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IV – RELAÇÃO SOLO-PLANTA INTRODUÇÃO Neste capítulo, o solo é considerado como reserva, dreno e fonte de nutrientes para as plantas, à semelhança de um sistema bancário que administra o dinheiro de seus correntistas, guardando-o, protegendo-o, liberando recursos quando solicitados e, de modo muito importante, evitando perdas. O solo como “sistema bancário” dos nutrientes tem cargas negativas e positivas de modo a proceder essa administração, tanto dos cátions como dos ânions, nutrientes ou não. As cargas do solo ao lado da fotossíntese são considerados os dois fenômenos mais importantes para a existência da vida na Terra. Neste capítulo, são tratados os três componentes principais da relação solo-planta: as propriedades fisico-químicas do solo que o caracterizam como um controlador de suprimento e de perdas de nutrientes; os mecanismos de transporte de nutrientes no solo até às raízes e, por último, a cinética de absorção ou aquisição de nutrientes pelas plantas. PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS DO SOLO Fases do Solo Um solo mineral, próximo à superfície, com condições físicas ótimas para o crescimento de plantas, apresenta, aproximadamente, a seguinte composição volumétrica: 50 % de espaço poroso, ocupados por partes iguais de ar e de água, 45–48 % de sólidos minerais e 2 a 3 e, por vezes, 5 % de matéria orgânica (MO). Têm-se, em média, então, 50 % constituídos pela fase sólida, 25 % pela fase líquida e 25 % pela fase gasosa. A fase sólida é constituída de agregados, formados de partículas unitárias, cimentadas entre si por matéria orgânica, óxidos e hidróxidos de Fe e Al, sílica, etc. As partículas individuais são obtidas após a dispersão dos agregados. Limites de tamanho definem as partículas como pertencentes a diferentes frações. Esses limites são estabelecidos pela classificação de Atterberg ou classificação internacional (Figura 1). Figura 1. Limites dos tamanhos das partículas dos solos Sistema Coloidal O solo pode ser considerado como um sistema disperso, uma vez que é constituído de mais de uma fase, estando a fase sólida em estado de acentuada subdivisão. Há, portanto, um sistema coloidal(1) no solo, constituído de partículas diminutas, de tamanho coloidal, minerais ou orgânicas, ou organominerais, como fase dispersa na solução (ou no ar) do solo, como meio de dispersão. Nesse sistema, ocorrem reações químicas, físico-químicas e microbianas da maior importância no estudo dos solos. Nessa fase dispersa, é que se encontram as argilas. Como exemplo, além do solo, pode-se citar a presença de sólido (fase dispersa) em gás (meio de dispersão), constituindo fumaça, poeira; de líquido em gás, constituindo névoa, etc. As partículas do sistema coloidal do solo apresentam as seguintes propriedades: a) Grande Superfície Específica A superfície específica refere-se à área pela unidade de peso do material considerado (solo como um todo, fração argila apenas, matéria orgânica, etc.) e é, usualmente, expressa em m2 g-1. A compreensão do significado prático dessa propriedade torna-se mais fácil ao se tomar um cubo com 1 cm de aresta, pesando 1 g, o qual tem uma superfície igual a 6 cm2 (2) e uma superfície específica igual a 6 cm2 g-1. Se este cubo for, inicialmente, dividido ao meio, paralelamente a duas de suas faces opostas, a superfície total dos dois blocos formados será de 8 cm2, logo, com 2 cm2 a mais do que o cubo inicial, correspondentes às duas novas superfícies expostas pela divisão. Como o peso total dos dois blocos continua o mesmo, a superfície específica total do material foi aumentada para 8 cm2 g-1. Se o cubo for subdividido em 1.000 cubos, cada um com aresta igual a 0,1 cm, a superfície total destes cubos será igual a 60 cm2, correspondente a uma superfície específica igual a 60 cm2 g-1. Se for subdividido em 1.000.000 de cubos, cada um com aresta igual a 0,01 cm, a superfície total será igual a 600 cm2 e a específica igual a 600 cm2 g-1. Dentre os fatores responsáveis por essas variações, encontram-se: Textura. Tipos de minerais de argila. Teor de matéria orgânica. Em virtude do menor tamanho da fração argila do solo, em relação às outras frações, pode-se deduzir que esta fração, de natureza coloidal, maior __________ (1) Nos sistemas coloidais, componentes da fase dispersa (a fase constituída pelas partículas) apresentam, pelo menos, uma de suas dimensões entre 1 μm e 1 nm (1 nm = 10-9 m), e encontram-se em uma segunda fase, o meio de dispersão (água e ar, o meio pelo qual as partículas se distribuem). (2) m2 = 10.000 cm2. proporção com o valor da superfície específica do solo. Quanto ao tipo de mineral de argila, sabe-se, por exemplo, que a caulinita apresenta superfície específica de 10 a 30 m2 g-1, os óxidos de Fe de 100 a 400 m2 g-1, e a montmorilonita, no outro extremo, de 700 a 800 m2 g-1, segundo citações de Grohmann (1975). É de se esperar, portanto, que solos tropicais, que têm nos óxidos e na caulinita os maiores constituintes da fração argila, tenham menor superfície específica, em geral, que solos de regiões temperadas, onde há predominância de montmorilonita e de outras argilas silicatadas mais ativas. O efeito da matéria orgânica sobre a superfície específica do solo pode ser constatado no trabalho de Grohmann (1975), ao verificar que a superfície específica de uma amostra de um horizonte Ap de um Latossolo Vermelho, inicialmente com 90,3 m2 g-1 caiu para 61,2 m2 g-1 após a eliminação da matéria orgânica por oxidação com peróxido de hidrogênio (H2O2). b) Cargas Elétricas As partículas coloidais do solo, as argilas de modo geral, são eletronegativas. Embora possam, também, conter cargas positivas, estas são, normalmente, em menor número que as negativas. Em alguns solos, com um grau de desenvolvimento (intemperismo do solo?) bastante adiantado, pode-se encontrar maior número de cargas positivas do que negativas; entretanto, tal situação não é muito comum. Essas cargas elétricas proporcionam a adsorção de íons de cargas opostas, retendo-os no solo. c) Cinética As partículas dispersas em meios líquidos apresentam movimentos. O movimento browniano é caracterizado pelo movimento brusco, irregular e em ziguezague de partículas individuais no meio de dispersão. Esse movimento deve-se à energia cinética das partículas. O movimento de difusão é consequência da migração de partículas de uma região de maior concentração para outra de menor concentração. Há, também, o movimento ocasionado pela força gravitacional, responsável pela sedimentação de partículas. Mineralogia da Fração Argila Argilas Silicatadas As argilas silicatadas são os constituintes mais comuns em solos de regiões temperadas, ainda não sujeitos a um estádio avançado de intemperismo. As argilas silicadas são constituídas de duas unidades estruturais básicas. Uma é o tetraedro de sílica, formado por ligações de um átomo de Si a quatro átomos de oxigênio: A outra unidade é constituída pelo octaedro de alumina, formado por um átomo deAl e seis átomos de oxigênio: Os tetraedros podem ligar-se entre si, formando uma camada contínua, seguindo duas direções no espaço, constituindo a estrutura dos filossilicatos. A ligação dos octaedros entre si também dá origem a uma camada semelhante à anterior. Os cristais das argilas silicatadas são constituídos de camadas alternadas de tetraedros e de octaedros, ligadas entre si por átomos de oxigênio comuns aos átomos de Si (tetraedros) e aos de Al (octaedros). O número de camadas de tetraedros para camadas de octaedros, por unidade componente de um cristal de argila silicatada, é uma característica básica de identificação dos principais grupos de argilassilicatadas. Dentre as argilas silicatadas, destacam-se os principais grupos. a) Caulinita Caracteriza-se por um arranjo com uma camada de tetraedros e uma de octaedros, unidas entre si, rigidamente, pelos átomos de oxigênio comuns às duas camadas, constituindo uma unidade cristalográfica. Unidades assim formadas se unem entre si por ligações de H, constituindo o grupo das caulinitas ou o grupo das argilas do tipo 1:1 (Figura 2). As ligações de hidrogênio entre unidades cristalográficas não permitem a expansão da argila. Figura 2. Representação esquemática das argilas do grupo da caulinita (1:1). b) Ilita O grupo da ilita, ou mica hidratada, apresenta a mesma organização estrutural que a montmorilonita (tipo 2:1), exceto no que diz respeito às ligações entre as unidades cristalográficas. A existência de “deficit” de carga positiva na camada de tetraedro leva a um excesso de cargas negativas que são neutralizadas, geralmente por íons de K, fortemente retidos entre duas unidades. Essas ligações diminuem intensamente a expansão do material quando sujeito à hidratação. A superfície de adsorção catiônica é, consequentemente, menor do que a da montmorilonita. c) Montmorilonita Caracteriza-se por unidades constituídas por um arranjo com duas camadas de tetraedros para uma de octaedros, ligadas rigidamente pelos átomos de oxigênio comuns às lâminas. São também denominadas argilas do tipo 2:1 (Figura 3). As unidades são frouxamente ligadas entre si por moléculas d’água e cátions na solução, o que permite que a distância entre elas seja variável. Como consequência, cátions e moléculas podem-se mover entre essas unidades, o que proporciona tanto uma superfície total (a interna mais a externa) como uma superfície específica bem maiores (Figuras 3 e 4) do que para a caulinita. Com a hidratação deste material, há aumento da distância entre as unidades, o que justifica a classificação desta argila como expansiva. Com a desidratação, ocorre o inverso: aquela distância diminui, havendo uma contração do material. Solos que apresentam conteúdo importante de argilas expansivas apresentam, geralmente, quando secos, superfície trincada, com fendas que contornam diferentes formas geométricas. Com a reidratação, tais fendas desaparecem em virtude da expansão do material. Como toda a sua superfície apresenta cargas negativas, este colóide revela elevada capacidade de adsorção de cátions. d) Outros Grupos de Argilas Silicatadas A presença mais frequente de vermiculita (tipo 2:1), argila silicatada semelhante àmontmorilonita, embora não tão expansiva como esta, em solos de regiões temperadas, diz sobre sua menor resistência ao intemperismo, do que a caulinita, por exemplo, tão frequente em solos de regiões tropicais. Não obstante, a vermiculita é, de modo geral, mais resistente ao intemperismo em relação à montmorilonita. A principal diferença entre estas duas argilas reside nas substituições isomórficas que se verificam na rede cristalina por ocasião da formação das estruturas minerais. A vermiculita apresenta substituição de Si por Al na camada de tetraedros, ao passo que a montmorilonita apresenta substituição de Al por Mg na camada de octaedros. Portanto, a presença de Al, em solos ácidos, é fator de estabilização da vermiculita. Por outro lado, a lixiviação de Mg dos solos tende a desestabilizar a montmorilonita. Daí a presença eventual de vermiculita em solos de regiões tropicais, em detrimento da montmorilonita. Aliás, não é incomum encontrar algumas variedades de vermiculita com precipitados de hidróxi- Al entre as unidades 2:1. Estas são denominadas de VHE (Vermiculitas com hidróxi entrecamadas). Figura 3. Disposição das lâminas de tetraedros e octaedros em duas unidades cristalográficas de uma argila silicatada 2:1. Figura 4. Representação esquemática das argilas do grupo da montmorilonita (tipo 2:1). A clorita difere das demais estudadas por apresentar, além do grupo 2:1 de talco (com unidade cristalográfica similar à da montmorilonita, mas com Mg dominando a camada de octaedros), uma camada adicional de brucita (Mg(OH)2). Por essa razão, essa argila é conhecida pelo tipo 2:2 ou 2:1:1 (duas lâminas de tetraedros, uma de octaedro e uma de brucita). A superfície específica e a capacidade de troca catiônica são semelhantes às da ilita. Argilas Não Silicatadas – Óxidos e Hidróxidos de Fe e de Al Este tipo de material coloidal, predomina, frequentemente, em solos tropicais, misturado com argilas silicatadas, principalmente caulinita. Embora por simplicidade os óxidos hidratados sejam representados por hidróxidos de Fe e de Al, Al(OH)3 e Fe(OH)3, suas estruturas químicas são mais corretamente referidas por fórmulas do tipo Fe2O3.xH2O e Al2O3.xH2O. A gibbsita (Al2O3.3H2O) e a goethita (Fe2O3.H2O) são os óxidos hidratados de Al e de Fe de maior predominância na fração argila. A hematita, quimicamente um óxido de Fe não hidratado (Fe2O3), é outro componente frequente da fração argila, principalmente de solos tropicais. Esses óxidos, de maneira geral, são os principais responsáveis pela adsorção aniônica, e também de alguns cátions, como o Zn, nos solos. O efeito desses óxidos sobre a adsorção de fosfatos em solos tem sido foco de vários estudos. Origem das Cargas Elétricas do Solo Cargas Negativas Como já foi dito, há no solo, em geral, predominância de cargas negativas sobre positivas. Essa predominância é expressiva em solos de regiões temperadas, graças à presença de argilas silicatadas mais ativas, por conseguinte mais eletronegativas. Por outro lado, nos solos mais intemperizados de regiões tropicais, o predomínio de cargas negativas tende a diminuir e, em alguns casos, até mesmo inverter com predomínio de cargas positivas. As cargas eletronegativas do solo podem ter diferentes origens: a) Dissociação de Grupos OH nas Arestas das Argilas Silicatadas O grupo OH nas terminações tetraedrais ou octaedrais, em faces quebradas das unidades cristalográficas das argilas silicadas, pode-se dissociar, gerando uma carga negativa. Verifica-se que com elevação do pH do meio (solo) o equilíbrio é deslocado para a direita em razão da neutralização dos íons H+ liberados na dissociação do grupo -OH. Este tipo de cargas dependentes do pH é o tipo predominante em argilas 1:1, como a caulinita. b) Substituição Isomórfica Durante a gênese de argilas do tipo 2:1, alguns átomos de Si dos tetraedros podem ter sido substituídos por Al, bem como o Al dos octaedros pode ser substituído por Mg ou por outros cátions de valência menor que a do Al3+. A substituição do Si4+, que se encontrava, inicialmente, neutralizando quatro cargas negativas por Al3+, irá condicionar sobra de uma carga negativa. De maneira semelhante, uma carga negativa será gerada pela substituição de um Al3+ de um octaedro por um cátion divalente, como o Mg2+. Deve-se ressaltar que o número de cargas geradas por este processo não é variável com alterações do pH do meio. c) Matéria Orgânica Na matéria orgânica do solo, as cargas negativas originam-se, principalmente, da dissociação de grupos carboxilícos e fenólicos, de acordo com as equações químicas: em que R representa um radical, de modo geral, longas cadeias alifáticas ou eventualmente aromáticas. Verifica-se pelas equações que o equilíbrio é deslocado para a direita, forma dissociada, com a elevação do pH do meio, ou seja, com a neutralização da acidez. Cargas Positivas As cargas eletropositivas do solo têm sua origem nos óxidos e hidróxidos (óxidos hidratados) de Fe e de Al, preferencialmente. Tal situação se dá de maneira mais significativa em condições mais ácidas de solo. Esse esquemamostra que os óxidos hidratados de Fe e Al podem dar origem a cargas eletropositivas, eletronegativas ou permanecer com carga neutra na superfície, dependendo do pH do solo. De modo geral, o ponto em que a carga dos óxidos é nula corresponde a um valor de pH na faixa alcalina. Assim sendo, os óxidos de Fe e Al apresentam cargas positivas em solos ácidos. _______ (3) O PCZ (ponto de carga zero) é o pH em que o solo apresenta carga líquida nula. Seu valor é variável de acordo com a natureza dos materiais trocadores de íons constituintes do solo. Densidade de Carga A densidade de cargas negativas é a quantidade destas cargas por unidade de superfície de um material. Pode ser expressa em molc m-2 em que molc é mol de carga. Adsorção e Troca Iônica As propriedades de adsorção iônica do solo são devidas, quase que totalmente, aos minerais de argila e à matéria orgânica do solo, materiais de elevada superfície específica. Essas partículas coloidais do solo apresentam cargas elétricas negativas e positivas, podendo adsorver ou “reter”, por diferença de carga, tanto cátions como ânions. As cargas negativas são neutralizadas por íons eletropositivos, ou seja, pelos cátions, o que se denomina adsorção catiônica. Na neutralização de cargas positivas pelos ânions tem-se a adsorção aniônica. Os cátions mais envolvidos quantitativamente nesse processo são: Ca2+, Mg2+, Al3+, H+, K+, Na+ e NH4+, sendo o Ca2+, comumente, o mais abundante em alguns solos, enquanto, em outros, é o Al3+. Alguns micronutrientes estão, também, sujeitos ao mesmo processo, embora em quantidades muito pequenas. Os íons adsorvidos às partículas coloidais podem ser deslocados e substituídos, estequiometricamente, por outros íons de mesmo tipo de carga, dando-se uma troca iônica. Como as cargas da fase sólida se manifestam na superfície das partículas coloidais do solo, há estreita relação entre o fenômeno de troca e a área superficial dessas partículas. Essa área é a superfície específica do solo, expressa em m2 g-1. Esquematicamente, o fenômeno de adsorção e troca iônica pode ser representado pela equações: Capacidade de Troca Catiônica Se uma solução salina é colocada em contato com certa quantidade de solo, verificar-se-á a troca entre os cátions contidos na solução e os da fase sólida do solo. Esta reação de troca se dá com rapidez, em proporções estequiométricas e é reversível. Por métodos analíticos, a quantidade de cátion que passou a neutralizar as cargas negativas do solo pode ser determinada. O resultado indica a quantidade de cargas negativas expressadas pela capacidade de troca catiônica do solo (CTC). Na determinação da CTC do solo é importante considerar o pH em que a troca catiônica se verifica. Isto porque, além das cargas negativas de caráter eletrovalente, existem também cargas de caráter covalente. Estas se manifestam, ou não, de acordo com o pH do meio. Assim, parte das cargas negativas do solo (eletrovalente) é permanente, enquanto outra parte (covalente) é dependente do pH. A um dado pH, parte das cargas dependentes estará bloqueada por H: (ligações covalentes). Desta forma, a CTC do solo nesse pH será dada pelas cargas permanentes mais aquelas dependentes de pH, porém livres do hidrogênio covalente, constituindo a CTC efetiva do solo, a esse valor de pH. E, quando se aumenta o pH do sistema, mais íons H+ ligados a cargas dependentes do pH são neutralizados, resultando em consequente aumento da CTC efetiva do solo. Quando se usa uma solução salina não tamponada, como KCl 1 mol L -1 ou CaCl2 0,5 mol L-1, para a determinação da CTC do solo, o valor obtido corresponderá à CTC efetiva. Por outro lado, se a solução salina for tamponada a um definido pH, o valor obtido corresponderá à CTC total do solo naquele pH, englobando a CTC permanente e a CTC dependente do pH. Para determinar a CTC a pH 7,0, usa-se uma solução tamponada de acetato de cálcio 0,5 mol L-1, ou de acetato de amônio 1 mol L-1, pH 7,0. Alguns princípios básicos caracterizam a CTC. a) O fenômeno de troca é reversível. Os cátions adsorvidos podem ser deslocados por outros, e, assim, sucessivamente. b) O fenômeno de troca é uma reação estequiométrica, isto é, obedece à lei dos equivalentes químicos: um molc de um cátion é trocado (substituído) por um molc de outro cátion. c) É um processo rápido. Na determinação da CTC, o tempo de agitação do solo e solução varia de 5 a 15 min. Muitas condições do solo têm influência sobre a CTC, dentre as quais: pH, características dos cátions trocáveis, como valência e raio hidratado, concentração da solução e natureza da fase sólida. O efeito do pH se verifica, principalmente, sobre as cargas dependentes de pH, como já se discutiu. A natureza dos cátions trocáveis afeta a preferencialidade de troca no solo, de acordo com a densidade de carga dos cátions, isto é, Z/r, em que Z é a carga do íon e r é o raio do íon hidratado. Os cátions que têm maior densidade de carga são mais retidos nas cargas negativas do solo. Por isso, os cátions polivalentes são geralmente mais fortemente retidos no solo. A sequência de preferencialidade de troca de cátions para uma mesma concentração foi estabelecida por Hofmeister, sendo conhecida como sequência de Hofmeister (Mengel & Kirkby, 1982), ou série liotrópica (Russel & Russel,1973). Esta sequência é a seguinte: Li+ < Na+ < K+ < Rb+ < Cs+ < Mg2+ < Ca2+ < Sr2+ < Ba2+ A diferença na preferencialidade de troca entre cátions da mesma carga deve-se à diferença entre os raios iônicos hidratados (espessura da camada de hidratação do íon), que faz com que o Cs+ seja mais fortemente retido, em forma eletrostática, que o Li+. O Cs+ apresenta maior massa atômica e menor espessura da sua camada de hidratação em relação ao Li+. A diferença entre mono e bivalentes deve-se à Lei de Coulomb, que diz que a atração entre cargas é diretamente proporcional ao número de cargas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que as separa. O Al3+, sendo trivalente, é mais fortemente retido que os divalentes. O H+, em razão de suas propriedades específicas, com ligações preferenciais covalentes, não se comporta como monovalente, quanto à preferencialidade de troca. A natureza do material trocador influi, principalmente, na densidade de cargas negativas responsáveis pela CTC do solo, que pode ser expressa em cmolc kg-1 (Quadro 1). Em solos de regiões tropicais, como na maior parte do território brasileiro, a matéria orgânica apresenta, geralmente, maior participação no valor da CTC total. Quadro 1. Capacidade de troca catiônica, a pH 7,0, de alguns constituintes do solo Dupla Camada Difusa A dupla camada difusa (DCD), baseada na teoria de Gouy & Chapman, é um modelo de distribuição dos íons na solução, a partir da superfície de um colóide (partícula eletricamente carregada). No caso do solo, os colóides são os componentes da fração argila e da matéria orgânica. Esse modelo é descrito matematicamente pela equação (Mitchell, 1976) simplificada: em que L é a espessura da DCD; K é uma constante que inclui temperatura; Z é a valência do íon; capacitância no vácuo; D é a constante dielétrica e é a concentração do íon. Portanto, observa-se que a espessura da DCD é inversamente proporcional à valência (Z) e à raiz quadrada da concentração do íon ( ), e diretamente proporcional à raiz quadrada da constante dielétrica do meio (D). Os solventes água, álcool etílico, acetona, tetracloreto de carbono e ar, a 25 °C, têm as seguintes constantes dielétricas D = 78,5; 24,3; 20,7; 2,2, e 1 respectivamente. Para provocar a compressão da DCD, podem ser usados solventes em sequência, em ordem decrescentede suas constantes dielétricas. Características da CTC do Solo Dada a importância da CTC no solo, as características relacionadas com esta propriedade são constantemente determinadas e utilizadas em interpretações e em cálculos de necessidades de corretivos e de fertilizantes. Essas características são a própria CTC, também representada por T, para a CTC a pH 7, e por t para CTC efetiva, no pH do solo; a soma de bases (SB); o índice de saturação por bases (V); a acidez trocável (Al3+), a acidez potencial (H + Al) e a saturação por Al (m). Esses valores, à exceção da saturação por Al, são conhecidos como valores de Hissink. Uma ideia da amplitude de variação destas características relacionadas com a CTC do solo, bem como a sua divisão em classes, de acordo com a magnitude das mesmas, é dada no quadro 2. Deve-se salientar que esta classificação é válida para solos de regiões tropicais, como os do Estado de Minas Gerais. a) CTC efetiva (t) e Potencial a pH 7,0 (T) A capacidade de troca catiônica trata da determinação em certo pH tamponado, geralmente a pH 7,0, ou a pH 8,2 (para solos alcalinos e salinos). No Brasil, tem sido mais usado o valor T a pH 7,0 que é calculado somando-se as bases e a acidez potencial [SB + (H + Al)]. Além dessas duas expressões, pode-se ainda citar o valor t ao pH do solo (CTC efetiva), que é calculado somando-se as bases com a acidez trocável (SB + Al3+). Quadro 2. Características e classes de acordo com suas magnitudes, relacionadas com a CTC de solos do Estado de Minas Gerais Os dados do Quadro 3 mostram que, em todos os três solos, a contribuição da CTC pH dependente até pH 7 ou até pH 8 foi bastante significativa, principalmente no primeiro e último solo, considerando o maior conteúdo de matéria orgânica, material que apresenta CTC tipicamente dependente de pH. b) Soma de bases (SB) A soma de bases (SB) é calculada somando-se os teores de Ca2+, Mg2+, K+ e, quando disponíveis, Na+ e NH4+ trocáveis. Nos solos ácidos de regiões tropicais, como os do Estado de Minas Gerais, os cátions trocáveis Na+ e NH4+ geralmente têm magnitude desprezível. Quadro 3. Valores de CTC de três solos (horizonte AI), em três valores diferentes de pH da solução extratora e conteúdo de matéria orgânica dos solos c) Saturação por bases (V) A participação das bases no complexo sortivo do solo, expressa em porcentagem, é conhecida como saturação por bases (V). Para este cálculo, usa-se a CTC a pH 7,0 (valor T). d) Acidez trocável A acidez trocável é representada pelo Al3+ e, com menor participação, por outros cátions de hidrólise ácida, como Mn2+, Fe2+ e Fe3+ mais o H+ que faz parte da CTC efetiva. Como, em geral, a participação do H+ é pequena em relação à acidez trocável (Al3+ predominantemente), este valor é também chamado de Al trocável. Os cátions de caráter ácido, como o Al3+, são considerados como acidez trocável porque, em solução, por hidrólise, geram acidez, de acordo com as seguintes equações simplificadas: e) Acidez potencial A determinação da acidez potencial (a pH 7,0) é feita, usando-se, como extrator, uma solução tamponada de acetato de cálcio 0,5 mol L -1, pH 7,0. Esta acidez inclui H + Al (H+ trocável, H de ligações covalentes que é dissociado com a elevação do pH, predominante, de modo geral, da matéria orgânica, Al3+ trocável e outras formas de Al – aquelas parcialmente hidrolisadas como AlOH2+ e Al(OH)2 +). f) Saturação por alumínio (m) A saturação por Al, representada por m, é calculada pela expressão: Observa-se que m é a porcentagem de Al trocável (Al3+) na CTC efetiva (valor t) do solo. Informações sobre os valores de T, SB e V de um solo podem indicar o tipo de mineral presente na fração argila e possíveis problemas na sua utilização, bem como sobre o procedimento adequado a ser tomado para otimizar sua utilização (Quadro 4). Quadro 4. Valores de pH, Al3+, SB, t, H + Al, T, V e m de amostras três solos O solo A, com valor baixo de T, deve ter sua fração argila constituída de caulinita e óxido de Fe e de Al, argilas pouco ativas, se o teor de argila do solo não for muito baixo (solo arenoso). Outro aspecto provável é a existência de baixo teor de matéria orgânica neste solo. A adição de matéria orgânica a este solo para aumentar, pelo menos temporariamente, seu valor T, poderia ser recomendada. O valor de V é médio, e a percentagem de saturação por Al3+ (m) é baixa, em razão dos baixos valores de Al3+ (Quadro 4). O solo B, muito ácido, tem baixo V; logo, alta participação da acidez potencial (H + Al) no complexo de troca, podendo apresentar alta percentagem de saturação por Al (m). Para uso agrícola, deverá ter o seu pH elevado por meio de calagem, o que irá causar aumento dos valores de SB e V, aumentando, consequentemente, o seu pH e diminuindo o valor de Al3+ e de m. Os valores de T e SB indicam que o material constituinte da fração coloidal é mais ativo, provavelmente com teor de matéria orgânica mais elevado neste solo, embora apresente poucas bases no seu complexo de troca. O solo C apresenta-se em boas condições quanto ao seu complexo de troca e características com ele relacionadas. Capacidade de Troca Aniônica A capacidade de troca aniônica é definida como o poder do solo de reter ânions na fase sólida, numa forma trocável com outros ânions da solução. Entretanto, a manifestação desta propriedade não é tão característica quanto a troca catiônica, isto é, não são atendidas tão perfeitamente as condições de rapidez, reversibilidade e estequiometria. Por esta razão, a troca aniônica é mais frequente e convenientemente denominada adsorção aniônica, sugerindo um processo mais complexo do que a simples troca. Um aspecto particular do comportamento de certos ânions no solo é a adsorção específica. Por este processo os ânions são retidos pela fase sólida, por meio de ligações fortes (covalentes), passando a fazer parte da estrutura da micela, em sua superfície. Este tipo de adsorção é de baixa reversibilidade e é bem conhecido para o P, sendo o principal responsável pela fixação de P no solo, principalmente nos solos ricos em óxidos e hidróxidos de Fe e Al. O ânion que pode deslocar o P da fase sólida do solo com maior eficiência é o silicato (H3SiO4-). Em segundo lugar, vem o sulfato (SO42-). O nitrato e o cloreto não têm, praticamente, poder de substituir o fosfato. Pode-se dizer que a retenção de nitrato e cloreto no solo se dá por adsorção não- específica, que tem caráter reversível. Da mesma forma que a CTC, a capacidade de adsorção de ânions dos solos também pode ser determinada em laboratório. Para tanto utilizam-se, usualmente, curvas de adsorção conhecidas como “isotermas de adsorção”. As cargas positivas do solo, responsáveis pela adsorção aniônica, são, normalmente, dependentes do pH do meio. Diminuindo o pH, aumentam as cargas positivas do solo e a adsorção aniônica aumenta. Fatores Intensidade, Quantidade e Capacidade Tampão As plantas absorvem os nutrientes, na forma de íons, da solução do solo. Por sua vez, na fase sólida é que está a reserva desses íons. Estes são repostos para a solução quando sua concentração é diminuída, decorrente da absorção pelas plantas ou de alguma perda. É importante, portanto, conhecer o teor de nutrientes em solução, a reserva desse teor na fase sólida e o poder de reposição para a solução, pela reserva da fase sólida. Estas três grandezas, inte-relacionadas, determinam a disponibilidade do nutriente e são denominadas: Fator quantidade (Q): é a reserva do íon disponível na fase sólida do solo, trocável como o Ca2+, Mg2+, K+ ou lábil como para P, mas em equilíbrio com sua concentraçãona solução. Fator Intensidade (I): é a concentração, ou, mais precisamente, a atividade do íon na solução do solo. Fator capacidade ou poder tampão: é a relação entre os fatores quantidade e intensidade, dada faixa de concentração (atividade) considerada (ΔQ/ΔI) (Figura 5). Figura 5. Relação entre os fatores quantidade (Q), intensidade (I) e capacidade ou poder tampão (FC) de um nutriente no solo. Observa-se que o solo A tem maior FC ou é mais tamponado que o solo B (ΔQ/ΔI do solo A > ΔQ/ΔI do solo B). Na prática, pode-se dizer que, para a mesma dose de P (Q), por exemplo, aplicada nos dois solos, o aumento da concentração de P em solução (I) será maior no solo B do que no A. Uma possibilidade para justificar isto seria o solo A ser mais argiloso que o solo B, mantendo-se a mesma qualidade de argila (atividade) para ambos os solos. Fator Intensidade a) Solução do Solo Os processos físicos, químicos e biológicos do solo são altamente dependentes de sua fase líquida aquosa. Os nutrientes na solução do solo poderão ter suas concentrações diminuídas pela absorção pelas plantas que podem também exsudar nutrientes minerais e compostos orgânicos para a solução do solo, enriquecendo-a (Figura 6). A lixiviação de K mesmo da planta viva também ocorre, tornando-se um suprimento do nutriente para a solução do solo. A solução do solo pode ter ganhos de nutrientes por meio da aplicação de fertilizantes minerais, orgânicos, fixação livre ou simbiótica do N2 atmosférico, e pelas chuvas (Quadro 6). Os nutrientes na solução do solo estão em equilíbrio com os colóides do solo, minerais e orgânicos, que podem fixá-los (K fixado em argilas silicatadas 2:1; P fixado em formas não-lábeis, etc.) ou formar complexos estáveis com a matéria orgânica do solo (Cu é um exemplo clássico). Os nutrientes em concentrações elevadas, que ultrapassam o produto de solubilização, podem ser precipitados, a partir de suas formas iônicas da solução do solo. Há perdas dos nutrientes da solução do solo por meio da erosão, lixiviação e perdas gasosas pela desnitrificação, volatilização de NH3, de CO2 da respiração de C orgânico dissolvido na solução do solo, CH4, H2S, estes dois gases em solos submetidos a baixo potencial redox (inundados por longos períodos de tempo, por exemplo). De modo geral, as rochas e minerais submetidos a intemperismo são uma fonte de nutrientes constante para a solução do solo, podendo atuar como dreno, fixando-os na síntese de novos minerais. Os resíduos orgânicos e a microbiota podem pela mineralização enriquecer a solução do solo ou empobrecê-la pela imobilização de elementos pelos microrganismos. Figura 6. Interfaces da solução do solo (fase líquida) com as fases mineral e orgânica, com a planta, e ganhos e perdas de seus componentes pelos mecanismos mais importantes envolvidos. Fator Quantidade O fator quantidade é uma medida do elemento trocável do solo como Ca2+, Mg2+, K+, Al3+, das análises de rotina de fertilidade, independentemente do extrator utilizado no país: Mehlich-1 ou Resina de Troca Catiônica ou, com mais frequência, Resina mista (aniônica mais catiônica). Também para elementos, como P e Zn adsorvidos ao solo preferencialmente por covalência, com troca de ligantes, a Resina de Troca Iônica (RTI) pode ser considerada o método de determinação do fator quantidade denominado, para estes casos, formas lábeis desses elementos, formas do íon adsorvido à fase sólida do solo, mas em equilíbrio com sua forma na solução do solo. O P fixado da forma não-lábil (“não-trocável”), por não se encontrar em equilíbrio como P em solução, não pode ser considerado uma forma de fator quantidade de P, e, portanto, não-disponível às plantas a curto prazo. A utilização de RTI ou mista, como um método de determinação de Q para elementos como o P, tem ressalvas, uma vez que com apenas uma extração, como se faz na análise de rotina do “disponível”, extrai-se apenas parte do lábil, em torno de 50 % (valor variável entre solos) do total extraído pela somatória de extrações sucessivas. Para extratores químicos como o Mehlich-1, o P extraído do solo é considerado uma medida de Q; erros podem ser grosseiros, uma vez que formas não-lábeis de P no solo podem também ser extraídas, de modo particular naqueles solos ricos em P ligado a Ca (P-Ca), para os quais este extrator não é recomendado. Capacidade ou Poder Tampão de Nutrientes no Solo Quando se falou sobre cargas do solo no início deste capítulo, criou-se a figura do sistema bancário como análogo a esta característica do solo. Dada a íntima relação entre cargas do solo e a capacidade ou poder tampão, como será visto nos capítulos de acidez do solo e de P, pode-se adicionar mais um componente ao “sistema bancário”: o cliente ou o usuário do banco. Esse sistema pode ser representado da seguinte maneira: Este esquema é semelhante ao do solo para um nutriente qualquer, como o Ca2+ no exemplo: Portanto, no sistema bancário, o cliente A (avarento) pode manter o seu dinheiro quase todo ou todo na poupança, enquanto o cliente B (gastador) coloca pouco dinheiro na poupança, mantendo a maior parte em espécie no bolso, para ser gasto. Há um equilíbrio entre poupança e dinheiro em espécie, para cada cliente, em que a falta de dinheiro em espécie faz com que o cliente o recomponha recorrendo à poupança e vice-versa: entrada de dinheiro em espécie faz com que parte dele migre para a poupança. Há um equilíbrio entre os dois compartimentos (poupança e dinheiro em espécie). Assim, a relação P/E do Esq. 1 pode ser considerada uma medida de “miserabilidade” de um cliente do banco: quanto maior P/E mais miserável (avarento) e o contrário, menor P/E, numa comparação entre clientes, mais gastador. Voltando ao solo (Esq.2), há o Ca2+ retido no complexo de troca adsorvido às cargas negativas (fator quantidade - Q) em equilíbrio com o Ca2+ em solução (fator intensidade – I). O equilíbrio define a relação Q/I que é uma medida do fator capacidade (FC) ou poder tampão (PT) de Ca2+ em determinado solo. No solo A, o Ca2+ pode-se encontrar quase todo no complexo de troca, enquanto, no solo B, o Ca2+, pode-se encontrar quase todo na solução do solo. Para o solo A a relação ΔQ/ΔI é muito alta, o que indica um solo com elevado FC ou PT, caracterizado por ter muitas cargas negativas (CTC efetiva alta), o que é próprio dos solos mais argilosos (particularmente aqueles com argilas mais ativas, como as silicatadas do tipo 2:1 e, ou, com maiores teores de matéria orgânica). Adicionando uma planta ao Esq. 2: FERTILIDADE DO SOLO Observe que há dois drenos (solo e planta) para a mesma fonte, o Ca2+ na solução dosolo (I). No exemplo do sistema bancário, o cliente poderia ter a opção de colocar o dinheiro na poupança ou emprestá-lo a um amigo. Certamente, o amigo teria menos sucesso em obter o empréstimo com o cliente A (avarento) do que com o cliente B (perdulário). No solo, a planta vai encontrar menos Ca2+ na solução de um solo com maior FC (o argiloso, por exemplo) que no solo com menor FC (solo arenoso) para os mesmos valores de Q + I em ambos os solos. Para o caso do Ca2+, a planta não será desfavorecida em relação ao solo porque todo o Ca2+ do complexo de troca irá recompor o Ca2+ da solução, à medida que este for absorvido pela planta. Esta concorrência entre solo e planta pelo Ca2+ não se verifica, uma vez que a ligação do Ca2+ com as cargas negativas dos solos se dá por ligação iônica ou eletrovalência, com muito baixa energia de adsorção. O mesmo modelo ocorre para o Na+, K+, Mg2+ e para ânions, como o Cl- e o NO3–. Por outro lado, a competição entre solo e planta por nutriente, com predomínio do solo sobrea planta, ocorre para nutrientes aniônicos como o fosfato (H2PO4– e HPO42-) e, em menor grau, para o sulfato (SO42-) e para cátions como os micronutrientes metálicos de modo geral; como bons exemplos: Zn e Cu. Todos esses nutrientes são adsorvidos ao solo por ligação covalente, com troca de ligantes ou adsorção de esfera interna. Nesse caso, as elevadas quantidades do elemento adsorvido e a elevada energia de adsorção desses elementos com os colóides do solo fazem com que a reversibilidade do processo (dessorção) seja restrita, limitada, e, com freqüência, não atendendo à demanda da planta mesmo em solos com elevados valores de Q. Essa condição caracteriza valores de Q/I, FC ou PT, tão elevados que o dreno planta é colocado em prioridade inferior ao dreno solo. Pode-se adiantar que suprir NO3–, K+, Mg2+ e Ca2+ via solo (fertilizantes ou corretivos) a uma planta é uma tarefa simples porque o solo não compete com a planta pelo nutriente adicionado, embora possa perdê-lo por lixiviação; o mesmo não pode ser dito para aqueles nutrientes como P, Zn, dentre outros, com os quais se pode estar fertilizando mais o solo que a planta. Para estes nutrientes com elevados valores de FC ou PT, em comparação àqueles fracamente adsorvidos, como as bases em geral (Ca2+, Mg2+ e K+), com baixos valores de FC ou PT, as doses de fertilizantes são dependentes desta propriedade do solo – os mais argilosos deverão receber doses maiores para que a planta tenha algum excedente para si. Para contornar ou minimizar o problema, esses nutrientes são aplicados mais localizadamente, de modo a diminuir o contato com o solo (o dreno indesejável pelo seu poder excessivo), e suas fontes idealmente utilizadas na forma granulada. No caso do primeiro grupo, como nos de K+ e NO3–, as perdas poderão ocorrer por lixiviação, devendo-se, com frequência, parcelar o nutriente durante o ciclo da cultura para compensar as perdas; no caso do P e Zn, como exemplos, embora presentes no solo (praticamente não são lixiviados), eles são, em grande parte, fixados tornando-se menos acessíveis às plantas. Uma medida de FC ou PT de solo é necessária à interpretação de resultados de análise de rotina de fertilidade de solo, de modo particular para o teor de P disponível do solo pelo extrator Mehlich-1 e para a recomendação de calagem pelo método do Al3+ e Ca2+ + Mg2+ do solo (Alvarez V. et al., 1999 ; Alvarez V. & Ribeiro, 1999). Como resultados do teor de argila do solo não são, frequentemente, disponíveis para esses fins, desenvolveu-se o método do P- remanescente, sensível ao teor e à qualidade da argila do solo, como uma medida do FC ou PT do solo (Alvarez V. et al., 2000). Esta análise não é incluída na rotina de laboratórios que utilizam a Resina na determinação de P diponível, resultado não-variável (na verdade, pouco variável) com o FC ou PT dos solos, como também não o é a determinação da necessidade de calagem pelo método da saturação por bases. O método do P-remanescente envolve a agitação de uma solução de 60 mg L-1 de P, em uma solução de CaCl2 0,01 mol L-1 com a amostra de solo, numa relação de 1:10 de solo-solução (v/v) por 1 h. No sobrenadante, determina-se o P da solução de equilíbrio. A concentração de P dosada (P- remanescente) é a diferença entre o adicionado (60 mg L-1) e o adsorvido pelo solo. Com o aumento do FC ou PT da amostra do solo, o P que vai permanecer (remanescer) em solução é dosado; quanto maior o seu valor (mais próximo de 60 mg L-1), menor o FC ou PT (solo mais arenoso, por exemplo) e, quanto menor esse valor, tendendo para zero, mais tamponado é o solo (mais argiloso, por exemplo). O relacionamento dos valores de P-remanescente de diferentes amostras de solos e medidas da FC ou PT destes solos, como teor de argila (Figura 7). Figura 7. Valor de fósforo remanescente (P-rem), de acordo com o teor de argila em diferentes amostras de solo. TRANSPORTE DE NUTRIENTES NO SOLO Introdução A comparação entre o comportamento de uma planta durante uma estação seca e aquele observado durante uma chuvosa permite verificar alterações bem distintas nesta planta. Os sintomas de deficiência nutricional que podem ser intensos em condições de baixa disponibilidade de água no solo diminuem em intensidade ou desaparecem durante os períodos chuvosos. À medida que a raiz cresce num solo, ela absorve os nutrientes que, inicialmente, se encontram no trajeto de seu crescimento. Com o tempo, há um decréscimo da concentração desses elementos junto à superfície das raízes, à medida que eles são absorvidos, criando-se um gradiente de concentração entre esta região e aquela mais distante da raiz. Para que novo suprimento chegue à superfície de absorção, torna-se necessário seu transporte até esse ponto, transporte que tem como veículo a água. Pode-se entender, consequentemente, que os elementos a serem transportados e absorvidos deverão estar na solução do solo, em suas formas iônicas, para que o veículo possa atuar. Um exemplo prático da importância desse transporte na nutrição de planta é o Al que, em solos ácidos, pode ser encontrado em solução e ser transportado, absorvido e trazer problemas de toxidez para uma planta, e, quando precipitado pela calagem, já não entra mais em solução, não sendo, portanto, transportado e não sendo, consequentemente, absorvido por essa planta. Fluxo de Massa, Fluxo Difusivo (Difusão) e Interceptação de Raízes Dependendo do nutriente e de suas interações com o solo, dois mecanismos distintos são responsáveis pelo seu transporte no solo: • Fluxo de Massa e • Difusão Além destes dois mecanismos de transporte, há um terceiro pelo qual a planta tem acesso ao nutriente. À medida que cresce no solo, a raiz encontra, ao longo da trajetória, nutrientes que podem ser, então, absorvidos. Este processo, denominado Interceptação Radicular, ele também, indiretamente, facilita aqueles dois mecanismos de transporte, principalmente a difusão, por diminuir as distâncias entre os elementos e a raiz, de maneira mais intensa na sua região apical de crescimento. A quantidade de nutriente interceptado é aquela encontrada em um volume de solo igual ao volume de raiz. Assim, a contribuição desse processo na quantidade total de nutrientes absorvidos pela planta é variável com o elemento e suas interações (ligações) com o solo e, evidentemente, com a quantidade de raízes por unidade de volume de solo, ou densidade de raízes. Embora o volume interceptado varie de 0,1 a 2 % da camada superficial do solo (de 0 a 15 cm), a quantidade interceptada de Ca, por exemplo, pode satisfazer aquela requerida por uma cultura, dada a grande concentração deste elemento no volume de solo (solução) interceptado. De modo geral, considera-se pequena a contribuição da interceptação de raízes comparada aos mecanismos de transporte, fluxo de massa e difusão (Quadro 5). Elementos que se encontram em maiores concentrações na solução do solo, como Ca, N e mesmo o S, por serem retidos com menor energia na fase sólida do solo que outros elementos, como o Zn e o P, são transportados preferencialmente pelo fluxo de massa (Quadro 5). O fluxo de massa (FM) é consequência da existência de um potencial de água no solo maior do que aquele junto à raiz. Esta diferença de potencial que causa um movimento de massa da água em direção à raiz, arrastando nela os íons que se encontram em solução, é causada pela transpiração da planta. Assim, o fluxo de massa segue o fluxo transpiracional da planta. Pode-se imaginar que condições que causem o fechamento de estômatos, como falta d’água, deverão causar menor absorção de Ca e de N entre outros de maior mobilidade no solo. Tecidos que apresentem baixa transpiração, como os meristemas das plantas e os frutos,como no caso do tomate, ficam em desvantagem, pelo Ca absorvido, com relação às folhas já desenvolvidas. Para elementos como o P que se encontra em concentrações extremamente baixas na solução do solo, algo em torno de 0,05 mg L-1 ou menor ainda em solos mais desenvolvidos, como os de cerrado, a contribuição do fluxo de massa é muito pequena, algo em torno de 1 % do P absorvido. Para aqueles elementos, como o P e o Zn, que se encontram fortemente adsorvidos ao solo e, portanto, com baixo teor na solução, a difusão torna-se o mecanismo de transporte responsável pela quase totalidade absorvida destes elementos. Quadro 5. Teores médios de fósforo, potássio e cálcio na solução de amostras de doze solos do Rio Grande do Sul e contribuição relativa da interceptação de raízes, fluxo de massa e difusão no suprimento destes nutrientes para plantas de milho, em casa de vegetação (1) Este valor indica que, potencialmente, apenas o fluxo de massa seria capaz de suprir, em mais de três vezes, aquantidade de cálcio absorvida pela planta. Todos aqueles que têm um fogão a gás em casa já devem ter sentido o odor do gás proveniente de vazamento. A intensidade desse odor vai depender do tamanho do vazamento, ou seja, da quantidade de gás liberada; vai depender também da distância em que se está do fogão, do labirinto, maior ou menor, entre o fogão e o local em que se encontra uma pessoa e de possíveis obstáculos entre esses dois pontos, como portas parcial ou totalmente fechadas. Quanto maior o vazamento, mais rápida a percepção do gás; semelhantemente, se mais próximo do fogão, como na cozinha, percebe-se o odor mais rapidamente; se mais distante, como na sala, demora-se mais. Se o labirinto ou tortuosidade entre o fogão e o local em que se encontra uma pessoa for maior, o gás vai demorar mais para chegar até ela. Se houver alguma porta fechada, que possa criar algum obstáculo ou impedimento à passagem do gás, demora-se mais ainda para percebê-lo, ou, até mesmo, pode-se não o perceber. Nesse exemplo do gás, verifica-se que se estabelece um gradiente de concentração entre o local de alta concentração, junto ao lugar de vazamento, e locais em que a concentração do gás tende a decrescer até os locais mais distantes, onde ele ainda não está presente. Quanto maior esse gradiente, quanto menores a tortuosidade de sua trajetória e o grau de impedimento dessa trajetória, mais rapidamente o gás será difundido até à pessoa. Não haveria transporte do gás sem o meio de dispersão, ar e água (no caso de um soluto), respectivamente. Observa-se que há difusão, sem que haja necessidade de vento que, neste caso, caracterizaria o fluxo de massa, como o de uma janela aberta, por exemplo, para o gás. Esse movimento, ou turbulência, do meio de transporte, do “veículo”, ar e água, arrastando consigo o disperso, foi o que se caracterizou anteriormente como fluxo de massa. Portanto, mesmo que a planta não esteja transpirando, haverá difusão de íons até às raízes, onde poderão ser absorvidos. Quando se sai da sala e se vai em direção ao fogão, está-se interceptando o gás. Interceptação de Raízes Um exemplo hipotético da contribuição estimada da interceptação radicular, fluxo de massa e difusão como meios que viabilizam a chegada de um nutriente, P como exemplo, até à superfície das raízes de soja é apresentado a seguir: Para boa produtividade de soja, a quantidade total de P acumulado em sua biomassa - grãos e parte vegetativa - fica em torno de 20 kg ha-1. Para absorver todo esse P, o sistema radicular precisa, de alguma maneira, criar mecanismos para acessar esse nutriente que se encontra na solução do solo. Enquanto cresce, a raiz intercepta o P que se encontra em sua trajetória. O crescimento da raiz causa a exploração de novas regiões do solo ainda não submetidas à absorção do nutriente, portanto, mais ricas que as anteriormente interceptadas. Se for considerado que apenas de 0,1 a 2,0 % do volume de solo explorado pelo sistema radicular, nos primeiros 15 cm superficiais do perfil, é ocupado pelas raízes, pode-se verificar que a quantidade do P em solução mais o P-lábil ou trocável que o abastece, à medida que o primeiro vai sendo absorvido, não é suficiente para se chegar à quantidade de P absorvida pela cultura da soja. Concentrações críticas(9) do P na solução do solo, para muitas plantas, como já foi dito, podem ser inferiores a 0,05 mg L-1 de P, para solos altamente desenvolvidos e, ou, argilosos, e tão altas como 0,2 mg L-1, para solos menos desenvolvidos e, ou, mais arenosos. Se for considerado um nível crítico médio do P-lábil ou trocável, entre o início e o fim do crescimento da cultura, de 50 mg dm-3 de P no solo, verifica-se que uma interceptação de 1 % do somatório deste valor, com um nível crítico médio na solução do solo de 0,1 mg L-1, permitiria um suprimento de 0,751 kg ha-1 de P nos 15 cm superficiais de profundidade, valor bem inferior aos 20 kg ha-1 absorvidos pela cultura, considerado inicialmente. Algum mecanismo adicional de suprimento de P para as raízes torna-se necessário para explicar todo aquele P absorvido. Fluxo de Massa Um potencial hídrico decrescente na sequência solução do solo > raízes > folhas > atmosfera faz com que a solução do solo se movimente nessa direção, do solo até à atmosfera, estabelecendo-se o fluxo transpiracional. Depreende-se desse fluxo que o arraste da solução do solo até à raiz significa o transporte até ela do P na solução do solo, que vai indicar o que poderá ser absorvido. Assim, o volume de água transpirado durante o ciclo da cultura multiplicado pelo teor de P na solução dá a contribuição potencialmente esperada desse mecanismo de transporte, denominado fluxo de massa, para com o P acumulado pela cultura da soja. Se for considerado que, durante o ciclo dessa cultura, o volume de água transpirada é da ordem de três milhões de litros, pode-se verificar que, para um teor crítico médio de P na solução do solo da ordem de 0,1 mg L-1, a contribuição do fluxo de massa será de 0,3 kg ha-1 de P, apenas. (9) Concentração crítica pode ser definida como a concentração de um nutriente, por determinado método de análise, acima da qual a probabilidade de resposta de uma planta à aplicação desse nutriente no solo ou meio de cultivo não é de interesse econômico. Verifica-se que o total de P absorvido pela soja não pode ser explicado pelo crescimento de raízes (interceptação radicular) e pelo fluxo de massa somados; ainda falta muito para chegar aos 20 kg ha-1 de P. Fluxo Difusivo Quando se somam as contribuições do crescimento das raízes, interceptando o P, e da transpiração, causando o fluxo de massa, verifica-se que o valor encontrado contribui com muito pouco do valor acumulado na cultura da soja. Essa grande diferença [20,0 - (0,3 + 0,751) = 18,949 kg ha-1] é satisfeita pela difusão. Portanto, a contribuição da difusão é determinada pela diferença entre o absorvido e acumulado na planta e as contribuições da interceptação radicular e do fluxo de massa. Esse mecanismo de transporte, que tem como força motriz o gradiente de concentração, é chamado, portanto, de fluxo difusivo ou difusão(10). Pelo que se viu, para que mais P chegue às raízes de uma planta, por fluxo difusivo, é necessário que o solo seja mais rico em P-disponível, para que haja gradiente maior entre o que há na solução do solo e junto à raiz. O fluxo difusivo aumenta com esse gradiente; será maior também com o aumento do teor de água do solo, por ser este o meio através do qual a difusão ocorre. O fluxo difusivo vai depender, ainda, da existência ou não de obstáculos entre o P na solução do solo, mais distante da raiz, e aquele junto à raiz; se o caminho for mais tortuoso, se a interação do elemento(íon) que se difunde na solução e as partículas do solo que poderão adsorvê-lo, limitando seu transporte, forem maiores ou menores, etc. Numa viagem, preocupa-se com o veículo, com a distância, com a qualidade da estrada, sendo a vontade ou a necessidade de fazer a viagem sua grande força indutora. Na difusão, essa “força indutora” é o gradiente de concentração do elemento a ser transportado, enquanto, no fluxo de massa, é o gradiente de potencial hídrico. O suprimento de um nutriente da solução do solo até à superfície das raízes, por meio do fluxo difusivo (Wiethölter, 1985), é expresso pela Lei de Fick: F = - D A δc/δx (4) em que F é o fluxo difusivo do nutriente, em mol s-1, através de uma superfície de área A, disponível ao transporte, em cm2, proporcionado pelo decréscimo de sua concentração (δc), em mol cm-3, com o aumento da distância de transporte (δx), em cm; D(11) é denominado coeficiente de difusão, na verdade uma constante de proporcionalidade, em cm2 s-1, que faz com que F seja matematicamente relacionado com A δc/δx. Assim, a variável δc/δx é denomi- (10) Difusão é utilizado como sinônimo de fluxo difusivo em muitos trabalhos; não deve ser confundido com coeficiente de difusão (D). (11) Deve-se compreender a unidade de D, em cm2 s-1, como uma constante de proporcionalidade na Eq.4, para satisfazer as mesmas unidades nos componentes daquela igualdade: F em [(cm2 s-1) cm2 (mol cm-3 cm-1)] = mol s-1. nada gradiente de concentração ao longo da distância de transporte do nutriente. O sinal negativo do segundo termo da equação advém do decréscimo de δc com o aumento de δx, o que faz com que a variavel δc/δx seja negativa. O coeficiente de difusão, D, é definido pela equação (Nye & Tinker, 1977): D = D1 θ f δI/δQ (5) em que D1 é o coeficiente de difusão do elemento em solução (água pura) - é uma constante para cada elemento (em cm2 s-1); θ é o conteúdo volumétrico de água no solo, em cm3 cm-3; f é o fator de impedância, cm cm-1, variável conforme a tortuosidade da trajetória da difusão. A tortuosidade é variável, conforme a textura do solo, uma vez que partículas maiores, como nos solos mais arenosos, aumentam a tortuosidade, em relação às partículas menores, como nos solos argilosos; partículas menores permitem trajetória mais retilínea do nutriente até à raiz. O fator de impedância varia, também, conforme o aumento da viscosidade da água que se encontra mais próxima das superfícies das partículas coloidais do solo com cargas elétricas. A viscosidade é alterada, também, negativamente, pela temperatura do solo. Outro componente do fator de impedância é a adsorção negativa de ânions, caracterizada pela repulsão dos ânions de superfícies dos colóides pelas cargas negativas predominantes, aumentando a concentração de ânions em solução. À medida que a tortuosidade e a viscosidade diminuem e a adsorção negativa aumenta, o fator de impedância aumenta(12), determinando maior valor do coeficiente de difusão. Por outro lado, a compactação do solo, causando poros muito finos, como também delgados filmes d’água, quando os solos tornam-se mais secos, causam diminuição do fluxo difusivo dos elementos, particularmente daqueles adsorvidos ao solo com maior energia (Figura 8). Figura 8. Efeito do teor de água em solo altamente desenvolvidos (com predomínio de cargas positivas) sobre o fluxo difusivo de fósforo no solo. (12) Embora impedância tenha como sinônimos resistência ou o inverso da admitância, os valores de f são o inverso de qualquer restrição à difusão. Por exemplo, quanto maior a tortuosidade, menor é o D e, por conseguinte, menor F. Portanto, matematicamente, este componente da impedância é utilizado como o intervalo de tortuosidade. Ainda, na Eq. 5, I é a concentração do nutriente na solução do solo (fator intensidade) e Q é a concentração deste elemento adsorvido ao solo (trocável ou lábil), denominado fator quantidade. A diferencial δI/δQ representa, na verdade, o inverso do poder tampão ou fator capacidade do nutriente no solo (δQ/δI). Em termos práticos, o poder tampão de um nutriente apresenta correlação positiva com o teor de argila de solos, particularmente naqueles solos com tipos de argila semelhantes. Embora o coeficiente de difusão (D) esteja diretamente ligado ao fluxo difusivo (F) de um nutriente no solo, como se vê na Eq.5, deve ser ressaltado que ele não é, por si só, uma medida de F. Todavia, correlações significativas entre valores de D e absorção de nutriente, em diferentes condições, têm sido obtidas. Deve-se compreender que, quando se altera um componente da Eq. 5, outros são, de alguma maneira, também, alterados, direta ou indiretamente. Por exemplo, quando se aumenta o valor de θ, altera-se o valor de f, por diminuir a tortuosidade e a viscosidade, aumentando o fator de impedância e, por conseguinte, o valor de D. Calagem e Fosfatagem Os componentes das Eq. 4 e 5 podem ser, também, indiretamente alterados pela adoção de técnicas agrícolas usuais, como calagem e a adição de fertilizantes fosfatados ao solo. Para Zn, Fe e Al, o aumento do pH do solo com a calagem ou a adição de P ao solo causam precipitação de suas formas iônicas que se encontravam em solução, diminuindo seus valores de δI/δQ e, como esperado, de seu valor de δc/δx. Como consequência, há diminuição dos fluxos difusivos destes elementos nos solos, o que é inconveniente para a planta quanto ao Zn e o Fe, mas conveniente quanto ao Al. Ânion Acompanhante Curiosamente, o ânion acompanhante da fonte de Zn aplicada ao solo tem também significativa influência sobre a difusão deste nutriente, como também acontece com o P e será visto mais tarde, no capítulo sobre P. Amostras de dois solos foram submetidas a dois níveis de pH e duas fontes de Zn (ZnCl2 e ZnSO4.7H2O) nas doses de 0, 20 e 40 mg dm-3 de Zn no solo. A umidade dos solos tratados foi elevada à capacidade de campo. O fluxo difusivo de Zn (FZn) para uma resina de troca de cátions, durante um período de 15 dias, foi avaliado. O aumento do pH do solo acarretou grande diminuição do FZn. Efeito semelhante foi observado para o teor de argila do solo: solo com maior teor de argila com menor FZn. O FZn foi maior quando a fonte utilizada foi ZnCl2. Tal fato parece ser consequência da baixa capacidade de adsorção de Cl- pelos solos em geral e da alta solubilidade do ZnCl2, e sua consequente maior presença na solução do solo como ânion acompanhante do Zn. Conteúdo de Água Esse efeito de conteúdo de água do solo sobre a difusão de P em amostra de um Latossolo Vermelho textura média (LVm) de cerrado, em casa de vegetação, foi estudado por Ruiz (1985). Cultivou-se soja, utilizando a técnica de raízes subdivididas, encontrando-se metade das raízes no vaso com solução nutritiva completa menos P, e metade em outro vaso com solo, onde se testaram doses de P em três níveis de umidade (Quadro 6). O exsudato xilemático foi coletado, analisando-se seu conteúdo de P e avaliando-se, também, o fluxo xilemático deste elemento para a parte aérea da soja. Os resultados mostraram que, mesmo para elevada dose de P, como 240 mg kg-1 de P, que corresponde, na prática, a 5,5 t ha-1 de superfosfato simples incorporados nos 20 cm superficiais do solo, seu fluxo xilemático caiu mais de trezentas vezes, quando o conteúdo de água retida a -0,01 MPa (-0,1 bar) caiu para aquele correspondente a -0,3 MPa (-3,0 bar) (Quadro 6). É interessante considerar que este menor conteúdo de água no solo era bastante para manter a planta com turgidez sem déficit hídrico aparente. E, nessa condição, o fluxo de P caiu para valores menores que aquele observado nosolo sem a adição de P (solo com praticamente zero de P disponível pelo extrator de Mehlich-1), com umidade próxima à capacidade de campo (-0,01 MPa). Quadro 6. Efeito do conteúdo de água em amostra de um Latossolo Vermelho textura média sobre a translocação de fósforo para a parte aérea da planta e crescimento da soja Considerações • A difusão de P em solos mais desenvolvidos, como o utilizado por Ruiz (1985), parece ser praticamente interrompida em condições de umidade ainda, aparentemente, elevada. A elevada capacidade de adsorção de P neste tipo de solo, caracterizada por baixo valor de dI/dQ, parece ser a razão. • O suprimento (transporte) e a conseqüente absorção de P pela planta parecem um processo descontínuo. Períodos de grande absorção quando o conteúdo volumétrico de água no solo é alto, próximo à capacidade de campo, são alternados com outros de transporte limitado ou nulo, quando a umidade do solo decresce a valores críticos para o transporte, embora, ainda, satisfatórios para a manutenção de plantas em crescimento. • A tentativa de compensar a menor disponibilidade de água no solo, como meio de transporte de P, por meio de maiores doses deste nutriente, com o objetivo de aumentar o fluxo difusivo e, por conseguinte, aumentar a absorção de P, é pouco efetiva, principalmente em solos com maior fator capacidade de P (Ruiz et al., 1988; Novais & Smyth, 1999). Esta compensação é mais viável em solos menos intemperizados e, ou, mais arenosos, com maior δI/δQ. • O mecanismo de acúmulo de formas de reserva de P na planta, principalmente para aquelas perenes, deve ter evoluído, isto em razão dos maiores e mais prolongados déficits hídricos, ao longo do ano, a que essas plantas estão sujeitas, se comparadas às anuais. Sobre essas formas de reserva de P na planta, sabe-se que principalmente P inorgânico (Pi) acumula-se nos vacúolos daquelas plantas em condições de maior disponibilidade de P. Em condições de estresse, o Pi seria utilizado para a síntese de compostos orgânicos essenciais ao crescimento e desenvolvimento da planta. Sobre os valores dos coeficientes de difusão (D) em solos (Quadro 7), podem-se tirar algumas informações práticas interessantes. O valor de D do NO3- é algo em torno de 100.000 vezes maior que o do H2PO4-. Disso pode-se assegurar sobre a alta mobilidadede NO3- nos solos, o que lhe pode acarretar expressivas perdas por lixiviação, pequeno ou nulo efeito residual ao longo dos anos de cultivo e fluxo de massa como o mecanismo de maior suprimento de N para as plantas. O valor muito menor de D para H2PO4- assegura-lhe sua “imobilidade” no solo (a difusão ocorre de distâncias não superiores a 1 mm da raiz, aproximadamente), sua virtual não-lixiviação e a difusão como mecanismo de suprimento predominante deste nutriente para a planta. O Zn, com valor de D mais próximo ao do H2PO4-, apresenta comportamento semelhante a este quanto ao seu transporte, lixiviação, etc. Quadro 7. Valores médios dos coeficientes de difusão (D) de alguns íons no solo O valor de D para NH4+, aproximadamente dez vezes menor que o de NO3-, garante-lhe menor lixiviação que a observada para o NO3-,, justificando os estudos no sentido de utilizar inibidores da nitrificação. Assim, a manutenção no solo de N na forma amoniacal por mais tempo, sem sua nitrificação, assegura ao fazendeiro que utilizou a fonte amoniacal menores perdas de N por lixiviação. A presença de micorrizas em plantas deverá contribuir com a absorção de nutrientes com pequenos valores de D, como do P e do Zn, e não daqueles com grandes valores, como os do NO3- e do Ca2+. É necessário enfatizar, também, a importância de raízes mais finas, como as capilares, aumentando o volume de solo explorado, para elementos, com menores valores de D, como o de P e Zn, com mobilidade restrita em termos de distância. Outro ponto que merece destaque é o efeito indireto que a interceptação radicular tem sobre o fluxo difusivo de nutrientes no solo. À medida que o sistema radicular cresce, explorando novas áreas do solo ainda ricas naqueles elementos de menor D, diminuem as distâncias para que a difusão ocorra, facilitando-a. Para ânions com maior mobilidade no solo, como o NO3-, esse efeito indireto do crescimento das raízes, facilitando a difusão, deverá ser muito menor, se presente. Compactação do Solo As menores respostas à adubação observadas em nossos solos, com os anos de cultivo, seriam, em boa parte, resultantes da degradação das propriedades físicas desses solos, levando ao aumento de suas densidades e, como consequência, à retenção com maior energia pelo solo de nutrientes como menores valores de D, preferencialmente ao fluxo difusivo (Figura 9). Com a compactação, aumenta a participação de microporos; com o aumento da energia de retenção da água no solo, aumenta sua viscosidade e a interação desses íons e superfície dos colóides ao longo de sua trajetória de difusão, fazendo com que o íon tenha de se difundir cada vez mais próximo de superfícies adsorventes, que os retêm. Para que o íon continue chegando até às raízes, doses cada vez maiores terão de ser aplicadas, com vistas em aumentar a saturação nessas superfícies adsorventes pelo elemento e em manter o fluxo difusivo em níveis pelo menos razoáveis, em termos de demanda da planta (Figura 10 e Quadros 8 e 9). Nessas condições de degradação das propriedades físicas dos solos, há forte diminuição do fator de impedância, f, diminuindo o coeficiente de difusão D (Eq.5) e, como conseqüência, o fluxo difusivo (F) de íon no solo (Eq.4). Um solo “cansado”, como freqüentemente denominado pelos fazendeiros, que se torna menos responsivo à aplicação de fertilizantes, como de P, deve ter como característica principal a queda drástica do fluxo difusivo desse nutriente, que, embora presente em teores adequados no solo, não chega satisfatoriamente às raízes. A análise do solo indica teor alto do disponível, enquanto a planta indica acúmulo baixo. Assim, doses requeridas para manutenção da produtividade têm de ser bem maiores que as anteriormente usadas, particularmente nos solos com maior adsorção de P, por exemplo. Figura 9. Efeito da compactação de uma amostra de um solo altamente desenvolvidos (com predomínio de cargas positivas) sobre o fluxo difusivo de fósforo no solo. Quadro 8. Fluxo difusivo de potássio de um solo, influenciado pela umidade do solo. A dose de potássio aplicada foi correspondente a 40 % da CTC efetiva do solo Quadro 9. Crescimento e conteúdo de fósforo em mudas de eucalipto influenciados pela dose de fósforo e pela compactação de um Latossolo Vermelho-Amarelo textura média Figura 10. Efeito da compactação (D em kg dm-3) de um Latossolo Vermelho- Escuro, com 610 g kg-1 de argila, com uma dose de 450 mg dm-3 de P comum aos três tratamentos, sobre o crescimento de soja. Fonte: Ribeiro et al. (1985). Idade da Planta Nutrientes com menores valores de D são, de modo geral, mais críticos na fase inicial de crescimento da planta, dado o pequeno volume de solo explorado pelas raízes, bem como o possível não-estabelecimento da micorrização. Contrariamente, a demanda de nutrientes com grande valor de D, como de NO3- e de K+, é crítica mais tarde, coincidente com estádios de crescimento de maior demanda. Esses nutrientes de maior valor de D são pouco dependentes do volume de raízes, como de micorriza, por serem transportados de grandes distâncias por fluxo de massa. Zinco tende a ser problema mais crítico para o milho em seus estádios iniciais de crescimento, enquanto o N, transportado preferencialmente por fluxo de massa, mais tarde. Interação Doses de Nutrientes Versus População de PlantasAspecto importante, intimamente relacionado com a mobilidade dos nutrientes no solo - valores de D -, diz respeito aos estudos sobre a interação doses de nutrientes populações de plantas. Estudos sobre essa interação no plantio de milho são freqüentes na literatura, enquanto, para elementos como o P, dado seu pequeno valor de D, este estudo não tem muito sentido. Esse conceito foi desenvolvido por Bray (1954) (Figura 11). Figura 11. Competição entre plantas por nutrientes de alta mobilidade no solo, com grande valor de D, como NO3-, por exemplo, e por nutrientes “imóveis”, com pequeno valor de D, como H2PO4-, por exemplo. Fonte: Bray (1954), modificado por Novais et al. (2007). Observa-se que, à medida que aumenta a densidade de plantio ou população de plantas, a competição pelo nutriente mais móvel aumenta grandemente, o que não acontece para o nutriente “imóvel”. A competição pelo “imóvel” somente vai existir em pequena ou mínima intensidade, uma vez que sua distância de transporte é algo não mais que 1 mm de distância da raiz. Assim, apenas naqueles locais onde raízes de duas plantas se tocam haverá competição entre elas pelo H2PO4-. Como o volume de solo explorado pelas raízes de uma planta é, em média, 1 %, o contato de raízes entre plantas vizinhas é bastante pequeno. Disso, pode-se dizer que a quantidade de P a ser utilizada em um plantio de milho com 40.000 plantas ha-1 será, basicamente, a mesma a ser utilizada se essa população for aumentada para 60.000 plantas ha-1, para produtividades semelhantes nas duas condições. Para N, esse aumento na densidade de plantio de milho requererá um aumento expressivo na sua dose, comparativamente à recomendada para a menor densidade. Considerações Finais Outros aspectos práticos relacionados com a mobilidade de nutrientes no solo e sua grande dependência à disponibilidade de água são demonstrados nos experimentos de localização da fonte de P em maior profundidade. Em anos mais secos, a localização mais profunda da fonte de P em relação à semente pode trazer aumentos significativos na produtividade de feijão, em solos de cerrado, por exemplo. A manutenção da umidade em níveis mais elevados, por mais tempo, em maiores profundidades, comparativamente à da superfície do solo, que seca mais rapidamente, seria a razão para esse resultado. Com mais umidade em profundidade, a difusão do P é mantida por mais tempo durante um período de estiagem. Naturalmente, essa localização de P em profundidade não trará os resultados esperados se o ano for chuvoso ou se houver irrigação suplementar. Uma consideração final e de amplo aspecto de aplicação prática é a dependência direta que o fluxo de massa tem da abertura estomática (condutância estomática), enquanto a difusão não, ou apenas indiretamente, mais tardiamente, por limitações na absorção ativa de nutrientes (gasto de energia). Assim, tecidos que transpiram menos, variações rápidas na abertura estomática, ao longo do dia, estarão em fase com o fluxo de massa e não com a difusão.
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