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Teoria Democrática e Política Comparada - O’DONNELL, Guillermo

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Dados 
On-line version ISSN 1678-4588 
Dados vol.42 n.4 Rio de Janeiro 1999 
http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52581999000400001 
Teoria Democrática e Política Comparada* 
Guillermo O’Donnell 
 
Para minha filha Julia, pela metonímia  e muito amor. 
 
 
UMA NOTA PESSOAL 
Passei boa parte da minha vida acadêmica estudando um tema que detesto o regime autoritário  e, mais tarde, um 
outro tema que me deu grande alegria, a falência desse regime. Durante esses anos, li muita coisa sobre teoria 
democrática e as democracias existentes, mas sempre o fiz, por assim dizer, de fora, isto é, como um tema importante, 
mas que não estava diretamente relacionado com minhas principais preocupações. Baseado nessas leituras e também 
nas grandes esperanças despertadas pelo fim dos vários tipos de dominação autoritária, pus-me a estudar, como tantos 
outros, os novos regimes que haviam nascido. Concentrei-me na América Latina, especialmente no sul do continente, 
embora também tenha me ocupado do que vinha ocorrendo na Europa meridional; além disso, a despeito de minhas 
sérias limitações no conhecimento dos idiomas, procurei manter-me razoavelmente informado sobre a situação dos 
países da Europa Central e Oriental e de alguns do Leste Asiático. 
Ao iniciar esses estudos, parti de duas premissas, tal como fazia na época a maior parte da literatura da área. A 
primeira delas é que existe um corpo suficientemente claro e consistente de teoria democrática; a segunda, que 
esse corpus teórico apenas requer modificações marginais para servir como ferramenta conceitual adequada ao estudo 
das novas democracias. Estas premissas são muito convenientes, pois nos permitem "navegar" em estudos 
comparativos sem muita preparação prévia ou grandes dúvidas teóricas. Elas aparecem em grande parte da bibliografia 
dedicada a investigar se as novas democracias se "consolidarão" ou não, as relações dos novos regimes com as 
políticas de ajuste econômico e as instituições típicas desses regimes Parlamento, Poder Executivo, partidos. Creio 
que as análises institucionais têm produzido conhecimentos valiosos, embora muitas vezes excessivamente limitados às 
características formais das instituições. Com relação aos estudos sobre "consolidação democrática", já manifestei em 
outros trabalhos (O’Donnell, 1996a; 1996b) meu ceticismo ante a vagueza e a tendência teleológica desse conceito, de 
modo que não preciso me repetir aqui. Quanto aos estudos sobre ajuste econômico, a maioria focaliza exclusivamente 
as condições políticas que favorecem ou dificultam a adoção de medidas de ajustamento. A conseqüência desse 
enfoque limitado é transformar os fatores políticos, inclusive o regime, em variável dependente do ajuste  o que nos 
velhos tempos seria considerado um caso de flagrante "economicismo". O foco desses estudos é tão estreito que até 
recentemente excluiu questões sociais e mesmo econômicas de grande importância, não só da ótica da eqüidade mas 
inclusive da perspectiva do próprio desenvolvimento1. 
Da mesma maneira como faziam essas vertentes da literatura, meus primeiros estudos sobre as novas democracias 
(O’Donnell, 19922) basearam-se nas premissas que acabei de mencionar: que existe um claro e consistente corpo de 
teoria sobre a democracia e que, com ele, é possível "viajar" confortavelmente no assunto. O problema  o meu 
problema, pelo menos  é que hoje estou convencido de que a primeira premissa é errada e a segunda, por 
conseguinte, impraticável. Chegar a essa conclusão me deixou desconcertado; ela privou-me das lentes com as quais 
acreditava poder dar início imediato ao estudo das novas democracias. Vi-me então obrigado a fazer um longo 
desvio intelectual, durante o qual internalizei, digamos assim, minhas leituras sobre a democracia e, por razões que 
esclareço adiante, retomei minhas antigas inquietações em filosofia, na teoria da moral e no direito. 
Outro aspecto dessa mudança de rumo intelectual foi que dei início a uma série de estudos em colaboração com outros 
pesquisadores, com o apoio institucional do Kellogg Institute for International Studies, da University of Notre Dame. 
Esses trabalhos trataram de temas que considerei importantes para esclarecer certas peculiaridades empíricas e 
teóricas das novas democracias  e das não tão novas assim  , em especial, mas não exclusivamente, na América 
Latina. Um desses projetos fez um balanço da situação geral da democracia no início da década de 90, nas Américas do 
Sul e do Norte3. Outro examinou a pobreza generalizada e a profunda desigualdade social na América Latina4. Um 
terceiro analisou vários aspectos do funcionamento dos sistemas jurídicos da região. Quanto às suas conclusões, basta 
dizer que mudamos o título do livro que as incorporou deThe Rule of Law... [O Estado de Direito...] para The (Un)Rule 
of Law... [O Fracasso do Estado de Direito...] (Méndez, O’Donnell e Pinheiro, 19995). A mudança de rumo levou-me a 
algumas conclusões que talvez caiba resumir aqui: 
(a) Uma teoria adequada da democracia deveria especificar as condições históricas do surgimento de várias situações 
concretas, ou, dito de outra forma, deveria incluir uma sociologia política, de orientação histórica, da democracia6. 
(b) Nenhuma teoria sobre qualquer tema social deveria omitir o exame dos usos lingüísticos do seu objeto. A palavra 
democracia, desde tempos imemoriais, recebeu fortes (mas diferentes) conotações morais, todas fundamentadas em 
uma visão dos cidadãos como agentes. Isso estende à teoria da democracia, inclusive a de orientação empírica, os 
complicados mas inevitáveis problemas da filosofia política e da teoria moral. 
(c) Uma teoria da democracia  da democracia tout court  deveria também incluir, e em uma posição central, vários 
aspectos da teoria do direito, visto que o sistema legal determina e respalda características fundamentais da 
democracia e, conforme explico mais adiante, da cidadania como agency*1. 
(d) Os itens anteriores têm como conseqüência que a democracia não deveria ser analisada apenas no plano do regime, 
mas também no do Estado  especialmente do Estado como sistema legal  e de certos aspectos do contexto social 
geral. 
Essas conclusões estão incorporadas em textos que escrevi nos últimos dez anos. Neles, examino certas características 
de algumas das novas democracias7, as quais dificilmente poderiam ser consideradas como transitórias ou apenas 
marginalmente diferentes do que pensam as teorias atuais. Nesses textos, questiono os estudos que "exportam" 
acriticamente as teorias para o caso das novas democracias8. No entanto, meus artigos abordam poucos temas de cada 
vez e logo voltam a problemas mais gerais da teoria democrática, sem tentar analisar ou reconstruir a teoria como tal. 
Sinto agora que essa tentativa precisa ser feita; para tanto estou escrevendo um livro, cujos dois primeiros capítulos, 
em versão preliminar, constituem este artigo. Trata-se, portanto, de um texto sobre a teoria da democracia tout court, 
e tem o indispensável objetivo de limpar o terreno conceitual para futuras incursões mais ambiciosas. Mas suas origens 
intelectuais no estudo das novas democracias se tornarão visíveis em algumas digressões comparativas que inseri ao 
longo da exposição. 
 
INTRODUÇÃO 
A recente emergência de países que são ou dizem ser democráticos colocou importantes desafios ao estudo 
comparativo dos regimes políticos9 e, inclusive, à própria teoria da democracia, embora nem sempre se perceba isto. 
Classificar um caso como "democrático" ou não é mais que um mero exercício acadêmico; tem implicações morais, na 
medida em que na maior parte do mundo contemporâneo existe um consenso de que a democracia, independente de 
como é definida, é um tipo de governo normativamente preferível. Essa qualificação também traz conseqüênciaspráticas, pois no atual sistema internacional o acesso a importantes benefícios tem estado dependente da avaliação da 
condição democrática de um país. 
Existe, porém, muita confusão e divergência quanto à maneira de definir uma democracia. Veremos que algumas 
dessas divergências são inevitáveis, mas a confusão não. A necessidade de esclarecimento conceitual manifesta-se na 
notável proliferação de qualificativos e adjetivos ligados ao termo democracia, conforme David Collier e Steven Levitsky 
(1997) registraram e analisaram com grande proveito. Na maioria das vezes, esses qualificativos se referem às novas 
democracias, sugerindo hesitações por parte da literatura comparativa e dos estudos nacionais e regionais sobre os 
critérios que nos permitiriam qualificar um caso como "democrático". O principal motivo dessas hesitações é que muitos 
desses novos regimes, e alguns dos mais antigos, no Sul e no Leste, apresentam características inesperadas ou 
divergentes das que uma democracia "deveria ter", segundo a teoria ou as expectativas de cada observador. 
É preciso notar que a lógica de associar qualificativos à "democracia" pressupõe um significado claro e consistente da 
palavra, que é em parte modificado pelos adjetivos. Assim, o que varia e pode conter vaguidões ou ambigüidades são 
as categorias adicionadas ou subtraídas do significado principal10. Mas essa presunção é problemática quando esse 
significado não está bastante claro. Como afirmou H. L. Hart (1961:14): "Uma definição que nos diz que uma coisa 
pertence a uma família não ajuda muito se temos apenas uma vaga ou confusa idéia sobre a natureza dessa família de 
coisas."11 Creio que é isso que se passa com o conceito de democracia: além da proliferação de casos potencialmente 
relevantes, outro motivo da atual confusão reside no fato de que a teoria democrática não é a sólida âncora conceitual 
que se costuma supor. Por essa razão, argumento neste artigo que as definições existentes de democracia, mesmo as 
que têm uma estrutura básica com a qual concordo, precisam ser revistas e esclarecidas. 
Além desse problema, temos de enfrentar um outro, de ordem histórico-contextual. Praticamente todas as definições 
de democracia são uma condensação da trajetória histórica e da situação atual dos países originários12. Entretanto, as 
trajetórias e a situação de outros países que hoje podem ser considerados democráticos diferem muito do que ocorreu 
nos originários. Por isso, uma teoria de alcance adequado deveria dar conta dessas diferenças, tanto pelo que elas 
significam em si mesmas, quanto porque podem ser causa de características específicas ou de subtipos de democracias 
no universo dos casos relevantes. 
Afirmo neste artigo que as teorias correntes sobre a democracia precisam ser revistas de uma perspectiva analítica, 
histórica, contextual e legal, ainda que isso acarrete uma certa perda de parcimônia [no sentido metodológico  N. 
T.]13. O resultado desses esforços pode ser a criação de instrumentos conceituais adequados à elaboração de uma 
melhor teoria da democracia em suas várias encarnações. Este artigo tem a intenção de contribuir para essa tarefa, 
embora seja apenas um primeiro passo destinado a limpar o terreno conceitual. Portanto, no que diz respeito a 
diversos tópicos importantes (especialmente a relação entre o regime democrático e algumas características do Estado 
e do conjunto do contexto social, bem como as diversas questões associadas à idéia de agency), limito-me a 
estabelecer as primeiras conexões. Estas servem principalmente para sinalizar os temas a serem desenvolvidos em 
futuros trabalhos. 
Na próxima seção, examino algumas influentes definições da democracia e extraio conclusões que abrem caminho para 
as seções posteriores. 
 
A NOTA DE RODAPÉ DE SCHUMPETER 
Depois de afirmar que a "democracia é um método político [...] um certo tipo de arranjo institucional para chegar a 
decisões políticas, legislativas e administrativas," Joseph Schumpeter (1975[1942]:242) enuncia sua famosa definição 
do "método democrático": "o arranjo institucional para chegar a decisões políticas pelas quais os indivíduos adquirem o 
poder de decidir mediante uma competição pelo voto popular." Esta é a definição "minimalista" (ou "processualista") 
paradigmática de democracia. No entanto, normalmente se esquece14 que Schumpeter não pára aí. Em primeiro lugar, 
ele esclarece que "o tipo de competição pela liderança que define a democracia [implica] a livre competição por votos 
livres." (idem:217)15 Nessa mesma linha, faz uma advertência ao comentar que "o método eleitoral é praticamente o 
único disponível para comunidades de qualquer tamanho", acrescentando ainda que isso não exclui outros modos 
menos competitivos "de garantir a liderança [...] e não se pode excluí-los porque, se o fizéssemos, nos restaria um 
ideal totalmente irrealista." (idem:271) É significativo que essa frase termine com uma nota de rodapé onde se lê: 
"Como no campo da economia, os princípios morais e legais da comunidade têm algumas restrições implícitas." 
(ibidem, nota 5) O significado dessas afirmações, contrastando com a definição que Schumpeter acabara de enunciar, é 
bastante nebuloso. A razão, acredito, é que o autor compreendeu que estava prestes a abrir uma Caixa de Pandora: se 
a "competição pela liderança" tem uma relação com "os princípios legais e morais da comunidade", então sua definição 
do "método democrático", ou de como ele funciona, acaba não sendo tão minimalista quanto poderia sugerir uma 
leitura isolada da célebre definição. 
Mais ainda, Schumpeter compreende que para haver "livre competição por um voto livre", é preciso que se cumpram 
algumas condições externas ao processo eleitoral. Citando suas próprias palavras: "Se, pelo menos em princípio, todos 
são livres para concorrer à liderança política apresentando-se ao eleitorado, isto exige na maioria dos casos, embora 
nem sempre, um grau considerável de liberdade de expressão para todos. Em especial, isso normalmente pressupõe 
uma grande liberdade de imprensa." (idem:271-272, ênfases no original) Em outras palavras, para que o "método 
democrático" exista, algumas liberdades básicas, supostamente relacionadas com "os princípios morais e legais da 
comunidade", também devem existir, e na maioria dos casos, como Schumpeter faz questão de enfatizar, "para todos". 
Por fim, quando o autor volta à sua definição e à declaração análoga de que "a função primordial do eleitorado [é] 
gerar um governo," esclarece que "tive a intenção de incluir nessa frase a função de derrubá-lo." (idem:272; ver, 
também, pp. 269 e 273) Schumpeter deixa claro, embora não o explicite, que não está falando de um acontecimento 
isolado, mas de um modo de eleger e derrubar governos ao longo do tempo; sua definição desloca-se então de um 
acontecimento único, ou como freqüentemente se diz, de um processo  as eleições  para um regime que se 
prolonga no tempo. 
Nas páginas posteriores às passagens citadas, Schumpeter propõe várias "condições para o êxito do método 
democrático": (1) uma liderança apropriada; (2) "a real abrangência das decisões de políticas públicas não deve ser 
excessiva"; (3) a existência de uma "burocracia bem treinada, de tradição e prestígio social, dotada de um forte senso 
do dever e de um esprit de corps não menos forte"; (4) os líderes políticos deveriam exercitar em alto grau o 
"autocontrole democrático" e o respeito mútuo; (5) deveria também existir "uma alta dose de tolerância com as 
diferenças de opinião," a propósito do que, voltando à sua nota de rodapé, Schumpeter acrescenta que "um caráter 
nacional e hábitos nacionais de um certo tipo" são bem apropriados; e (6) "todos os interesses que têm importância 
são praticamente unânimes não só na sua lealdade com o país, mas também com os princípios estruturaisda sociedade 
existente." (idem:289-296) 
Essas afirmações, mais uma vez, estão longe da clareza, tanto em si mesmas quanto em relação às conseqüências 
previstas por Schumpeter para o caso de faltarem as mesmas condições que enumera. Em primeiro lugar, ele não nos 
diz se cada uma dessas condições é suficiente para "o êxito do método democrático" ou se, como parece mais razoável, 
é preciso que o conjunto delas se cumpra. Em segundo lugar, ele não nos diz se a "falta de êxito" significa que o 
"método democrático" deveria ser suprimido em si mesmo ou se daria lugar a uma democracia reduzida (Collier e 
Levitsky, 1997). Se a resposta correta for a primeira, teríamos então de acrescentar à definição de Schumpeter, pelo 
menos como condições necessárias, todo o leque de dimensões que transcrevi acima. Com isso, sua definição poderia 
ser qualquer coisa, menos minimalista. Se, por outro lado, a resposta correta for que se criaria algum tipo de 
democracia reduzida, então, em vez de caracterizar integralmente o "método democrático", Schumpeter não teria 
conseguido oferecer uma tipologia capaz de diferenciar as democracias plenas das reduzidas. 
Esses esclarecimentos, ressalvas, postulados de condições necessárias e alusões ao regime aparecem nas páginas 
imediatamente posteriores à da célebre definição. Não resta a menor dúvida de que Schumpeter tem uma visão elitista 
da democracia: "Os eleitores que não fazem parte do Parlamento devem respeitar a divisão de trabalho entre eles 
próprios e os políticos que elegeram [...] devem compreender que, uma vez eleito um indivíduo, a ação política é 
problema deste e não deles." (1975:296) Mas uma definição elitista de democracia não é necessariamente minimalista. 
A essa altura, já deve ter ficado claro que as várias qualificações introduzidas por Schumpeter dão a entender que sua 
definição de democracia não é minimalista, nem se concentra estreitamente no "método" ou processo eleitoral, como 
supunham o próprio autor e a maioria dos seus comentadores. 
Desejo argumentar que isso também acontece, implícita ou explicitamente, com todas as definições contemporâneas 
tidas como "schumpeterianas", ou seja, minimalistas e/ou "processualistas"16. Dentre estas se destaca por sua 
contundência a de Adam Przeworski: "Democracia é um sistema em que os partidos perdem eleições. Há partidos, ou 
seja, divisões de interesses, valores e opiniões. Há competição organizada por regras. E há periodicamente vencedores 
e perdedores." (1991:10) Mais recentemente, o mesmo Przeworski e seus colaboradores propuseram uma definição 
semelhante, que denominam de "minimalista": democracia é "um regime no qual os cargos governamentais são 
preenchidos em conseqüência da disputa de eleições. Um regime só é democrático quando a oposição pode concorrer, 
ganhar e assumir os cargos que disputou. Na medida em que esta definição põe o foco nas eleições, é evidentemente 
minimalista [...] [isso], por sua vez, implica três características: incerteza ex ante [...] irreversibilidade ex post e [...] 
[repetibilidade]." (Przeworski et alii, 1996:50-51) Note-se que, apesar de limitada às eleições, a irreversibilidade e, 
especialmente, a repetibilidade das eleições em que "a oposição tem alguma chance de conquistar cargos em 
conseqüência das próprias eleições" (idem:50)17, supõe a existência de condições adicionais, semelhantes àquelas 
mencionadas por Schumpeter, para que esse tipo de sufrágio se realize. Para que a oposição tenha essas 
oportunidades, é preciso, no mínimo, que também existam algumas liberdades básicas. 
Samuel Huntington, por sua vez, depois de declarar que está "seguindo a tradição schumpeteriana", define a 
democracia "[como um sistema político que existe] na medida em que seus mais poderosos decisores coletivos são 
escolhidos em eleições limpas19, honestas e periódicas, nas quais os candidatos competem livremente por votos e em 
que praticamente toda a população adulta está apta a votar." Mas esse autor acrescenta (Huntington, 1991:7), como 
fazem Schumpeter, de modo explícito, e Przeworski, de modo implícito, que a democracia "também envolve a 
existência das liberdades civis e políticas de palavra, imprensa, reunião e associação, que são indispensáveis para o 
debate político e a condução das campanhas eleitorais." Da mesma maneira, Giuseppe Di Palma (1990:16) diz que a 
democracia "tem como premissa [...] o sufrágio livre e isento em um contexto de liberdades civis, partidos 
competitivos, opção entre candidaturas, e instituições políticas que regulam e garantem os papéis do governo e da 
oposição." Larry Diamond, Juan Linz e Seymour Lipset propõem uma definição similar embora mais extensa: 
"Um sistema de governo que atende a três condições essenciais: concorrência 
ampla e significativa entre indivíduos e grupos organizados (especialmente os 
partidos políticos) para todas as posições de governo que têm poder efetivo, em 
intervalos regulares de tempo e com exclusão do uso da força; um nível ‘altamente 
includente’ de participação política na seleção dos líderes e das políticas públicas 
mediante, ao menos, eleições periódicas e isentas, de modo a não excluir nenhum 
grupo social importante dentre a população adulta; e um grau suficiente de 
liberdades civis e políticas ¾ liberdade de expressão, liberdade de imprensa, 
liberdade de formar e filiar-se a organizações ¾ para garantir a integridade da 
competição e da participação política." (1990:6-7) 
De sua parte, Giovanni Sartori (1987:24), ainda que mais preocupado com "um sistema de governo majoritário 
limitado pelos direitos da minoria" do que com eleições, acrescenta que "para haver democracia é preciso que exista 
uma opinião pública autônoma [...] [e uma] estruturação policêntrica da mídia e seu jogo competitivo" (idem:98 e 
110). Por último, embora partindo de perspectivas teóricas distintas, Dietrich Rueschemeyer et aliiconcordam que a 
democracia "implica, primeiro, a eleição regular, livre e isenta de representantes pelo sufrágio universal e igualitário; 
segundo, a responsabilidade do aparelho de Estado perante o Parlamento eleito [...], e, terceiro, as liberdades de 
expressão e de associação, bem como a proteção dos direitos individuais contra a ação arbitrária do Estado." 
(1992:43)18 
É claro que essas definições se prendem a eleições de um tipo específico, às quais acrescentam, na maioria das vezes 
de modo explícito, algumas condições simultâneas, como as liberdades ou garantias consideradas necessárias e/ou 
suficientes para a existência desse tipo de sufrágio. Algumas dessas definições se dizem minimalistas, no estilo de 
Schumpeter, mas na medida em que têm de supor, pelo menos implicitamente, algumas liberdades simultâneas, essa 
pretensão não parece justificar-se. Por outro lado, dizendo-se minimalistas ou não, essas definições têm a importante 
vantagem de ser realistas: pelo menos no que se refere às eleições, incluem com razoável precisão atributos cuja 
ausência ou presença podemos verificar empiricamente. Faço questão de repetir. Apesar de não inteiramente 
superpostas, todas essas definições incluem duas espécies de elementos: eleições limpas19 para a maioria dos cargos 
de alto nível no governo, conforme estipulado constitucionalmente (salvo para os tribunais superiores, as forças 
armadas e a diretoria dos bancos centrais); e as liberdades ou garantias já mencionadas. Além disso, as definições 
fazem referência, embora muitas vezes implícita, a um regime que perdura no tempo, e não somente às eleições como 
acontecimentos isolados. Retornarei a esse ponto mais adiante. 
Outras definições também pretendem ser realistas, mas não se qualificam como tal, pois propõem características que 
ou não podem ser verificadas empiricamente, por não serem encontráveis em nenhuma democracia existente, ou 
postulam atributos demasiado vagos. Entreas primeiras, incluo as definições que continuam presas à "democracia 
etimológica" (Sartori, 1987:21), quando afirmam que é o demos, ou o povo, ou uma maioria que de alguma forma 
"governa"20. Não é isso que acontece nas democracias contemporâneas, em qualquer interpretação da palavra 
"governo" que implique a atividade deliberada de um agente, embora talvez tenha ocorrido de maneira ampla, mas 
ainda incompleta, em Atenas (Hansen, 1991). Outras definições procuram contornar essa objeção, mantendo a noção 
básica do demos como um agente. Por exemplo, Philippe Schmitter e Terry Lynn Karl afirmam que "a democracia 
política moderna é um sistema de governo em que os cidadãos responsabilizam os governantes por seus atos na esfera 
pública, agindo indiretamente por meio da competição e da cooperação dos seus representantes eleitos." (1993:40, 
ênfases minhas) O problema está nas palavras enfatizadas: nada se diz sobre o que significa "agindo indiretamente". 
As definições realistas contrastam com as prescritivas  aquelas que afirmam o que deveria ser a democracia na 
opinião do autor. As definições prescritivas pouco dizem sobre dois assuntos importantes: primeiro, como se deveria 
caracterizar as democracias realmente existentes (inclusive se, de acordo com essas teorias, deveríamos mesmo 
considerá-las como democracias); e segundo, como se deveria mediar, na teoria e não na prática, a brecha existente 
entre as democracias definidas de maneira realista e as que são definidas de maneira prescritiva. Por exemplo, Sheila 
Benhabib diz que a democracia é "um modelo para organizar o exercício público e coletivo do poder nas principais 
instituições de uma sociedade, partindo do princípio de que as decisões que afetam o bem-estar de uma 
coletividade podem ser entendidas como resultados de um processo de deliberação livre e racional entre indivíduos 
concebidos moral e politicamente como iguais entre si." (1996:68, ênfases minhas)21 Mais uma vez as palavras 
decisivas são as que estão enfatizadas; nada se diz sobre em que sentido, até que ponto e por quem as democracias 
"podem ser entendidas" como tendo satisfeito o requisito estipulado na definição. Objeção semelhante pode ser feita à 
concepção de democracia de Jürgen Habermas, na medida em que, para caracterizar e legitimar a democracia e a 
legislação democrática, ele se baseia na existência de uma esfera deliberativa livre de impedimentos, que é muito difícil 
de encontrar na prática22. 
Invoco agora uma outra definição realista, a de poliarquia, de Robert Dahl23. Prefiro essa definição a outras da mesma 
espécie porque ela oferece detalhes úteis, e porque o termo "poliarquia" permite diferenciar a democracia política de 
outros tipos e espaços democráticos. Ela tem a mesma estrutura das demais definições realistas: primeiramente 
estipula alguns atributos das eleições (cláusulas 1 a 4); em seguida, relaciona certas liberdades que Dahl chama de 
"direitos políticos primários [os quais] fazem parte integrante do processo democrático" (Dahl, 1989:170) (cláusulas 5 
a 7)24, entendidos como necessários para que as eleições efetivamente contenham as características estipuladas. Neste 
ponto de minha argumentação, cabe-me definir o que entendo por eleições em um regime democrático. 
 
AS ELEIÇÕES EM UM REGIME DEMOCRÁTICO 
Em um regime democrático, as eleições são competitivas, livres, igualitárias, decisivas e includentes, e os que votam 
são os mesmos que, em princípio, têm o direito de ser eleitos  os cidadãos políticos. Sendo as eleições competitivas, 
os indivíduos têm pelo menos seis opções: votar no partido A; votar no partido B; não votar; votar em branco; anular o 
voto; ou adotar algum processo aleatório para escolher uma opção entre as anteriores. Além disso, os partidos 
concorrentes (que têm de ser, no mínimo, dois) devem ter oportunidades razoáveis de dar a conhecer suas opiniões 
aos eleitores efetivos ou potenciais. Para que seja uma verdadeira escolha, a eleição deve ser livre, no sentido de que 
os cidadãos não deverão ser coagidos, nem quando estão decidindo seu voto nem no momento de votar. Para ser uma 
eleição igualitária, cada voto deve valer o mesmo que os demais e ser computado como tal, sem fraudes, 
independentemente da posição social, da filiação partidária ou de outros atributos de cada eleitor25. Finalmente, as 
eleições devem ser decisivas, em vários sentidos. Primeiro, os vencedores devem tomar posse dos cargos para os quais 
foram eleitos. Segundo, com base na autoridade conferida aos seus cargos governamentais, os funcionários eleitos 
devem poder tomar as decisões que o marco democrático legal e constitucional lhes autoriza. Terceiro, os funcionários 
eleitos devem concluir seus mandatos nos prazos e/ou nas condições estipulados por essa estrutura institucional. 
Eleições livres, igualitárias e decisivas implicam, como argumenta Adam Przeworski (1991:10), que governos podem 
perder eleições e devem acatar seus resultados. Esse tipo de eleição é uma característica específica do regime 
democrático, ou poliarquia, ou democracia política  três termos que usarei como equivalentes neste artigo. Em outros 
casos, pode até haver eleições (como em países comunistas ou outros regimes autoritários, ou na escolha do Papa, ou 
mesmo em algumas juntas militares), mas somente na poliarquia existe o tipo de eleição que satisfaz a todos os 
critérios acima mencionados (Sartori, 1987:30; ver, também, Riker, 1982:5). 
Cabe advertir que os atributos antes especificados não dizem nada sobre a composição do eleitorado. Já houve 
democracias oligárquicas, de sufrágio restrito, que satisfizeram os atributos especificados; acontece, porém, que, em 
conseqüência dos processos históricos de democratização nos países originários, e de sua difusão em outros, a 
democracia adquiriu uma nova característica, a da includência: o direito de votar e de ser votado é outorgado, com 
poucas exceções, a todos os membros adultos de um país26. Por razões de concisão, daqui por diante chamarei de 
eleições competitivas aquelas que reúnem as condições de ser livres, isentas, igualitárias, decisivas e includentes27. 
 
DIGRESSÃO COMPARATIVA (1) 
Como o caráter decisivo das eleições não aparece nas definições atuais de democracia e de sufrágio democrático28, é 
preciso dar aqui uma explicação. Em um trabalho anterior, propus acrescentar esse atributo sob o argumento de que 
sua omissão mostra até que ponto as atuais teorias da democracia incluem pressupostos não examinados, que 
deveriam ser explicados para que elas adquiram uma adequada abrangência comparativa. Em outras palavras, a 
literatura presume que uma vez realizadas as eleições e proclamados os vencedores, estes tomarão posse dos seus 
cargos para os quais foram eleitos e governarão com a autoridade e pelos prazos que a constituição lhes prescreve29. 
Isso é, evidentemente, um reflexo da experiência das democracias originárias. Mas não é necessariamente verdade. Em 
diversos países houve casos em que os candidatos, depois de ganharem eleições que satisfaziam os atributos 
mencionados, foram impedidos de tomar posse, freqüentemente por um golpe militar. Por outro lado, governantes 
democraticamente eleitos, como Boris Yeltsin e Alberto Fujimori, dissolveram anticonstitucionalmente o Congresso e 
destituíram os ocupantes de altos postos no Poder Judiciário. Por fim, em casos como o do Chile contemporâneo (e 
menos formalmente, mas com igual eficácia, em outros países latino-americanos, africanos e asiáticos), certas 
organizações impedidas de participar do processo eleitoral, geralmente as forças armadas, mantêm, de modo explícito, 
poder de veto ou "domínios reservados"30 que limitam substancialmente a autoridade dos funcionários eleitos. Em 
todos esses casos, as eleições não são decisivas: não geram, ou deixam de gerar, algumas das conseqüênciasbásicas 
que supostamente deveriam acarretar. 
 
OS COMPONENTES DE UM REGIME DEMOCRÁTICO, OU POLIARQUIA, OU DEMOCRACIA POLÍTICA 
Recordemos que as definições realistas de democracia contêm dois tipos de componentes. O primeiro consiste de 
postulados sobre o que é exigido para se considerar uma eleição suficientemente competitiva. Trata-se de uma 
definição estipulativa31, equivalente à que diz que "um triângulo é uma figura plana delimitada por três linhas retas". 
Estabelece que uma eleição será considerada competitiva se cumprir cada um dos atributos enumerados. O segundo, 
no entanto, relaciona condições, designadas como liberdades, ou garantias, ou "direitos políticos primários", que 
circundam eleições limpas. Essas liberdades são condições de existência de um objeto  eleições competitivas  com o 
qual mantêm uma relação de causalidade. As liberdades complementam a definição estipulativa com uma afirmação do 
tipo "para que exista X, também devem existir as condições A ... N." Como vimos ao tratar Schumpeter, nenhuma 
definição realista, ao que eu saiba, deixa claro se as condições que postula são necessárias e/ou suficientes em seu 
conjunto, ou se apenas aumentam a probabilidade de haver eleições competitivas. Essa imprecisão sugere a existência 
de alguns problemas que examinarei mais adiante, quando comentar sobre o terceiro aspecto dessas definições. 
Vimos antes que um pressuposto freqüentemente implícito nessas definições de democracia é o de que elas não se 
referem a um acontecimento isolado, mas a uma série de eleições que se prolongam em um futuro indeterminado. Ao 
dizer isso, entramos no tema da instituição. As eleições a que essas definições se referem são institucionalizadas: 
praticamente todos os atores, políticos ou não, consideram evidente que as eleições competitivas continuarão a ser 
realizadas indefinidamente, em datas estabelecidas por lei (nos sistemas presidencialistas) ou em circunstâncias 
legalmente preestabelecidas (nos sistemas parlamentaristas). Isso faz com que os atores também admitam sem 
discussão que as liberdades simultâneas continuarão em vigor. Quando essas expectativas são compartilhadas de modo 
generalizado pela população, as eleições competitivas estão institucionalizadas32. Esses casos diferem não só daqueles 
dos regimes autoritários como também daqueles em que, por mais que tenha havido no passado eleições competitivas, 
não existe a expectativa geral de que eleições semelhantes continuarão a ocorrer. Apenas no primeiro tipo de situação, 
os agentes relevantes ajustam racionalmente suas estratégias à expectativa de que eleições isentas continuarão a ser 
realizadas. A confluência dessas expectativas geralmente aumenta a probabilidade de que tal tipo de eleição de fato 
continue a ocorrer33. Em outros casos, as eleições deixarão de ser "o único jogo existente"34, e os atores relevantes 
investirão em recursos extra-eleitorais como via de acesso às mais altas posições no regime35. 
O último termo exige esclarecimentos. Modificando um pouco a definição que Philippe Schmitter e eu formulamos 
(O’Donnell e Schmitter, 1986:73, nota 1), entendo por "regime" os padrões formais e informais, explícitos ou 
implícitos, que determinam os canais de acesso às principais posições de governo, as características dos atores 
admitidos ou excluídos dessas posições e os recursos e estratégias que eles podem usar para alcançá-las36. Quando 
institucionalizadas, as eleições são um componente central de um regime democrático, já que são o único meio de 
acesso (com a notável exceção dos tribunais superiores, forças armadas e, eventualmente, dos bancos centrais) às 
principais posições de governo37. Na democracia, as eleições não são apenas competitivas; também são 
institucionalizadas. Esse tipo de eleição é um dos elementos que definem um regime democrático, ou poliarquia, ou 
democracia política. 
Passemos agora a um assunto mais complicado, o das liberdades que circundam as eleições. 
 
UM PRIMEIRO EXAME DAS LIBERDADES POLÍTICAS 
Parece óbvio que para a institucionalização de eleições competitivas, sobretudo por envolverem expectativas de 
duração indefinida, essas eleições não podem existir sozinhas. É preciso também haver, em torno das eleições, 
algumas liberdades ou garantias que  e isso tem grande importância  continuem a vigorar entre uma eleição e 
outra. Caso contrário, o governo do dia poderia facilmente manipular ou mesmo anular futuras eleições. Relembro que 
para Dahl as liberdades relevantes são as de expressão, associação e informação, e que outros autores propõem, com 
maior ou menor detalhamento, liberdades semelhantes. Note-se, porém, que o efeito combinado das liberdades 
mencionadas por Dahl e outros autores não garante inteiramente que as eleições serão competitivas. Por exemplo, o 
governo poderia proibir que candidatos da oposição viajem pelo país, ou poderia submetê-los à perseguição policial a 
pretexto de motivos não relacionados com sua condição de candidatos. Nesse caso, mesmo que estejam em vigor as 
liberdades relacionadas por Dahl, dificilmente se poderia aceitar que as eleições sejam competitivas. Isso significa que 
as condições propostas por Dahl e outros autores não são suficientes para garantir eleições limpas. Na realidade, trata-
se de condições necessárias que, em conjunto, sustentam um juízo probabilístico: se estiverem presentes, 
haverá, caeteris paribus, uma forte probabilidade de as eleições serem isentas. 
Lembremos que os atributos das eleições competitivas são estipulados por definição38. Em troca, as liberdades 
"políticas" são derivadas por indução: resultam de uma fundamentada avaliação empírica sobre o impacto de diversas 
liberdades na probabilidade de as eleições serem competitivas. Essa avaliação é regida pelo evidente propósito de 
encontrar um conjunto nuclear de liberdades "políticas"39, no sentido de que sua enumeração não se torne um 
inventário inútil de todas as liberdades que poderiam influir na isenção das eleições. O problema é que, como os 
critérios de inclusão de algumas liberdades e exclusão de outras se baseiam em juízos indutivos, não é possível existir 
uma teoria que estabeleça uma clara e sólida linha de demarcação entre as condições incluídas (necessárias e, 
idealmente, suficientes em seu conjunto), de um lado, e as excluídas, de outro. Esta é uma das razões  embora, 
como veremos, não a única  que explicam por que não há, e muito provavelmente não haverá jamais, um acordo 
geral sobre quais são as liberdades "políticas". Aí está, a meu ver, o principal motivo da persistente atração exercida 
pelas definições minimalistas da democracia e de sua não menos persistente dificuldade para limitar-se às eleições  a 
Caixa de Pandora que Schumpeter procurou evitar, mas não conseguiu, continua entre nós. 
Até aqui examinei o que poderíamos chamar de limites externos das liberdades ou garantias que cercam as eleições 
competitivas e as tornam altamente prováveis, ou seja, a questão de quais liberdades incluir ou excluir desse conjunto. 
Mas há um outro problema que reforça a conclusão céptica a que cheguei antes; denominá-lo-ei de problema dos 
limites internos de cada uma dessas liberdades. Todas elas contêm uma "cláusula de razoabilidade" que, mais uma vez, 
permanece implícita na teoria da democracia, pelo menos na forma proposta pela maioria dos sociólogos e cientistas 
políticos40. A liberdade de associação não inclui criar organizações com fins terroristas; a liberdade de expressão tem 
limites, entre outras coisas, na legislação contra os delitos de calúnia ou difamação; a liberdade de informação não 
impede a oligopolização dos meios de comunicação de massa etc. Como determinar se essas liberdades são ou não 
efetivas? Certamente os casos que se aproximam de um ou outro extremo não causam problemas, mas há os quecaem em uma zona de penumbra entre os dois pólos. Novamente, a resposta a esses casos depende de juízos indutivos 
sobre até que ponto a frágil, ou parcial, ou intermitente existência de certas liberdades ainda sustenta, ou não, a 
probabilidade de que as eleições sejam competitivas41. Outra vez, não existem bases teóricas para dar uma resposta 
clara e firme a essa pergunta: os limites externos e internos das liberdades políticas são teoricamente indecidíveis. 
Outra dificuldade é que os limites internos das liberdades enumeradas por Dahl, e de outras também potencialmente 
relevantes para a competitividade das eleições, sofreram mudanças significativas ao longo do tempo. Basta assinalar 
que certas restrições à liberdade de expressão e de associação que nos países originários eram consideradas aceitáveis 
até pouco tempo atrás, hoje pareceriam claramente antidemocráticas42. Levando isso em conta, quão exigentes terão 
de ser os critérios que devemos aplicar às novas democracias (e às velhas democracias que não pertencem ao 
quadrante Noroeste do mundo)? Devemos aplicar os critérios hoje prevalecentes nos países originários ou os que estes 
adotaram no passado? Ou, ainda, devemos fazer em cada caso uma fundamentada avaliação indutiva dessas 
liberdades, tendo em vista a probabilidade de que permitam ou impeçam a realização de eleições competitivas? Na 
minha opinião, a última opção é a mais razoável, mas ela nos joga em cheio na questão do caráter indecidível dessas 
liberdades, agora ainda mais complicado por sua variabilidade histórica. 
Dadas essas razões, cheguei à conclusão de que existem e continuarão existindo divergências nos círculos acadêmicos 
e, por certo, no âmbito da política prática, a respeito de onde traçar os limites externos e internos das liberdades que 
circundam e tornam provável a existência de eleições institucionalizadas e competitivas. Isso não se dá por uma falha 
nas tentativas de enumerar essas liberdades. Elas são muito importantes, são fatores cruciais, são condições 
necessárias para a existência de um regime centrado em eleições competitivas, e como tal merecem ser enumeradas. 
Além de tudo, é intuitivamente evidente, e pode ser verificado empiricamente, que a ausência de algumas dessas 
liberdades (digamos, de expressão, associação ou movimento) elimina a probabilidade de haver eleições competitivas. 
Por outro lado, o caráter indutivo das enumerações e o correspondente problema dos seus limites externos e internos, 
revelam suas limitações como enunciados teóricos, de per se e em sua capacidade de persuasão intersubjetiva. Essas 
limitações tornam a questão rigorosamente indecidível. Conseqüentemente, em vez de ignorá-las ou tentar fixar 
artificialmente os limites internos e externos dessas liberdades, um caminho mais proveitoso consiste em estudar 
teoricamente as razões e implicações desse enigma43. 
Embora ainda tenhamos um longo percurso a fazer, com a análise precedente chegamos a um ponto importante em si 
mesmo e que nos situa, por assim dizer, em um promontório a partir do qual se podem vislumbrar os caminhos pelos 
quais teremos de transitar. Um primeiro comentário que devo fazer neste momento de minha argumentação é que 
concordei, embora com ressalvas e acréscimos, com os autores que propõem definições realistas da democracia 
política. Na verdade, em relação ao texto já citado de Collier e Levitsky (1997), "precisei" suas definições, 
acrescentando alguns elementos que elas deixam implícitos. Penso que convém incluir expressamente nessa definição 
duas espécies de componentes: primeiro, eleições competitivas e institucionalizadas; segundo, apesar de seu caráter 
indecidível, um conjunto de liberdades que, de uma perspectiva racional  porque derivada de atenta observação  , 
parece ser necessário para sustentar uma alta probabilidade de haver eleições livres e isentas. Outro comentário é que 
esse critério não é minimalista: não focaliza exclusivamente as eleições competitivas e não ignora as liberdades 
simultâneas. Penso que uma definição apropriada de democracia política deve concentrar-se em um regime que inclui 
um tipo específico de eleições, mas não se limita a este. Por outro lado, o critério que proponho é restritivo no sentido 
de que recusa incluir uma enumeração muito detalhada das liberdades relevantes, o que acabaria sendo inesgotável e 
analiticamente estéril. 
Apesar de ainda ser necessário incluir outros fatores não situados no plano do regime para se chegar a uma definição 
adequada de democracia, a definição realista e restritiva de regime democrático é útil por várias razões. Uma, de 
ordem conceitual e empírica, é que ela permite gerar um conjunto de casos diferentes a partir da ampla e variada 
gama de exemplos de não-democracias, quer se trate de diferentes tipos de regime abertamente autoritários, quer dos 
regimes que realizam eleições, embora não competitivas e não institucionalizadas44. A outra razão, empírica e também 
conceitual, é que uma vez gerado tal conjunto de casos, abre-se a possibilidade de analisar e comparar as semelhanças 
e diferenças entre essas situações e seus subconjuntos45. 
A terceira razão é ao mesmo tempo prática e normativa: a existência desse tipo de regime e das liberdades que lhe são 
simultâneas, apesar das muitas deficiências persistentes em outras esferas da vida política e social, implica uma 
enorme diferença em relação ao regime autoritário. No mínimo, essas liberdades criam a possibilidade de usá-las como 
base de proteção ou de habilitação para a busca de ampliar os direitos existentes ou obter novos. Outra razão é que ao 
longo da história as pessoas se mobilizaram e correram riscos justamente para reivindicar esse tipo de regime e as 
liberdades que o acompanham. Parece claro que, além das esperanças por vezes míticas em relação aos outros 
benefícios derivados da concretização de liberdades políticas, a reivindicação desses direitos esteve no cerne das 
grandes mobilizações que freqüentemente precederam a instituição da democracia46. Pelo menos em relação aos países 
pós-comunistas, há provas empíricas de que grande parte das respectivas populações reconhece e valoriza essas 
liberdades47. Ademais, se não levamos em conta que essas liberdades são importantes para muitas pessoas, não temos 
condições de entender o elevado apoio que a democracia recebe hoje em dia em todo o mundo, não obstante o 
desempenho com freqüência deficiente de seus governos48 
Uma última razão é, como as anteriores,. de ordem prática e normativa. Tanto os dados das pesquisas citadas quanto 
numerosas observações impressionistas sugerem que, sejam quais forem os significados adicionais atribuídos à palavra 
"democracia", a maioria das pessoas, na maior parte dos países, inclui certas liberdades políticas e a realização de 
eleições que, no seu entender, sejam razoavelmente competitivas. Na concepção popular, na linguagem dos políticos e 
dos jornalistas e também pelos critérios propostos nas definições acadêmicas, que  em parte por essa 
razão  denominei de "realistas", a existência das liberdades e de eleições basta para chamar um país de democrático. 
Esse qualificativo tem uma conotação normativa positiva, como evidencia o fato de que chamar um "país" de 
democrático é uma metonímia: isto é, designa o todo, um país, por um atributo de conotação positiva ligado a uma de 
suas partes, o regime49. 
Faço questão de sublinhar os argumentos precedentes porque chegamos a um ponto que se presta facilmente a mal-
entendidos. De um lado, acredito ter deixado claro que um regime democrático é extremamente importante em si 
mesmo. Isto requer uma definição adequada desse regime; por isso propus que um regime que satisfaz os critérios 
realistas e restritivos já enumerados pode ser chamado de democracia política, ou equivalentemente, de poliarquia ou 
regimedemocrático (já observei que estou usando esses três termos como sinônimos). Levando em conta o uso 
prevalecente dentro e fora dos meios acadêmicos, esse regime pode ser denominado simplesmente de democracia, 
mas, nesse caso, cabe lembrar que se trata de uma metonímia, ou seja o termo tem uma extensão50 maior que a de 
regime. 
O motivo dessa advertência é que, embora o regime seja uma parte fundamental da questão, ela não se esgota aí. 
Nisso me afasto dos teóricos que preferem restringir o conceito de democracia tomando como referência o regime. No 
restante deste texto, analiso algumas conexões do regime com outros temas que, a meu ver, também se incluem 
na problématique da democracia. Antes, porém, resumo em algumas proposições os principais argumentos até aqui 
expostos: 
I. Em uma definição realista e restritiva, o regime democrático (ou poliarquia, ou 
democracia política) consiste de eleições competitivas e institucionalizadas, 
acompanhadas por algumas liberdades políticas. 
II. Até as definições "minimalistas", "processualistas" ou "schumpeterianas", que se 
limitam a mencionar as eleições competitivas como o único elemento característico 
da democracia, pressupõem a existência de algumas liberdades básicas, ou 
garantias, para que essas eleições existam. Sendo assim, tais definições não são, 
nem poderiam ser, minimalistas ou processualistas, como se dizem. 
III. As liberdades simultâneas às eleições competitivas e institucionalizadas só 
podem ser derivadas por indução, tanto no que se refere às liberdades incluídas 
quanto aos limites internos de cada uma. Por conseguinte, nessa matéria, é 
impossível chegar a um acordo geral que se baseie em critérios teóricos claros e 
sólidos51. 
IV. Apesar de indecidíveis, já que algumas liberdades simultâneas podem gerar 
uma alta probabilidade de haver eleições competitivas, convém explicitá-las, tanto 
porque contribuem para uma definição adequada do regime de que fazem parte, 
quanto porque ajudam a elucidar as divergências que inevitavelmente cercam a 
questão. 
V. Uma definição realista e restritiva de poliarquia, ou democracia política, ou 
regime democrático, delimita um espaço empírico e analítico que permite distinguir 
esse tipo de regime de outros, com importantes conseqüências normativas, práticas 
e teóricas. 
A seguir, sem deixar de ter em vista nosso objetivo  a discussão e elucidação de alguns aspectos da teoria 
democrática e suas implicações comparativas  , faço uma mudança de perspectiva. 
 
UMA APOSTA INSTITUCIONALIZADA 
Vimos que em um regime democrático cada eleitor tem pelo menos seis opções. Cabe lembrar que este não é o único 
direito que a democracia reconhece a praticamente todos os adultos residentes no território de um Estado. Cada eleitor 
tem ainda o direito de tentar ser votado. O fato de que ele deseje ou não exercer esse direito é irrelevante porque, 
tendo o direito de ser eleito, cada adulto traz consigo a autoridade potencial de participar de decisões governamentais. 
Os eleitores não somente votam; além disso, e conforme define a legislação relativa aos cargos para os quais são 
eleitos, eles também podem participar da responsabilidade de tomar decisões coletivas de caráter impositivo e 
eventualmente aplicar a coação estatal. O que importa no direito de votar e de ocupar cargos eletivos é que isso define 
um agente. Trata-se de uma definição jurídica; os direitos são atribuídos pelo sistema legal à maioria dos adultos que 
habitam no território de um Estado, com algumas exceções igualmente definidas por lei. É uma atribuição de alcance 
universalista, aplicável a todos os adultos independentemente de sua condição social e de suas características 
adscritas, com exceção da idade e da nacionalidade. Atribuir a todo adulto a condição de agente, implica conferir-lhe a 
capacidade de tomar decisões consideradas suficientemente razoáveis para produzir importantes conseqüências, tanto 
para a agregação dos seus votos quanto para seu desempenho em funções governamentais. Pode ser que os indivíduos 
não exerçam esses direitos, mas o sistema jurídico os conceitua como igualmente capazes de exercitá-los, assim como 
de desempenharem as obrigações correspondentes (por exemplo, abster-se de atos fraudulentos ou da violência no 
momento de votar, ou cumprir as obrigações de cargos públicos dentro dos limites estipulados pela lei). 
Essa é a agency  a presunção de autonomia e razoabilidade suficientes para tomar decisões cujas conseqüências 
acarretam obrigações de responsabilidade  , pelo menos nas relações diretamente associadas com um regime 
fundado em eleições competitivas. Talvez porque a atribuição da condição de agente se tornou um lugar-comum nos 
países originários, tendemos a esquecer quão extraordinária e recente é sua existência. 
Vista desse ângulo, a democracia não é o resultado de nenhum tipo de consenso, ou decisão individual, ou contrato 
social, ou processo deliberativo. A democracia resulta de uma aposta institucionalizada. O sistema jurídico (incluindo-
se, naturalmente, as constituições) confere a cada indivíduo múltiplos direitos e obrigações. Não é uma questão de 
escolha; ao nascer (e mesmo antes, em vários sentidos) os indivíduos estão imersos em uma trama de direitos e 
obrigações determinados e respaldados pelo sistema jurídico do Estado-território onde vivem. Somos seres sociais bem 
antes de tomarmos decisões conscientes, e nas sociedades contemporâneas uma parte importante de nosso ser social é 
definida e regulada por lei. Este fato também é óbvio e tem importantes conseqüências. Entretanto, é ignorado pelas 
teorias contemporâneas da democracia. 
A atribuição de direitos e obrigações é universalista52: presume-se que cada indivíduo aceite o fato de que, com 
algumas exceções especificadas pelo próprio sistema legal, todos gozem dos mesmos direitos e das mesmas obrigações 
que lhes cabem. Alguns desses direitos se referem a um modo peculiar de tomar decisões coletivas de caráter 
impositivo por indivíduos escolhidos em eleições competitivas e institucionalizadas. 
O que é essa aposta? É que, em uma democracia, cada ego deve aceitar que praticamente todos os demais adultos 
participem  votando e eventualmente sendo votados  do ato (as eleições competitivas) que determina quem os 
governará por certo tempo. É uma aposta institucionalizada, porque imposta aos indivíduos a despeito de sua vontade: 
cada ego tem de aceitar esse fato, ainda que ache que permitir que certos indivíduos votem ou sejam votados é um 
grave erro. Não resta outra opção a cada ego senão aceitar o risco de que pessoas "erradas" sejam escolhidas como 
resultado de eleições competitivas. Cada ego deve correr esse risco53, porque ele é determinado e sustentado pelo 
sistema legal de uma democracia. Ego pode não gostar ou mesmo ter sérias objeções54 a que alter tenha direitos iguais 
aos seus de votar e ser votado. Mas esta não é uma questão de escolha para ego. Durante sua vida, ego pode escolher 
muitos aspectos de sua vida social, mas não pode evitar que lhe atribuam, antes e a despeito de sua vontade, um 
conjunto de direitos e obrigações. Egoestá imerso em um sistema legal que estabelece esses mesmos direitos 
para alter e proíbe ego de ignorá-los, transgredi-los ou negá-los. Em virtude do local de nascimento ou da 
nacionalidade, e em muitos aspectos pelo simples fato de residir em dado país, ego adquire direitos e obrigações com 
relação a alter e ao Estado. Insisto que isso não é uma questão de escolha: ego é um ser social constituído e 
configurado pelos direitos e obrigações promulgados e sustentados pelo Estado  se necessário, por coerção. 
Quando se instala uma democracia, há evidentes exceções ao que acabo de dizer. Existe então um momento de 
escolha: na medida em que os direitos e as obrigações são determinadospor organismos constitucionais escolhidos em 
eleições limpas, ou ratificados por referendos isentos, esses direitos expressam o acordo majoritário  e, portanto, 
suficiente  para a institucionalização da aposta democrática. Passado esse momento, as sucessivas gerações são 
constituídas e configuradas ab initio em e por relações legalmente definidas pela aposta democrática: cada indivíduo 
tem de correr o risco de as eleições darem resultados que julgam equivocados. É claro que isso está longe de esgotar 
toda a questão. Mas é importante porque significa que descobrimos então uma outra característica específica da 
democracia política contemporânea: é o único regime que resulta de uma aposta institucionalizada, universalista e 
includente. Todos os demais, quer incluam ou não eleições, impõem algum tipo de restrição a essa aposta, ou a 
suprimem completamente. 
Velhos ou novos, os regimes democráticos, depois do seu momento fundador, são o produto dessa aposta e ficam 
profundamente marcados por esse fato. Repito: a aposta é institucionalizada55. Não depende das preferências dos 
portadores desses direitos, nem da agregação de seus votos56, nem de algum mítico contrato social ou processo 
deliberativo. A aposta é uma instituição legalmente promulgada e sustentada que todos devem respeitar dentro do 
território delimitado por um Estado. Embora, em si mesma, essa expectativa não implique a obrigação moral de aceitar 
um regime democrático e obedecer suas autoridades57, é uma expectativa exigente, entrelaçada no sistema legal e 
sustentada pelo poder coercitivo do Estado. 
Essa aposta sustentada pela lei define parâmetros amplos, mas importantes do ponto de vista operacional, para a 
racionalidade individual: as tentativas de ignorar, transgredir ou negar os direitos que ela confere a alternormalmente 
trazem graves conseqüências negativas para quem as perpetua. Em suas interações com alter, ao menos na esfera 
política delimitada por eleições competitivas, geralmente convém a ego reconhecer e respeitar os direitos do outro. 
Esse interesse pode ser reforçado por motivos altruístas ou orientados para o bem-estar coletivo, mas em si mesmo 
implica o reconhecimento de outros como portadores de direitos idênticos aos deego. É esse o germe de uma esfera 
pública que consiste dos reconhecimentos mútuos baseados na atribuição universalista de determinados direitos e 
obrigações. 
Recapitulemos agora duas importantes conclusões a que chegamos na discussão precedente. A primeira é uma 
definição da cidadania política como o correlato individual de um regime democrático: ela consiste da atribuição legal e 
do efetivo gozo dos direitos implicados na aposta, isto é, ao mesmo tempo as liberdades simultâneas (basicamente de 
expressão, associação, informação e livre movimento, apesar de seu caráter indecidível) e o direito de participar de 
eleições competitivas, inclusive de votar e ser votado. A segunda é que, feita essa definição, saímos do plano do regime 
para o do Estado, entendido em dois sentidos: de um lado, como uma entidade territorial que fixa os limites de quem é 
portador dos direitos de cidadania política58; de outro, como um sistema legal que determina e respalda a atribuição 
universalista e includente desses direitos. A aposta democrática e a cidadania política pressupõem uma à outra, e 
ambas supõem o Estado, como delimitação territorial e como sistema legal. 
A análise anterior introduziu complicações que devemos verificar com cuidado. Recordemos que a Proposição 1 estipula 
que um regime democrático consiste de eleições limpas e institucionalizadas juntamente com algumas liberdades 
"políticas" simultâneas. Pois bem, ao lado dos aspectos do Estado que acabo de mencionar, encontramos dimensões 
que não pertencem ao regime (pelo menos como o defini). Na realidade, esses aspectos têm duas faces. De um lado, 
estão entrelaçados em um regime democrático, no sentido de que são condições necessárias para sua existência; de 
outro, conforme discuto abaixo, esses aspectos são característicos da "democraticidade" de pelo menos algumas 
dimensões do Estado e não só do regime. 
Neste ponto de minha argumentação, pode ser útil acrescentar as seguintes proposições: 
VI. A cidadania política consiste da atribuição legal e do gozo efetivo de direitos 
comprometidos com a aposta democrática, isto é, as liberdades simultâneas e os 
direitos de participação em eleições competitivas, inclusive o de votar e ser votado. 
VII. Um regime democrático (ou democracia política, ou poliarquia) inclui: (a) um 
Estado que delimita dentro do seu território aqueles que são considerados cidadãos 
políticos, e (b) um sistema legal vinculado a esse mesmo Estado que outorga a 
cidadania política, conforme definida na proposição anterior, sobre uma base 
universalista e includente. 
Essas duas proposições nos levam a um terreno que devemos explorar com atenção. 
 
AGENCY E DIREITOS 
Como a adoção da aposta que concede direitos políticos universalistas é muito recente, precisamos fazer uma digressão 
histórica. Ela nos permitirá rastrear as origens pré-políticas da agency e depois relacioná-la com a democracia 
contemporânea. 
Sabe-se que, nos países originários, muitas categorias sociais foram excluídas do sufrágio durante muito tempo, e 
portanto, obviamente, da possibilidade de serem votadas: camponeses, operários manuais, empregados domésticos (e, 
em geral, os não proprietários ou os que possuíam baixo nível de instrução), os negros nos Estados Unidos, os índios 
nesse mesmo país e em muitos outros, além, decerto, das mulheres. Os direitos políticos só foram concedidos às 
mulheres durante o século XX e, em vários países, somente depois da Segunda Guerra Mundial59. Por outro lado, países 
do Sul e do Leste adotaram em épocas distintas o sufrágio includente, muitas vezes de maneira abrupta. Mas as 
inúmeras variações das democracias "tutelares" ou "de fachada" que surgiram nessas regiões, assim como, é óbvio, 
nos regimes abertamente autoritários, implicavam a negação da aposta democrática. 
A história da democracia é, em toda parte, a história da difícil aceitação dessa aposta. A história dos países originários 
foi marcada por previsões catastróficas,60 e às vezes por violenta resistência61, das classes privilegiadas que se 
opunham à extensão dos direitos políticos a setores sociais tidos como "não confiáveis" ou "indignos" de os possuir. Em 
outras latitudes, por meios com freqüência ainda mais violentos e excludentes, essa mesma extensão sofreu resistência 
em inúmeras ocasiões. 
Quais os fundamentos dessa recusa? Tipicamente, a falta de autonomia e a falta de responsabilidade  em outras 
palavras, negação da agency. Presumia-se que somente alguns indivíduos (seja por sua instrução superior ou pela 
posse de propriedades, seja por fazerem parte de uma vanguarda política capaz de decifrar o sentido da história ou de 
uma junta militar que entendeu as exigências da segurança nacional etc.) teriam a correta motivação para assumir 
responsabilidades ou para participar das decisões coletivas. É claro que as vanguardas revolucionárias, as juntas 
militares e assemelhados criaram regimes autoritários, enquanto nos países originários os privilegiados deram origem, 
na maior parte dos casos, a regimes democráticos oligárquicos, de caráter não-includente para si próprios e 
politicamente excludente para todo o resto da população. 
Como vimos rapidamente na seção anterior, há uma idéia central por trás de tudo isso: a agency. Essa idéia envolve 
complicadas questões filosóficas, morais e psicológicas62. Contudo, para os fins deste artigo, basta dizer que um agente 
é alguém concebido como dotado de razão prática, ou seja, que faz uso de sua capacidade cognitiva e motivacional 
para tomar decisões racionais em termos de sua situação e de seus objetivos,e dos quais, salvo prova conclusiva em 
contrário, é considerado o melhor juiz63. Essa capacidade faz do sujeito um agente moral, no sentido de que 
normalmente ele se verá (e será visto pelos outros) como responsável por suas escolhas e, ao menos, pelas 
conseqüências diretas que delas decorrem. Sem dúvida, as obras que abordam esse tema pelos mais diversos ângulos 
introduzem várias ressalvas ao que acabo de afirmar. Apesar de importantes, essas restrições não nos impedem de 
seguir adiante levantando uma outra questão que tem sido negligenciada pela teoria democrática. 
 
A CONSTRUÇÃO LEGAL, PRÉ-POLÍTICA, DA AGENCY 
A presunção de agency64 é outro fato institucionalizado, que nos países originários é mais antigo e mais arraigado do 
que a aposta democrática e as eleições competitivas. Essa presunção não é apenas um conceito moral, filosófico ou 
psicológico; é legalmente determinada e sustentada pela lei. A presunção de agencyconstitui cada indivíduo como um 
sujeito jurídico, portador de direitos subjetivos. O sujeito jurídico faz escolhas pelas quais é responsabilizado, porque o 
sistema legal o concebe como um ser autônomo, responsável e racional  ou seja, um agente. 
Essa concepção de agency passou a ser o núcleo dos sistemas jurídicos dos países originários bem antes da 
democracia. O reconhecimento institucionalizado (isto é, legalmente determinado e respaldado, em geral aceito como 
evidente) de um agente portador de direitos subjetivos foi o resultado de um longo e complicado processo, cujos 
precursores são alguns sofistas, Cícero e os estóicos (ver, esp., Villey, 1968). Posteriormente, deram contribuições 
decisivas o minucioso trabalho jurídico da Igreja Católica e das universidades medievais, o nominalismo de William of 
Ockam (ver, esp., Berman, 1993; Villey, 1968), e, no fim do período, a influente elaboração, primeiro, dos escolásticos 
espanhóis do século XVI, e depois de Grotius (1583-1645), Pufendorf (1632-1694) e outros teóricos do direito natural 
(ver Van Caenegem, 1992; Gordley, 1991; Berman, 1993). Nessa época, o que veio a ser chamado de "teoria 
consensual do contrato" e a visão de agency que dela decorria alcançaram madura expressão. Como disse James 
Gordley (1991:7): 
"Os últimos escolásticos e os juristas do direito natural haviam admitido o princípio 
fundamental de que os contratos são realizados pela vontade ou consentimento das 
partes [...] [em contraste com as concepções de Aristóteles e Santo Tomás de 
Aquino] entenderam que um contrato era simplesmente o resultado de um ato de 
vontade, não o exercício de uma virtude moral. As partes somente estavam 
obrigadas ao que haviam concordado voluntariamente, não a deveres originados da 
essência ou natureza do contrato." (ver, também, Lieberman, 1998)65 
Nessa época, Hobbes propôs uma tese extremamente elaborada sobre a agency, baseada em direitos subjetivos, e a 
transpôs para a esfera da política. Essa mesma concepção impregnou a visão de mundo do Iluminismo66, e, após 
Hobbes, foi continuada por Locke, Rousseau, Stuart Mill, Kant e outros, apesar das divergências desses autores em 
outras questões. Além disso  e este argumento é importantíssimo para minha análise  , a concepção de agency foi 
incorporada ao núcleo da teoria do direito por juristas como Jean Domat (1625-1695) e Robert Pothier (1699-1772), 
cujas obras tiveram profunda influência sobre Blackstone, Bentham e outros teóricos ligados à tradição do direito 
consuetudinário, assim como nos códigos franceses e alemães da primeira metade do século XIX67. 
Essas concepções de agency individual e seu corolário, a teoria consensual do contrato, opõem-se a outra concepção do 
direito, que provém de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino e que em sua versão organicista continua a ser muito 
influente em alguns países fora do quadrante Noroeste do mundo68. Segundo essa visão, a lei diz respeito ao justo 
ordenamento da polis, onde cada parte deve ter um lugar e uma proporção adequados. O axioma suum cuique jus 
tribuere exprime essa concepção arquitetônica da justiça e da lei como seu instrumento: não há propriamente direitos 
individuais, mas direitos e deveres que são atribuídos, a bem do justo ordenamento do todo, a cada uma das categorias 
ou status que compõem uma sociedade organicamente concebida (cidadãos, estrangeiros e escravos ou, em outros 
contextos, reis, nobres, burgueses, plebeus etc.)69. 
O surgimento da idéia de agency e seus direitos subjetivos representou uma revolução copernicana: a lei deixou de ter 
a missão de designar corretamente as partes da totalidade social, e, por conseguinte, de realizar a justiça social para 
todos. Em troca, como já se inferia do nominalismo de Ockam e, mais tarde, do de Hobbes, a lei visava as únicas 
entidades verdadeiramente existentes  os indivíduos. A missão da lei é a de determinar e proteger a potestas dos 
indivíduos, ou seja, sua capacidade de fazer valer sua vontade em todas as esferas não proibidas por essa mesma lei. 
O indivíduo, concebido como portador dos direitos subjetivos que sustentam sua potestas, é o objeto e a finalidade da 
lei70. De acordo com essa concepção, se eventualmente se produz uma boa ordem social, esta é um subproduto (como 
se afirmará mais tarde a respeito do mercado, em consonância com essa mesma visão) da soma das conseqüências da 
existência dos direitos subjetivos. 
É claro que tudo isso constitui um capítulo da história do liberalismo. Muitos autores já assinalaram que, como doutrina 
política, o liberalismo condensou as cruéis lições deixadas pelas guerras religiosas dos séculos XVI e XVII. Mas é preciso 
acrescentar que boa parte do trabalho de construção do indivíduo que Hobbes, Locke, Kant e outros fizeram já havia 
sido realizada pelas teorias filosóficas e, especialmente, jurídicas que citei. O agente portador de direitos subjetivos já 
estava esboçado nessas teorias, quase pronto para ser transposto à esfera da política por esses grandes autores 
liberais. 
Embora as reflexões anteriores possam parecer muito distantes de uma teoria da democracia contemporânea, não é 
bem a verdade. Para demonstrá-lo, nada melhor do que invocar Max Weber e seu colossal esforço para explicar o 
surgimento e as características singulares do capitalismo ocidental. Sabe-se que Weber não atribuiustatus explicativo 
privilegiado a nenhuma das dimensões que utilizou. Suas idéias são especialmente importantes para minha análise, 
porque, ao contrário de grande parte da ciência política contemporânea, ele deu grande atenção aos aspectos legais, 
interpretando seu funcionamento como um contraponto à emergência dos Estados, do capitalismo, das classes e dos 
tipos de autoridade política. Weber argumentou que o surgimento do que chamou de direito racional-formal (um 
repositório de direitos subjetivos, apresso-me a acrescentar) não pode ser atribuído basicamente às demandas ou 
interesses da burguesia, pois quando esses processos começaram ainda não existia uma burguesia capitalista, no 
sentido moderno (Weber, 1968:847 e passim). A criação desses direitos se explica antes pelo trabalho secular que 
esbocei acima, pelos interesses corporativos dos profissionais do direito que levaram a cabo essa obra e, 
principalmente, pelos interesses dos principais empregadores desses profissionais  os governantes empenhados na 
formação do Estado e, por conseguinte, interessados em melhorar seu crédito e arrecadação fiscal, bem como em 
submeter ao seu controle direto a população dos territórios que pretendiam governar. Para este fim, era fundamental 
eliminar as ordens estamentais concebidas de forma organicista (especialmente as feudais e as cidades autônomas, 
bem como a ampla jurisdição que o direito canônico reivindicava), e com estas as concepções aristotélicas e tomistas 
da lei. Esses governantes encontraram no caráter universalizantedos direitos subjetivos um meio eficaz para afirmar 
sua soberania sobre todos os indivíduos residentes em seus territórios71. Apesar de toda a violência empregada, os 
contornos básicos do atual mapa político dessa parte do mundo foram enfim traçados72. 
Pode-se dizer que o processo de construção da concepção jurídica da agency individual foi tudo menos linear e pacífico. 
Desenvolveu-se através de uma relação mutuamente dinamizadora com outro processo: o aparecimento e 
desenvolvimento do capitalismo. Como novamente nos recorda Weber, e nesse sentido também Marx, o reforço mútuo 
dos processos de formação do Estado, desenvolvimento do capitalismo e expansão do direito racional-formal teve, 
entre outras conseqüências, a abolição da servidão73 e o aparecimento do trabalho "livre". Essa liberdade consistiu do 
direito subjetivo de celebrar contratos pelos quais indivíduos privados da propriedade dos meios de produção vendem 
sua força de trabalho. O trabalhador das relações capitalistas é desde cedo um sujeito jurídico, portador de direitos (no 
início, poucos) e de obrigações que "livremente" ajusta com o empregador, como cabe a um indivíduo concebido 
juridicamente como agente. Isso também vale para as responsabilidades criminais, que deixaram de ser atribuídas 
coletivamente ao clã, à família ou à aldeia, e foram transferidas aos respectivos indivíduos  de novo, em concordância 
com sua condição de agente74. 
Gostaria de ressaltar que a primeira construção dos direitos subjetivos, especialmente do direito de propriedade e de 
contrato para o intercâmbio de bens e serviços, é um legado do capitalismo e do processo de formação do Estado, não 
do liberalismo ou da democracia política, que surgiram bem depois de os direitos já estarem amplamente difundidos 
nos países originários e tomarem forma detalhada nas doutrinas jurídicas75. O mesmo se pode dizer sobre a construção 
do direito de propriedade individual, exclusiva e vendável76. Examinando a convergência dessas histórias, devemos 
lembrar que os Estados e o capitalismo criaram mercados territorialmente delimitados, com o que contribuíram para a 
construção de uma densa trama de direitos subjetivos, inclusive de uma rede de tribunais que aplicavam esses direitos, 
bem antes de o liberalismo e a democracia entrarem em cena77. 
Por outro lado, muitos autores chamaram a atenção para o fato de que a construção legal de um agente portador de 
direitos subjetivos, ao omitir as condições reais de exercício desses direitos e excluir outros, avalizou e contribuiu para 
reproduzir relações extremamente desiguais entre capitalistas e trabalhadores78. Mas essa construção incluía corolários 
potencialmente explosivos. Primeiro, se a ego se atribui a condição legal de agente em determinadas esferas da vida 
que, para ele e para o conjunto da sociedade, são de suma importância, levanta-se naturalmente a seguinte pergunta: 
por que se deveria negar essa atribuição a outras esferas e, de todo modo, quem deveria ter autoridade para tomar tal 
decisão? O segundo corolário não é menos explosivo, ainda que hoje esteja muito menos resolvido do que o anterior: 
se a agency implica escolhas, que opções reais poderiam ser consideradas como razoavelmente consistentes com a 
condição de agente de ego? 
A resposta à primeira pergunta está na história da expansão dos direitos subjetivos, inclusive o de sufrágio, até sua 
atual includência. Essa história foi escrita através dos numerosos conflitos ao fim dos quais as classes dangereuses, 
depois de terem aceito morrer em massa na guerra para defender seus países (ver, esp., Levi, 1997; Skocpol, 1992) e 
de trocarem a revolução pelo Estado de Bem-Estar79, foram enfim admitidas como partícipes da aposta 
democrática  isto é, obtiveram a cidadania política80. Enquanto isso, outros processos continuavam a se desenvolver 
nos países originários. Um deles foi a definição do mapa da Europa Ocidental e da América do Norte como resultado de 
bem-sucedidos e freqüentemente cruéis processos de formação do Estado (Tilly, 1985; 1990). Outro foi a expansão dos 
direitos na esfera civil, um processo que vários teóricos alemães chamaram de "juridificação", no duplo sentido de uma 
especificação de direitos e deveres já reconhecidos e do acréscimo de novos81. 
O resultado desses processos foi que, quando em algum momento do século XIX a maior parte dos países do Noroeste 
adotou a democracia não includente, a maioria da sua população masculina (e, embora em menor extensão, também a 
feminina) já contava com uma série de direitos subjetivos que regulavam numerosos aspectos de sua vida82. Não se 
tratava ainda dos direitos políticos da aposta democrática; eram direitos civis relativos a atividades econômicas e 
sociais privadas. T. H. Marshall (1964) resumiu-os no conceito de "cidadania civil"83 e, mais recentemente, Habermas 
(1996) os denominou de "direitos burgueses"84. Em um trabalho anterior (O’Donnell, 1999c), discuti esse tema e 
formulei algumas restrições às tipologias desenvolvimentistas que esses autores propõem. O que desejo ressaltar aqui 
é que quando, nos países originários, se começou a discutir a questão da plena inclusão política, já existia um rico 
repertório de critérios legalmente sancionados e elaborados sobre a atribuição de agency a um grande número de 
indivíduos. É verdade que a restrição da abrangência desses direitos à esfera privada parece muito limitada para os 
nossos padrões contemporâneos. Mas também é certo que, graças a esse processo de expansão da atribuição de 
direitos subjetivos, preparou-se o terreno para estender à cidadania política os conceitos, as leis, a jurisprudência e as 
ideologias originadas da cidadania civil85. 
Nessa época, só artificialmente se poderia separar o liberalismo, como uma doutrina política, da história jurídica que 
acabo de resumir. Muitos direitos que, desde o início, o liberalismo buscava proteger são os mesmos que já tinham sido 
aperfeiçoados e extensamente aplicados pela lei. É claro que com o tempo o liberalismo os ampliou, mas sempre o fez 
definindo-os como direitos subjetivos, seguindo suas próprias premissas. Foi na qualidade de defensores dessa espécie 
de direitos que os liberais conseguiram aprovar Constituições  e as Constituições, independentemente do que possam 
conter a mais, protegem direitos subjetivos86. Foram essas as Constituições que institucionalizaram pela primeira vez a 
aposta democrática, embora se baseassem no sufrágio restrito. 
Quando, por fim, a aposta includente foi aceita nos países originários, muitas pessoas (mas, certamente, nem todas) 
puderam perceber que essa decisão não era um salto no vazio. Os governos da época já estavam limitados por direitos 
subjetivos elaborados e amplamente difundidos, alguns consagrados como normas constitucionais87. Tratava-se, 
ademais, de sistemas representativos cujo funcionamento atenuava o temor causado pelas experiências de democracia 
direta ou de governo de massas, desde Atenas até a Revolução Francesa. Já tinham sido também adotadas, ou 
estavam prestes a sê-lo, outras medidas liberais de salvaguarda, de fundas raízes no passado (embora com histórias 
diferentes das que narrei aqui), principalmente a determinação de prazos aos mandatos dos funcionários eleitos e a 
divisão de poderes no interior do regime88. 
Esses arranjos institucionais convergiram para configurar o princípio central do liberalismo: todo governo deve ser um 
governo limitado, pois diz respeito a portadores de direitos promulgados e respaldados pelo mesmo sistema legal que o 
próprio governo deve obedecer e do qual deriva sua autoridade. Repito que essa idéia fundadora de agentes portadores 
de direitos subjetivos, que geram uma potestas individual que não pode ser violada ou negada, salvo por razões 
cuidadosamente especificadas e definidas por lei, já estava

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