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Estética na cultura ocidental

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Essência e aparência - a formação estética da cultura Ocidental 
Anotações para aula Prof. Dr. Claudio Schubert 
 
1 - Introdução 
A busca do belo, do agradável, do lindo, do bonito é tão antiga quanto à existência da humanidade. 
Diferentes épocas têm seus modelos específicos de beleza. De acordo com esses valores, determinadas 
características físicas, de conhecimento ou espirituais foram maximizadas e conceituadas como o sendo 
o padrão de beleza daquele momento histórico. 
Sabe-se que na fase pré-histórica e antiga, a mulher considerada bela era aquela que tinha atributos 
físicos desenvolvidos para a procriação, principalmente. Isso pode ser percebido no período do 
Paleolítico Superior
1
 em pinturas e esculturas de figuras femininas. A figura da Vênus de Willendorf, 
por exemplo, é retratada com “seios volumosos, ventre saltado e grandes nádegas”2, acentuando assim 
as características consideradas relevantes ou belas naquele período histórico
3
. O homem considerado 
belo era principalmente o mais forte, pois este tinha força física para defender e proteger a prole, 
independente se era educado, romântico ou companheiro. O mais astuto na arte da guerra, da caça e das 
estratégias de sobrevivência, o que muitas vezes significava a continuidade de vida do grupo inteiro, 
recebia o reconhecimento dos colegas e a admiração das mulheres. 
A compreensão racional do belo que está presente na construção da sensibilidade Ocidental nas 
mais diferentes fases de sua constituição foi desenvolvida pelos antigos gregos. Assim, voltemos às 
teorias que formam a base da sociedade Ocidental para perceber a visão de ser humano e 
conseqüentemente a compreensão do belo lá iniciada. 
 
2 - Os pré-socráticos e a idéia do homem integral 
Uma das primeiras descobertas do ser humano na tentativa de buscar sua auto-compreensão 
racional foi a constatação de que ele tem consciência. Foram os pré-socráticos
4
 que começaram a 
formular uma explicação racional para a existência do cosmos e do homem. No que se refere ao ser 
humano, perceberam que ele tem uma Psyché. Segundo Bauer
5
, essa Psyché pode ser compreendida 
como a alma, aquilo que dá vida, uma essência que é diferente do corpo e que não é dissolvida pela 
 
1
 A Pré-história constitui-se de um período extremamente longo, por isso foi dividida em três períodos: a) Paleolítico 
Inferior cerca de 500 mil anos a.C.; b) Paleolítico Superior em torno de 30 mil anos a.C.; c) Neolítico cerca de 10 mil anos 
a.C.. SANTOS, Maria das Graças Vieira Proença. História da arte. Ática, São Paulo: 2006, p.10. 
2
 Op. Cit. p.12 
3
 Nos períodos antigos até a Idade Média, a capacidade de procriação de uma mulher era extremamente valorizada. A alta 
taxa de mortalidade infantil aliada às constantes guerras ceifavam a vida de um considerável percentual da população. 
Diante disso, a constante procriação e a constituição de grandes famílias eram uma necessidade para a sobrevivência da 
tribo e perpetuação dos herdeiros do clã. 
4
 São chamados de pré-socráticos os filósofos que viveram em torno dos séculos séc. VII a V a.C., ou seja, antes de Sócrates 
(470-399 a.C.). 
5
 Bauer, Walter. Wörterbuch zum Neuen Testament. Walter de Gruyter, Berlin, 1971, p.1765. 
morte. Conforme Taylor
6
, a Psyché “é o mais essencial à vida do homem quando sua vida corpórea se 
considera secundária”: ou seja, é uma essência ou interioridade7, um princípio ordenador do existente. 
Assim, pode-se compreender que a Psyché é a causa da vida e por isso conceituada como imortal, 
pois essa é a essência que constitui a vida, sendo, por isso, considerada o princípio permanente. Além 
disso, os filósofos pré-socráticos constataram a existência de um princípio criador do qual tudo o que 
existe se origina: a Physis
8
. Interessa, nesse momento, a descoberta da existência da Psyché que o 
pensador pré-socrático faz. 
Foi Homero
9
, figura lendária que viveu em torno dos sécs. IX a VIII a.C., que poetizou a Ilíada e a 
Odisséia
10
. Essas narrativas exerceram grande influência na formação do espírito grego. Conforme 
Homero, o ser humano tem um princípio divino (alma, Psyché) que existe antes do corpo e não morre 
com o corpo, mas está destinado a reencarnar-se sucessivamente. Assim, em Homero começa a ser 
valorizada a Psyché como uma manifestação da essência ou interioridade, distinguindo-a das 
manifestações da sensibilidade, ou do corpo. Desse modo, encontramos em Homero a existência de 
“um outro” na pessoa, ou seja, uma Psyché. Diferente do corpo que se dissolve com a morte, a Psyché 
é compreendida como eterna e que excede a temporalidade. 
Arte na Grécia 
3 - Platão: o belo são as atitudes 
Platão
11
 desenvolve o conceito do Mundo das idéias e Mundo da sensibilidade, vendo essas duas 
formas de conhecimento como importantes. Para o filósofo, o Mundo das idéias é um conjunto de 
atividades racionais, é a lembrança, o raciocínio, são as idéias que têm autonomia independente do 
corpo e se caracterizam como sendo o oposto deste. 
A compreensão platônica serviu de base para a construção teórica e desenvolvimento de grande 
parte da racionalidade Ocidental. Esse é o dualismo platônico apresentado de forma bastante original, 
onde é explicada a constituição do ser humano. Para Platão, o homem é formado de uma essência, que 
ele chama de Mundo das idéias e, na outra dimensão, encontra-se o Mundo da sensibilidade, o corpo 
com suas características. Esses dois mundos têm influência recíproca, mas o que deve prevalecer são os 
argumentos do Mundo das idéias. 
É na idéia, na essência, na interioridade, na razão que se encontram as verdades consistentes, pois 
essa é a dimensão mais próxima ao perfeito, perene e eterno. O corpo, por sua vez, está envolto em 
sensibilidades e desejos perecíveis, portanto não confiáveis. Assim, a verdade segura encontra-se no 
Mundo das idéias, pois as verdades da sensibilidade facilmente levam a enganos. Desse modo, a 
 
6
 Taylor, William. Dicionário do Novo Testamento Grego, 7ªed., Rio de Janeiro, 1983, p.246. 
7
 Não existe um termo único para caracterizar o sentido de Psyché. Este pode ser compreendido como consciência, 
interioridade, alma, espírito, essência, razão, Logos, etc. Platão fala mais em Mundo das idéias, contrapondo este termo com 
o Mundo da sensibilidade. Esses termos têm distinção entre si, nesse momento, no entanto, serão utilizados naquelas 
características que apresentam identidade. 
8
 Physis é a origem da totalidade, do existente. “A Physis pertence a um princípio inteligente, que é reconhecido através de 
suas manifestações e ao qual se emprestam os mais variados nomes: Espírito, Pensamento, Inteligência, Logos [...] A Physis 
compreende a totalidade de tudo o que é”. Bornheim, G. Os filósofos Pré-socráticos. São Paulo, Cultrix, 1993, p.13. 
9
 Reale; Antiseri. História da filosofia: filosofia pagã antiga, vol. I. São Paulo, Paulus, 2003, p.7ss. 
10
 Ilíada trata da Guerra de Tróia e Odisséia narra a volta de Ulisses após a guerra. Essas epopéias tiveram uma função 
pedagógica importante na vida dos gregos, formando determinada concepção de vida e visão de mundo. 
11
 Platão (428 -347) viveu em Atenas e foi o discípulo mais destacado de Sócrates. No mito da Caverna ele ilustra a teoria 
do conhecimento que distingue o Mundo das idéias e Mundo da sensibilidade. 
autonomia do homem pode ser construída pelo desenvolvimento de sua racionalidade, ou seja, do 
Mundo das idéias, isto é, pela sua capacidade racional. O Mundo da sensibilidade é o lugar onde se 
abrigam as verdades aparentes, os equívocos e os vícios. 
Esses dois mundos têm influência recíproca
12, mas o que deve prevalecer são os argumentos do 
Mundo das idéias. Assim, conforme Platão o belo se encontra no Mundo das idéias, ou seja, está nas 
atitudes da pessoa, no seu caráter, nos seus comportamentos, nas suas virtudes. Para ele, as 
características físicas são secundárias. 
 
4 - Aristóteles: a virtude é bela 
Aristóteles
13
 discípulo de Platão, freqüenta a Academia do Mestre, mas desenvolve pensamento 
autônomo e diferente em muitos aspectos. Aristóteles enfatiza seu interesse pelas ciências naturais e 
empíricas, ao contrário de Platão onde a ênfase eram as ciências matemáticas
14
. Isso quer dizer que 
desaparece no filósofo a idéia dualista platônica que divide o mundo entre idéias – o perfeito – e 
sensibilidade – a cópia imperfeita. Para Aristóteles, "as idéias não são, portanto, a única realidade; o 
mundo sensível é igualmente real e o indivíduo é a primeira e a mais alta realidade ou substância"
15
. 
Assim, a matéria é possibilidade, tem potencialidade para que determinada essência se concretize, se 
realize. 
 O conhecimento parte da experiência sensível e imediata, das coisas concretas com suas 
características. Assim, a matéria torna-se necessária para a existência e concretização das coisas, 
mesmo que ela somente realize sua potencialidade devido à ação da essência. Isso quer dizer que a 
construção do conhecimento se torna possível pela inter-relação entre essência e matéria. Pode-se dizer 
que para Aristóteles, "todo ser é constituído de matéria e forma, princípios indissociáveis. Enquanto 
que a forma é o princípio inteligível, a essência é comum aos indivíduos da mesma espécie, pela qual 
todos são o que são, a matéria é pura passividade, contendo a forma em potência"
16
. 
Assim, o filósofo valoriza as idéias como não poderia deixar de ser, mas o mundo sensível é 
igualmente importante na reflexão. O indivíduo é a primeira e mais alta realidade. Isso quer dizer que 
Aristóteles busca a verdade, o belo e o justo a partir da realidade sensível, por meio da qual o homem 
pode ter acesso a elas
17
. 
 Para Platão o belo encontra-se no mundo das idéias, pois a realidade é somente uma cópia do 
ideal de beleza. Aristóteles trabalha com o conceito de mímesis que não é simplesmente uma imitação 
ou uma cópia de certo objeto, mas é uma recriação. Na mímesis a essência está nos objetos da natureza 
e o artista recria as Formas universais e perfeitas. "Imitar, copiar, representar não constituem 
degradações de um mundo ideal"
18
 até porque para Aristóteles o mundo ideal não existe. Assim, o 
 
12
 É o que hoje se constata nas chamadas doenças psicossomática, ou seja, a inter-relação e influência recíproca entre o 
Mundo das idéias - a Psyché e na outra dimensão encontra-se o Mundo da sensibilidade, ou seja, o Soma. Isso quer dizer, da 
Psyché (Mundo das idéias) e do Soma (Mundo da sensibilidade) resulta o termo Psyché + Soma = psicossomático. 
13
 Aristóteles viveu entre os anos de 384 a 322 a.C.. Nasceu na cidade de Estagira e foi discípulo de Platão, desenvolvendo 
um pensamento distinto do Mestre em diversos aspectos. 
14
 Reale e Antiseri, 2004. 
15
 Jimenez, 1999, p.215. 
16
 Aranha, 1993, p. 97 
17
 Jimenez, 1999. 
18
 Jimenez, 1999, p.216 
filósofo compreende a tragédia como mímesis, onde determinada situação é recriada, reproduzindo 
piedade e terror. Surge, desse modo, o termo Kátharsis (catarse) que desempenha uma função social 
purificadora médica e moral, onde a sensibilidade é valorizada. 
 Para Aristóteles
19
, os homens possuem necessidades passionais, violentas e coléricas e como a 
ordem social não permite a realização de tais necessidades elas são satisfeitas na arte. A arte 
desempenha, desse modo, uma função social salutar, pois purifica as paixões e o homem se estabiliza 
espiritual e socialmente. Assim a arte possibilita o deleite estético e intelectivo. É por isso que o 
filósofo entende que a tragédia produz o prazer. Desperta piedade e medo, operando a purgação de tais 
emoções. Assim, a tragédia, pelas diferentes reações que produz no expectador, leva à purgação, 
catarse e purificação. 
A felicidade encontra-se na vida virtuosa que é construída numa conduta equilibrada entre as 
paixões, emoções, temperança, prudência. O sujeito que tiver uma conduta moderada, equilibrada e 
prudente será um sujeito virtuoso, conseqüentemente feliz. Este atingiu o mais alto grau de uma vida 
virtuosa. Para Aristóteles "o homem feliz vive bem e age bem; pois definimos praticamente felicidade 
como uma espécie de boa vida e boa ação"
20
, como um conjunto de atividades que levam à excelência. 
Assim, felicidade é estar bem em todas as dimensões que formam o ser humano, sem a 
distinção muitas vezes feita na contemporaneidade de compreender a felicidade como uma sensação da 
alma somente, ou estar localizada nos prazeres do corpo. Para Aristóteles, a virtude que leva à 
felicidade precisa englobar a interioridade e exterioridade, pois as duas dimensões estão inter-
relacionadas. 
Arte cristã primitiva e medieval 
5 - O belo pelo enfoque religioso 
A teoria platônica foi reinterpretada nos primeiros séculos do cristianismo e recebeu a denominação 
de Neoplatonismo. Esse dualismo platônico utilizado pelos Padres da Igreja, entre eles Santo 
Agostinho (354-430), serviu para construir bases doutrinárias importantes do cristianismo. Algumas 
destas interpretações fizeram uma distinção extremada no que se refere à compreensão do conceito 
essência e aparência, ou seja, alma e corpo. 
Em alguns momentos históricos os conceitos de corpo e alma foram colocados em pólos distintos e 
até opostos. Esse dualismo teve como desdobramentos interpretações doutrinárias que acentuaram o 
caráter de submissão do corpo à alma, isto é, da exterioridade à interioridade. Desse modo, estas 
leituras compreenderam o corpo como oposto ou até prejudicial à alma. Assim sendo, para buscar a 
aproximação com o Sagrado o corpo precisaria submeter-se aos rigores que a fé estabelecia, para tal era 
fundamental interpretar e praticar as determinações que o dogma religioso exigia. Essa leitura 
desdobrou-se na prática, em muitos momentos, da negação da afetividade, da sexualidade e da 
sensualidade. Temos aí uma compreensão do belo que vê o corpo, com seus desejos, sensibilidades e 
formas como um perigo para a pureza da fé e que deve constantemente ser vigiado para não levar a 
alma ao pecado. 
Sabe-se que no período medieval o belo estava relacionado com a devoção a Deus, ou seja, idêntico 
ao pensamento platônico, belas eram as atitudes, neste caso a devoção e a prática das normas 
consideradas corretas segundo o princípio religioso. Nesse aspecto, uma leitura estética interessante 
pode ser feita do papel reservado ao gênero feminino. A mulher bela era principalmente aquela que 
demonstrava potencialidade de ser uma boa mãe e educar os filhos nos princípios cristãos. O conceito 
 
19
 Jimenez, 1999, p.216 
20
 Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1991, p.17 
de belo do cristianismo primitivo recebe uma influência forte, como não poderia deixar de ser, do 
judaísmo do Antigo Testamento. Um valor muito presente na maioria dos povos antigos e também do 
judaísmo veterotestamentário circunscreve de modo claro as funções reservadas às mulheres. Nisso 
pode-se perceber com nitidez, mesmo que implicitamente naquele momento, as características e os 
valores que conceituam o belo feminino. O Antigo Testamento faz inúmeras referências relacionadas à 
maternidade e, por desdobramento, à mulher sem condições de procriação. Assim, as mulheres estéreis 
constituíam-se muitas vezes em um problemapara a tribo, considerando o fato de não poderem gerar 
descendentes e precisarem estar, necessariamente, aos cuidados de um homem. 
A história de Sara e Abraão no Antigo Testamento, no livro de Gênesis, ilustra bem esse fato. 
Abraão recebe a promessa de Deus de tornar-se o pai de uma grande nação, mas sua mulher Sara é 
estéril e não pode lhe dar descendentes. O diálogo entre Deus e Abraão revela o desespero deste último 
quando diz “Senhor Deus que me haverás de dar, se continuo sem filhos, e o herdeiro da minha casa é o 
damasceno Eliezer?
21”. A decisão que Sara comunica a Abraão revela seu grau de desespero diante da 
esterilidade quando ela diz “Eis que o Senhor me tem impedido de dar à luz filhos; toma, pois a minha 
serva, e assim me edificarei com filhos por meio dela
22”. 
Outro relato idêntico, mas que agrega ao papel maternal esperado da mulher sua dependência do 
homem encontra-se no livro de Rute, também no Antigo Testamento. Este relato mostra a dificuldade 
que esta civilização tinha de conceber a vida de uma mulher sem um protetor homem. A história 
termina com o final feliz quando Rute e Boaz contraem casamento
23
. A história não pára aí, pois ainda 
falta um acontecimento importante para completar o conceito do belo. O ideal do belo se concretiza 
quando nasce o pequeno Obede, filho de Rute e Boaz
24
. 
A partir destes relatos e da história antiga, o homem belo era aquele que tinha potencial de zelar 
pela família na prescrição da doutrina cristã. “Um bom filho será um bom pai”, diz o ditado. Nesse 
pensamento está implícito o que significa o conceito “bom”, isto é, orientar a vida na doutrina religiosa. 
Assim, no pensamento religioso o bom e o belo estavam identificados com a ação que o sujeito pratica. 
Não muito diferente do conceito do antigo judaísmo do qual encontramos relatos estéticos 
interessantes nas entrelinhas do texto sagrado do Antigo Testamento, a valorização do que era 
considerado belo, na maioria das vezes, tendeu aos valores que davam garantia à sobrevivência da 
tribo. Em última análise, o conceito que via como bela a devoção ao Criador era uma busca pela 
sobrevivência deste povo. 
6 - O paralelismo de Espinoza 
Sobre a idéia de complementaridade e não oposição entre essência e aparência Espinoza
25
 tem uma 
contribuição importante pode nos auxiliar na compreensão de uma ação comunicativa integral. Para 
ele, o mental e o físico não estão em contradição. Também não existe a superioridade da alma sobre o 
 
21
 Livro de Gênesis capítulo 15 versículo 2, ver texto anterior e posterior 
22
 Livro de Gênesis capítulo 16 versículo2, ver texto anterior e posterior 
23
 Veja o livro de Rute capítulo 4 versículo 10 
24
 Esta narrativa pode ser lida no Antigo Testamento no livro de Rute. Existem, teológica, ou antropologicamente falando, 
outras muitas interpretações possíveis desta história. O enfoque priorizado no presente texto é a leitura estética, ou seja, a 
compreensão do belo. 
25
 Baruch Espinoza (1632 – 1677) nasceu em Amsterdam e pode ser compreendido como precursor do Iluminismo francês 
diante do seu empenho em valorizar o ser humano de modo integral. Além disso, também contribuiu para as idéias que mais 
tarde formaram o existencialismo. Procurou compreender uma maneira de viver que seria capaz de dar sentido e alegria à 
existência humana (Reale; Antiseri. História da filosofia: De Spinoza a Kant, vol. 4, São Paulo, Paulus, 2005). 
corpo, mas estas estão numa relação de paralelismo. O filósofo entende que essência e aparência são 
atributos de uma mesma substância, que é Deus, e por isso existem em perfeita interação. 
O principio da vida, das atividades espirituais e da sensibilidade constitui uma entidade em si, uma 
substância em si. A existência da Psyché se evidencia nas manifestações psíquicas ou espirituais que se 
revelam de modo autônomo, desdobrando-se em manifestações da sensibilidade e influenciado elas, e 
sendo por elas influenciado. Nesse aspecto, a natureza da Psyché é menos importante, ou seja, sua 
materialidade ou imaterialidade. 
Espinoza se utiliza do conceito de monismo
26
, e não dualismo, para explicar sua compreensão de 
ser humano e do existente. Isso quer dizer que, sendo Deus a substância única e geradora de tudo que 
existe, é dele que se originam todos os atributos, especificamente os do pensamento e do corpo. É por 
isso que corpo e mente estão numa relação de igualdade em termos de relevância. Assim, não existe a 
idéia de oposição entre essência e aparência, mas de complementaridade, no sentido de que estes são a 
mesma substância, mas com atributos diferentes. Nesse aspecto, a ação da essência afeta a aparência e 
a sensibilidade reflete-se na mente. 
Espinoza diz que “nem o corpo pode determinar a alma a pensar, nem a alma determinar o corpo ao 
movimento ou ao repouso ou a qualquer outra coisa” (Prop. II, Ética III, p.177. Ele fala que “a alma e o 
corpo são uma só e mesma coisa que é concebida, ora sob o atributo do pensamento, ora sob o da 
extensão” (Escólio, Prep.II, Ética III, p.177). 
 Aqui é importante sublinhar um dado em Espinoza. Para ele a substância que pensa (mente) e a 
substância extensão (corpo) são uma mesma substância, mas com atributos diferentes. Assim, o que 
acontece em um acontecerá também no outro, pois a mente e o corpo são manifestações, ou atributos 
paralelos da mesma substância. Nesse aspecto reside a relevância do argumento de Espinoza em termos 
da nossa reflexão de comunicabilidade. Se observarmos manifestações como timidez, vergonha, 
felicidade, coragem, desafio, receio, etc. constatamos que estas são situações que afetam a mente e o 
corpo, pois as reações não ficam localizadas num universo somente. Alguma situação que é provocada 
num universo, que Espinoza chama de atributo, é extensivo também a outro. 
 A tese de Espinoza contradiz os pensamentos correntes na sua época que compreendiam que era a 
alma que determinava as ações do corpo, como o dualismo neoplatônico e cartesiano
27
. Espinoza, com 
a tese do paralelismo, questiona aquelas pessoas que não valorizam a corporeidade humana, mas 
colocavam essa como sendo inferior à mente, ou essência. Ele entende que “aquele que imagina que 
aquilo que ama é destruído ficará triste; se, ao contrário, imagina que aquilo que ama é conservado, 
alegrar-se-á” (Prop.XIX, Ética III, p.187). Essa tristeza ou alegria, que tem sua fonte no pensamento, 
afetará igualmente o corpo, pois a tristeza é percebida pelas expressões corporais assim como a alegria 
também. Do mesmo modo, algo que afeta o corpo provocando situações de dor ou prazer afetará 
também a mente. 
 
Arte renascentista e moderna 
 
 
26
 Monismo é uma teoria filosófica que defende a unidade da realidade, ou seja, o que existe vem de uma mesma substância. 
Há também identidade entre mente e corpo, ou essência e aparência. O conceito monismo é o contrário do que se 
compreende pelo dualismo (Abbagnano, N. Dicionário de filosofia. 2. Ed., Mestre Jou, São Paulo, 1982, p. 652). 
27
 Termo cartesiano refere a René Descartes (159 –1650) considerado o fundador da filosofia moderna. Na sua compreensão 
de ser humano, ele se utiliza do pensamento dualista, separando corpo e mente, onde a essência tem maior relevância que a 
aparência. 
7 - Renascimento e Modernidade 
No Renascimento, com a Revolução Industrial desenvolve-se a técnica industrial e o ser humano se 
liberta da autoridade religiosa, deixando fluir seu gosto estético. Essa transformação pode ser percebida 
especialmente na vestimenta, numa comparação entre o período medieval e as transformações que 
ocorreram a partir do Renascimento. Essamudança na vestimenta acontece motivada por duas causas: 
a) a libertação do homem do dogma religioso e a busca por sua autonomia estética; b) o avanço técnico 
que fabrica produtos mais adaptáveis às formas do corpo. 
No período Moderno, com o desenvolvimento das modernas tecnologias de comunicação, 
especialmente da televisão, a compreensão do que é belo relaciona-se cada vez mais com seu potencial 
mercadológico. Assim, a mídia comercializa conceitos no universo da moda, das atitudes humanas, dos 
gostos, do cinema, da arte e da compreensão estética humana. Isso possibilitou a fragmentação do ser 
humano, perdendo a unidade que o caracteriza como formado de uma essência e aparência 
indissociáveis. 
Na atualidade constata-se que no conteúdo veiculado pelos modernos Meios de Comunicação 
perdeu-se, em muito, a relação entre mente e corpo, ou essência e aparência. O considerado belo nem 
sempre é bom, ou ético e o que é bom, ou ético nem sempre é avaliado como sendo belo. O desafio 
consiste em buscar o equilíbrio entre a ética e a estética. 
Especialmente nos interessa no presente momento a constatação feita pelos pré-socráticos da 
existência de uma Psyché(essência) junto com o Soma (corpo). É importante sublinhar que essa base 
teórica que resulta no dualismo platônico de Mundo das idéias e Mundo da sensibilidade, auxiliou a 
formar a racionalidade Ocidental, compreensão e visão de mundo. 
Poderíamos dizer que a partir da noção de Psyché ou Mundo das idéias é possível estabelecer a 
relação de comunicabilidade do homem consigo mesmo, pela qual ele pode conhecer sua interioridade 
e desenvolver sua consciência como ser humano. Esta é uma noção que o ser humano tem da sua 
existência, um voltar-se para dentro de si, um auto-conhecimento. A idéia de interioridade revela a 
compreensão privilegiada da existência de uma natureza superior, demonstrando o auto-conhecimento 
de sua situação humana, como indivíduo, como sujeito. 
Via de regra, a Psyché está vinculada às atividades espirituais sem as quais seria impossível o 
homem se conhecer. Assim, diferentemente do corpo, esta se desenvolve e se aperfeiçoa 
constantemente. Esta possibilidade de conhecer-se a si mesmo acontece por um processo comunicativo 
que revela o senso de humanidade. O conhecer-se a si mesmo dá-se por meio da linguagem que 
evidencia o desenvolvimento da racionalidade humana. 
O equilíbrio entre essência e aparência é central para estabelecermos uma ação comunicativa 
qualificada e eficiente. É extremamente importante percebermos a relação de reciprocidade, influência 
mútua, de paralelismo como Espinoza compreende, existente entre corpo e mente. Pode-se 
compreender que cada membro do corpo tem sua função, mas estes não estão numa relação de 
contradição ou conflito, onde um deve dominar e determinar o outro, como se compreendia em alguns 
momentos que o Mundo das idéias deveria dominar o Mundo da sensibilidade, ou seja, a alma seria 
mais importante que a sensibilidade do corpo. 
É fator decisivo para o processo comunicativo a existência e a compreensão desta auto-
comunicação. Falando em termos de comunicabilidade, a existência de uma realidade interior somente 
é possível naquelas reflexões que tem como seu tema conceitos como interioridade e exterioridade. Isso 
quer dizer que perceber a relevância desta auto-comunicação é pré-requisito para buscar o auto-
conhecimento. 
A constatação dos filósofos pré-socráticos e de Platão sobre a existência de uma interioridade e 
exterioridade não quer, no momento contemporâneo, isolar o homem do contexto social. Não quer 
também acentuar o já equivocado conceito que compreende o ser humano dividido em corpo e alma. 
No processo comunicativo busca-se compreender o homem na sua totalidade, onde aparência e 
essência estão inter-relacionados, não podendo ser vistos em oposição, mas em complementaridade
28
. 
 
8 - Concluindo 
A existência da anorexia e bulimia questiona o conceito de belo da cultura brasileira e Ocidental. 
Matéria do jornal O Globo de 15/11/2006 diz “Em setembro de 2005, modelos excessivamente magras 
foram proibidas de participar num desfile de alta-costura em Madri, na Espanha, abrindo uma polêmica 
sobre as imagens esqueléticas das meninas nas passarelas da moda. A decisão de rejeitar modelos 
abaixo do peso foi tomada por conta da busca de meninas e mulheres jovens de tentar copiar a 
aparência das modelos e desenvolver transtornos alimentares, como a anorexia. Representantes de 
agências de modelos, como a Elite de Nova York, protestaram e disseram que a indústria da moda 
estava sendo usada como bode expiatório de doenças como a anorexia e a bulimia. ‘Como fica a 
questão da discriminação contra a modelo e a da liberdade do estilista?’, disse a diretora da Elite 
América do Norte”. 
No portal Terra, moda.terra de setembro de 2006 diz “a übermodel brasileira Gisele Bündchen seria 
vetada nos desfiles da Espanha. De acordo com o site oficial da modelo, Gisele tem 1,79m de altura e 
pesa 54 quilos. Já a ex-miss Paraná, Grazielli Massafera poderia desfilar tranqüilamente em Madri com 
seus 58 quilos distribuídos em 1,73m de altura”. 
 
 
 
 
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 Essa influência recíproca pode ser constatada hoje nas chamadas doenças psicossomática, ou seja, a inter-relação e 
influência recíproca entre o Mundo das idéias - a Psyché e na outra dimensão encontra-se o Mundo da sensibilidade, ou 
seja, o Soma. Isso quer dizer, da Psyché (Mundo das idéias) e do Soma (Mundo da sensibilidade) resulta o termo 
psicossomático, ou seja, de Psyché + Soma.

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