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abolicionismo penal

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Na explanação de Bittencourt (2012, p. 593):
“A abolição da prisão supõe o desenvolvimento de formas alternativas de autogestão da sociedade no campo de controle da delinquência. Tais formas autogestionárias de controle da delinquência exigiriam a colaboração das entidades locais e das associações obreiras, afim de evitar o isolamento social que sofre o infrator quando é recolhido a uma instituição penitenciária.”
 Conforme bem explica Zaffaroni (2014, p. 89):
“O abolicionismo nega a legitimidade do sistema penal tal como atua na realidade social contemporânea e, como princípio geral, nega a legitimação de qualquer outro sistema penal que se possa imaginar no futuro como alternativa a modelos formais e abstratos de solução de conflitos, postulando a abolição radical dos sistemas penais e a solução dos conflitos por instâncias ou mecanismos informais.”
A resposta que Mathiensen levanta é a de um movimento que se coloque como “inacabado”, sempre em constante deslocamento, oferecendo uma ininterrupta oposição ao sistema vigente, assim como uma ininterrupta competição com este, para que possa finalmente, quando oportuno, substituí-lo.
Uma segunda corrente abolicionista, a corrente fenomenológica, ampara-se nos pensamentos de Louk Hulsman. Para este, o sistema penal encontra-se completamente superado teoricamente (a partir das críticas sociológicas, filosóficas, antropológicas, etc), completamente deslegitimado, apontando o autor três motivos para este quadro: o sistema penal causa sofrimento desnecessário, distribuído de modo socialmente injusto; não apresenta nenhum efeito positivo para nenhum dos polos do conflito; é extremamente difícil mantê-lo sob controle.
A partir destas constatações o autor desenvolve sua versão do pensamento abolicionista, propondo medidas simbólicas e práticas para a derrubada do sistema penal vigente. No primeiro sentido (simbólico) a abolição dos termos “crime” e “criminoso”, devido ao seu histórico uso estereotipado (labelling approach). Na esfera prática, propõe Hulsman a atuação de instâncias locais para solucionar as “situações problemáticas”, nome usado como substitutivo para “conflito” e “crime”. Estas atuariam de modo restaurativo, dentro da lógica da composição, utilizando-se de técnicas compensatórias, terapêuticas, educativas, assistenciais, etc.
Uma terceira linha de pensamento que merece ser mencionada é a trazida por Nils Christie. Ao desenvolvê-la, o autor destaca o fato de que a pena de prisão destrói as relações comunitárias, ao isolar o indivíduo num ambiente extremamente verticalizado, castrando a capacidade solidária tanto do infrator frente à comunidade (que passa a ser vista por este como seu algoz, uma vez que o degrada), quanto da sociedade para com este, inclusive no momento em que ele retorna para o convívio social.
Christie vai tecer fortes críticas contra a teoria progressista de Durkheim (a quem ele atribui o grave defeito de acreditar que ver um índio significa tê-los visto todos) e procurar demonstrar que é no desenvolvimento de comunidades locais que se pode encontrar o modelo para construção da solidariedade efetiva, pautando-se nos exemplos dos ensaios comunitários nórdicos.
Cabe ainda destacar o pensamento de Foucault, que embora não tenha focado sua trajetória de pesquisa e produção científica exclusivamente sobre a pena de prisão, e não tenha efetivamente elaborado uma proposta abolicionista, possui em suas reflexões importantes contribuições para a argumentação favorável a eliminação da pena restritiva de liberdade.
Foucault foi bem-sucedido em demonstrar, em sua genealogia da pena de prisão e análise do exercício do poder, a expropriação moderna dos conflitos pelos estados nacionais, eliminando as possibilidades de evolução civilizatória que poderiam fazer com que a humanidade construísse coletivamente melhores formas de lidar com as diferenças e dificuldades do convívio social. Com essas observações, Foucault revela a incapacidade de uma instância superior aos litigantes de definitivamente resolver ou eliminar os conflitos.
Foucault, porém, conforme mencionado, não construiu uma verdadeira estratégia abolicionista. Coube a Baratta a elaboração de uma possível política criminal com vistas a dar azo ao objetivo abolicionista. Em uma de suas principais obras são delineadas quatro indicações parca uma política criminal alternativa, partindo da seguinte conclusão, que se colhe de uma de suas principais obras (2014, p. 203):
“Uma analise realista e radical das funções efetivamente exercidas pelo cárcere, isto é, uma análise do gênero daquela aqui sumariamente traçada, a consciência do fracasso histórico desta instituição para os fins de controle da criminalidade e da reinserção do desviante na sociedade, do influxo não só no processo de marginalização de indivíduos isolados, mas também no esmagamento de setores marginais da classe operária, não pode deixar de levar a uma consequência radical na individualização do objetivo final da estratégia alternativa: este objetivo é a abolição da instituição carcerária.”
Comentando os passos que culminam neste objetivo, o doutrinador italiano aponta para as medidas que podem servir, a partir de seu alargamento, como pontes ligando o estágio atual do direito penal ao objetivo almejado. Estas se concentram nas formas alternativas de sanção, exemplificadas na suspensão condicional da pena, a liberdade condicional, o regime de semiliberdade e outras restrições de direitos utilizadas como método substitutivo à pena de prisão. Segundo Baratta, o uso “corajoso” destas medidas precisa ser amplificado até o ponto máximo em que a derrubada dos muros do cárcere seja o próximo passo lógico.
Elaborada esta breve introdução ao pensamento abolicionista, fica aberta a possibilidade de retomar ao tema para análise dos principais obstáculos a serem enfrentados pelas teorias mencionadas. Adianta-se aqui que a primordial limitação observada nas propostas abolicionistas se volta para o fato de não oferecerem uma solução operacional clara para o percurso entre o agora e o efetivo fechamento do cárcere. Pode-se perceber na proposta trazida por Baratta o ponto mais próximo em que algo deste gênero se manifesta.
Ainda assim, muitos aspectos práticos ainda ficam sem uma resposta satisfatória, o que faz com que o projeto abolicionista continue servindo apenas de norte para propostas menos “ousadas”, como a de um direito penal mínimo, considerada por muitos doutrinadores como mais apropriada atualmente para países com elevada desigualdade social, como o Brasil.
Paulo R Incott Jr é advogado, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal, pós-graduando em Criminologia e Diretor Executivo do Sala de Aula Criminal.
[1] ZAFFARONI, Eugenio R. Em Busca das Penas Perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 2014. p. 97
Referências:
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2014.
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011
RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. Tradução de Gizlene Neder. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2004
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das Penas Perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991, 2014.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: Parte Geral. 11ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

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