Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Teoria Geral do Processo Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Reinaldo Zychan de Moraes Revisão Textual: Profa. Ms. Selma Aparecida Cesarin Os Princípios do Direito Processual • Considerações Iniciais • Os Princípios Jurídicos • O Papel dos Princípios do Processo na Constituição Federal • Princípios Processuais • Considerações Finais · Aprender qual é o papel dos princípios jurídicos no sistema normati- vo, bem como iremos conhecer os principais princípios processuais. Para entendermos alguns detalhes do funcionamento da jurisdição, é imprescindível conhecer esses assuntos, os quais acabam por ser a base de muitos atos processuais. Como veremos, uma boa parte desses princípios integra a nossa Constituição Federal, os Tratados e as Convenções Internacionais de Direitos Humanos, o que mostra a plena sintonia que esses assuntos possuem no moderno direito processual. OBJETIVO DE APRENDIZADO Olá, aluno (a) Nesta Unidade, vamos aprender um pouco mais sobre um importante tema “Os Princípios do Direito Processual”. Procure ler, com atenção, o conteúdo disponibilizado e o material complementar. Não esqueça! A leitura é um momento oportuno para registrar suas dúvidas; por isso, não deixe de registrá-las e transmiti-las ao professor tutor. Além disso, para que a sua aprendizagem ocorra num ambiente mais interativo possível, na pasta de atividades, você também encontrará as atividades de Avaliação, uma Atividade Reflexiva e a videoaula. Cada material disponibilizado é mais um elemento para seu aprendizado; por favor, estude todos com atenção! ORIENTAÇÕES Os Princípios do Direito Processual UNIDADE Os Princípios do Direito Processual Contextualização O réu em um processo deve provar a sua inocência? Seja em um processo criminal ou em um processo cível, há algumas questões que precisam ser bem esclarecidas, pois, não raras vezes, elas formam um conjunto de equívocos que se espalham em nossa sociedade, trazendo visão distorcida do Direito e dos mecanismos que ele utiliza para resolver litígios. Uma dessas situações se refere a um suposto “dever” do réu de provar a sua inocência. O curioso é que muitas pessoas que passam a estudar o Direito se surpreendem com a dualidade entre o que a sociedade “acha” e como ele, na verdade, é aplicado no dia a dia. Nesta aula, vamos nos deparar como situações como essa, razão pela qual você deve buscar identificar essas falsas percepções sobre o Direito Processual. 6 7 Considerações Iniciais A jurisdição atua por intermédio de uma relação jurídica que liga as partes ao Estado-Juiz, sendo que essa relação jurídica está sujeita a uma série de normas. Ainda que a relação original entre as partes se refira a direitos disponíveis, nos quais há maior possibilidade de disposição, a relação processual é sempre de Direito Púbico, razão pela qual a observância desses princípios é obrigatória, não somente para as partes, mas também para o juiz. As normas jurídicas são subdivididas em regras jurídicas e princípios jurídicos, sendo que em nossa aula vamos aprender as características destas últimas. Além de conhecermos o que são os princípios, vamos também apresentar aqueles que são os mais importantes para o dia a dia das relações processuais. Os Princípios Jurídicos No sistema jurídico, os princípios desempenham papel singular, seja na sua caracterização, seja como vetor interpretativo de todas as normas. Importante, nesse sentido, é trazer à colação a clássica definição de Celso Antônio Bandeira de Mello para os princípios jurídicos: Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É no conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo (MELLO, 2003, p. 817). Seguindo essas lições, podemos concluir que é triplo o papel dos princípios. • Em primeiro lugar, eles desempenham a tarefa de estruturar o sistema jurídico, dando seu caráter. Portanto, sua análise permite verificar a exata correlação dos poderes do Estado e dos direitos fundamentais dos cidadãos; • Em segundo lugar, os princípios servem como diretrizes maiores na elaboração normativa. Sem os princípios, o corpo normativo apresentar-se-ia disforme e sem consistência, pois a produção legislativa não teria um claro rumo a seguir; • Por último, os princípios desempenham importante papel na interpretação das normas que compõem o Sistema, visando a trazer harmonia em sua aplicação. 7 UNIDADE Os Princípios do Direito Processual O Papel dos Princípios do Processo na Constituição Federal O fato de um princípio estar previsto em nossa Carta potencializa seu papel no sistema normativo, pois “o princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição” (SILVA J. A., 2000, p. 48). Assim: Nenhuma interpretação poderá ser havida por boa (e, portanto, por jurídica) se, direta ou indiretamente, vier a afrontar um princípio jurídico- constitucional. (...) O princípio cumpre uma função informadora dentro do Ordenamento jurídico e, assim, as diversas normas devem ser aplicadas em sintonia com ele (CARRAZZA, 2004, pp. 37-38). Desta forma: “A interpretação de uma norma constitucional levará em conta todo o sistema, tal como positivado, dando-se ênfase, porém, para os princípios que foram valorizados pelo constituinte” (TEMER, 2003, p. 23). Aqui há, na verdade, dupla potencialização: • Em primeiro lugar, em razão do papel que os princípios possuem dentro do sistema normativo; • Também deve ser considerado o chamado Princípio da Supremacia Constitucional, que dá destacado poder normativo para as normas constitucionais, em razão do importante papel que esse diploma possui dentro do sistema jurídico. Dessa forma, um princípio constitucional acaba por ter papel muito mais destacado no sistema normativo do que um princípio que não possui essa mesma característica. Princípios Processuais Agora que já conhecemos o que são os princípios e a importância que eles representam no Direito Processual, vamos conhecer os mais importantes. Princípio do Devido Processo Legal A correta aplicação da Lei não pode prescindir de um processo que siga fielmente as premissas de respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos. Assim: “O 8 9 processo constitui a primeira e mais fundamental garantia do indivíduo, pois é por meio desse instrumento que se realiza a proteção efetiva dos direitos fundamentais consagrados pela Constituição” (GOMES FILHO, 2001, p. 28). O princípio firma a ideia de que o processo deve guardar perfeita sintonia com o sistema normativo em que ele está inserido, não podendo ser utilizado como instrumento para a atuação arbitrária do Estado e nem se afastar, mesmo que ideologicamente, da estrita obediência dos direitos fundamentais do acusado. Em Tratados e Convenções Internacionais, o princípio pode, por exemplo, ser encontrado no: • Inciso I do Artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem; • Item 2 do Artigo 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica); • Artigo 6.1 da Convenção Europeia – Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; • Artigos 9.1 e 14.1 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Por sua própria formulação, é certo que esse princípio passou a ser visto como um gênero que comporta como espéciesconstituintes outros, tais como o contraditório, a ampla defesa, a garantia do juiz natural, da motivação, da publicidade dos atos processuais, os quais, no conjunto, estão orientados para que o processo seja justo e legal. Também é importante destacar que esse princípio, cada vez mais, busca estabelecer garantias aos jurisdicionados, pois pouca valia ele teria se o processo se desenvolvesse formalmente, mas sem resultado concreto. Nesse particular, podemos trazer à colação os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior: A par da regularidade formal, o processo deve adequar-se a realizar o melhor resultado concreto, em face dos desígnios do direito material. Entrevê-se, nessa perspectiva, também um aspecto substancial na garantia do devido processo legal. (...) Nesse âmbito de comprometimento com o “justo”, com a “correção”, com a “efetividade” e com a “presteza” da prestação jurisdicional, o due process of Law realiza, entre outras, a função de superprincípio, coordenando e delimitando todos os demais princípios que informam tanto o processo como o procedimento. Inspira-se e torna realizável a proporcionalidade e razoabilidade que devem prevalecer na vigência e na harmonização de todos os princípios do direito processual de nosso tempo (2015, p. 48). O Princípio do Devido Processo Legal possui dupla orientação. Em primeiro lugar, esse princípio tem a função de sinalizar para o legislador que a produção 9 UNIDADE Os Princípios do Direito Processual legislativa, sobretudo em matéria processual, seja voltada ao respeito aos direitos fundamentais das partes, inclusive no que se refere à necessária celeridade dos procedimentos, particularmente após a inserção do Inciso LXXVIII no Artigo 5º da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45/04. A outra vertente do princípio está direcionada à correta “atuação do poder jurisdicional, evitando-se as nulidades do processo” (SILVA M. A., Acesso à justiça penal e estado democrático de direito, 2001, p. 17). Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório A estrutura dialética do processo coloca as partes em posições antagônicas; contudo, necessariamente, elas devem estar em equilíbrio, “com iguais direitos, ônus, obrigações e faculdades” (TOURINHO FILHO, 2000, p. 45). Essa igualdade é um dos consectários lógicos decorrentes do Princípio do Devido Processo Legal e do Estado Democrático de Direito. Dessa construção, verifica-se que os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa estão ligados por umbilical relação de necessidade e complementaridade. Essas garantias estão, no plano internacional, expressamente previstas: • No Inciso I do Artigo 11, da Declaração Universal dos Direitos do Homem; • No Artigo 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Em nosso sistema constitucional, esses princípios foram inicialmente plasmados pela Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Posteriormente à Carta de 1937, eles acabaram sendo repetidos pelas demais Constituições brasileiras, sendo que, na atual, estão previstos no Inciso LV do Artigo 5º, com a seguinte formulação: Artigo 5º (...) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; A Ampla Defesa deve ser entendida como uma garantia que é dada “ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário” (MORAES, 2005, p. 93). Para que se efetive, ela acaba por se desdobrar em outros princípios. Em primeiro lugar, podemos lembrar o direito de o réu ser assistido por defensor com conhecimentos técnico-jurídicos, mesmo que não tenha recursos suficientes 10 11 para tal. Nesse particular, importante é a previsão constante em nossa Constituição, no Artigo 5º, Inciso LXXIV. Também engloba o conceito de ampla defesa a possibilidade de o réu recorrer das decisões que lhes sejam desfavoráveis. Já o Princípio do Contraditório é, de forma clássica, definido entre nós como a “ciência bilateral dos atos e termos processuais e a possibilidade de contrariá-los” (FERNANDES, 2005, p. 61). Diante de sua formulação, o contraditório tem, como primeiro aspecto, o direito de informação. A estrutura do processo acarreta a necessidade de a defesa ser inicialmente informada do exato conteúdo dos fatos ilícitos atribuídos ao réu, bem como das consequências jurídicas a que este estará sujeito em caso de condenação. Em nossa legislação processual, essa função é desempenhada pela citação que, em geral, é acompanhada de cópia da denúncia ou da queixa (no processo penal) ou da petição inicial (no processo civil). Citação é um dos primeiros atos do processo. Por meio dela, o juiz informa ao réu os motivos pelo qual foi iniciado o processo, dando-lhe ciência sobre os termos da acusação que contra ele recai. Ex pl or Esse direito à informação não se esgota com a citação; também ele deverá ser observado durante todo o processo, sendo que o órgão jurisdicional deverá intimar o réu de todas as situações e fatos que possam afetar seu direito de defesa. Não basta, contudo, que o réu seja previamente informado da acusação; é também necessário que lhe seja concedido um mínimo de tempo para que possa articular sua defesa. Nesse particular, podemos novamente trazer à colação o disposto na alínea c do Inciso 2 do Artigo 8º do Pacto de São José da Costa Rica que, expressamente, coloca como direito do acusado a concessão de “tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa”. O outro aspecto relativo ao Princípio do Contraditório refere-se ao direito que a parte tem de participar da formação da prova que será, ao final, utilizada para a decisão do órgão jurisdicional. Muito embora a formulação do Princípio do Contraditório esteja diretamente ligada ao respeito à plena defesa do acusado no processo, é inegável que esse princípio também tem plena aplicação em relação à acusação. Assim, portanto, em caso de sua inobservância, podemos falar não apenas em cerceamento de defesa, mas também em cerceamento de acusação. 11 UNIDADE Os Princípios do Direito Processual Princípio do Juiz Natural A garantia do Juiz Natural é um dos princípios que se projetam muito além dos direitos subjetivos das partes no processo, visto que alcança a própria jurisdição. No plano internacional, vamos encontrar esse princípio: • No Artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos; • No Inciso 1 do Artigo 8º do Pacto de São José da Costa Rica. Entre nós, o princípio é, atualmente, previsto nos Incisos XXXVII e LIII do Artigo 5º da Constituição Federal, que possuem as seguintes redações: Artigo 5º XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; (...) LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; O juiz natural pode ser definido, em face do nosso sistema jurídico, como sendo “o órgão previsto implícita ou explicitamente pelo Estatuto Constitucional, como o de competência genérica para a espécie” (MARQUES, 2000, p. 85). Pouca ou nenhuma eficácia teriam as demais garantias asseguradas ao acusado se o órgão responsável pelo processo e julgamento não apresentasse, como característica marcante, a imparcialidade. Observa-se, ainda, no texto constitucional, a preocupação em estabelecer quais são os órgãos jurisdicionais, bem como a competência de cada um deles. Dentro desses parâmetros, o legislador pode, livremente, detalhar a estrutura dos diversos tribunais e juízos de primeira instância. Contudo, não pode, sob pena de subversão às regras constitucionais, dispor sobre a criação de órgãos jurisdicionais fora da estruturado Poder Judiciário ou estabelecer regras que determinem a ampliação ou redução da competência de um órgão jurisdicional, especialmente quando implicam a invasão da competência de outro órgão. O estudo das regras de competência mostra que os seus elementos constitutivos são objetivos, não havendo margem para apreciações discricionárias na escolha do órgão jurisdicional competente. Essa forma de construção, em que os fatores subjetivos não são relevantes para a escolha, visa a afastar a possibilidade de critérios que possam prejudicar ou privilegiar o acusado. Nessa mesma linha, é necessário que as regras de competência sejam estabelecidas previamente aos fatos e de maneira geral e abstrata de modo a impedir a interferência autoritária externa. 12 13 A essas disposições, a legislação ainda acrescenta regras de suspeição e impedimento, buscando atingir a maior imparcialidade possível no exercício da função jurisdicional. Princípio da Publicidade O Princípio da Publicidade está diretamente ligado a ideais democráticos e à consequente fiscalização que o cidadão pode realizar em face dos órgãos públicos. Sem a transparente realização dos atos processuais, diversas garantias do processo, em especial a do Contraditório e a da Ampla Defesa, ficariam sem eficácia. Essa garantia, pela sua magnitude, é objeto de expressa menção em pactos internacionais, podendo ser especialmente citadas as previsões a seguir: • Inciso I do Artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem; • Artigos 7.4 e 8.5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos; • Artigos 5.2 e 6.1 da Convenção Europeia – Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; • Artigos 9.2 e 14.1 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Em nossa atual Constituição Federal, esse princípio decorre das previsões constitucionais encontradas no Inciso LX do Artigo 5º e no Inciso IX do Artigo 93, que possuem a seguinte formulação: Artigo 5º LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem; Artigo 93 IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; A regra estabelecida pelo texto constitucional é o da publicidade plena; contudo, a defesa da intimidade das pessoas envolvidas ou do interesse social pode determinar que essa publicidade seja mais restrita. Nesse particular, o § 1º do Artigo 792 da Lei Processual Penal estabelece regra clara, em harmonia com os preceitos constitucionais que tratam da matéria, para a publicidade restrita de audiência, quando o ato “puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem”. 13 UNIDADE Os Princípios do Direito Processual No Código de Processo Civil, vamos encontrar esse princípio no seu Artigo 11: Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público. A doutrina utiliza várias classificações quando trata da publicidade dos atos processuais, as quais, em regra, tratam das mesmas questões. Seguindo o escólio de Mirabete, podemos classificar a publicidade dos atos processuais em: • Publicidade geral: “quando os atos podem ser assistidos por qualquer pessoa” (MIRABETE, 2004, p. 49); • Publicidade especial: “quando um número reduzido de pessoas pode estar presente a eles” (IBIDEM, mesma página). Princípio da Presunção de Inocência Esta garantia, também conhecida como Princípio do Estado de Inocência ou da Não Culpabilidade, possui longa história, pois nasceu da reação aos excessos e distorções que o processo inquisitório infligia ao acusado da prática de uma infração penal. Historicamente, a primeira severa reação a essa situação veio no Século XVIII, por meio do livro Dei delitti e delle pene, de Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, que apresentou grande repercussão na época por se insurgir contra as ideias norteadoras do sistema processual penal. Atualmente, podemos encontrar essa garantia estampada em vários instrumentos internacionais, podendo ser destacados os seguintes: • Inciso I do Artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem; • Artigo 8.2 da Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos; • Artigo 6.2 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, do Conselho da Europa; • Artigo 14.2 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Em nosso atual texto constitucional, a garantia está grafada no Inciso LVII do Artigo 5º, com a seguinte redação: Artigo 5º LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; 14 15 A força implícita nessa garantia e o tratamento que ela recebeu nos pactos internacionais e em nosso sistema constitucional demonstra que o acusado, muito mais do que um objeto de investigação, deve ser tratado como titular de direitos e garantias, as quais são reconhecidas como essenciais para caracterização do Estado Democrático do Direito. Assim, não se pode permitir que as consequências penais de sua conduta se operem senão quando a sentença condenatória não mais estiver sujeita a recurso. O Princípio da Presunção de Inocência acarreta o ônus da acusação produzir as provas necessárias para a demonstração da culpabilidade do acusado. Esse ônus processual não pode ser invertido pela Lei, sob pena de ferir essa garantia. Portanto, nas hipóteses em que a prova produzida não for suficiente para demonstrar a culpa do réu, é de rigor que o órgão jurisdicional o absolva, mesmo que essas mesmas provas não indiquem a total inocência do acusado. Temos, assim, que “a regra do in dubio pro reo é uma das manifestações da presunção de inocência, que tem como o ponto mais relevante a apreciação da prova em julgamento” (SILVA M. A., Processo penal e garantias constitucionais, 2006, p. 582). Princípio da Igualdade As partes e seus procuradores devem receber igual tratamento no processo, de forma a terem as mesmas oportunidades e possibilidade de iguais condições de mostrarem em juízo suas razões e teses. A igualdade processual é reflexo direto do Princípio da Igualdade, estampado no caput do Artigo 5º da Constituição Federal. No Código de Processo Civil, esse princípio está previsto no Artigo 7º, que assegura a igualdade de tratamento às partes em relação a todos os aspectos do processo: Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório. Isso não impede, contudo, que, em algumas situações, o juiz busque, por meio do tratamento desigual das partes em litígio, alcançar igualdade substancial, de forma a equilibrar a situação dos sujeitos do processo. Trata-se de aplicar a máxima de buscar tratar de forma desigual os desiguais. Uma expressão sempre lembrada é a “paridade de armas”, ou seja, as partes devem, no campo probatório, ter iguais condições de produzir as provas que sustentam as suas pretensões. 15 UNIDADE Os Princípios do Direito Processual Princípio da Assistência Jurídica aos necessitados Reflexo direto do Princípio da Igualdade é o Princípio da Assistência Jurídica aosnecessitados, por meio do qual o Estado deve prestar assistência integral e gratuita para aqueles que não tiverem condições de participar do litígio sem prejudicar o sustento de sua família. A previsão desse princípio está no Artigo 5º, Inciso LXXIV, da Constituição Federal: Artigo 5º (...) LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; Princípio do Impulso Oficial Instalada a relação processual, cabe ao juiz mover o processo fase a fase, até que ocorra o exaurimento da prestação jurisdicional. Para isso, não podem ser admitidas protelações causadas pelas partes. Instalado o processo, em algumas situações, as partes perdem o interesse inicial e passam a protelar os atos que lhe cabem. Nessas situações, cabe ao juiz velar para que esse desinteresse não prolongue, de forma inútil, a relação processual. No Código de Processo Civil, vamos encontrar expressa menção a esse princípio, em seu Artigo 2º: Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei. Princípios da Duração Razoável do Processo e da Celeridade Processual Não basta que o Estado garanta o acesso do cidadão à prestação jurisdicional; é necessário que a decisão do litígio ocorra em prazo razoável. A excessiva demora em se atingir o final do processo causa, em regra, severos prejuízos que devem ser evitados. Em nossa Constituição Federal, esse princípio encontra-se no Inciso LXVIII do Artigo 5º, com a seguinte redação: Artigo 5º (...) LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. 16 17 Esse dispositivo não existia na redação original da Constituição Federal, sendo acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45, de 30/12/2004, dentro de avanço doutrinário mais recente, que busca dar maior efetividade dos direitos das partes no processo. Tratando deste princípio, menciona Humberto Theodoro Júnior que: É evidente que sem efetividade, no concernente ao resultado processual cotejado com o direito material ofendido, não se pode pensar em processo justo. Não sendo rápida a resposta do juízo para a pacificação do litígio, a tutela não se revela efetiva. Ainda que afinal se reconheça e proteja o direito violado, o longo tempo em que o titular, no aguardo do provimento judicial, permaneceu privado de seu bem jurídico, sem razão plausível, somente pode ser visto como uma grande injustiça (2015, p. 65). No Código de Processo Civil, encontramos expressa menção a esse dispositivo no seu Artigo 4º: Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. Princípio da Motivação das Decisões Judiciais Ao proferir uma decisão, o juiz deve se ater às provas do processo, não sendo lícito embasá-las em outros elementos estranhos. Em nosso país, é adotado, pelo Direito Processual, o Princípio do Livre Convencimento Motivado. Assim, poderá o juiz decidir livremente; contudo, deverá, em sua decisão, deixar explícitas as razões, de fato e de direito, que motivaram as suas conclusões. Assim procedendo, o juiz estará indicando, para as partes e para toda a sociedade, a forma como as decisões são realizadas pelo Poder Judiciário, bem como estará facilitando a apreciação de eventual recurso. Em nossa Constituição Federal, encontramos a explicitação desse princípio no Inciso IX do Artigo 93: Artigo 93 (...) IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...] Princípios da Recorribilidade e do Duplo Grau de Jurisdição Segundo esse princípio, é possível à parte recorrer a instâncias superiores do Poder Judiciário sempre que haja decisão judicial que lhe seja desfavorável. 17 UNIDADE Os Princípios do Direito Processual Esse princípio, portanto, garante sempre a possibilidade de revisão dos julgados que sejam desfavoráveis à parte em litígio: Os recursos, todavia, devem acomodar-se às formas e às oportunidades previstas em lei, para não tumultuar o processo e frustrar o objetivo da tutela jurisdicional em manobras caprichosas e de má-fé. Não basta, porém, assegurar o direito de recurso, se outro órgão não se encarregasse da revisão do decisório impugnado. Assim, para completar o princípio da recorribilidade existe, também o princípio da dualidade de instâncias ou do duplo grau de jurisdição. Isso quer dizer que, como regra geral, a parte tem direito a que sua pretensão seja conhecida e julgada por dois juízos distintos, mediante recurso, caso não se conforme com a primeira decisão. Desse princípio, decorre a necessidade de órgãos judiciais de competência hierárquica diferente: os de primeiro grau (juízes singulares) e os de segundo grau (Tribunais Superiores). Os primeiros são os juízos da causa, e os segundos, os juízos dos recursos (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 59). Esse princípio não está expressamente previsto em nossa Constituição Federal; contudo, decorre da estrutura do Poder Judiciário, visto que, em regra, os órgãos superiores possuem competência recursal, ou seja, podem receber recursos de decisões proferidas em instâncias inferiores. Uma questão sempre recorrente na doutrina indaga se esse princípio admitiria exceções, visto que, em algumas situações, os processos são julgados diretamente por instâncias superiores (competência originária dos tribunais), o que impediria a existência de recursos para instâncias superiores. Considerações Finais Agora que já conhecemos os princípios que atuam diretamente sobre o exercício da jurisdição e da atuação das partes, poderemos conhecer um pouco mais sobre a dinâmica processual. 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Constituição Federal http://goo.gl/lM0x Código de Processo Penal http://goo.gl/YQWRv Código de Processo Civil http://goo.gl/6b0EbE Lei dos Juizados Cíveis e Criminais http://goo.gl/fszPj Lei n.º 9.307/96, que trata da arbitragem http://goo.gl/u7Mrt Lei n.º 13.140/15, que trata da mediação http://goo.gl/UQ5kMd 19 Referências CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5.ed. Coimbra: Almedina. 2002. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional tributário. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. CINTRA, A., GRINOVER, A., DINAMARCO, C. Teoria Geral do Processo. 28.ed. São Paulo: Malheiros, 2012 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. GONÇALVES, M. Direito Processual Civil esquematizado. 7.ed. São Paulo: Saraiva. 2016. v.1. GRECO FILHO, V. Direito Processual Civil brasileiro. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v.1 ________. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989. ________. Manual de processo penal. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1999. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2.ed.atual. Campinas: Millennium. 2000. v.1. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15.ed. São Paulo: Malheiros. 2003. MONTENEGRO FILHO, M. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. v.1. MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 18.ed. São Paulo: Atlas. 2005. SANTOS, M. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v.1 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18.ed. São Paulo: Malheiros, 2000. SILVA, Marco AntonioMarques da. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. ________. Processo penal e garantias constitucionais. São Paulo: Quartier Latin. 2006. 20 21 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 19.ed. São Paulo: Malheiros. 2003. THEODORO JÚNIOR, H. Curso De Direito Processual Civil. 56.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v.1 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 22.ed. São Paulo: Saraiva. 2000. v.1. 21
Compartilhar