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CURSO de FILOSOFIA e SAÚDE (1ª Parte)

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1 
 
CURSO de FILOSOFIA e SAÚDE 
DEZOITO ENCONTROS 
Sumário 
1 – Filosofia e Medicina nos pensadores pré-socráticos 
2 – Hipócrates: a Medicina como Ciência 
3 – Sócrates e Platão: a cura da alma 
4 – Aristóteles: a Saúde como virtude e dever do Estado 
5 – Estoicismo e Epicurismo: a vida regrada 
6 – O Cristianismo e o surgimento dos fundamentos morais da Ética da Saúde 
7 – A Modernidade em René Descartes e implantação da visão mecanicista nas pesquisas da 
Saúde 
8 – La Mettrie e o elogio do homem-máquina 
9 – A Medicina na visão educativa de Rousseau 
10 – O problema do mal em Kant 
11 – O corpo alienado em Marx 
13 – A Sáude na genealogia de Nietzsche 
14 – Determinismo e Biologismo em Darwin 
13 – Indivíduo e seu sofrimento em Freud 
14 – O corpo vivido em Merleau-Ponty 
15 – O dilema do sofrimento e da finitude em Sartre e Heidegger 
16 – A Saúde nas considerações sobre biopolítica de Foucault 
17 – O caráter oculto da Saúde em Gadamer e o sofrimento segundo Bertrand Vergely 
18 – O despontar de novas éticas em Hans Jonas e Edgar Morin 
 
 
 
 
2 
 
 INTRODUÇÃO 
 
 Existe uma presença da Filosofia na Saúde e existe uma presença da Saúde na 
Filosofia. A tradição filosófica, sobretudo a de caráter humanista, sempre investigou os 
problemas mais graves que envolvem o ser humano em sua existência, curta ou longa, neste 
mundo. Um dos elementos, talvez o maior de todos, que é fonte perene de sentidos e 
significações é o sofrimento humano que se faz presente em situações extremas, de uma ponta 
à outra da vida: do nascimento à morte. A produção de reflexões, visando o sofrimento, 
encampa todos os fazeres – meios ou fins – do profissional da Saúde. Neste sentido, Filosofia e 
Saúde se imbricam, tornando-se campos mútuos de interesse. Aqueles que realizam o amparo 
da saúde do homem fornecem dados invitativos à atenção do filósofo. E este, por sua vez, 
oferece paradigmas epistemológicos, morais, políticos, existenciais para um sentido do homem 
contingente que se tornou objeto de ações terapêuticas. 
 A história do pensamento está recheada de médicos que se tornaram filósofos. Assim 
como há filósofos que se voltam para a medicina, mesmo que contextualizada em suas 
fragilidades, para um suporte melhor de seu edifício teórico. A doutrina de um Platão, por 
exemplo, não pode ser entendida sem que se remeta à compreensão dos pressupostos 
científicos de um Hipócrates. Há quem afirme a similaridade de uma área no interior da outra. 
O projeto aristotélico de uma cidadania pacífica e honesta não se dá, sem que se prescreva um 
conjunto de dietas para a boa constituição física de um cidadão. Durante os séculos de 
predominância da Fé cristã sobre a Razão humana, em nome de uma imortalidade da carne, 
princípios fundadores da dignidade singular de cada indivíduo perfizeram uma visão de 
homem que até hoje estão a influenciar decisões profissionais e científicas no campo da Saúde. 
Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino não deixarão de ponderar sobre a natureza do mal 
que, mesmo apesar de seu caráter moral, não se esquiva de se apresentar pelos efeitos do que é 
saudável no corpo do homem. Mesmo num renascentista político, como Maquiavel, a medicina 
se faz presente. Lá, está o príncipe para tratar, com precisão cirúrgica, os tumores sociais. 
 Rousseau, no Emílio, ao reivindicar a exclusividade na educação de um espécime 
humano, considera a medicina um entrave, justamente por sua natureza artificial, interruptora 
de uma adaptabilidade do homem ao meio natural. Descartes, o racionalista cético que nos 
brinda com o sujeito epistemológico, se lança sobre o objeto-corpo humano com a mesma 
curiosidade do anatomista médico. A modernidade, ao mesmo tempo em que libera a Ciência 
para dessacralizar a natureza, incluindo aí a pesquisa médica, faz dos feitos, realizados deste 
3 
 
mesmo conhecimento, o suporte de novas epistemologias. A noção de um mundo de corpos 
físicos passíveis de explicação mecânica se orienta para e com a medicina. À reboque de 
Descartes, o filósofo e médico La Méttrie cunha a noção do homem-máquina. De igual forma, 
uma doutrina que se contraponha à tradição mecanicista inaugurada, seja para ressaltar os 
sentimentos do homem, seja para enaltecer suas funções vitais, seja ainda para precisar o 
papel da percepção no conhecimento humano, será ainda o acesso à medicina a atitude mais 
freqüente. 
A pesquisa aparelhada padece de uma ambigüidade, segundo Foucault. Quer liberar o 
homem e, ao mesmo tempo, produz suas algemas, exercendo o controle sobre os corpos e 
criando uma política do corpo. Ele não teria vislumbrado isso, sem antes ter partido para a 
compreensão da clínica. De outra forma, quando o paradigma moderno de Razão e de Ciência 
começa a trincar, em virtude de sérias críticas, será ainda o fator do sofrimento humano, 
efetivado sistematicamente por modelos políticos ambiciosos, o ponto decisivo. A Saúde é, sem 
duvida alguma, o fio condutor das convicções de um Freud. Está, de mesmo modo, em todo o 
arcabouço virulento de um Nietzsche. 
E é ainda a Saúde quem preside as premências éticas dos dias atuais. Seja a saúde do 
homem, seja a saúde dos animais, seja a saúde do Planeta. Diante da crise de paradigmas, na 
pós-modernidade, a filosofia tem voltado para sabedorias antigas, como a estóica e a 
epicurista. E, nestas, pode-se constatar a preocupação generalizada do equilíbrio humano em 
conformidade com a natureza. E, entre os cuidados recomendados, proliferam as vozes que 
orientam condutas em relação à finitude humana: a morte. É a saúde entrando, novamente, 
pela porta dos fundos, para instar à filosofia. 
Ocorre que, com a modernidade mesmo, as áreas do saber se tornaram especialidades. 
As ciências passaram a se justificar pela delimitação de seus objetos. Proliferando-se e 
reduzindo-se conforme a especificidade de cada uma, ciências de caráter generalizante, como a 
Filosofia, são facilmente tomadas como dispensáveis ou, outras vezes, não mais são percebidas 
como conseqüentes para uma área específica, cujo propósito é imediatista e utilitarista. Ela não 
é percebida, sobretudo em cursos que visam saberes práticos e mercado certo, como coisa 
essencial. Esta noção, não raras vezes, bate à porta do estudante da Saúde. O que fazer com a 
filosofia ali, com essa coisa excessiva que parece atrasar propósitos? Em vista disso, assistimos 
a uma partição desta, que foi o nicho de todos os saberes no passado, em discursos de respaldos, 
na esperança de que ela justifique sua existência num determinado curso. Assim, quer-se que a 
Filosofia seja aplicada à Enfermagem, à Farmácia, à Educação Física, à Medicina, etc. Este 
pensamento é redutor e descaracterizador. Todavia, pensar Filosofia e Saúde não reza por aí. 
4 
 
Justamente, porque a imbricação de ambas é muito antiga, está no nascedouro da própria 
Filosofia. Trata-se de um pensar mais universal que o reduzi-la a pequenas fatias para torná-la 
atraente a alguns cursos. 
Os capítulos desenvolvidos buscam mostrar a relação íntima entre Filosofia e 
Medicina. Dizer que existe a presença de uma na outra é querer que a Filosofia permaneça 
inteira em sua identidade e inteira ainda como objeto de investigação. Se ela oferece sentidos 
sobre o humano do homem, é doadora também de autorizações dos fazeres sobre este mesmo 
homem. A Saúde é produtora de filosofia. E quer-se que ela, assim como é produtora, tenha, por 
justiça, uma atitude de escuta e diálogo com o pensamento que provocou. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
I – FILOSOFIA E SAÚDE NOS PENSADORES PRÉ-SOCRÁTICOS 
 
 A filosofia surge, propriamente,com uma questão fundamental que, até hoje, se 
mantém instigadora: o que é o mundo? De que elementos ele é resultado? Como ele surgiu? O 
que o sustenta? Ele é eterno ou perecível? Quem ou o que gerou o mundo? 
 Mundo, em grego, é kósmos. Daí que a filosofia que se ocupa com estas questões ou os 
filósofos que se enveredaram por estas investigações recebem o nome de Cosmologia ou de 
cosmólogos. Na verdade, são físicos. Porque, ao buscarem um princípio (arché, em grego), 
determinaram que este princípio seria a Natureza (phýsis, em grego). Mas não devemos 
conceber Natureza (Física) no sentido moderno, que é o nosso, mas à maneira dos gregos. Para 
eles, Natureza era concebida no sentido original de realidade primeira e fundamental, ou, 
conforme esclarece J.Burnet, ‚aquilo que é primário, fundamental e persistente, em oposição 
àquilo que é secundário, derivado e transitório‛.1 
 Para os modernos, A Natureza é algo que está disposto para o cientista como um 
conjunto de forças que se contrastam e que precisam ser domadas pelo engenho do homem. E 
ele, o desvendador de segredos, deve delas deduzir leis que as interpretem e as submetam. A 
Natureza é incompleta e precisa de melhorias, para ser colocada a serviço do homem. A lei 
física é um princípio de domesticação, de garantias do domínio humano sobre o mundo. 
 Para o físico grego, essa face utilitarista não existe como foco de investigação. Ele 
procura um princípio unificador, o que garante a sustentação de todas a variedades aparentes 
do mundo. E quando ele contempla o mundo, com a razão, volta os olhos para a harmonia do 
mundo. Daí, a importância de precisar qual foi o elemento primeiro que deu origem ao mundo. 
 Por que, no início da filosofia, o primeiro olhar dos filósofos foi dirigido ao mundo? 
Não poderiam eles considerar, por exemplo, o ser humano? Werner Jaeger, um dos maiores 
historiadores do helenismo, propõe o problema: ‚Com frequência, se debateu a questão de saber 
como foi possível à filosofia grega ter começado com os problemas da natureza e não com os 
relativos ao Homem.‛2 
 Alguns autores situam o problema na ruptura que a filosofia representou em relação à 
religião. A Razão, cuja prática nasceu com estes filósofos, buscou se opor às imensas lacunas 
das narrativas religiosas que eram propagadas pelas bocas de poetas-profetas. De fato, Luc 
 
1 Cf. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.30. 
2 JAEGER, Werner. Paidéia A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.193. 
6 
 
Ferry, filósofo contemporâneo, escreve que ‚em todas as civilizações que conhecemos, sem 
contar a Antiguidade grega, e antes dela, as religiões ocupavam o lugar da filosofia.‛3 
Narrativas míticas, isto é, religiosas, por algum tempo, bastavam para explicar a ordenação do 
mundo. Nesse contexto, os poetas tinham enorme importância. Quase sempre eram os 
portadores orais dos vaticínios dos deuses ou, declamadores públicos destas verdades, 
passaram a ser uma espécie de educadores destas épocas. Eram ainda respeitados como seres 
capazes de perenizar outros seres com as palavras que proclamavam. Por isso, a forma escrita 
de suas doutrinas era o verso, a poesia. Nos seus textos, a questão do mundo e do homem era 
indissociável. Os poetas educavam moral e politicamente o povo. E, como foi dito, numa 
conotação quase sempre religiosa. O mundo era feito e provido pelos deuses, exercendo sobre o 
homem destinos quase sempre incontornáveis. O exemplo mais cabal destes foi Homero, autor 
da Ilíada e da Odisséia, verdadeiras bíblias dos gregos anteriores. Há outros, como Hesíodo, 
Tirteu, Arquíloco, Semônides, Mimnermo, Safo e o próprio Sólon, grande estadista. 
Formadores e propagadores de mitos eram os poetas. A filosofia teria dado a estas explicações 
um fim. Ou, pelo menos, não se contentavam com suas soluções. Daí que, como a religião 
tratasse obviamente do problema do homem nos campos da moral, da ética, da política, etc, 
estes autores se afastaram de suas propostas e enveredaram por um problema solitário, o da 
Física. Deram eles um fim às narrativas míticas? Com certeza, não. É recorrente a presença de 
narrativas míticas e, mesmo, de crenças arraigadas de discursos religiosos em filósofos como 
Platão. 
 Para Werner Jaeger, a resposta à questão anterior – por que o mundo e não homem? – 
tem outro caminho. É que as questões acerca do homem de antes tinham um caráter prático, ao 
passo que as questões propostas pelos filósofos-físicos eram de caráter teórico.4 Explicando 
melhor: na boca dos poetas estavam as admoestações para uma vida pautada na obediência 
aos deuses e nos deveres dos homens consigo mesmos e com os outros, ou seja, uma conduta 
prática. A Física, ao contrário, elaborada pelos primeiros filósofos, possui um teor teórico, 
exercício do lógos, pensamento, abstração. Na verdade, foi o início da racionalidade em si. 
 Esse passo, apesar de parecer isentar o homem de suas preocupações, na verdade, 
prepara o caminho para uma filosofia profunda sobre a humanidade do homem. Werner 
Jaeger nota-o: ‚O problema do Homem não foi encarado pelos Gregos, a princípio, do ponto de 
vista teórico. Mais tarde, no estudo dos problemas do mundo externo e particularmente da 
 
3 FERRY, Luc. Aprender a viver. Filosofia para os novos tempos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, p.35. 
4 JAEGER, Werner. Paidéia A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.193. 
7 
 
Medicina e da Matemática, é que descobriram intuições do tipo de uma techne exata, que 
serviram de modelo para a investigação do Homem interior.‛5 
 A filosofia da natureza dos primeiros filósofos, mesmo não considerando o homem, 
fornece as ferramentas teóricas com as quais é possível, de forma racional, abordar os 
problemas humanos posteriormente. É assim que Werner Jaeger explica essa ‚indiferença‛ dos 
primeiros filósofos, fazendo inclusive uma comparação entre a sabedoria oriental e a 
racionalidade grega: ‚Enquanto a alma do Oriente, no seu anseio religioso, se afunda logo no 
abismo do sentimento, sem ali encontrar, no entanto um terreno firme, o espírito grego, 
formado na legalidade do mundo exterior, cedo descobre também as leis internas da alma e 
chega à concepção objetiva de um cosmos interior. Foi esta descoberta que, num momento 
crítico da história grega, possibilitou, pela primeira vez, a estruturação de uma nova formação 
humana, com fundamento no conhecimento filosófico, no sentido proposto por Platão.‛6 
 É fato então que a filosofia nasce com os filósofos que buscam o ‚princípio‛ de todas as 
coisas. Nasce, portanto, na Grécia, nas últimas décadas do século VII a.C. O quadro abaixo 
esquematiza as escolas e seus pensadores, assim como suas propostas: 
 
ESCOLAS PENSADORES PROPOSTAS 
Escola Jônica 
Séculos VII e VI a.C. 
Tales de Mileto Água 
Anaximandro de Mileto Á-peiron 
Anaxímenes de Mileto Ar 
Heráclito de Éfeso Harmonia dos contrários 
Escola Pitagórica 
Séculos VI e V a.C. 
Pitágoras de Samos Número 
Orfismo Dualismo psicofísico CORPO e ALMA 
Escola Eleata 
Seculos VI e V a.C 
Xenófanes de Colofon Crítica ao Antropomorfismo 
Parmênides de Eleia SER é UNO 
Zênon de Eleia SER é IMUTÁVEL 
Melisso de Samos Sistematização do eleatismo 
Pluralistas 
Alcméon de Crotona 
Mistura equilibrada de potências opostas - 
Dýnamis 
Empédocles de 
Agrigento 
Os quatro elementos: ÁGUA, TERRA, FOGO, 
AR = ÚMIDO, SECO, QUENTE, FRIO. 
Amizade e Discórdia 
 
5 JAEGER, Werner. Paidéia A formação do homem grego. São Paulo: MartinsFontes, 2003, p.193. 
6 JAEGER, Werner. Paidéia A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.193. 
8 
 
 
Anaxágoras de 
Clasômenas 
Spérmata (Sementes) 
Lêucipo de Abdera 
Demócrito de Abdera 
Átomo 
 
 O estudo destes filósofos, um a um, é de suma importância para o entendimento da 
evolução da Medicina e todas as práticas que envolvem a Saúde e o cuidado do homem. Basta 
lembrar que, logo em seguida, as escolas médicas de Crotona, Cirene, Rodes, Cnido e Cós, onde 
ensinou Hipócrates, foram diretamente influenciadas por estas doutrinas. 
 Assim, vamos delinear o que propuseram cada um destes filósofos e por que o fizeram, 
tentando mostrar o quanto as ciências terapêuticas são devedoras a eles. 
 
1.1 TALES DE MILETO (cerca de 625 – 558 a.C) 
 
 Tales, que viveu na cidade de Mileto nos fins do século VII até a metade do século VI 
a.C., é o grande iniciador da filosofia. Foi filósofo, cientista e político. Foi ele que levantou a 
questão de que o mundo, necessariamente, se originou a partir de um elemento fundamental. 
Para ele, esse elemento é a água. A água, como arché, seria o princípio primordial, único. A 
partir dela, passariam a existir todos os seres. 
 Segundo REALE e ANTISERI, ‚a compreensão exata dessa 
proposta pode nos fazer entender a grande revolução operada por 
Tales, que levaria à criação da filosofia‛.7 Por que revolução? 
Certamente, não só porque propôs a água como a phýsis, nome que ele 
mesmo cunhou. Proposta que se mantém moderna, sobretudo quando a 
Biologia, a partir de Darwin, vai sugerir que a vida principiou na 
água dos mares. É revolucionária principalmente porque deixa de 
considerar a ação dos deuses (Teogonias) como autoridade e polariza a 
atenção para um elemento material ao qual o homem deve exercer sua pesquisa e 
compreensão. É uma atitude desmistificadora. A investigação pertence à razão humana e não 
a revelações divinas. 
 
7 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.29. 
9 
 
 Mas, ressaltemos melhor o que é o princípio, a phýsis, no caso aqui a água. A 
explicação pode ser tomada de Aristóteles. Princípio é ‚aquilo do qual derivam 
originariamente e no qual se ultimam todos os seres. [...] Uma realidade que permanece 
idêntica no transmutar-se de suas alterações; [...] que continua a existir imutada, mesmo 
através do processo gerador de todas as coisas‛.8 
 Ao propor a água como phýsis, Tales partiu, com certeza, da verificação de que o 
úmido é a base da nutrição de todas as coisas. As coisas vivas, de forma geral, tem natureza 
úmida. O vivo é úmido. De forma que o seco vai se aparentando com a morte. O seco total é a 
morte. Para Tales, essa constatação era suficiente para afirmar que a agua é o elemento 
primordial do mundo. Conforme comentam REALE e ANTISERI, ‚Tudo vem da água, tudo 
sustenta sua vida com água e tudo acaba na água‛. 9 
 Sendo Tales o primeiro filósofo e ter ele dado prioridade à água dá o que pensar. Não 
seria demais estabelecer paralelos com preocupações atuais da Ciência. Por exemplo, em 2009, 
sondas espaciais foram enviadas para explorar a superfície de Marte e uma das preocupações 
da Nasa era a de obter amostras que comprovassem existência de água naquele planeta. A 
água presumida apontaria para a possibilidade do surgimento da vida ali ou de condições de 
colonização humana futura daqueles solos. Nos anos 90, uma equipe de cientistas foi realizar 
uma pesquisa numa mina de carvão da Austrália, a uns oitenta metros solo a dentro. Nesta 
profundidade, os mineiros constataram um lençol de água aquecida a temperaturas elevadas. 
O interesse dos pesquisadores era de fazer coleta e exame sistemáticos daquela água, pois 
acreditavam que, por ser profunda e muito quente, não haveria ali condições nem ocasiões de 
existir vida. Se fossem contrariados nas expectativas, estaria comprovado de que a vida 
surgira mesmo da água. E o fato se comprovou. Não só encontraram bactérias ali, como 
verificaram que eram bactérias completamente distintas das da superfície. Chegaram à 
hipótese de que poderiam constituir estas como exemplares das proto-vidas unicelulares. 
 De outra forma, era fácil perceber que a maioria dos fetos de mamíferos são envoltos 
por bolsas de líquidos, no útero de suas mães. De igual forma, a batalha pela preservação dos 
recursos hídricos potáveis, atualmente, ajudam a perceber a plausibilidade da proposta de 
Tales, mesmo não sendo suficiente. 
 
8 Apud: REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, 
p.29. 
9 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.30. 
10 
 
 Mas de que água tratava Tales? REALE e ANTISERI lembram que ele era naturalista 
e não materialista.10 Ele pensava na água como coisa que coincidia com o divino. Deus, para 
ele, era ‚a coisa mais antiga, porque incriada‛ e ‚tudo está pleno de Deus‛. Defendia, assim, o 
panpsiquismo, ou seja, tudo seria dotado de vida e de alma. Tales principia uma tradição que 
toma o cosmos como divino e que só será alterada pelo Cristianismo, séculos depois. A arché ou 
phýsis que propõe, será assumida como um dos quatro elementos pelo médico Empédocles, 
mais tarde. 
 
1.2 ANAXIMANDRO DE MILETO (cerca de 610 – 547 a.C.) 
 
 Discípulo de Tales, nasceu nos fins do século VII a.C. e morreu na metade do século VI 
a.C. Anaximandro é autor do primeiro tratado filosófico do Ocidente – Sobre a natureza – 
escrito em prosa. Segundo REALE e ANTISERI, trata-se de nova composição literária, exigida 
pelo logos, buscando liberdade da métrica e do verso.11 Isso significa que, antes dele, a filosofia 
era disposta em versos e que, depois dele, o discurso filosófico 
ganhou uma fluência maior que seria a adotada por Platão e 
Aristóteles. 
 Anaximandro propõe que a arché é o infinito. O nome que 
ele arranja é o a-peiron. Aquilo que possui uma natureza infinita e 
indefinida, ou seja, privado de limites, externa e internamente. Não 
tem limites quantitativa e qualitativamente. Assim, pode dar origem 
a tudo o que há. Conforme comentam REALE e ANTISERI, ‚esse 
princípio abarca e circunda, governa e sustenta tudo, justamente 
porque, como de-limitação e de-terminação dele, todas as coisas se 
geram, nele com-sistindo e sendo‛.12 
 O a-peiron de Anaximandro assume as características do divino eterno e, de certa 
forma, representa um golpe na tradição homérica. Não admite um fim nem um início. Os 
deuses de Homero tinham um nascimento. Com isso, fica reforçada a idéia do como os 
 
10 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.31. 
11 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.31. 
12 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.32. 
11 
 
primeiros filósofos são tidos como naturalistas, ‚não vêem o divino como algo diferente do 
mundo, mas como essência do mundo‛.13 O mundo é divino. Deus é o princípio. 
 Para explicar como se dá a genealogia das coisas, através do a-peiron, há um 
fragmento seu, muito intrigante: ‚De onde as coisas extraem o seu nascimento aí também é 
onde se cumpre a sua dissolução segundo a necessidade; com efeito, reciprocamente sofrem o 
castigo e a culpa da injustiça, segundo a ordem do tempo.‛14 Anaximandro está se referindo ao 
processo de geração e corrupção, vida e morte, início e fim, termos recorrentes na filosofia 
desde então. Outro termo carregadode sentido é necessidade. Necessário, na terminologia 
filosófica, é próprio do ser contingente, carente de algo, portanto, limitado. Tudo que é criado é, 
por definição, tangido pela necessidade, por carências. Necessário é aquilo que é, 
incontornavelmente, exigido por um ser para que exista. 
 A segunda parte do fragmento – ‚sofrem castigo e culpa da injustiça, segundo a ordem 
do tempo‛ – também é muito significativa. Tudo que é criado 
é introduzido na ordem do tempo, na finitude. Anaximandro 
identifica esse processo como injustiça. Mas não no sentido 
moral que conhecemos. Quando, na filosofia antiga, falamos 
de justiça, o termo pode ter duas acepções. A primeira 
responde pela noção de justeza, ou seja, harmonia. A 
segunda, posterior, a noção de retidão moral. Sem dúvida, 
Anaximandro se dirige pela primeira acepção. Para ele, o 
mundo é constituído de contrários, cuja tendência é o 
predomínio de um elemento sobre o outro, seu contrário. Que elementos? O quente, o frio, o 
seco, o úmido. Elementos que se tornarão recorrentes daí em diante. O predomínio de um sobre 
o outro é o que ele chama de injustiça que se estende tanto às alternâncias destes elementos 
quanto ao fato de serem assim tendentes. O tempo se comporta como uma espécie de juiz entre 
os contrários, estabelecendo limites, ora em favor de um, ora em favor de outro. O nascimento 
implica em oposição, de forma que o mundo surge da ‚cisão entre contrários‛. Trata-se da 
primeira injustiça que só pode ser expiada com a morte do próprio mundo, para sucessivos 
renascimentos, obedecendo a uma ordem cíclica do tempo. 
 Seguindo este raciocínio, para Anaximandro, há infinitos mundos. Este mundo seria 
uma sucessão de outros, precendo outros futuros. Todos eles obedecendo igualmente o mesmo 
processo de geração e corrupção. 
 
13 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.32. 
14
 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.32. 
12 
 
 O nosso cosmos, para ele, teria a seguinte gênese: de dois elementos primeiros, o quente 
e o frio. O frio tem uma natureza líquida, sendo transformado pelo calor, formado numa esfera 
periférica, que reside no ar. Essa esfera de calor se dividiu em três, formando o sol, a lua e os 
astros. O líquido então se ajuntou nas cavidades da terra, formando os mares. A Terra, por sua 
vez, tem forma cilíndrica e esta suspensa e nada a sustenta. Esse equilíbrio de forças é 
promovido pela distância igual de todas as partes. A ação do sol sobre o elemento líquido deu 
origem aos primeiros animais. Primeiro, aos de estrutura mais simples que foram se evoluindo 
até dar origem aos mais complexos. Como se vê, Anaximandro antecipa a idéia que será 
desenvolvida, séculos depois, pelo Evolucionismo. 
 
1.3 ANAXÍMENES DE MILETO (cerca de 585 – 528 a.C.) 
 Aluno de Anaximando, viveu no século VI a.C. 
Também autor de uma obra intitulada Sobre a natureza. 
Ele propõe, como arché, o ar. O ar, para ele, é substância 
ilimitada. Outra afirmação que vem da observação da 
natureza, onde tudo o que vive tem o ar como substância 
indispensável. Mas o ar não é só um princípio que ostenta 
algo, ele também comanda. Por isso, Anaxímenes o 
relaciona com a alma. Num fragmento, escreve: 
‚Exatamente como a nossa alma, que é ar, se sustenta e se governa, assim também o sopro e o 
ar abarcam o cosmos inteiro‛.15 
 A identificação de alma como sopro, espírito, elmento incorpóreo, assumindo o 
comando do corpo, se tornou uma concepção fundamental da filosofia. Ao propor o ar, 
Anaxímenes está se dirigindo a dois processos verificáveis na natureza: a condensação e a 
rarefação. Esse duplo movimento, em dosagens diferentes, responde pelo surgimento das 
coisas. Simplício, um filósofo antigo, explica a proposta de Anaxímenes: ‚Diferencia-se nas 
substâncias, por rarefação e condensação. Rarefazendo-se, torna-se fogo; condensando-se, 
vento, depois, nuvem, e ainda mais, água, depois terra, depois pedras, e as demais coisas 
(provém) destas. Também ele faz eterno o movimento pelo qual se dá a transformação.‛16 
Também Plutarco, historiador grego antigo, o comenta: ‚O contraído e condensado da matéria 
 
15 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.34. [Há 
outra tradução, no primeiro volume de Os pensadores: ‚Como a nossa alma, que é ar, soberanamente nos 
mantém unidos, assim também todo o cosmo sopro e ar o mantém‛. (1973: 57)]. 
16 In: Os Pensadores, I. Anaxímenes de Mileto. São Paulo: Victor Civita, 1973, p.57. 
13 
 
ele diz que é frio, e o ralo e o frouxo (é assim que ele se expressa) é quente.‛17 Levando essa tese 
à fisiologia humana, Anaxímenes constata que, na respiração, o homem deixa escapar, pela 
boca, tanto o quente como o frio, pelo mesmo processo de contração e dilatação. Lábios 
contraídos produzem o frio; dilatados, o quente. 
Mas, por que o ar? 
 Hegel nos oferece uma consideração: ‚Em lugar da matéria indeterminada de 
Anaximandro, põe ele novamente um elemento determinado da natureza (o absoluto numa 
forma real) – em vez da água de Tales, o ar. Ele achava, com certeza, que para a matéria era 
necessário um ser sensível; e o ar possui, ao mesmo tempo, a vantagem de ser o mais liberto de 
forma. Ele é menos corpo que a água; não o vemos, apenas experimentamos seu movimento. 
Dele tudo emana e nele tudo se dissolve. Ele o determinou igualmente como infinito.‛18 
 Para REALE e ANTISERI, Anaxímenes representa a 
expressão mais rigorosa e lógica (racional) do pensamento da Escola 
de Mileto, por introduzir uma causa dinâmica, em ruptura com as 
influências do Orfismo, verificadas em Tales e Anaximandro. 
 O Orfismo foi um movimento religioso, de caráter privado, em 
oposição à religião pública. Os órficos desenvolveram seus próprios 
mistérios e suas práticas. O nome deriva do poeta trácio Orfeu. Dos 
círculos religiosos privados, é o mais importante por ter influenciado o 
desenvolvimento da filosofia. Eles introduziram um corpus novo de crenças e uma nova 
concepção da natureza humana, em oposição às concepções de Homero. Para Homero, o homem 
é mortal e a morte representa o seu desaparecimento fatal. Os órficos introduzem a crença na 
imortalidade da alma. Propõem o dualismo psicofísico, contrapondo corpo e alma. 
 REALE e ANTISERE resume assim a crença órfica: 
a) No homem se hospeda um princípio divino, um demônio (alma) 
que caiu em um corpo em virtude de uma culpa original. 
b) Esse demônio não somente preexiste ao corpo, mas também não 
morre com o corpo, estando destinado a reencontrar-se em corpos 
sucessivos, através de uma série de renascimentos, para expiar 
aquela culpa original. 
 
17 In: Os Pensadores, I. Anaxímenes de Mileto. São Paulo: Victor Civita, 1973, p.57. 
18 In: Os Pensadores, I. Anaxímenes de Mileto. São Paulo: Victor Civita, 1973, p.58. 
14 
 
c) Com seus ritos e práticas, a ‚vida órfica‛ é a única em condições de 
pôr fim ao ciclo das reencarnações, libertando assim a alma do corpo. 
d) Para quem se purificou (os iniciados nos mistérios órficos) há um 
prêmio no além (da mesma forma que há punição para os não 
iniciados).19 
 
 Recapitulando: Anaximandro fala da injustiça, de castigo e culpa, enquanto Tales 
coincide a água com o divino e ostenta a divindade do mundo e o panpsiquismo. Tais propostas 
recepcionam influências do Orfismo. 
 
1.4 HERÁCLITO DE ÉFESO (cerca de 540 – 470 a.C.) 
 
Heráclito viveu por volta de 540 a 470 a.C. Ele propõe, 
como arché, o fogo.Sua proposta adquire, no entanto, sentido 
dentro da totalidade de sua doutrina do dinamismo universal. 
Influenciado pelos filósofos de Mileto, ele afirma que ‚tudo se 
move‛, ‚tudo escorre‛, ‚nada permanece imóvel e fixo, tudo 
muda e se transmuta, sem exceção‛.20 Num de seus aforismas 
mais famosos, declara: ‘Não se pode descer duas vezes o 
mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância 
mortal no mesmo estado, pois, por causa da impetuosidade e da 
velocidade da mudança, ela se dispersa e se reúne, vem e vai. 
[...] Nós descemos e não descemos pelo mesmo rio, nós mesmos 
somos e não somos.‛21 
 Há uma canção, composta por Nelson Motta e Lulu Santos, que traduz com perfeição a 
proposta heraclitiana: 
 
 
19
 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.18. 
20
 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.35. 
21
 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.35-36. 
15 
 
Como uma onda 
Nada do que foi será 
De novo do jeito 
Que já foi um dia 
Tudo passa, tudo sempre passará 
A vida vem em ondas como um mar 
Num indo e vindo infinito 
Tudo que se vê não é 
Igual ao que a gente viu há um 
segundo 
Tudo muda o tempo todo no mundo 
Não adianta fugir 
Nem mentir pra si mesmo 
Agora há tanta vida lá fora 
Aqui dentro sempre 
Como uma onda no mar 
 
 Heráclito, juntamente com Parmênides, representa um instante de suma importância 
para as questões em torno da possibilidade do conhecimento humano. Eles inauguram tanto a 
Lógica como a Ontologia. E mudam as questões em torno da natureza do Ser. Parmênides será 
visto mais adiante. No que cabe a Heráclito, quando ele propõe o fogo, é justamente pela 
observação de que este elemento produz alterações a tudo o que toca, nada deixando idêntico a 
si mesmo. 
 Heráclito está fixado, com sua proposta, num 
aspecto da realidade que transita entre o ser e o não-ser, 
entre o ser e o seu devir ou vir-a-ser. Para ele, nós somos 
e não somos. É a condição da existência. A vida é 
sustentada por mudanças contínuas. Para isso, ele 
percebe, na natureza, um paradoxo: a harmonia dos 
contrários. Diz ele: ‚Aquilo que é oposição se concilia, 
das coisas diferentes nasce a mais bela harmonia e tudo 
16 
 
se gera por meio de contrastes‛.22 Essa sua constatação aponta para o caráter dinâmico da 
realidade, a exemplo do arco e da lira, quando a harmonia surge da contração. É, assim, o 
contraste que fornece o sentido recíproco entre as coisas: ‚A doença torna doce a saúde, a fome 
torna doce a saciedade e o cansaço torna doce o repouso. [...] Não se conheceria sequer o nome 
da justiça, se ela não fosse ofendida.‛23 
 Para ele, o ser e o não-ser coexistem, em unidade de opostos. Diz que ‚o caminho de 
subida e o caminho da descida são um único e mesmo caminho‛, assim como, no círculo, o início 
e fim se confundem. No que toca ao ser, ‚o vivo e o morto, o desperto e o adormecido, o jovem e 
o velho são a mesma coisa, porque, mudando, estas coisas são aquelas e, por seu turno, aqueles 
são estas ao mudar‛.24 
 O princípio primeiro é essa harmonia de opostos que, em sua visão, é também o divino: 
‚Deus é dia-noite, é inverno-verão, é guerra e paz, é saciedade e fome‛.25 E o fogo se torna sua 
propositura central, dizendo que ‚todas as coisas são uma troca de fogo e o fogo uma troca de 
todas as coisas‛.26 O fogo é o princípio incriado, eternamente vivo, o que rege a transformação 
perpétua no mundo. Sua opção pelo fogo, segundo REALE e ANTISERI, se justifica porque ‚o 
fogo expressa de modo exemplar as características de mudança contínua, contraste e 
harmonia. [...] é continuamente móvel, é vida que vive da morte do combustível, é a contínua 
transformação do combustível em cinzas, fumaça e vapores, é perene ‘necessidade e 
saciedade’.‛27 
 Heráclito ainda airma ser o fogo o ‚raio que governa todas as coisas‛. Para o contexto 
grego, o governo de todas as coisas é a Razão, a inteligência, o logos. Pela primeira vez, de 
forma explícita, a inteligência é associada a um princípio natural e divino. Entramos, assim, na 
questão do conhecimento. Conhecer, para os gregos, era a posse da Verdade. Por isso, as 
questões se polarizavam em saber em que consiste a Verdade. Para Heráclito, ‚a Verdade 
consiste em captar, para além dos sentidos, a inteligência que governa todas as coisas.‛28 
Tarefa difícil, pois a ‚Natureza ama esconder-se‛.29 
 
22 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.36-37. 
23 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.37. 
24 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.37. 
25 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.37. 
26 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.37. 
27 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.37. 
28 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.38. 
29 In: Os Pensadores, I. Heráclito de Éfeso. São Paulo: Victor Civita, 1973, p.97. 
17 
 
 Outra decorrência de sua proposta é a afirmação de que a alma humana é também 
fogo e de que a alma mais sábia é a mais seca: ‚Brilho seco (é a) alma mais sábia e melhor‛30 
Acreditava que o pensamento fosse faculdade universal de todos os homens – ‚Comum é a 
todos pensar‛ – e já adiantava aquilo que seria a proposta central da filosofia introspectiva de 
Sócrates: ‚Procurei-me a mim mesmo‛.31 Assim como também adianta uma questão moral 
fundamental em Platão: ‚Lutar contra o coração é difícil; pois o que ele quer compra-se a preço 
de alma‛.32 
 Há ainda uma crítica sua direcionada à prática médica: ‚Os médicos, quando cortam, 
queimam e de todo modo torturam os pacientes, ainda reclamam um salário que não merecem, 
por efetuarem o mesmo que as doenças‛33 Ou talvez nem seja crítica, considerando o conjunto 
de sua proposta, a harmonia de contrários. Se a doença é o contrário da saúde, a cura seria uma 
doença da doença. De outra forma, ele acaba oferecendo dados sobre a prática médica das 
sangrias, fartamente observáveis nos tratados hipocráticos. 
 
1.5 PITÁGORAS DE SAMOS (cerca de 580/78 – 497/6 a.C.) 
 
 Pitágoras é o fundador de uma escola filosófica e 
religiosa, responsável por elevar as questões filosóficas a 
parâmetros matemáticos. Seus seguidores, chamados de 
pitagóricos, foram responsáveis pela divulgação da doutrina 
do Orfismo, religião dos mistérios, que adotou para si. Foi um 
pensador que viajou pelo mundo antigo, com farto 
conhecimento das diversas outras culturas, sobretudo a 
egípcia. Ele conta entre os principais influenciadores de 
Platão, em cuja doutrina, deu enorme destaque à matemática. 
 Sua Escola, mantida depois pelos seguidores, era uma espécie de fraternidade secreta. 
Possuía regras rigorosas de conduta e convivência. Tinha como finalidade cimentar uma 
comunidade de sábios que quisessem viver um tipo de vida sábia, por meio da ciência e da 
doutrina. Funcionava como uma comunidade secreta, porque suas doutrinas eram 
 
30
 In: Os Pensadores, I. Heráclito de Éfeso. São Paulo: Victor Civita, 1973, p.96. 
31
 In: Os Pensadores, I. Heráclito de Éfeso. São Paulo: Victor Civita, 1973, p.94. 
32
 In: Os Pensadores, I. Heráclito de Éfeso. São Paulo: VictorCivita, 1973, p.93. 
33
 In: Os Pensadores, I. Heráclito de Éfeso. São Paulo: Victor Civita, 1973, p.91. 
18 
 
consideradas segredo. Só os adeptos tinham acesso, proibidos de divulgá-las. Isso contribuiu 
por criar uma lenda em torno de seu nome. 
 Sua doutrina pincipal, de certa forma espantosa, consistiu em propor o número como 
geração de tudo. O número seria a phýsis. Aristóteles fez sobre eles o seguinte comentário: 
‚Primeiro, os pitagóricos se dedicaram à matemática e a fizeram progredir. Nutridos por ela, 
acreditaram que os seus princípios fossem os princípios de todas as coisas que existem. E, como 
na matemática, por sua natureza, os números são os princípios primeiros e nos números, 
precisamente, mais do que no fogo, na terra e na água, eles acreditavam ver muitas 
semelhanças com as coisas que existem e se geram (...); e, ademais, como viam que as notas e os 
acordes musicais consistiam em números; e, por fim, como todas as outras coisas, em toda a 
realidade, pareciam-lhes que fossem feitas à imagem dos números e que os números fossem o 
que é primário em toda a realidade, pensaram que os elementos do número fossem elementos 
de todas as coisas e que todo o universo fosse harmonia e número.‛34 
 Número e harmonia são dois elementos fundamentais da proposta de Pitágoras e seus 
discípulos. A explicação disso vem do cultivo da harmonia musical, estudo e prática comum 
naquela comunidade. Eles usavam a música para meditação e purificação. Acreditavam que a 
melodia tivesse esse poder. Dedicados à lira, 
sobretudo, que se tornou símbolo da escola, 
fizeram descobertas, chegando à constatação de 
que a harmonia dos sons musicais podiam ser 
medidos em número. As leis do ritmo, como a 
oitava, a quinta e a quarta foram descobertas 
por eles. Perceberam também a relação do 
número com os ciclos temporais: os meses, os 
anos, as estações, etc, assim também como as 
fases dos seres vivos em sua gestação e fim. 
 Segundo REALI e ANTISERI, essa 
euforia os levou a propor o número como 
princípio.35 Eles contruíram algumas teses sobre 
o papel dos números nesse processo. O número 1 teria o caráter da imobilidade e da 
persistência, coincidindo também com a inteligência e a ciência. O número 2 representava a 
 
34 In: REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.40-
41. 
35 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.41. 
 
19 
 
opinião oscilante, de direções opostas. Os números 4 e 9 representavam a justiça ou equidade, 
por conter a equação 2x2 e 3x3. Ou seja: o quadrado do primeiro número par e o quadrado do 
primeiro número ímpar. Como se vê, o número é tomado por eles como coisa inerente e 
representativa da realidade. 
 REALI e ANTISERI nos chama à atenção para recuperarmos o sentido arcaico do 
número em oposição à nossa atual concepção dele. Para nós, o número é um ente de razão. Que 
quer dizer isso? Quer dizer que, ao contarmos um número de coisas, por exemplo, uma dúzia de 
laranjas, estamos, na verdade, fazendo abstração quando dizemos 12. Pois o que há, de fato, é 
cada laranja por sua vez. O número 12 é apenas uma relação mental de soma das tais laranjas. 
Ele só existe na mente. Fora da mente, apenas as laranjas, uma a uma. O sentido arcaico do 
número é diferente. Ele era considerado como coisa real e, às vezes, mais real que a coisa. O 
número é a realidade. É assim que os pitagóricos o propunham. 
 Mas os próprios números não eram representados pelo nosso sistema hindo-arábico (1, 
2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9) nem pelo sistema romano (I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX). Eram 
representados por pontos que edificam figuras geométricas. 
 Na verdade, o número não era o elemento primeiro. Ele nasce do acordo entre dois 
elementos: o indeterminado ou ilimitado e o determinante ou limitante. Só depois ele passa a 
gerar as demais coisas. Como isso se aplica? 
 Gerados desses dois elementos, os números evidenciam o predomínio de um elemento 
sobre o outro. Isso pode ser observado nos números pares e ímpares. 
 Nos números pares, menos perfeitos, predomina o elemento indeterminado ou ilimitado. 
Eles permitem um vazio, como se vê na figura, seguindo a flecha. Se limite, são imperfeitos. 
Nos números ímpares, mais perfeitos, predomina o elemento determinante ou limitante. Sempre 
terão um elemento delimitador. 
 
20 
 
 
 
 Eles ainda consideravam o número ímpar como masculino e o par como feminino. Os 
números pares eram chamados, por eles, de retangulares. E os ímpares, de quadrados. 
 
 
 
 O número 1 não era nem ímpar nem par. Ou então parímpar. Desconheciam o zero. E 
consideravam o 10 como o número perfeito. O 10 forma um triângulo perfeito, tendo os três 
lados formados pelo número 4. De qualquer um dos três lados, pode-se contar 1+2+3+4=10. Nele 
estão todos os quatro pares e quatro ímpares, sem predominância. E, observando mais, nele 
estão o ponto, a linha, o triângulo e a pirâmide, ou seja, 1, 2, 3 e 4, considerados ‚princípios e 
elementos primos das realidades a eles homogêneas‛. 
21 
 
 
 
 Como eles conseguiram deduzir as coisas e o mundo físico dos números? – perguntam 
REALE e ANTISERI. Sendo ponto, consideravam-no como massa sólida. Essa ideia vem da sua 
concepção de Cosmologia. Eles defendiam, em seus primórdios, uma gênese antitética do 
cosmos, por meio do limitante e do ilimitado. O ilimitado seria o vazio que abarca o mundo e as 
coisas do mundo. O mundo nasceria de uma inspiração do vazio por parte do Um. O vazio 
inspirado pelo Um e a delimitação que ele impõe ao mesmo vazio dariam geração às coisas. 
 Para Filolau, o pitagórico que primeiro levou a público a doutrina, fazendo com que 
deixasse de ser secreta, os quatro elementos coincidiam com os quatro sólidos geométricos. A 
terra seria o cubo. O fogo seria a pirâmide. O ar seria o octaedro. E a água, o icosaedro. 
 
 
 Mas, conforme lembram REALE e ANTISERI, a ideia fundamental é a seguinte: ‚se o 
número é ordem (‚acordo entre elementos ilimitados e limitados‛) e se tudo é determinado pelo 
número, então tudo é ordem‛.36 Ordem é a palavra que, no grego, designa, em sentido primitivo, 
kósmos. Foram os pitagóricos que passaram a nomear o universo de kósmos ou ordem. O 
mundo tem uma melodia própria, silenciada pelo nosso costume de sempre ouvi-la. Por fim, 
colaboram para introduzir, de vez, um princípio racional sobre as considerações do mundo. 
 
36 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.45. 
22 
 
Conforme REALE e ANTISERI, ‚o homem 
aprendeu a ver o mundo com outros olhos‛, ‚como 
uma ordem perfeitamente penetrável pela 
razão‛.37 
 Há uma outra face do pitagorismo 
extremamente importante para a concepção de 
homem do Ocidente. Trata-se da teoria da 
metempsicose. Isto porque toda a prática 
filosófica deles era apenas um meio para atingir 
um fim: a purificação da alma e a libertação desta 
do corpo. A alma, por causa de uma culpa original, 
está presa a seguidas reencorporações, podendo 
encarnar-se como homens ou animais, com o 
propósito de expiação. O pitagorismo, como já foi 
dito, adotou aspectos do orfismo. A vida do homem se resume em libertar a alma do corpo. Ela 
precisa, portanto, de purificação. Mas, diferentemente dos órficos, o pitagorismo afirma que o 
único caminho para se conseguir isso é a prática da ciência e uma reta vivência moral. 
Elevaram a ciência ao posto de o mais alto mistério. Ser sábio passou a ser considerado a um 
retorno à convivênciados deuses. Teoria como contemplação – bíos theoretikós – assumiu os 
contornos de busca da verdade e do bem. Com Platão, essa concepção ganhou supremacia e 
formou a consciência ocidental. 
 O enlace desta doutrina com as concepções sobre a Saúde permeia toda a filosofia. 
Porque, ao dar a tônica da concepção do homem como um composto de corpo e alma, a tradição 
filosófica passou a atribuir cuidados específicos ao homem, sob responsabilidade de atores 
diferentes, divididos entre aqueles que cuidam do corpo e aqueles que cuidam da alma. 
Adiantando a questão: o corpo ficou aos cuidados da Medicina e a alma, aos cuidados da 
Filosofia. Em Platão, veremos como isso procedia. 
 
 
 
 
 
37 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.45. 
23 
 
1.6 XENÓFANES DE COLOFON (cerca de 570 – 528 a.C.) 
 
 Xenófanes foi um filósofo andarilho e destaca-se como um 
pensador independente. Sua importância consiste na crítica que faz 
às interpretações religiosas de seu tempo sobre temas que deviam 
ser tratados pela razão humana. Para relembrar, a educação anterior 
dos gregos era embasada na poesia de Homero e Hesíodo. Eles 
haviam estabelecido os pilares da religião pública e esta 
patrocinava a vida dos homens gregos. 
 A crítica de Xenófanes se endereça ao antropomorfismo. O antromorfismo consistia 
em atribuir aos deuses formas, paixões e ações que são próprias dos homens. Ou seja, tomavam 
os deuses por homens, fazendo-os distintos unicamente pela imortalidade. 
 Para ele, se os animais pudessem desenhar seus deuses também o fariam à sua 
imagem. Os cavalos teriam deuses cavalos. Assim como as outras etnias humanas criam seus 
deuses à sua própria semelhança. Outra coisa muito pior consistia na atribuição de ações e 
qualidades aos deuses, capazes de fazer tanto o bem quanto o mal. Um poema seu exemplifica 
isso: 
 
Mas os mortais acham que os deuses nascem, 
que têm roupas, vozes e vultos como eles. 
Homero e Hesíodo atribuem aos deuses 
tudo o que é desonra e vergonha para os homens: 
roubar, cometer adultério, enganar-se mutuamente.38 
 
 Xenófanes desautoriza os poetas como portadores de verdade. A mesma crítica vai 
encontrar um grande adepto em Platão, mais tarde, quando este, literalmente, prega a censura 
sobre a poesia. De igual forma, destrói várias pretensões das verdades míticas sobre o mundo e 
os fenômenos naturais. Escreve, por exemplo: 
 
 
38 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.48. 
24 
 
Aquela que chamamos Íris, porém, 
também ela é nuvem, 
purpúrea, violácea, verde de se ver.39 
 
 Xenófanes, então, representa uma inovação. Conforme REALE e ANTISERI, ‚Depois 
das críticas de Xenófanes, o homem ocidental poderá nunca mais conceber o divino segundo 
formas e medidas humanas‛.40 Mas a crítica a um sistema religioso não significa que seu 
formulador seja ateu. Xenófanes propõe que Deus é o cosmos. O que pode parecer estranho, já 
que acusa os poetas de fabricar um deus-humano. No entanto, ao tomar universo como divino, 
Xenófanes se refere à totalidade, ou seja, o uno: ‚é uno, Deus, superior entre os deuses e os 
homens, nem por figura nem por pensamento semelhante aos homens‛.41 E acrescenta: 
 
Tudo ele vê, tudo ele pensa, tudo ele ouve. 
Sem esforço, com a força de sua mente, tudo faz vibrar. 
Permanece sempre no mesmo lugar sem se mover de modo algum, 
que não lhe é proprio andar ora em um lugar, ora noutro.42 
 
 Xenófanes cria as bases da Teodicéia que ficou clássica no Ocidente, sendo adotada, 
posteriormente, por Sócrates, Platão, Aristóteles e por Agostinho e Tomás de Aquino que, para 
o Deus pessoal da religião cristã, estabelecem no mesmo teor a qualidade de onisciência e 
onipresença divinas. Mais tarde, quando Sócrates é condenado por ateísmo, ele se defende com 
ideias parecidas o Deus em quem acredita. Aristóteles também assina uma doutrina de que 
,para tudo o que se transforma, há um Primeiro Motor Imóvel. 
 O que tem a ver essa teologia de Xenófanes com a Saúde? Consideremos o seguinte: 
1 – Ao contestar o discurso religioso, ele ressalta a razão humana. Assim, não exatamente pelo 
conteúdo que propõe, mas a forma como propõe, colabora para que mais tarde as questões da 
Saúde sejam tratadas também racionalmente. 
 
39 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.48. 
40 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.48. 
41 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.49. 
42 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.49. 
25 
 
2 – Sua visão moral dava muito mais importância à inteligência e sabedoria que à força física 
dos atletas, representando uma ruptura com os valores educativos de sua época. Segundo ele, o 
que faz os homens ser melhores é a força da mente e não os exercícios físicos. 
 Tais postulações estão introduzindo um contexto inicial de mentalidade grega, 
segundo o qual a finalidade do vigor físico do corpo se justifica apenas como obtenção e 
sustentação da saúde da alma. 
 
1.7 PARMÊNIDES DE ELÉIA (cerca de 530-460 a.C.) 
 
 Parmênides é considerado o fundador da Ontologia e se apresenta como inovador 
radical. Ele leva a Cosmologia a se tornar Teoria do Ser. A sua importância pode ser atestada 
pelas tarefas assumidas por Platão – que escreve um diálogo, adotando seu nome como título – 
e Aristóteles, com a teoria do ato e potência. Sua teoria é o oposto da 
teoria de Heráclito. Enquanto, para Heráclito, tudo era permanente 
mudança, Parmênides sustenta que o ser é imutável. Ele é sempre o 
mesmo e não pode ser outro, sob pena de não existir. Caso mude, é 
porque não era. Se não era, é porque era outra coisa. A identidade 
eterna do ser consigo mesmo é necessária para ser possível o seu 
conhecimento. 
 Assim pensando, Parmênides propõe o seguinte princípio: o 
ser é e não pode não ser; o não ser não é e não pode ser de modo 
algum.43 Trata-se do princípio da verdade ou, como ficará clássico, 
do princípio da identidade. Escreve ele: ‚É necessário dizer e pensar 
que o ser seja: com efeito, o ser é, o nada não é‛.44 O ser é o positivo 
puro. O não-ser é o negativo puro. Ambos são absolutamente 
contraditórios. 
 A teoria de Parmênides, porém, deve ser tomada no âmbito do conhecimento do ser, ou 
seja, do pensamento. Ele faz coincidir ser e pensamento. Proposta que se fará poderosa na 
Filosofia, a partir de então. O pensamento se faz pelo discurso, pelo logos. Conforme notam 
REALE e ANTISERI, ‚não se pode pensar (e, portanto, dizer) senão pensando (e, portanto, 
 
43 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.50. 
44 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.51. 
26 
 
dizendo) aquilo que é‛.45 O nada significa nada pensar e nada dizer. Nas palavras do próprio 
Parmênides: 
 
... pensar e ser é o mesmo. 
Pensar é o mesmo 
e isso em função do que o pensamento existe. 
Porque sem o ser, no qual é expresso, 
não encontrarás o pensar: 
com efeito, fora do ser nada mais 
ele é ou será... 
 
 
 Fica explícito também, na proposta de Parmênides, o princípio da não-contradição: o ser 
não pode ser e não-ser ao mesmo tempo. Este princípio é o esteio principal da Lógica.Em decorrência do que ele estipula para o ser, há outras implicações: 
1 – O ser é incriado e incorruptível. Trata-se aqui do velho tema da geração e da corrupção. 
Devemos lembrar que a filosofia entende por esses termos o nascimento e a morte. O 
surgimento e o desaparecimento. Para o filósofo, é necessário que o ser não seja gerado. Se ele 
fosse gerado, teria surgimento a partir de um outro que não si mesmo. Ele teria surgido então 
de um não-ser. E de si mesmo também não poderia ter nascido, porque isso supõe não-ser. 
Qualquer afirmação nesse sentido seria absurda. O ser é então eterno. Isso implica que ele não 
muda e não morre. Não tem fim. Ele não tem passado nem futuro. É eterno. 
 Vale a pena ler o poema seguinte: 
 
 
 
 
 
 
 
45 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.51. 
27 
 
Um só caminho resta ao discurso: que o ser é. 
E nesse caminho há muitos sinais indagadores. 
O ser é ingerado e imperecível: 
com efeito, é um todo, imóvel e sem fim. 
Não era antes e nem será, 
porque é tudo junto agora, uno e contínuo. 
Com efeito, que origens buscaria ele? 
Como e onde teria ele crescido? 
Do não-ser não te permito dizer nem pensar: 
como efeito, não é possível dizer nem pensar o 
que não é. 
E que necessidade o teria impelido a nascer 
antes ou depois, se ele derivasse do nada? 
Assim, é necessário que seja de todo ou não seja 
absolutamente. 
E a força da crença veraz tampouco conceberá 
que do ser nasça algo diferente dele 
por essa razão, Dike não concedeu-lhe, 
alentando-lhe os cepos, nem o nascer nem o 
perecer, 
mas o segura solidamente. 
O juízo sobre essas coisas nisto se resume: 
é ou não é. 
E assim se estabeleceu, por força de necessidade, 
que se deve deixar um dos caminhos, 
porque impensável e inexprimível, 
porque não é o caminho verdadeiro, 
pois o verdadeiro é o outro. 
E como poderia existir o ser no futuro? 
E como poderia nascer? 
Com efeito, se nasce, não é, 
e se é para ser no futuro, nem mesmo é. 
Assim o nascer se paga e desaparece o perecer. 
28 
 
 
2 – O ser é imutável e imóvel. Mobilidade e mudança, em sua concepção, supõem que haja um 
não-ser para onde o ser se transformaria. Conforme apontam REALE e ANTISERI, o ser de 
Parmênides é todo igual, não sendo possível um mais de ser ou um menos de ser. É um ser 
completo e perfeito. 
3 – A perfeição do ser é representada pela esfera, ideia já defendida pelos pitagóricos. Isso leva 
à afirmação da unidade do ser. 
4 – Verdadeiro: o ser é o uno, incriado, perene, imutável, imóvel, igual, esferiforme, a única 
verdade possível. 
 Parmênides também promove uma concepção de conhecimento que ficará incrustada 
na mentalidade ocidental. Compara a razão às sendas do dia e os sentidos às sendas da noite. 
Com isso, alarga o fosso entre Racionalismo e Empirismo já no seu tempo. Para ele, é culpa dos 
sentidos que não podem divisar além das aparências. São os sentidos que percebem o não-ser e 
atestam, erroneamente, a existência da mudança. Esse dado é importante, porque Parmênides 
não ignora que, dessa forma, ‚exista‛ o movimento. Mas ele está almejando o conhecimento 
racional, o pensamento, cujo resultado de verdade deve coincidir com o ser eterno. 
 Quais consequências pode acarretar o pensamento de Parmênides à Saúde? Para 
responder a isso, vamos supor algumas situações, ainda que, a princípio, seria justamente no 
quesito saúde que ele poderia ser, sem dúvida, contestado. Quando uma pessoa adoece, seria 
ridículo afirmarmos que ela não sofreu mudança alguma em seu organismo. O doente é 
aquele que estava de posse de seu bem-estar e agora não mais. Parmênides não nega isso. Ele 
afirma que essa averiguação de mudança se dá pela nossa experiência dos sentidos. Aí, ele tem 
toda razão. Porque, assim que a Medicina se torna Ciência segura de si, ela é essencialmente 
uma Ciência empírica que não pode se abdicar das observações próprias de sua conduta. 
Todavia, é também verdade que, pela razão, o sujeito agora doente não é outro senão o mesmo 
que gozava de saúde. Para Parmênides, os opostos são o ser, ‚incluídos na superioridade do 
ser‛.46 Isso, estranhamente, leva a concluir que há o ser em oposição, mas sem dispersão. Coisa 
que Aristóteles aproveitará bem. 
 De outra forma, consideremos os valores morais sobre o ser do homem, no momento em 
que carece de cuidados. Dizemos que um doente ostenta a mesma dignidade que uma pessoa 
sadia. E que não devemos nos declinar de nossos cuidados, porque ali, naquele corpo adoecido, 
 
46 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.55. 
29 
 
pulsa uma pessoa, cuja dignidade em nada diminuiu. Ou seja: algo sempre permanece 
inalterado no ser. Parmênides dizia que era justamente isso que ocorre, quando passamos ao 
pensamento conceitual. A doença seria um ser tanto quanto a saúde e que ambas não poderiam 
ser um ser e um não-ser, só porque estão em oposição. 
 O incômodo pensamento de Parmênides não escapou de opositores e seguidores. A 
principal oposição a ele vinha de seu contemporâneo Heráclito. Os dois podem ser 
confundidos ao assumir que há oposição no ser. Mas excluem-se ao se posicionar um pela 
mudança e outro pela imutabilidade do ser. Seu principal seguidor, Zenão de Eléia, levaria 
suas propostas a extremos. 
 
1.8 ZENÃO DE ELÉIA (cerca de 504/1 - ? a.C.) 
 
 Sua importância reside no fato de, ao defender 
com ardor as propostas de seu mestre Parmênides, criar a 
Dialética e a Erística. A Dialética é um tipo de raciocínio 
desenvolvido por contraposições, por premissas 
contrárias, por tese e antítese. A Erística é um tipo de 
argumentação combativa, quando um discurso busca 
vencer um outro. 
 Exagerando o pensamento de Parmênides, Zenão 
busca refutar o movimento e a multiplicidade. Nega que 
haja movimento. REALE e ANTISERI relatam alguns de 
seus clássicos exemplos, assim também como foram 
dispostos por Aristóteles, em sua Física: 
1 – A dicotomia: um corpo nunca poderá atingir uma meta. Para atingi-la deveria atravessar 
percursos que se fragmentam ao infinito: metade, metade da metade, metade da metade da 
metade. O movimento se multiplicaria ao infinito, sem alcançar o final. Vamos comparar estas 
afirmações com alguns trechos de canções brasileiras. Caetano Veloso: ‚O homem é lobo do 
lobo do lobo do homem‛. Zeca Baleiro: Você só pensa quando vai trocar seu carro novo por 
outro carro novo, meu amor‛. 
30 
 
2 – Aquiles e a tartaruga: O veloz Aquiles nunca alcançará uma tartaruga. Praticamente, 
muito semelhante ao anterior, variando-se pela dinâmica. 
3 – A flecha: os sentidos atestam estar em movimento algo que, na verdade, está parado. A 
flecha atirada de um arco, em cada instante, está em repouso. Se ela, em cada um dos instantes, 
se encontra em repouso, é porque, no todo, está inerte. Ela não se movimenta como aparenta. 
Poderíamos pensar num exemplo de mais fácil constatação: uma película de cinema. Todos 
sabem que uma fita é composta por centenas ou milhares de fotografias. De modo que um 
filme não é senão o resultado do desfile destas fotografias, cujo movimento é ilusório. A 
análise da película revelaria cada fotografia como imagenm congelada, sem movimento. É 
algo parecido com o que Zenão defende. O mesmo poderíamos afirmar de uma cachoeira. Nós 
reconhecemos uma cachoeira justamente pela unicidade do movimento que ela têm. 
 Contra a multiplicidade, que ele negava, dizia que para haver multiplicidade, 
necessitava existirem muitas unidades.Multiplicidade outra coisa não seria que soma de 
unidades. Mas estas apresentam contradições insuperáveis, sendo, portanto, absurdas. Em sua 
argumentação, para ser múltiplo, o ser deveria ser finito e infinito. Em suas palavras: ‚ Se 
múltiplas são (as coisas), necessariamente são tantas quantas são, nem mais, nem menos. Mas, 
se são tantas quantas são, devem ser limitadas (em número). Se são múltiplas, ilimitadas (em 
número) são as coisas; pois entre elas sempre há outras, e entre estas novamente outras. Assim, 
ilimitadas (em número) são as coisas‛. 47 
 
Ainda que tais ideias extremadas sejam contestáveis, elas representam para a 
filosofia um exemplo de exercitação lógica. Talvez seja esse o seu maior valor. 
 O que teria essas estrepolias lógicas com a questão da Saúde? É possível que algum 
vínculo exista? Há, sim. Mais uma vez, não pelos fatos, que Zenão desconsidera, mas pela 
forma de raciocínio. A Dialética e a Erística se realizam por sentenças que se contrastam, 
 
47 In: Os Pensadores, I. Zenão de Eléia. São Paulo: Victor Civita, 1973, p.203. 
31 
 
numa luta de contrários. Esta forma, no âmbito do discurso, se aplica aos fatos verificados na 
concepção de Saúde do médico Empédocles. Para este filósofo, são as forças da Discórdia e do 
Amor que patrocinam a constituição física do homem, promovendo ora a saúde ora a doença. 
 
1.9 ALCMÉON DE CROTONA e EMPÉDOCLES DE AGRIGENTO: a medicina pré-hipocrática e 
suas relações com a Saúde 
 
O médico e filósofo ALCMÉON DE CROTONA foi autor da ‚primeira doutrina médica 
ocidental sobre o binômio saúde-doença‛.48 Seguidor do círculo pitagórico, defende que a saúde 
corporal é resultado da mistura equilibrada de potências (dýnamis) opostas no corpo humano. 
Sobre esse detalhe, Écio, posteriormente, relatou o seguinte: 
 
Alcméon afirma que o mantenedor da saúde é a ‚igualdade de direitos‛ dos 
poderes, do úmido e do seco, do frio e do quente, do amargo e do doce, e dos 
restantes, ao passo que a ‚monarquia‛ de qualquer deles é destrutiva. A 
enfermidade sobrevém diretamente por excesso de calor ou de frio, 
indiretamente por excesso ou carência de nutrição: e o seu centro é o sangue, 
ou a medula, ou o cérebro. Ela surge por vezes nestes centros a partir de 
causas externas, de certas umidades, ou do ambiente, ou da fadiga, ou do 
constrangimento, ou das causas similares. A saúde, por outro lado, é a 
mistura proporcionada das qualidades.49 
 
 Tal noção de equilíbrio como ‚igualdade de direitos‛ entre forças opostas ou 
‚monarquia‛ destrutiva leva diretamente à doutrina da mediania de Aristóteles sobre a 
virtude e o vício, na Ética a Nicômaco. Ali, diante da dificuldade de se estabelecer parâmetros 
para medir o que são vício e virtude, o filósofo cunha a noção do justo meio entre ações opostas 
como a melhor medida. A virtude é coisa relativa à formação do caráter e supõe exercício da 
vontade da mesma forma que, para a formação do bom atleta, exige-se o exercício do corpo. 
Como se vê, a noção médica do equilíbrio migra para os pressupostos filosóficos. É importante 
 
48
 FRIAS, Ivan. Doença do corpo, doença da alma: medicina e filosofia na Grécia Clássica. Rio de Janeiro/São Paulo: 
PUC/Loyola, 2005, p.25. 
49
 Apud: FRIAS, Ivan. Doença do corpo, doença da alma: medicina e filosofia na Grécia Clássica. Rio de Janeiro/São Paulo: 
PUC/Loyola, 2005, p.26. 
32 
 
notar ainda que a noção de mediania comparece antes, em Platão, quando trata da saúde do 
corpo, conforme atesta Giovanni Reale: 
 
Tenha-se presente que a admissão de uma medida do ‚mais‛ e do ‚menos‛ 
relativamente ao ‚justo meio‛ constitui uma verdadeira revolução teórica 
operada por Platão relativamente ao modo de medir em sentido aritmético 
imposto por Pitágoras e pelos pitagóricos: com efeito, trata-se de uma forma 
de medir não aritmética, quantitativa, mas onto-axiológica. E justamente 
nesse tipo de medida fundam-se as artes, no nosso caso a medicina.50 
 
 A influência da medicina de Alcméon também é ocorrente, em Platão, quando se 
elabora uma doutrina da alma humana. Alcméon a definia como ‚uma substância que se move 
a si mesma num eterno movimento e que, por isso, é imortal e semelhante aos deuses‛.51 São 
duas direções de influência. Uma decorre do problema relativo ao conhecimento do ser na 
visão de Heráclito e Parmênides que, pelo visto, passou a ser um problema da doutrina médica. 
Outra é a doutrina médica que, adotando-a, acaba dotando a filosofia dos mesmos argumentos, 
quando se encarrega de explicar a natureza humana. Em Heráclito e Parmênides, o 
movimento inerente aos seres acarreta problemas para a abordagem de aspectos como 
identidade, mutabilidade, diferença, unidade e pluralidade. Para Heráclito, o movimento é 
parte essencial do mundo, não permitindo nenhuma verificação de verdade a respeito do ser, 
pois este é tangido por mutabilidades. Não se pode conhecer o ser, porque ele nunca permanece 
idêntico em si mesmo. Parmênides, ao afirmar a identidade do ser como causa do 
conhecimento, não vê outra saída a não ser negar o movimento. O ser é eterno, enquanto 
conteúdo gnosiológico. As duas posturas estão em causa na noção alcmeoniana de alma. 
Aquilo que possui movimento próprio é autossuficiente e imortal. 
O pensamento de Alcméon é assumido por Platão no Fedro: 
 
Toda alma é imortal, pois aquilo que move a si mesmo é imortal. O que move 
uma coisa, mas é por outra movido, anula-se, uma vez terminado o 
movimento. Somente o que a si mesmo se move, nunca saindo de si, jamais 
cessará de mover-se, e é, para as demais coisas movidas, fonte e início de 
movimento. O início é algo que não se formou, sendo evidente que tudo o 
que se forma, forma-se de um princípio. Esse princípio de nada proveio, pois 
que se proviesse de uma coisa não seria princípio. Sendo o princípio coisa 
que não se formou, deve ser também, evidentemente, coisa que não pode ser 
 
50
 REALE, Giovanni. Corpo, alma e saúde. O conceito de homem de Homero a Platão. São Paulo: Paulus, 2002, p.187. 
51
 Apud: FRIAS, Ivan. Doença do corpo, doença da alma: medicina e filosofia na Grécia Clássica. Rio de Janeiro/São Paulo: 
PUC/Loyola, 2005, p. 26. 
33 
 
destruída. Se o princípio pudesse se anular, nem ele mesmo poderia nascer 
de uma outra coisa, nem dele outra coisa, porque necessariamente tudo brota 
do princípio. 
Concluindo, pois, o princípio do movimento é aquilo que a si mesmo move. 
Não pode desaparecer nem se formar, do contrário o universo e todas as 
gerações parariam e nunca mais poderiam ser movidos. Pois bem, o que a si 
próprio se move é imortal. Quem isso considerar como essência e caráter da 
alma, não terá escrúpulo nessa afirmação. Cada corpo movido de fora é 
inanimado. O corpo movido de dentro é animado, pois que o movimento é da 
natureza da alma. Se aquilo que a si mesmo se move não é outra coisa senão 
a alma, necessariamente a alma será algo que não se formou. E será 
imortal.52 
 
 Empédocles era médico, filósofo e místico. Em relação aos filósofos anteriores, deve ser 
considerado pluralista, porque, em vez de propor um 
único elemento como a physis, defende a formação 
do mundo a partir dos quatro elementos: a terra, a 
água, o fogo e o ar. Em outras palavras: o seco, o 
úmido, o quente e o frio. 
 Para ele, tal como Parmênides, a geração e a 
corrupção são impossíveis. No entanto, a solução 
que nos oferece é a seguinte: existem a mistura e a 
dissolução de substâncias permanentemente iguais. 
Substâncias que são exatamente os quatro 
elementos. Ou as quatro raízes que, em maior oumenor mistura, dão composição aos seres. Em menor 
ou em maior proporção, não importa, tais elementos 
são sempre inalteráveis. O que varia é a mistura ou 
a dissolução. A mistura dos elementos dá a origem. A dissolução ou separação dos elementos 
leva à corrupção. 
 Mas há duas forças que atuam sobre os elementos para que se misturem ou se 
dissolvam: o Amor ou Amizade e o Ódio ou Discórdia. Elas, conforme o caso, tendem a 
predominar uma sobre a outra. O predomínio da Amizade garante a unidade do ser. A 
Discórdia causa a separação. O predomínio exclusivo de um deles, seja do Amor ou do Ódio, 
não é benéfico. O Amor Absoluto criaria um cosmos compacto e solitário. O Ódio Absoluto 
levaria ao nada total. Tudo teria origem, primeiramente, no predomínio do Amor sobre o Ódio 
 
52 PLATÃO. Fedro. São Paulo: Martin Claret, 2004, p.81-82. 
34 
 
e, depois, no predomínio inverso, num movimento constante. Haveria uma geração progressiva 
e uma corrupção progressiva. As duas forças atuam simultaneamente, com intensidades 
diferentes. 
 Como místico, Empédocles foi influenciado pelo Orfismo. Acreditava que ‚a alma do 
homem é demônio que foi banido do 
Olimpo por causa de sua culpa original, 
tendo sido jogado à mercê do ciclo dos 
nascimentos, sob todas as formas de 
vida, para expiar sua culpa‛.53 
Acreditava que as quatro raízes eram 
divinas, de modo que também a 
Amizade e a Discórdia também o eram. 
Ele mistura Física, Mística e Teologia 
em sua teoria do mundo. Características que seriam combatidas por Hipócrates, 
posteriormente. 
 Sobre o conhecimento, ele nos oferece uma interessante teoria: uma espécie de osmose. 
As coisas teriam poros, por onde sairiam eflúvios que sensibilizariam os nossos sentidos. Em 
outras palavras: nossos sentidos seriam provocados por algo físico, proveniente dos objetos. 
Mas isso ocorreria pelo reconhecimento dos elementos comuns que residem em nós e nos 
objetos. A água em nós reconhece a água nos objetos. O fogo em nós reconhece o fogo nos 
objetos. Assim, a terra e o ar também. O semelhante conhece o semelhante. Há um fogo que 
parte dos olhos, no processo visual. Empédocles está ainda situado no contexto antigo que 
acreditava que o pensamento era comunicado pelo sangue e a inteligência era sediada pelo 
coração. 
 Como médico, Empédocles, embora combatido por Hipócrates, tem sua importância. O 
par de forças, por ele proposto, como comandos da existência, recobrem com muito acerto o 
processo de nascimento e morte dos seres. Dá conta de interpretar o que vem a ser a saúde e a 
doença, como formas progressivas de aglutinação e dispersão do ser vivo. Daí por diante, o 
pensamento sobre o restabelecimento do bem-estar de um paciente, tomará os rumos de sempre 
auxiliar o predomínio de um princípio amoroso no interior do ser. 
 Empédocles também está próximo da convicção de que o corpo e a alma compõem uma 
unidade no homem e que o cuidado do homem deve ser abrangente. Nas suas considerações, a 
 
53 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2007, p.61. 
35 
 
causa dos males da saúde são fenômenos internos do organismo. Os gregos antigos, assim 
como ele, não vislumbravam causas exteriores como exclusivos responsáveis pela 
deterioração do ser vivo. Saúde ou doença obedeciam a fatores internos ao organismo, já que 
tudo era formado a partir de quatro elementos. 
 A proposta de duas forças, o Amor e a Discórdia, responsáveis pela aglutinação 
unificadora e pela dispersão destruidora dos seres é apresentada no poema Da natureza, por 
Simplício54: 
 
Duplas (coisas) direi: pois ora um foi crescido a ser só de 
muitos, ora de novo partiu-se a ser muitos de um só. 
Dupla é a gênese das (coisas) mortais, dupla a desistência. 
Pois uma a convergência de todos engendra e destrói, 
e a outra, de novo (as coisas) partindo-se, cresce e dissipa. 
E estas (coisas) mudando constantemente jamais cessam, 
ora por Amizade convertidas em um todas elas, 
ora de novo divergidas em cada ódio de Neikos. 
Assim, por onde um de muitos aprenderam a formar-se, 
e de novo partido o um múltiplos se tornaram, 
por aí que nascem e não lhes é estável a vida; 
mas por onde mudando continuamente jamais cessam, 
por aí é que sempre são imóveis segundo o ciclo.55 
 
 Estas observações de Empédocles permanecem a respaldar as mais diversas teorias 
filosóficas pelos séculos afora, extrapolando as fronteiras da cultura clássica. Podemos ver 
estas forças, por exemplo, nos pressupostos da Psicanálise freudiana, na Política de um Hobbes, 
 
54 PENSADORES, v.I. São Paulo: Victor Civita, 1973, p.229-230. 
55 Outra tradução é oferecida na citação de Ivan Frias: ‚uma dupla história te vou contar: uma vez, elas 
[as raízes] cresceram para serem uma só a partir de muitas, de outra vez, separaram-se, de uma que 
eram, para serem muitas. Dupla é a formação das coisas mortais e dupla a sua destruição; pois uma é 
gerada e destruída pela junção de todas as coisas, a outra é criada e desaparece, quando uma vez mais 
as coisas se separam. E estas coisas nunca param de mudar continuamente, ora convergindo num todo 
graças ao Amor, ora separando-se de novo por ação do ódio da Discórdia. Assim, tal como elas 
aprenderam a tornar-se numa só a partir de muitas, e de novo, quando uma se separa, geram muitas, 
assim elas nascem e a sua vida não é estável; mas, na medida em que jamais cessam o seu contínuo 
intercâmbio, assim existem sempre imutáveis no ciclo.‛ (2005: p.27-28). 
36 
 
mas, sobretudo, na busca do equilíbrio corporal e espiritual do projeto político educativo de 
Platão e Aristóteles. A medicina antiga, por sua vez, se constrói com a atenção dada ao 
equilíbrio dos humores, migrando inclusive para a constituição dos temperamentos humanos. 
 Outro exemplo, notado por Ivan Frias, é a doutrina de Empédocles sobre a respiração, 
perfeitamente acolhida por Platão no Timeu e por Aristóteles em Da natureza. A fisiologia 
respiratória se divide em dois movimentos: a) inspiração e expiração, pelos tubos respiratórios; 
b) a respiração dos poros da pele. O mesmo se passa quando Empédocles descreve o fenômeno 
da visão. Para ele, a visão obedece ao esquema das forças Amor e Ódio e consiste no fogo que 
parte dos olhos em direção aos objetos e no fogo que parte dos objetos em direção aos olhos. 
Para referendar o mútuo interesse entre filosofia e medicina, importa notar que Aristóteles, 
em Da sensação, nos lega o fragmento 84: 
 
Como quando um pensando em sair apronta uma lanterna, 
por tormentosa noite flama de fogo brilhante, 
dispondo contra os ventos todos transparentes placas, 
e estas o sopro dos ventos impelidos dispersam, 
mas a luz atravessando fora, quanto mais sutil é, 
rebrilha na soleira com infatigáveis raios; 
assim então em membranas retido primitivo fogo 
em finos tecidos emboscava-se, menina em redoma, 
e por passagens eram perfurados, maravilhosas.56 
 
 Platão também desenvolve uma teoria da visão, remetida a Empédocles, no seu livro 
Timeu. Segundo Frias: 
 
O filósofo acredita que do encontro entre o fogo sutil que sai continuamente 
dos olhos com o fogo proveniente dos objetos exteriores forma-se um ‚corpo 
homogêneo (...), um conjunto que tem propriedades uniformes em todas as 
suas partes, graças à sua similitude. Esse corpo visual é retilíneo e rígido, 
servindo, como uma espécie de bengala, para tatear as formas dos objetos 
exteriores. Platão unifica as duas formas polares que haviam sido descritas 
 
56 PENSADORES,

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