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PRODUCAO DE SENTIDOS SOBRE A MATERNIDADE UMA EXPERIENCIA NO PROGRAMA MAE CANGURU

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Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 37-46, jan./abr. 2005 
 
PRODUÇÃO DE SENTIDOS SOBRE A MATERNIDADE: UMA EXPERIÊNCIA NO 
PROGRAMA MÃE CANGURU 
Solange Maria Sobottka Rolim de Moura* 
Maria de Fátima Araújo# 
RESUMO. Este artigo analisa, sob a perspectiva da relação entre a família e instituições de saúde, os sentidos produzidos 
sobre a maternidade em um programa de saúde neonatal desenvolvido na rede pública – o Programa Mãe Canguru. A partir de 
entrevistas e observações feitas com usuárias durante sua participação no programa, buscamos apreender como as práticas 
discursivas e não discursivas sobre maternidade e maternagem, difundidas nesse processo, se articulam com as experiências 
concretas dessas mulheres para produzir novas configurações subjetivas. Na interpretação dos dados, realizada através de 
análise do discurso, os aspectos mais significativos das falas das entrevistadas foram agrupados em quatro núcleos de sentido: 
família e religião; o impacto do nascimento prematuro; desconfiança e resistência nas relações com instituições e profissionais 
de saúde; e a experiência com o Programa Mãe Canguru. Ao final, procurou-se identificar as principais estratégias e formas 
de singularização utilizadas por essas mulheres ao atribuírem sentidos ao papel materno. 
Palavras-chave: maternidade, práticas de saúde, Programa Mãe Canguru. 
SENSES PRODUCTION UPON MOTHERHOOD: AN EXPERIENCE AT THE 
KANGAROO MOTHER PROGRAM 
ABSTRACT. This article analises, under the perspective of the relationship between the family and health institutions, the 
senses produced upon motherhood on a neonatal health program developed at the public system – The Kangaroo Mother 
Program. As from interviews and observations made with users during their involvement on the program, we tried to perceive 
how discursive and non discursive practices about motherhood and maternal care, spreaded on this process, become linked 
with the factual experiences of this women in order to produce new subjective configurations. On data interpretation, realized 
through speech analysis, the most significant aspects of interviewees talks were gathered in four senses nucleus: family and 
religion; the impact of a premature birth; distrust and resistance on relations with institutions and health professionals; and the 
experience with the Kangaroo Mother Program. At the end, we attempted to identify the main strategies and singularization 
forms used by these women in attributing senses at the maternal part. 
Key words: motherhood, health practices, Kangaroo Mother Program 
 
* Psicóloga, Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista–UNESP – Campus de Assis, docente da Universidade do 
Oeste Paulista. 
#
 Psicóloga, Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo, docente da Universidade Estadual Paulista – UNESP – 
Campus de Assis 
Neste artigo apresentamos as principais idéias 
desenvolvidas e os resultados obtidos na pesquisa 
empírica (Moura, 2003) que realizamos com o 
objetivo de investigar os sentidos produzidos sobre a 
maternidade e as práticas de maternagem em um 
programa de saúde neonatal desenvolvido na rede 
pública – o Programa Mãe Canguru. Finalizado em 
2003, este trabalho originou-se de uma experiência 
prática no atendimento como psicóloga em hospitais 
da rede pública e na supervisão clínica de alunos de 
um curso de Psicologia. Estas atividades demandaram 
uma série de reflexões sobre a organização de alguns 
programas de saúde no país, em particular aqueles que 
têm seu foco na atenção materno-infantil. Acreditamos 
que na implementação destes programas articulam-se 
discursos e práticas, presentes tanto no âmbito da 
família quanto das instituições de saúde, que vão 
produzir sentidos para o papel materno. 
A aproximação família/instituições de saúde tem 
origem histórica e remonta, no Ocidente, à 
organização dos Estados modernos e ao advento do 
capitalismo como modo de produção. Nesse período, 
38 Moura & Araújo 
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 37-46, jan./abr. 2005 
a saúde dos indivíduos tornou-se foco de interesse 
político nas principais nações européias, e cuidar da 
saúde da população passou a ser função do Estado. 
Para o cumprimento desta tarefa, um incipiente Estado 
moderno articulou-se à ciência médica, numa 
importante aliança que atuou na promoção de 
condições mais favoráveis de habitação, saneamento 
urbano e controle de epidemias. A medicina 
transformou-se a partir desta aliança e sua função 
sanitarista se desenvolveu. De acordo com Foucault 
(1998), a prática médica deixou progressivamente de 
ser o exercício individualizado de ações curativas para 
adquirir uma função social. 
A aliança entre Estado e instituições médicas 
promoveu uma indiscutível melhora nas condições de 
saúde da população (Rosen, 1994); por outro lado, 
contribuiu para a disseminação de uma nova forma de 
exercício de poder, que privilegiava a disciplina no 
gerenciamento tanto das populações quanto de cada 
indivíduo. Novas tecnologias políticas investiram 
sobre o corpo, a saúde, as formas de viver e sentir, 
abrangendo todo o espaço da existência humana. O 
papel reservado a algumas instituições sociais se 
alterou e novas formas de cuidado com as pessoas 
foram pensadas, uma vez que o valor dado à vida 
humana se modificou (Foucault, 1995). 
A vida familiar revestiu-se de grande importância, 
tornando-se foco de uma atenção cada vez maior por 
parte do Estado e do conjunto da sociedade. A 
infância delineou-se como um novo valor, o que 
determinou maior investimento social na criança, 
especialmente nos cuidados com sua educação e saúde 
(Ariés, 1981; Donzelot, 1986). Paralelamente, o valor 
conferido ao papel materno se modificou e o lugar da 
mulher, na família e na sociedade, foi aos poucos 
atrelado ao cumprimento de suas funções de mãe. 
Assim, no advento da família moderna, a figura 
materna adquiriu maior importância na medida em 
que a mãe assumia pessoalmente o cuidado com os 
filhos e a transmissão de normas higiênicas para todo 
o grupo. As relações afetivas na família passaram a ser 
vistas como essenciais para o desenvolvimento da 
criança e o amor materno ganhou destaque, 
naturalizando-se sua existência. Por outro lado, sua 
ausência se transformou em motivo de preocupação 
para a sociedade, demandando cuidados especiais 
(Badinter, 1985; Costa, 1987; Moura & Araújo, 2004). 
Paulatinamente, o cuidado com os indivíduos e com 
a população tornou-se objeto da atenção de um leque 
cada vez maior de especialistas: além do médico, 
pedagogos, psicólogos e outros profissionais passaram a 
estabelecer as diretrizes para uma vida “normal”. Pouco a 
pouco, o modo de vida nas sociedades modernas 
centrava-se em valores individualizantes, afastando as 
pessoas de experiências afetivas construídas a partir da 
vida coletiva e restringindo estas mesmas experiências ao 
contexto familiar. A própria família, por sua vez, foi aos 
poucos se reduzindo ao núcleo pai-mãe-filhos e se 
isolando de antigas redes de aliança e parentesco. Como 
conseqüência desse isolamento, a família tornou-se cada 
vez mais dependente da palavra dos especialistas, que 
passaram, assim, a definir tanto as necessidades quanto as 
formas de satisfação consideradas “adequadas” e 
“saudáveis” para todos e cada um. 
Esta tendência de aproximação entre a família e as 
instituições de saúde, disseminada nas sociedades 
ocidentais européias já a partir do final do século 
XVII, também envolveu o Brasil, porém com algum 
atraso. Neste país esse movimento acentuou-se 
somente a partir de meados do século XIX mas, assim 
como na Europa, mostrou-se fundamental para a 
modernização da sociedade e de diversas de suas 
instituições, entre as quais a família. As condições 
sociopolíticase econômicas do Brasil certamente 
imprimiram ao movimento características particulares, 
mas não diminuíram a importância da aproximação 
Estado/medicina/família nesse processo1. 
Especialmente a partir de meados do século XX, o 
Estado brasileiro tem organizado uma série de propostas 
e programas de modo a enfocar a família em suas ações. 
Muitas vezes, porém, estas propostas são idealizadas por 
gestores desconectados das características e necessidades 
da população a que procuram atender, além de 
privilegiarem soluções economicamente mais vantajosas 
para problemas complexos (Luz, 2000). Além disso, tais 
programas tomam como homogêneos práticas, 
experiências e valores que podem ser muito diversos em 
nossa sociedade, especialmente com relação à instituição 
familiar. 
Compreender como esta articulação 
família/instituições de saúde se presentifica no contexto 
atual da sociedade brasileira foi o que nos motivou a 
eleger como campo de pesquisa uma proposta do 
Ministério da Saúde do Brasil para atenção neonatal – o 
Programa Mãe Canguru (Brasil, 2000). 
O PROGRAMA MÃE CANGURU 
O Programa Mãe Canguru, Método Canguru ou 
Programa Canguru, integra um conjunto de medidas 
políticas de humanização do atendimento neonatal e 
 
1
 A respeito das modificações observadas na sociedade 
brasileira a partir do século XIX e durante o século XX, 
envolvendo a família, ver Costa (1987) e Araújo (1993). 
Produção de sentidos sobre a maternidade 39 
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 37-46, jan./abr. 2005 
tem sido adotado em diversos hospitais públicos ou 
conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) no 
país. Sua especificidade recai sobre um elemento 
essencial na organização da família moderna: a 
relação mãe-filho. 
Esta forma de intervenção prevê a presença no 
hospital de um adulto, geralmente a própria mãe da 
criança, que deve acompanhar o bebê nascido 
prematuro e/ou de baixo peso durante sua internação, 
para fornecer-lhe calor pelo contato pele a pele. De 
acordo com o Ministério da Saúde (Brasil, 2000), este 
procedimento denomina-se “posição canguru” e 
consiste em “manter o recém-nascido de baixo peso 
ligeiramente vestido, em decúbito prono, na posição 
vertical, contra o peito do adulto”. 
Segundo suas normativas oficiais, a aplicação do 
Método Canguru se divide em 03 etapas, durante as 
quais o exercício da “posição canguru” pode ocorrer: 
(1) no período logo após o nascimento de um recém-
nascido de baixo peso que, impossibilitado de ir para 
alojamento conjunto, necessita de internação em 
unidade neonatal; (2) quando o recém-nascido 
encontra-se estabilizado e pode ficar acompanhado da 
mãe; e (3) no período de atendimento ambulatorial. 
Durante todas estas etapas a mãe e o bebê devem ser 
acompanhados por uma equipe multiprofissional, que 
inclui a presença de médico, enfermeiro e auxiliares 
de enfermagem, fisioterapeuta, psicólogo, 
fonoaudiólogo, nutricionista e assistente social. 
A participação da mãe no programa, embora não 
seja claramente exigida na proposta do Ministério da 
Saúde (que sugere apenas a presença de “um adulto” 
para executar a “posição canguru”), na prática é 
valorizada como uma forma privilegiada de cuidado. 
Entende-se que a proximidade da mãe favoreça a 
recuperação da criança, estimule o aleitamento 
materno e também o vínculo da mãe com o bebê. 
Além disso, o Método Canguru pode substituir – 
parcial ou totalmente – o uso de incubadoras como 
forma de manter a temperatura corporal do recém-
nascido de baixo peso. 
A implementação desta técnica encontra inúmeras 
justificativas. Estudos desenvolvidos na área médica 
(Charpak, Calume & Hamel, 1999; Carvalho & 
Prochnik, 2001) comprovam o melhor 
desenvolvimento do bebê quando ele participa do 
Programa Canguru. Além disso, seu emprego 
possibilita uma importante economia de recursos 
públicos. Nesses estudos, porém, pouca atenção é 
dada a um elemento essencial à efetivação desta 
proposta: a pessoa que vai exercer a função materna 
durante a realização do programa, em geral a própria 
mãe da criança. Sua participação envolve um amplo 
conjunto de interesses e possibilidades pessoais e 
sociais, implicadas na postura que cada mulher assume 
diante dessa forma de cuidado. 
As normativas que oficializam o Método Canguru 
(Brasil, 2000) em alguns momentos são pouco claras a 
respeito da pessoa que deve exercer a maternagem 
durante sua aplicação, o que permite às instituições 
que o adotam adaptá-lo à realidade local de cada 
unidade prestadora deste serviço. Entretanto, esta 
flexibilidade das normativas, um de seus aspectos 
positivos, termina por conferir-lhes um caráter 
inespecífico, aberto a muitas interpretações, que vão 
reverberar nas formas, também múltiplas, que essa 
proposta assume nas várias instituições que a 
empregam. Por outro lado, as mesmas normativas que 
ora se apresentam flexíveis, em outros momentos 
tomam as concepções de maternidade e das práticas de 
maternagem como homogêneas por todo o campo 
social, ignorando sua produção histórica e material. 
Assim, utilizam como referência um modelo de 
família bastante comum, mas não unívoco, ancorado 
na organização pai-mãe-filhos e na valorização do 
amor materno. Este modelo, quando generalizado a 
todos os usuários do programa, promove a 
naturalização de práticas que são sociais. 
Uma proposta de cuidado com a saúde, entretanto, 
não encontra sustentação apenas no discurso 
promulgado pelas autoridades (médicas ou políticas) 
que a patrocinam. Para realmente ganhar consistência 
no campo social, cada nova proposta precisa 
organizar-se através de um conjunto de práticas, 
dotadas de penetração tanto junto aos seus usuários 
quanto aos profissionais que as aplicam, articulando-
se às configurações subjetivas de cada um. Neste 
processo, novas práticas incidirão sobre antigas 
configurações, produzindo novos sentidos. 
Entendemos que qualquer forma de ação implica 
sempre uma produção de sentidos por parte de quem a 
executa. No caso específico da participação de 
profissionais e usuários no Programa Canguru, 
acreditamos que essa produção incide sobre o papel 
materno, conferindo-lhe características e atribuições. 
Assim, sentidos sobre a maternidade e a maternagem 
circulam durante a realização do programa, de uma 
maneira que pode ou não se coadunar com a proposta 
inicial inscrita em suas normativas e que não depende 
do sucesso ou do fracasso de seus objetivos. Tanto do 
ponto de vista da equipe de saúde quanto do usuário, 
essa prática implica na construção de uma forma de 
pensar, sentir e agir cujo teor e direção nem sempre 
coincidem com o que o programa se propõe favorecer: 
a recuperação do bebê, o vínculo mãe-filho e a 
humanização das práticas de atenção neonatal. 
40 Moura & Araújo 
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 37-46, jan./abr. 2005 
A PESQUISA: ASPECTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS 
Na pesquisa empírica realizada buscamos 
apreender os sentidos produzidos sobre o conceito de 
maternidade e a experiência de maternagem por 
usuárias do Programa Canguru, através da análise das 
práticas discursivas e não discursivas presentes 
durante sua participação no programa. 
Entrevistamos oito mulheres durante sua 
participação na etapa do Programa Canguru realizada 
no interior do hospital, quando o acompanhante do 
bebê deve disponibilizar-se para a posição canguru. 
Todas elas eram mães dos bebês atendidos, embora 
esta não fosse uma característica exigida para sua 
inclusão no processo. 
Como a condição de internação hospitalar 
delimitava o contato entre os sujeitos e a pesquisadora, 
interferindo na duração e no contexto dos encontros, 
utilizamos um roteiro semi-estruturado de entrevista, 
de forma a garantir que algumas informaçõesessenciais fossem obtidas. As entrevistas foram 
gravadas e depois transcritas. 
Focalizamos o momento em que o usuário (no 
caso a mãe) deveria ser orientado sobre a finalidade 
desse método e sensibilizado quanto a sua 
importância, além de exercitar-se com a “posição 
canguru”. Nesta fase a participação dos profissionais 
de saúde é fundamental, uma vez que as noções 
assimiladas pelo usuário nessa oportunidade 
provavelmente serão as mesmas que ele empregará na 
etapa posterior do programa, desenvolvida fora do 
ambiente institucional. Foi exatamente por este motivo 
que elegemos este momento para a realização de nossa 
investigação. 
Além das entrevistas, tomamos como material de 
análise observações realizadas na própria instituição 
onde o programa estava sendo aplicado. Nestas 
observações procuramos nos ater às práticas 
relacionadas à efetivação do programa, para assim 
descrever o contexto imediato de produção dos 
discursos analisados: qual o ambiente onde as 
mulheres permaneciam durante a participação no 
programa, quais rotinas estavam incluídas, quais os 
recursos humanos e materiais disponibilizados. 
Desenvolvemos esta pesquisa em um hospital 
público estadual, localizado no interior do Estado de 
São Paulo, numa cidade de porte médio (200.000 
habitantes). Tal instituição era referência regional para 
o atendimento materno-infantil. Por situar-se numa 
região administrativa de grande proporção territorial, 
entre as mais pobres do Estado, o hospital recebia 
pacientes oriundos de localidades distantes, algumas 
afastadas até 250 km. A maioria das pessoas que 
recorriam a este serviço era originária de camadas 
populares, embora o atendimento fosse 
disponibilizado para toda a população. O Programa 
Canguru era ali desenvolvido havia oito anos, apesar 
de ter sido regulamentado pelo Ministério da Saúde há 
menos tempo. 
O material proveniente das entrevistas e 
observações foi analisado tendo em conta a noção 
foucaultiana de subjetividade, exposta principalmente 
em seus últimos trabalhos (Foucault, 1995, 1996, 
1998, 1999), e as contribuições de Felix Guattari 
(Guattari & Rolnik, 1986) sobre o mesmo tema. 
Articulamos às considerações destes autores alguns 
procedimentos analíticos da Análise do Discurso 
francesa (cf. Brandão, 1995; Orlandi, 2002; Pêcheux, 
1988), utilizados como importantes recursos para a 
interpretação dos sentidos produzidos pela fala das 
entrevistadas. 
Neste trabalho reconhecemos as formações 
discursivas como um dos determinantes da 
constituição subjetiva. Dessa maneira, assumimos a 
importância da linguagem nestas configurações. Ao 
mesmo tempo, tomamos também em consideração 
outras formas de mediação concreta desse processo, as 
quais correspondem às condições materiais de vida 
dos indivíduos. Acreditamos que estas condições 
materiais – as práticas não discursivas, nas palavras de 
Foucault (1996; 2000), ou as formas de agenciamento 
a-significantes, nas palavras de Guattari (Guattari & 
Rolnik, 1986) - contribuem tanto quanto os elementos 
discursivos para a produção de sentidos sobre a 
experiência vivida. Assim, quando em nossa pesquisa 
atentamos para um determinado processo de produção 
de sentidos, buscamos também os indicativos da 
maneira como, neste posicionamento único, 
instauravam-se processos singulares de significação, 
conduzindo a uma forma particular de subjetivação da 
experiência vivida pelos sujeitos. 
A partir deste delineamento teórico, apreendemos 
das entrevistas e observações quatro dimensões de 
análise, constituídas por núcleos de sentido presentes 
na fala de todas as entrevistadas, as quais 
correspondiam aos elementos determinantes da 
maneira como, para este grupo de mulheres, a 
concepção de maternidade e a experiência de 
maternagem encontravam significados. Estas 
dimensões foram: (1) a família e a religião, elementos 
implicados nas experiências anteriores e atuais dessas 
mulheres com a própria maternidade, ou com os 
cuidados maternos de outras crianças, mas que 
também influíam na forma como administravam 
situações críticas, como um problema de saúde; (2) o 
impacto diante do nascimento prematuro, que 
Produção de sentidos sobre a maternidade 41 
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 37-46, jan./abr. 2005 
distinguia a relação da mãe com o bebê participante do 
Programa Canguru, tanto para mulheres que já tinham 
outros filhos quanto para aquelas que se tornavam 
mães pela primeira vez naquela ocasião; (3) as 
relações com instituições e profissionais de saúde, 
cujas características desenvolveram-se durante o 
contato das mulheres com as equipes que as 
acompanharam e aos seus bebês na instituição onde se 
desenvolveu a pesquisa (antes e durante a participação 
no Programa Canguru), e em seus municípios de 
origem (nas consultas do pré-natal e no período pós-
parto); (4) a experiência com o Programa Canguru, 
com as práticas discursivas e não discursivas a ele 
relacionadas. 
A PRODUÇÃO DE SENTIDOS SOBRE A 
MATERNIDADE 
Descreveremos a seguir a maneira como as 
usuárias do Programa Canguru que entrevistamos 
articulavam sentidos para a maternidade, tomando 
como referência os núcleos de sentido identificados 
em seus discursos. 
Família e religião: elementos centrais para atribuir 
sentidos à maternidade 
Para todas as entrevistadas, a maternidade era 
muito valorizada e mostrava-se essencial na 
constituição da identidade social da mulher, sendo o 
cuidado dos filhos e da casa suas atribuições 
específicas. A mulher-mãe devia responder também 
pelo amparo afetivo da família, recorrendo para isso à 
religiosidade, calcada em princípios cristãos. 
As entrevistadas expressavam, ainda, uma 
compreensão do papel materno construído 
essencialmente a partir do cuidado concreto com a 
criança. Este cuidado, porém, não podia prescindir da 
afetividade. Para elas era justamente o vínculo afetivo 
que distinguia o cuidado materno daquele que 
qualquer outra pessoa poderia oferecer. Este vínculo, 
contudo, era definido como parte de um “papel de 
mãe”, inserindo-se num conjunto de obrigações 
socialmente determinadas. 
A organização familiar apreendida nas 
entrevistas se mostrou fortemente marcada pela 
divisão de papéis entre os sexos e pela valorização 
do homem. A atribuição masculina fundamental era 
o provimento da família através do trabalho, 
embora nem sempre seus ganhos atendessem às 
necessidades básicas do grupo. Nestes casos, era 
comum o recurso aos programas governamentais de 
complemento à renda. 
A presença do Estado na vida cotidiana destas 
famílias era freqüente. Essa presença, contudo, nem 
sempre se revelava eficiente, uma vez que o acesso a 
muitos programas públicos era descrito como 
irregular. Tal acesso era mediado pela mulher, que 
buscava auxílio nas Unidades Básicas de Saúde e 
órgãos de assistência das prefeituras. 
Assim, além de executar as tarefas domésticas 
cotidianas, as entrevistadas desempenhavam outro 
importante papel no cuidado material de suas famílias: 
sem exercer atividade profissional remunerada, todas 
contribuíam para a subsistência do grupo familiar na 
medida em que viabilizavam seu acesso aos recursos 
dos programas públicos de assistência. Esta ação 
aparecia, nos relatos, estreitamente ligada à 
maternidade, de modo que essa condição instaurava, 
simultaneamente, um lugar e uma identidade social 
prenhe de sentidos para a mulher. Tais sentidos não se 
restringiam à maternagem imediata e concreta das 
crianças, mas envolviam também uma participação no 
sustento emocional e material, embora não financeiro, 
da família. 
Além do recurso aos programas do Estado, a 
solidariedade era outra importante estratégia utilizada 
por estas mulheres para garantir a subsistência 
cotidiana da família. A solidariedade da família ampla, 
de amigos e até depessoas estranhas permitia às 
entrevistadas organizarem-se para cuidar do bebê 
prematuro, viabilizando sua participação no Programa 
Canguru. Esta atitude solidária era responsável pela 
doação de roupas para o bebê, pela substituição da 
mulher nas tarefas domésticas e pelo cuidado com os 
outros filhos na ausência da mãe. 
O impacto do nascimento prematuro e a ruptura na 
construção do papel materno 
O nascimento prematuro de um filho foi descrito 
pelas entrevistadas como causador de forte impacto, 
capaz de gerar tanto surpresa quanto sofrimento. A 
surpresa relacionava-se à antecipação da experiência 
materna, mas também à especificidade dos cuidados 
exigidos pela criança, diferentes daqueles empregados 
na maternagem de outros bebês nascidos a termo. O 
sofrimento em geral relacionava-se aos cuidados 
específicos demandados pela frágil condição clínica 
do bebê ao nascer. Tais cuidados eram percebidos 
como invasivos, agressivos e dolorosos. O sofrimento 
era também relacionado à separação imposta entre a 
mãe e a criança. A necessidade, às vezes prolongada, 
de internação do filho promovia uma ruptura no 
processo de organização do papel materno, trazendo 
para a mulher angústia, tristeza e dúvidas quanto a sua 
capacidade de ser mãe. 
42 Moura & Araújo 
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 37-46, jan./abr. 2005 
Diversas estratégias foram identificadas no 
discurso das entrevistadas, indicando um esforço 
destas mulheres para significar esta nova experiência 
de maternidade. Observamos principalmente o recurso 
à palavra do outro, em especial do profissional de 
saúde, ao qual era atribuído um saber sobre esta nova 
realidade. Este conhecimento, contudo, nem sempre 
era suficiente para referenciar a mulher no cuidado 
com a criança ou apoiá-la emocionalmente diante do 
impacto que o parto prematuro produzia. 
A religião passava então a ocupar um lugar 
central nesse processo. Na fala das mulheres, a 
“vontade de Deus”, seu poder e sabedoria eram 
referências constantes, traduzindo a importância 
desses valores no seu processo de produção de 
sentidos e demonstrando a dificuldade que elas 
encontravam para apoiar-se no saber médico. Este 
saber, divulgado através de palavras e condutas que 
muitas não compreendiam ou não aceitavam, 
permanecia mais distante delas que os mistérios da 
religião. 
Além do recurso à palavra do outro (de Deus, do 
médico) em seus discursos, as entrevistadas recorriam 
também à descrição minuciosa das ocorrências que 
envolveram o parto e a internação da criança. Estas 
descrições eram muitas vezes contrapostas a longos 
silêncios, quando emergiam emoções relativas a tais 
ocorrências. Empregavam também nos relatos, e de 
maneira persistente, a forma diminutiva de alguns 
termos, expressando-se através de uma profusão de 
“inhos” e “inhas” – pequenininho, magrinho, 
fraquinho, sondinha, aparelhinho etc. Entendemos que 
estes recursos eram utilizados para minimizar o 
impacto emocional das experiências descritas e regular 
o contato das mulheres com a realidade vivida no 
hospital. 
Através destas estratégias as mulheres ora se 
aproximavam, ora se afastavam de emoções 
conflitantes, como medo, culpa, compaixão, rejeição, 
amor, angústia. Todos esses sentimentos são passíveis 
de serem desencadeados pela maternidade, mas 
acentuavam-se diante da prematuridade do bebê. Os 
sentidos atribuídos ao papel materno modificavam-se 
à medida que o filho era identificado ao doente, ao 
diferente e anormal. O papel materno passava a incluir 
cuidados especiais, entre os quais as entrevistadas 
situavam o Programa Canguru. 
As relações com instituições e profissionais de saúde: 
resistência e desconfiança 
Lembramos que o Programa Canguru insere-se 
num amplo conjunto de intervenções referentes à 
assistência materno-infantil, que se iniciam ainda 
durante a gestação. O nascimento de um prematuro, 
em geral, inaugurava uma itinerância da família 
(especialmente da mãe) por várias instituições de 
saúde e, dentro destas, pelos cuidados de diversos 
profissionais. Desse trânsito decorriam informações e 
procedimentos díspares, às vezes desencontrados, 
outras vezes conflitantes, que produziam confusão, 
insegurança, desorientação e desconfiança nas 
usuárias. A descrição das entrevistadas de suas 
relações com profissionais e instituições de saúde nos 
permitiu apreender a forma inconsistente e incoerente 
que a assistência prestada pode assumir, do ponto de 
vista do usuário, quando prestada de modo 
desarticulado. 
A posição assumida pelas mulheres diante das 
orientações de médicos e enfermeiras por vezes 
aparentava uma alienação relativa à própria 
experiência e uma submissão às prescrições dos 
técnicos; no entanto, em diversas situações as atitudes 
das entrevistadas, mais que sua fala, permitiam 
entrever uma posição de resistência às práticas 
médicas. Esta resistência raramente manifestava-se 
através de um confronto direto, mas encontrava 
expressão de várias outras maneiras igualmente 
efetivas. Evidenciava-se quando as entrevistadas 
assumiam para si apenas parte do que era 
recomendado pelo discurso médico (ainda que o 
reproduzissem na fala), e quando recorriam à palavra 
de Deus, na qual pareciam encontrar uma referência 
mais segura para orientá-las que o saber médico. A 
resistência também era perceptível através da 
insistência de muitas mães em permanecer no hospital 
e assim controlar o cuidado oferecido à criança. 
A experiência com o Programa Canguru 
A participação no Programa Canguru era 
aguardada por todas as mulheres com ansiedade, como 
uma oportunidade de resgatar o contato com o filho e 
tornar concreta a própria maternidade. Para as 
entrevistadas a internação hospitalar, decorrente do 
nascimento prematuro, promovia uma ruptura nesse 
processo por impedir o contato direto entre mãe e 
criança. Participando do programa, muitas mulheres 
esperavam também aprender a lidar com o bebê 
prematuro, percebido como diferente dos demais. Para 
isso, buscavam apoio e orientação na equipe de saúde. 
Entretanto, a mediação da equipe médica nem sempre 
oferecia referências seguras para este cuidado. 
Diante da inconsistência e incoerência 
experimentadas pelas entrevistadas nos contatos com 
as instituições e profissionais de saúde, decorria uma 
postura de desconfiança e resistência das mulheres 
diante das práticas veiculadas no Programa Canguru. 
Produção de sentidos sobre a maternidade 43 
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 37-46, jan./abr. 2005 
A etapa particular do programa que observamos 
desenvolvia-se imersa no conjunto de rotinas médicas 
que caracterizam as instituições hospitalares. Esta 
condição dificultava a distinção pelas mulheres entre 
as práticas que eram específicas do programa e outras 
formas de cuidado à saúde também desenvolvidas no 
hospital, ou vivenciadas em situações anteriores. 
Assim, o Programa Canguru tendia a ser associado a 
essas outras experiências, tornando-se também objeto 
de desconfiança. 
De início a proposta do Programa Canguru era 
vivida com curiosidade, espanto e estranheza pelas 
entrevistadas. Elas procuravam atenuar esta estranheza 
relacionando-o a outras experiências de cuidado com 
crianças que conheciam. Assim, associavam, por 
exemplo, a “bolsa canguru”2 ao uso do “bebê 
carona”
3
. 
Tais experiências, entretanto, não guardavam 
qualquer proximidade com a função que, no Método 
Canguru, é atribuída ao contato pele a pele: favorecer 
a recuperação do bebê. Quando as entrevistadas 
faziam referência a esta função, em geral a 
valorizavam através da reprodução do discurso do 
profissional de saúde, indicando que poucas vezes elas 
assumiam essa assertiva como sua. A prática da 
posição canguru no hospital era geralmente descrita 
pelas mulheres como desconfortável,incômoda, 
expondo o corpo da mulher, tolhendo-lhe os 
movimentos e afastando-a de suas tarefas cotidianas e 
do convívio com a família. O desconforto dessa 
prática, contudo, não implicava que o programa 
deixasse de ser reconhecido por elas como importante, 
ou que não valorizassem sua participação nele. De 
fato, a prática era tolerada em função das vantagens 
que as mulheres obtinham através de sua participação. 
A principal vantagem que elas apontaram foi o 
reencontro com a própria maternidade, cujo processo 
de organização tinha sofrido uma ruptura com o parto 
precoce. A maternidade podia finalmente ser 
concretizada pelos cuidados materiais com o bebê. 
Além disso, a prática de maternagem proposta pelo 
programa mostrava-se coerente com os atributos de 
 
2
 A “bolsa canguru” ou “roupa canguru” é um artefato de 
pano, fornecido pelo hospital, que permite às usuárias 
manter o bebê preso junto ao peito durante a realização do 
Programa Canguru. 
3
 A expressão “bebê carona” foi utilizada por algumas 
mulheres quando se referiam à prática de transportar seus 
filhos presos junto ao peito, com estratégias variadas, 
durante as atividades cotidianas. Esta prática era exercida 
espontaneamente, ou seja, sem nenhuma relação com a 
função terapêutica que este ato adquire no Programa 
Canguru. 
sacrifício que o papel materno apresenta na sociedade 
e que muitas mães incorporavam. Outra importante 
vantagem percebida pelas mulheres no programa 
relacionava-se ao fato de este exigir sua presença no 
hospital, permitindo que controlassem os cuidados 
oferecidos ao bebê pela equipe de saúde. A presença 
junto à criança tranqüilizava as mães por atender suas 
necessidades afetivas, além de atenuar a insegurança 
que elas demonstravam por deixar seus filhos aos 
cuidados exclusivos da equipe de saúde, uma vez que 
a desconfiança marcava estas relações. As 
entrevistadas relatavam seu receio de que o bebê não 
recebesse pronta assistência da equipe, caso a mãe não 
estivesse ao seu lado zelando especificamente por ele. 
Desse modo, entendemos que as usuárias e a 
equipe de saúde valorizavam o programa por razões 
diversas. As entrevistadas acentuavam a importância 
do cuidado concreto com a criança possibilitado pelo 
programa, o que era visto como uma forma de 
desempenhar o papel materno e de construir uma 
relação afetiva com o filho. Destacavam também o 
conforto emocional que lhes trazia sua participação na 
rotina hospitalar, pois podiam assim controlar os 
cuidados oferecidos ao bebê. De forma distinta, 
médicos e enfermeiras valorizavam a melhor 
recuperação clínica da criança, que entendiam ser 
facilitada com a posição canguru. Afirmavam também 
a importância do vínculo mãe-bebê nesta recuperação, 
embora esta preocupação nem sempre repercutisse 
numa prática que realmente favorecesse o 
desenvolvimento deste vínculo. 
DISCUSSÃO 
Quando iniciamos este trabalho buscávamos 
apreender um processo específico de produção de 
sentidos sobre o papel materno, por entendermos que 
ali se articulariam práticas, discursivas e não 
discursivas, oriundas de uma relação historicamente 
construída entre a família e as instituições de saúde. 
Enfocamos, assim, uma condição em que este 
processo se vê mediado por um programa de saúde 
cuja implantação é recomendada por seu caráter 
“humanizante”. Interessava-nos compreender de que 
forma o conjunto de práticas (discursivas e não 
discursivas) referentes ao programa encontraria lugar 
na experiência concreta de suas usuárias. Além disso, 
estas mesmas práticas seriam, em nosso entender, 
instituíntes de novas configurações subjetivas, cujo 
processo de constituição desejávamos também 
investigar. 
O Programa Canguru que observamos se 
realizava imerso num conjunto de condutas médicas 
44 Moura & Araújo 
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 37-46, jan./abr. 2005 
que não favoreciam o estabelecimento de uma relação 
íntima e calorosa entre a mãe e o bebê; na verdade 
apenas os expunham à rotina do hospital, onde pouco 
lugar havia para o usuário posicionar-se como um 
sujeito singular na administração da própria vida, de 
sua doença ou de seu processo de tratamento. 
Por trás de um cotidiano hospitalar tumultuado, as 
práticas de saúde que presenciamos mantinham-se 
disciplinadas e disciplinadoras, tomando mãe e bebê 
indistintamente como objeto de cuidado. Essa postura 
adotada pela equipe era de especial importância, pois, 
embora mãe e bebê participem de um mesmo 
programa, a posição que cada um ocupa nesse 
processo não poderia ser a mesma. Enquanto o bebê 
permanece internado no hospital, vinculado à 
instituição como paciente e objeto central do cuidado 
da equipe, a mulher deve inserir-se no programa como 
acompanhante da criança. Esta postura é coerente com 
as normativas do Método Canguru, que o definem 
como uma forma de assistência neonatal – ou seja, 
dirigido ao recém-nascido, e não à mãe, embora a 
participação dela seja fundamental nessa proposta. 
Nas observações que realizamos, não obstante, 
essa forma de cuidado exercia-se muitas vezes sem 
considerar que o envolvimento efetivo da mulher 
no programa exigia dela uma postura mais ativa e 
participativa, já que ela deveria compartilhar com a 
equipe grande parte dos cuidados com a criança. 
Essa postura certamente depende das características 
pessoais de cada mulher, mas pode ser, em maior 
ou menor grau, favorecida pelos profissionais de 
saúde. Quando isso acontece, o Programa Canguru 
pode se tornar, para a mulher, uma oportunidade de 
resgate e reafirmação do papel materno, visto que 
sua confiança em exercê-lo é abalada pelo parto 
prematuro. 
Desde o início deste trabalho, quando contatamos 
a instituição para o desenvolvimento da pesquisa, a 
direção técnica do hospital insistia para que a 
pesquisadora não interferisse no programa, oferecendo 
orientações às parturientes. No decorrer do trabalho de 
campo percebemos que esta preocupação traduzia um 
receio, por parte da equipe, de que a interação da 
pesquisadora com as entrevistadas as tirasse do lugar 
passivo que ocupavam no hospital. Essa exigência 
implicava que não escutássemos verdadeiramente as 
mulheres, nem lhes oferecêssemos espaço para 
expressar seus sentimentos ou afirmar seu sofrimento 
psíquico, ou seja, implicava que não as tomássemos 
como sujeitos do processo que vivenciavam. 
Esse sofrimento, contudo, “escapava” por todos 
os lados: uma das entrevistadas definiu o espaço onde 
o Programa Canguru se desenvolvia como “quarto do 
choro”. Um choro que ninguém queria escutar, 
abafado pela televisão sempre ligada, ignorado pela 
abordagem restrita aos procedimentos técnicos do 
programa que alguns profissionais apresentavam, 
perdido no trânsito de tantas pessoas que circulavam 
pelo local, expressando sentimentos que não tinham 
lugar naquela instituição. 
Desenvolvido desta forma, o Programa Canguru 
encontra problemas para cumprir até mesmo sua 
função básica de favorecer a recuperação da criança. 
Embora as mulheres valorizassem o programa, faziam-
no por razões distintas daquelas veiculadas pela 
equipe, o que implicava numa adesão apenas relativa 
às suas normativas. Para as entrevistadas, a sua 
presença junto da criança era o principal fator que 
determinava a participação no programa, o que não 
implicava a aceitação do contato pele a pele ou o uso 
da “bolsa canguru”. Muitas afirmavam que era 
possível estar junto da criança e cuidar dela de forma 
satisfatória sem o emprego deste recurso. Esta maneira 
de interpretar sua participação no programa permitia 
que as mulheres fizessem inúmeras pequenas 
alterações nesta prática. Mesmo quando as usuárias 
afirmavam verbalmente as vantagens do programa, 
observamos que muitas não colocavam os bebêsna 
“bolsa canguru”, mas os traziam no colo; outras se 
recusavam ao contato pele a pele, colocando o bebê 
vestido na bolsa; poucas usavam o canguru durante a 
noite. 
Estas alterações produziam conflitos entre as 
mulheres e a equipe, que às vezes se expressavam de 
forma direta, em geral contrapondo usuárias e 
auxiliares de enfermagem. Na maioria das vezes, 
porém, os conflitos permaneciam dissimulados. 
Quando se referiam às auxiliares de enfermagem, 
muitas entrevistadas o faziam através de uma crítica à 
sua atitude “chata” ou “implicante”. Esta 
“implicância”, contudo, com freqüência relacionava-se 
à exigência das auxiliares de que as mães cumprissem 
o programa de acordo com suas normativas, o que de 
fato muitas mulheres não faziam. 
Por outro lado, muitas enfermeiras e auxiliares 
com as quais eventualmente conversamos queixavam-
se das mães que participavam do programa, 
enfatizando sua falta de compromisso. Para os 
profissionais de saúde, a atuação das mulheres 
tornava-se “uma decepção”, como nos afirmou um 
desses técnicos, já que o desempenho da maioria delas 
muitas vezes escapava da formatação prescrita nas 
normas do programa. Além de uma falta de 
compromisso com o programa, suas atitudes também 
eram associadas a um desinteresse pelo próprio filho. 
Assim, deixar de cumprir as normativas do programa 
Produção de sentidos sobre a maternidade 45 
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 37-46, jan./abr. 2005 
era percebido como uma falta, como o 
descumprimento de uma “obrigação de mãe”. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Embora criticadas pela equipe responsável pelo 
programa, entendemos que as pequenas subversões 
inseridas pelas entrevistadas nessa forma instituída de 
maternagem constituíam um importante espaço de 
realização da maternidade possível a estas mulheres. 
Nestes momentos elas exerciam a função materna, 
procurando articular-lhe um sentido organizado a 
partir da própria experiência e não apenas a partir 
daquilo que recebiam como proposta de cuidado dos 
profissionais de saúde. Assumiam então para si uma 
“função de mãe”, intermediando para a criança a 
relação com o mundo. 
Um sentido singular para o papel materno 
emergia nestas ocasiões e distinguia esse processo de 
uma modelização restrita e autoritária. A maternidade 
deixava de ser experimentada apenas como um 
sacrifício, ou de ser vivida como o foco exclusivo de 
interesse das mulheres. Por alguns instantes elas 
agiam em função do próprio desejo, articulando a 
maternagem a outros processos de configuração 
subjetiva. Deixavam de ser mães para tornarem-se 
esposas, amigas, filhas, colegas, mulheres enfim, 
arriscando-se às recriminações da equipe, de outras 
mulheres no hospital ou até de sua família. 
O contato afetivo entre mãe e filho, um dos 
argumentos centrais dos gestores deste programa para 
justificar sua implantação, era valorizado na 
instituição apenas quando exercido de forma próxima 
ao idealizado. Esta maternagem ideal, contudo, não 
nos parecia fácil de desenvolver por qualquer mulher 
que experimentasse a maternidade mediada por tantos 
estímulos e práticas sobrepostas e conflitantes, ou 
associada a tantas preocupações concretas além do 
cuidado daquela criança específica. As mulheres, no 
entanto, não desvalorizavam essa oportunidade, 
exercendo a maternagem possível a elas dentro das 
condições psíquicas, emocionais e sociais de que 
dispunham. O contato afetivo era valorizado, ainda 
que não pudesse se enquadrar a uma forma “ideal”. 
Acreditamos que o Programa Canguru pode 
representar um momento de referência para a mulher 
diante de um parto prematuro. Para assumir essa 
tarefa, porém, as equipes que o aplicam precisam 
desenvolver ações coesas e coerentes, pois essa prática 
não depende do desempenho individual de qualquer 
profissional, por mais bem-preparado e disponível que 
ele seja. Além disso, as instituições de saúde precisam 
organizar esta e outras práticas de forma a realmente 
incluir os usuários nas decisões e propostas a eles 
dirigidas. Isso implica numa mudança de postura que 
não pode ser responsabilidade de um único programa, 
já que nenhuma ação pode existir desarticulada de 
todo um conjunto de práticas de saúde. Sem esta 
articulação, o Programa Canguru decepcionará 
técnicos e usuários, que vêem se perder mais uma 
oportunidade de renovação das estratégias de cuidado 
com a saúde no país. 
Sem o suporte de um programa desenvolvido 
nestas condições, as usuárias do Método Canguru que 
entrevistamos mantinham suas concepções relativas à 
maternidade e às práticas de maternagem fortemente 
referenciadas por construções anteriores, que elas já 
traziam consigo. A religiosidade e os conceitos e 
práticas promulgados na família permaneciam como 
referências mais asseguradoras e confiáveis que 
aquelas veiculadas no hospital para significar o papel 
materno, mesmo diante do impacto causado pela 
prematuridade da criança. A maneira como as 
entrevistadas implicavam-se no cuidado de seus filhos 
pareceu-nos depender muito mais de sua 
disponibilidade pessoal e do amparo afetivo que 
encontravam na família que do apoio encontrado na 
equipe de saúde durante sua participação no programa. 
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Recebido em 03/09/2004 
Aceito em 30/01/2005 
 
 
Endereço para correspondência: Solange Maria Sobottka Rolim de Moura. Rua Julio Prestes, 1380, Centro, CEP 19015-210, 
Presidente Prudente-SP. Email: solrolim@hotmail.com

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