que pode ser feita por meio de registros alimentares ou recordatório de 24 horas. Esses questionários são importantes também para conhecer alimentos da preferência do paciente que são agentes redutores de colesterol, como aqueles ricos em fibras e antioxidantes. Esses alimentos devem ser reforçados no tratamento dietético. Sem o prévio conhecimento dos hábitos alimentares, as dietas padronizadas para a redução de lípides plasmáticos não passarão do papel, uma vez que a adesão à dieta é maior quanto maior a similaridade com a dieta normal do paciente. Deve- se ressaltar que uma dieta para a redução de lípides não é por curto espaço de tempo e deve ser encarada mais como mudança de hábito alimentar do que como um tratamento a curto prazo. Poucos são os sinais visíveis ao exame físico. Em geral, ocorrem na pele, tendões ou vísceras e não estão presentes em todos os pacientes. Estes sinais correlacionam apenas com as causas genéticas, dislipidemias mais moderadas a leves não apresentam, como regra, os sinais descritos abaixo Os xantomas são lesões cutâneas decorrentes da deposição lipídica na pele. São semelhantes aos ateromas que ocorrem na parede arterial: o excesso de lipoproteínas atinge o espaço subendotelial e elas captadas por macrófagos que se acumulam nas regiões de grande atrito ou tensão, como bainhas de tendões, dobras cutâneas, cotovelos, joelhos, dorso das mãos, pálpebras etc. Nem sempre os xantomas são sinais de dislipidemias, podendo aparecer em pacientes normolipêmicos por alterações cutâneas locais. Além dos xantomas, pode-se notar, ao exame, o arco corneano ao redor da íris e a hiperlipemia retinal, pelo exame de fundo de olho (Figura 5.5). 70 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física FIGURA 5.5 Exames laboratoriais: o perfil lipídico é o conjunto de exames mais comum na determinação de dislipidemias e deve ser pedido em todos os pacientes, mesmo quando eles apresentam, no momento da consulta, exames anteriores. As determinações de colesterol total e das frações de lipoproteínas, juntamente com os triglicerídios séricos, devem ser repetidos por duas a três semanas após a primeira medição, para a confirmação da dislipidemia. Diagnóstico de dislipidemias: após a obtenção de um perfil lipídico confiável, os valores devem ser comparados àqueles de referência aceitos internacionalmente para crianças e adolescentes e adultos. Estes valores são vistos na Tabela 5.1. Os valores de Lp(a) são considerados indicadores de risco quando são maiores que 30mg/dl. Os níveis de triglicérides devem ser analisados em conjunto com do de LDL -c e HDL-c . Xantoma Xantoma tuberoso Xantoma tuberoso Xantoma tendíneo Xantelasma Xantelasma Dislipidemias e Aterosclerose 71TABELA 5.1 Valores de referência de perfil lipídico em adultos Parâmetros (em mg/dl) Ótimo Desejável Limítrofe Aumentado Muito aumentado Baixo LDL-c <100 100-129 130-159 160-189 >190 HDL-c >60 <40 Colesterol total <200 200 290 >240 Triglicerideos <150 150 199 200-499 >500 5.1.3 Tratamento A principal consequência da hipercolesterolemia é a aterosclerose, que leva à doença cardiovascular isquêmica, mais precisamente ao infarto agudo do miocárdio. Assim, a redução dos lípides plasmáticos visa reduzir a morbimortalidade das doenças isquêmicas consequentes a este distúrbio. As hipertrigliceridemias são associadas, principalmente, a episódios de pancreatite, sendo sua relação como causa independente de doença cardiovascular ainda controversa. Independente destes fatores, a hipertrigliceridemia ocorre, na maioria das vezes, associada a outro fator de risco importante, como redução de HDL-c, diabetes mellitus e hipertensão arterial. O Programa Nacional de Educação do Colesterol (NCEP, 2001) propõe estratégias diferentes para a prevenção primária (naqueles sem doença cardiovascular estabelecida) e prevenção secundária (paciente com doença cardiovascular estabelecida ou equivalente de risco). Assim, o terceiro painel para o tratamento de hipercolesterolemia em adultos (Adult Treatment Panel - ATP III), divulgado em maio de 2001, sugere guias para identificar o risco de cada indivíduo e delinear o tratamento básico e meta do LDL plasmático. Os principais fatores de risco são: 1) tabagismo; 2) hipertensão arterial (pressão arterial >140/90 mmHg ou uso de antihipertensivos); 3) história familiar de doença cardiovascular prematura (infarto do miocárdio ou morte súbita) antes de 55 anos e 65 anos para parentes de 1º grau do sexo masculino e feminino, respectivamente; Jacque Texto digitado Correção: pressão sistólica >130 diastólica >85mmHg Jacque Riscado 72 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física 4) HDLc menor que 40mg/dl; 5) idade superior ou igual a 45 anos para homens ou 55 anos para mulheres. Pacientes com dois ou mais fatores de risco devem ser considerados de alto risco, enquanto aqueles com um ou nenhum fator são considerados de baixo risco. Esses fatores de risco vão direcionar o tratamento para as metas de LDLc plasmático. Por exemplo: pacientes com um ou nenhum fator de risco terá nível desejável LDLc abaixo de 160 mg/dl, enquanto para aqueles com dois ou mais fatores, a meta de LDLc será redução para 130 mg/dl ou menos. Em pacientes com DC estabelecida ou equivalente (prevenção secundária), o objetivo é manter LDL-c<100 mg/dl. Equivalentes de risco são patologias nas quais o risco de evento coronariano é igual àquele de DC estabelecida, ou seja: 20% ou mais em 10 anos (quer dizer que mais de 20 em 100 indivíduos com estas características desenvolverão ou terão recorrência de evento coronariano). Os equivalentes de risco de DC são: 1- outras formas clínicas de doença aterosclerótica (doença arterial periférica, aneurisma aórtico abdominal, doença assintomática da carótida) e 2 - diabetes mellitus (DM). O DM é considerado equivalente de risco de acidente coronariano porque normalmente ocorrem inúmeros fatores de risco associados a esta doença (isto é, hipertensão arterial, hipertrigliceridemia, baixos níveis de HDLc, obesidade etc.). Além disso, o risco imediato de morte ou a longo prazo é semelhante ao de reincidência em paciente com doença coronariana estabelecida. Assim, pacientes diabéticos merecem prevenção secundária idêntica aos pacientes com doença estabelecida. Existem outros fatores de risco não incluídos entre os principais citados acima. São os chamados fatores de risco ligados aos hábitos de vida e os fatores de risco os emergentes. Podemos citar como risco ligados aos hábitos de vida a obesidade, o sedentarismo e a dieta aterogênica (rica em gordura saturada, colesterol etc.). Como fatores emergentes temos: Lp(a), homocisteinemia, fatores pró-trombóticos e pró-inflamatórios, tolerância alterada à glicose e evidências subclínicas de aterosclerose. Outros fatores que devem ser pesquisados são as causas secundárias de altos níveis de LDLc. Qualquer pessoa com LDLc Jacque Texto digitado (ou triglicerídeos >150mg/dL) Dislipidemias e Aterosclerose 73 elevado ou outra forma de hiperlipemia deve se submeter a investigações clínicas e laboratoriais para avaliar a presença de dislipidemia secundárias. As principais causas incluem: diabetes; hipotireoidismo; doença hepática obstrutiva; insuficiência renal crônica; drogas que aumentam LDLc ou diminuem HDLc, como progestinas, esteroides anabólicos, corticosteroides etc. Como conduta básica na prevenção primária, deve-se obter o perfil lipídico (colesterol total, LDL-c, HDL-c e triglicérides) de todo adulto acima de 20 anos, a cada 5 anos. Caso não seja possível, dosar apenas colesterol total e HDLc. As frações de lipoproteínas, por sua vez, deverão ser medidas em todas as situações em que o colesterol total for maior que 200 mg/dl ou HDLc menor que 40 mg/dl. As principais medidas para reduzir o colesterol LDL são a redução do peso, da ingestão de colesterol e, principalmente, de gordura saturada. Em adição, a perda de peso melhora outros fatores de risco, como o diabetes e a hipertensão arterial, além de aumentar o HDL-c. A redução do sal também reduz a hipertensão em alguns pacientes. A ingestão de quantidades suplementares de antioxidantes e de frutas e vegetais pode também reduzir o risco, embora não exista consenso neste ponto. A atividade física, além de aumentar o HDL-c, melhora a circulação cardíaca, reduzindo o risco de isquemia. 5.1.3.1 Terapia dietética Gorduras saturadas e colesterol dietéticos influenciam diferentemente os níveis de colesterol no sangue. Em relação ao colesterol, existem dois tipos de indivíduos: os hiporresponsivos, que não aumentam significativamente o colesterol plasmático com maior ingestão de colesterol (a absorção intestinal é limitada), e os hiper-responsivos, os quais apresentam alterações acentuadas no colesterol quando a ingestão deste é aumentada. A influência das gorduras saturadas, no entanto, é bem maior. O excesso delas no fígado (advinda do excesso da ingestão calórica alimentar) é o principal desencadeador da liberação de VLDL no plasma, que resulta em aumento de LDL. Embora em menor intensidade, gorduras saturadas também aumentam HDL circulante. Assim, quando 74 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física as gorduras saturadas são substituídas por carboidratos, ocorre redução não só de LDL como também de HDL. As poli-insaturadas e monoinsaturadas também exercem efeitos distintos na colesterolemia. Quando as gorduras saturadas da dieta são substituídas pelas poli-insaturadas (presentes em óleos vegetais e peixes), há queda tanto de LDL como de HDL. Ácidos graxos -3, presentes em óleos de peixes de água fria (como o salmão), são poli- insaturados e apresentam vantagens adicionais em relação aos poli- insaturados da família -6 (óleos vegetais, como soja). Especificamente, o ácido eicosapentaenóico (EPA, -3) e o docosa- -3) têm ação antiagregante plaquetária e anti-inflamatória, reduzindo a tendência à inflamação e à formação de trombos, ambos importantes na gênese da aterosclerose, isso porque as enzimas ciclo-oxigenase e lipooxigenase utilizam como substrato tanto o ácido araquidônico ( -6) quanto o EPA ( -3). Porém, os produtos resultantessão prostaglandinas -6 são responsáveis por aumentar a agregação plaquetária e a inflamação, -3 apresentam menor efeito na coagulação ou têm ação anti- -3 reduzem os níveis de triglicerídeos plasmáticos em até 84%, estes últimos associado ao risco para aterosclerose e pancreatite. Os ácidos graxos monoinsaturados da famí -9 (como o ácido oleico, presente no azeite de oliva) exercem o melhor efeito entre os ácidos graxos: reduzem a fração LDL e aumentam a fração HDL. Por essa razão, recomenda-se que cerca de 20% das calorias da dieta venham de gorduras mono-insaturadas. Ácidos graxos trans (como a gordura vegetal hidrogenada), produzidos pela hidrogenação de óleos sob pressão, causam o pior perfil lipídico dentre todas as gorduras ingeridas, por aumentarem a fração LDL e diminuírem a fração HDL. Por esse motivo, tais gorduras devem ser excluídas da dieta. Ácidos graxos de cadeia média (presentes na gordura de coco e dendê), embora saturados, têm efeitos controversos sobre os lipídeos plasmáticos. Alguns estudos mostram que aumentam a fração LDL, enquanto outros indicam serem neutros, pois, após absorção, são levados diretamente ao fígado, não provocando aumento de triglicerídeos nos quilomícrons. Além disso, tais ácidos graxos não induzem liberação de VLDL pelo fígado. Assim, são úteis nos casos de hiperquilomicronemia e nas fístulas que atingem o ducto torácico. Dislipidemias e Aterosclerose 75 PAPEL DOS CARBOIDRATOS E OUTROS FATORES Aumento na ingestão de carboidratos à custa de redução na de gorduras reduz os níveis HDL; excesso de carboidratos simples está implicado no aumento de triglicerídeos plasmáticos. Por outro lado, ingestão de carboidratos complexos e integrais traz a vantagem de aumentar o aporte de fibras e seus benefícios no controle da colesterolemia. Porém, a medida mais importante é manter a ingestão calórica total adequada para o peso e a atividade do indivíduo, já que todo excesso de energia, independentemente da fonte, é convertido no fígado em ácidos graxos saturados. Além das medidas já comentadas, recomenda-se aumentar o teor de fibras alimentares solúveis. Algumas fibras, como psilium, gomas, pectinas e mucilagens, reduzem o colesterol total e em LDL. A quantidade necessária para tal efeito depende do tipo de fibra, variando entre 6 a 40 g/dia para pectina, 25 a 100g/dia para farelo de aveia ou 10 a 30 g/dia para psilium. Com isso, pode haver redução da LDL circulante em cerca de 10%. Fibras insolúveis, como a celulose e lignina, não têm nenhum efeito sobre o colesterol sanguíneo. Esteroides vegetais são benéficos no tratamento de dislipidemias, já que reduzem a colesterolemia em cerca de 15%. Como a concentração de esteroides vegetais preconizada para o tratamento (2-3 g/dia) é cerca de 10 a 20 vezes maior do que a do colesterol na luz intestinal (200mg/dia), ocorre descolamento do colesterol das micelas mistas em favor dos esteroides vegetais, reduzindo a disponibilidade do colesterol para absorção e aumentando sua excreção fecal. A absorção dos esteroides vegetais, por sua vez, é modesta (cerca de 2% da quantidade ingerida), sendo a maioria excretada juntamente com o colesterol. Além disso, os esteroides absorvidos são excretados na bile, não causando alterações nas lipoproteínas. Os antioxidantes dietéticos, entre eles os flavonoides, podem potencialmente auxiliar na prevenção da aterosclerose por inibirem a oxidação de LDL, diminuindo sua aterogenicidade. Os flavonoides são polifenóis encontrados em alimentos, principalmente em verduras, frutas e grãos, além de algumas bebidas, como vinho, suco de uva e chá. Outros antioxidantes alime -caroteno. Embora potencialmente benéficos, até o momento não há evidências suficientes de que suplementos dessas vitaminas antioxidantes previnam ou retardem a evolução da aterosclerose, não sendo recomendados para esse fim. 76 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física Bebidas alcoólicas podem afetar os triglicerídeos e HDL plasmáticos, dependendo os efeitos da dose ingerida. Doses moderadas (1-2 doses/dia) são capazes de aumentar o colesterol em HDL, além de, no caso do vinho tinto, fornecer quantidades adicionais de antioxidantes potencialmente benéficos contra a aterosclerose. Entretanto, doses maiores de álcool elevam os triglicerídeos plasmáticos e podem causar pancreatite. Por causa disso e devido ao grande risco de alcoolismo, a indicação da ingestão de álcool deve ser vista com muita cautela. Atividade física regular constitui medida auxiliar para o controle das dislipidemias e tratamento da doença arterial coronariana. Embora não reduza a LDL, a prática de exercícios físicos aeróbicos diminui os níveis circulantes de triglicerídeos e aumenta os de HDL. Além disso, atividade física melhora a circulação sanguínea, reduz a pressão arterial e ajuda a controlar o peso. As recomendações dietéticas para o tratamento de dislipidemias estão mostradas na Tabela 5.2. Jacque Texto digitado 25g mulheres e 38g homens Dislipidemias e Aterosclerose 77 5.1.3.2 Normas para o tratamento dietético Reduzir o colesterol dietético: como o colesterol é encontrado apenas em produtos animais, deve se reduzir a ingestão de gorduras animais. A maioria do colesterol dietético é encontrado em gema de ovos, carnes e produtos derivados de leite integral. 1) Para reduzir a ingestão ao nível de 300 mg/dia, deve-se eliminar alimentos com alto teor de colesterol (gemas de ovos, miúdos em geral, manteiga, bacon etc.) substituindo manteiga por halvarina e laticínios integrais por desnatados. 2) Para uma maior redução (200 mg/dia), deve-se ingerir, no máximo, 250 g de peixe, aves ou vitela por dia. Carne bovina e suína devem ser limitadas a 100g, três vezes por semana. Queijos amarelos são ricos em colesterol e devem ser evitados. Produtos industrializados ou feitos em casa, como biscoitos, pães de queijo, bolos e tortas, também devem ser evitados, pois contêm ovos e leite integral. Existem, atualmente, ovos modificados com 25% a menos de colesterol que os ovos normais. Devido ao alto teor de colesterol no ovo (240 mg/gema), apesar dessa redução, esses ovos devem ser excluídos, já que ainda fornecem cerca de 180 mg/colesterol por gema (quase a cota diária). Raras são as indicações mais restritivas, como o consumo de apenas 100 mg/dia de colesterol. Nestes casos, a ingestão de qualquer tipo de carne deve ser reduzida para 3 vezes na semana. Aumentar a taxa de gordura poli-insaturada/saturada (P/S) é também medida importante. Como poli-insaturados são comuns em óleos vegetais, a restrição de produtos animais irá aumentar esta taxa. As margarinas são produzidas por óleos vegetais parcialmente hidrogenados (ou saturados), consequentemente reduzindo P/S em relação ao óleo de origem. Além disso, o processo de hidrogenação cria as gorduras saturadas. Porém, os cremes vegetais ou halvarinas possuem um menor número de gordura trans e saturada, sendo, assim, melhor que a manteiga de leite. Dos óleos vegetais, o de girassol possui a maior P/S, porém, óleos de soja e milho possuem também altas taxas P/S. Óleos de oliva possuem P/S de cerca de 0,6 (por ter alto teor de monoinsaturados), enquanto óleo de coco e dendê têm P/S de 0,2, não sendo estes últimos eficientes na redução do colesterol plasmático. 78 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapiae Nutrição na Atividade Física Aumentar o teor de fibras solúveis alimentares: algumas fibras, como psilium, gomas, pectinas e mucilagens reduzem o colesterol total e LDL-c. A quantidade necessária é dependente do tipo da fibra, sendo o efeito obtido com 6 a 40 g/dia de pectina, 25 a 100g/dia de farelo de aveia ou 10 a 30g/dia de psilium. A redução de LDL-c sérico é, em média, de 14%. Fibras insolúveis, como celulose e lignina, não afetam a colesterolemia. A recomendação dietética padronizada é de 30g de fibras totais/dia, sendo a contribuição de fibra solúveis 1/3 deste valor. Para se consumir esta quantidade, devem-se ingerir cinco ou mais porções de frutas/vegetais por dia e seis ou mais porções de grãos. Aumentar os níveis de esteroides de plantas: esteroides de plantas, como os fitosteróis, são benéficos no tratamento de hipercolesterolemias, já que competem pela absorção de colesterol no tubo digestivo, aumentando sua excreção fecal. Bebidas alcoólicas podem afetar os triglicérides e o HDL-c plasmáticos. Os efeitos dependem da dose ingerida. Doses moderadas (1 taça vinho/dia, por exemplo) são capazes de aumentar o HDL-c, além de, no caso de vinho tinto, fornecer quantidades adicionais de antioxidantes que são benéficos para a aterosclerose. Entretanto, doses maiores de álcool elevam os triglicérides plasmáticos e podem causar pancreatite. Devido a esses fatores e ao grande risco de alcoolismo, a indicação de ingestão de álcool deve ser vista com cautela. Antioxidantes não afetam os níveis séricos de lípides, mas são possivelmente benéficos na prevenção de aterosclerose, já que a oxidação de lipoproteína aumenta a formação de placas em modelos experimentais. Assim, o estresse oxidativo aumenta a velocidade de formação da placa e, consequentemente, leva a episódios de DCV mais precoces. Embora ainda não haja consenso sobre o uso de antioxidantes, em muitos estudos foi mostrado que doses de 200-400 mg de vitamina E e 200 mg de vitamina C poderiam ser benéficas em pacientes com alto risco de DCV. Essa quantidade de vitamina C pode ser facilmente obtida, por exemplo, consumindo-se dois copos de suco de laranja, dois cajus ou uma goiaba por dia. Entretanto, as quantidades de vitamina E são raramente alcançadas na dieta, uma vez que alimentos ricos nesta vitamina lipossolúvel também são ricos em lipídios, aumentando o consumo total deste último. Assim, suplementos de alfa tocoferol podem ser necessários. Dislipidemias e Aterosclerose 79 5.1.4 Tratamento farmacológico Assim como para a terapia de mudança de estilo de vida, o objeto do tratamento com drogas é reduzir o LDLc. O tratamento medicamentoso não exclui o tratamento comportamental. Ao contrário, tratamento com drogas apenas adiciona mais uma forma terapêutica às mudanças em estilo de vida já implantadas. Hoje existem várias drogas para a redução de LDLc, sendo as estatinas (ou inibidores da HMG CoA redutase) as de primeira escolha. Na Tabela 5.3 é mostrado um resumo das principais drogas usadas na dislipidemia. TABELA 5.3 Principais agentes farmacológicos nas dislipidemias * Utilizados em hipertrigliceridemia. EPA= ácido eicosapentaenoico. AGENTE DOSE/DIA EFEITOS COLATERAIS E CONTRA-INDICAÇÕES ESTATINAS Pravastatina Sinvastatina Fluvastatina Atorvastatina Cervistatina 20 40 mg 20 80 mg 20 80 mg 10 80 mg 0,4 0,8 mg - Efeitos transitórios: mialgia, náuseas, constipação, alteração de testes hepáticos. - Contraindicação absoluta: hepatopatia. Relativa: uso de gemfibrozil, ácido nicotínco, eritromicina, ciclosporina, antifúngicos, inibidores do citocromo P- 450. RESINAS DE ÁCIDOS BILIARES Colestiramina 4-16 g - Constipação, flatulência, TG, cefaleia. - absorção de tiazidas, digoxina, warfarin, tiroxina, ciclosporina. - Contraindicação: TG > 400 mg/dl ÁCIDO NICOTÍNICO Ácido nicotínico 1,5 3 g - Efeitos limitantes do uso: pruridos, rubores e calores faciais, hipotensão, tonteira. - Contraindicações: gota, úlcera, arritmia, doença inflamatória intestinal. - Piora a tolerância à glicose. FIBRATOS Bezafibrato Gemfibrozil Fenofibrato Etofibrato Ciprofibrato 400 600 mg 300 900 mg 250 mg 500 mg 100 mg - excreção de colesterol biliar e colelitíase - Intolerância gástrica, perda de libido, prurido, cefaleia, insônia, leucopenia - Miólise (combinados com estatinas) - morte por doenças não coronarianas EZETIMIBE 10 mg - Alteração função hepática quando em associação, náuseas
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