Buscar

Direito privado

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 3 páginas

Prévia do material em texto

SOBRE A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO
A presente dissertação se propõe a esboçar em linhas gerais algumas ideias acerca do fenômeno da constitucionalização do Direito Privado. Para tanto, parte-se do princípio de que o Direito “é um produto da própria convivência social” (Lima, 2005). E, ao admitir-se que o Direito tem sua origem nos fatos sociais, fatos esses produzidos por uma sociedade em constante mudança, verifica-se também que o Direito é capaz de se modificar e ajustar-se à realidade da sociedade e do momento em que se insere.
Nesse sentido, o fenômeno da constitucionalização do Direito Privado pode ser entendido como um processo de transformação, em que há uma mudança de paradigma na relação entre o Direito Constitucional e o Direito Privado. Conforme o professor Paulo Luiz Netto Lôbo:
Pode afirmar-se que a constitucionalização é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação infraconstitucional. (Lôbo, 1999)
A conceituação acima recebe complemento nas palavras do professor Venceslau Tavares Costa Filho:
A constitucionalização do direito privado se traduz na perda de centralidade dos códigos, em especial do código civil, como vetores sistematizadores do próprio direito privado, pelo que a constituição assume o papel de eixo central ou de elemento harmonizador do ordenamento jurídico. (Costa Filho, 2009)
Para se compreender melhor essa aproximação entre o Direito Constitucional e as relações jurídicas privadas faz-se necessária uma rápida retomada na relação entre codificação, positivismo jurídico e Estado Liberal. A partir da codificação, tem origem, no começo do século XIX, o positivismo jurídico, elemento que passou a representar a segurança jurídica, a partir de uma unidade de fonte do Direito. Coube ao Estado o poder de inserir normas regulamentadoras das relações sociais, e somente normas postas pelo Estado seriam consideradas normas jurídicas. Nesse contexto, a concepção liberalista do Estado se caracterizava pela previsão dos direitos individuais, entre os quais se destacava a proteção à propriedade privada. A realização desses direitos individuais se dava a partir de um não agir do Estado, o qual não deveria intervir no domínio econômico. Diante disso, o papel do Estado era quase que exclusivamente o de mediador, de vigia, nada podendo fazer em relação aos interesses particulares ou às intenções do indivíduo, mas com o dever de intervir caso tais intenções causassem dano à liberdade alheia. Logo, o pensamento liberal, fundado na razão, vinha pautado na supremacia do indivíduo e, sobretudo, na legitimação da vontade individual. Assim, as primeiras constituições nada regulavam sobre as relações privadas, cumprindo a função de delimitação do Estado mínimo.
Os dois pilares da concepção liberalista eram constituídos pela propriedade e pelo contrato, ambos entendidos como esferas sobre as quais se exerce a plena autonomia do indivíduo. Deles, sobretudo a propriedade individual constituía o verdadeiro eixo do sistema do Direito Privado, tanto que o contrato, na sistemática dos códigos oitocentistas, era regulamentado essencialmente como "modo de aquisição da propriedade". (GIORGIANNI apud MARQUESI, 2005)
Entretanto, no início do século XX, paralelamente ao desenvolvimento da economia capitalista houve a intensificação das lutas sociais, o que acabou acarretando mudanças também no pensamento jurídico. A ideologia do social, traduzida em valores de justiça social ou distributiva, passou a dominar o cenário constitucional. E, assim, o Estado Liberal entrou em declínio e viu-se surgir o Estado Social, o qual:
no plano do direito, é todo aquele que tem incluída na Constituição a regulação da ordem econômica e social. Além da limitação ao poder político, limita-se o poder econômico e projeta-se para além dos indivíduos a tutela dos direitos, incluindo o trabalho, a educação, a cultura, a saúde, a seguridade social, o meio ambiente, todos com inegáveis reflexos nas dimensões materiais do direito civil. (Lôbo, 1999)
Neste momento histórico, o Estado Social, também chamado de Estado do Bem-Estar Social ou Estado Providência, desponta a fim de diminuir as desigualdades e injustiças sociais por meio de uma ampla intervenção estatal na sociedade, especialmente na esfera econômica. Conforme explica Guilherme Cintra Guimarães:
De mero garantidor da autonomia e da liberdade individuais, o Estado se transforma, então, em ator central responsável por guiar e implementar políticas públicas capazes de promover um desenvolvimento social mais justo e solidário, garantindo, além da mera igualdade formal, uma igualdade concreta e material. (GUIMARAES apud BACELLAR FILHO)
Assim, os textos constitucionais passam a definir também princípios relacionados a temas antes de exclusividade do Código Civil. Em razão disso, surge também nova concepção de Direito Privado, a qual reconhece a função social do contrato e limita e enquadra a autonomia da vontade por meio de intervenção estatal. Esse novo modelo, que amplia as atribuições do Estado, resulta num grande crescimento das áreas de intervenção deste na sociedade, o que acaba por sobrecarregar o Estado, levando ao colapso do modelo social.
A crise do Estado Social permite a construção do Estado Democrático de Direito, centrado na ideia de cidadania, e onde emprega-se uma nova combinação entre Direito Público e Direito Privado. Verifica-se nesse novo modelo, que “desloca-se o eixo valorativo do sistema do Código civil – como ordenador das relações privadas – para a Constituição, fontedos princípios fundamentais do ordenamento jurídico” (Mulholland, 2002).
No Brasil, com a promulgação da Carta Magna de 1988, começa a delinear e colocar-se em prática esse novo modelo estatal. Assim:
A Constituição de 1998 consagrou uma nova tábua axiológica, alterando o fundamento de validade de institutos tradicionais do direito civil. A dignidade da pessoa humana, a cidadania e a igualdade substancial tornam-se fundamentos da República, enquanto os valores inerentes à pessoa humana e um expressivo conjunto de direitos sociais foram elevados ao vértice do ordenamento. A partir de então, todas as relações de direito civil, antes circunscritas à esfera privada, devem ser revisitadas, funcionalizadas aos valores definidos pelo texto maior. Surge assim uma nova ordem pública, chamando os intérpretes do direito para um processo interpretativo que, sem minimizar o espaço tradicionalmente reservado ao direito civil, determina a sua expansão e revigoramento, oferecendo novas funções e horizontes a institutos antes confinados ao alvedrio individual e a um mero controle de validade. (TEPEDINO, apud CHAMONE)
Nesse contexto, está o fenômeno ao qual identificamos como a constitucionalização do Direito Privado. Ao qual, “não identifica apenas a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional” (CHAMONE, )
É no equilíbrio entre direitos e liberdades individuais e interesses públicos e sociais que se obtém, com maior eficiência, o que se pode chamar de relação jurídica justa e economicamente equilibrada, preservando-se, ao mesmo tempo, os valores erigidos na Constituição Federal, tais como a propriedade privada e a livre iniciativa.

Outros materiais