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De caçadores a agricultores Gebauer e Price

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D:\Marcus\Aulas\Pré-Historia II\Textos\Caçadores à Agricultores.doc 
 DE CAÇADORES-COLETORES À AGRICULTORES: 
UMA INTRODUÇÃO1 
 
Anne B. Gebauer e T. Douglas Price 
 
 
 Talvez o fato mais marcante em nossa pré-história tenha sido o surgimento e a 
dispersão, quase que contemporânea, de plantas e animais domesticados em várias áreas do 
mundo entre 10.000 e 5.000 anos atrás. O que impressiona é o fato de que esse processo de 
domesticação parece ter ocorrido separada e independentemente em muitas áreas mais ou 
menos ao mesmo tempo. Dada nossa longa pré-história, por que a transição para a agricultura 
aconteceu nesse curto espaço de tempo, em um período de apenas 5.000 anos? 
 Durante a maior parte de nosso passado, fomos caçadores-coletores. Nossa 
ancestralidade como coletores e predadores de alimentos se estende por, pelo menos, quatro 
milhões de anos. Contudo, perto do final do Pleistoceno, alguns grupos humanos começaram 
a produzir alimentos ao invés de coletá-los, domesticando e controlando plantas e animais 
selvagens. Mas a transição para uma economia produtiva envolve muito mais que o simples 
cultivo ou o pastoreio. Ela também engloba significativas mudanças na estrutura e na 
organização das sociedades humanas que adotam esse novo modo de vida, bem como uma 
relação com o ambiente totalmente diferente. Tal mudança na trajetória da evolução cultural 
necessita ser compreendida. 
 
 Explicações para as origens da agricultura 
 
 A origem e dispersão da agricultura permanece como uma das mais difíceis questões 
dentro da Arqueologia, apesar do grande número de estudos que tem sido realizados desde o 
final do século passado (p. e. Roth, 1887). As possíveis causas para o surgimento da 
agricultura tem sido o tema de uma longa e acirrada discussão. A lista de causas para a 
Revolução Neolítica é, praticamente, interminável, mas algumas teorias mais importantes 
dominam essa discussão. Tais modelos teóricos podem ser descritos em termos dos fatores 
mais importantes que eles enfatizam: a hipótese do oásis, a hipótese do habitat natural, a 
hipótese da pressão populacional, a hipótese da simbiose homem/plantas ou a hipótese da 
busca de prestígio social. Tais modelos devem ser vistos realmente como hipóteses a respeito 
de como ocorreu a domesticação e podem ser melhor compreendidas dentro de uma 
perspectiva histórica, dos mais antigos aos mais recentes. 
 Durante a primeira metade do século XX, pensou-se que a agricultura e o pastoreio 
teriam surgido nas planícies secas da Mesopotâmia onde existiram antigas civilizações, como 
a Suméria entre outras. As melhores evidências de aldeias agrícolas antigas, naquele 
momento, vinham de áreas ribeirinhas ou oásis com fontes d’água no Oriente Médio e no 
Egito, tais como Jericó, no vale do rio Jordão ou ao longo do vale do Nilo. Pelos dados 
conhecidos então, o final do Pleistoceno era tido como um período de aumento do calor e de 
uma maior aridez, em termos climáticos globais, em contraste com o período glacial anterior, 
frio e úmido. Uma vez possuindo tal visão climática do passado, a sugestão era de que áreas 
como o Oriente Médio teriam sofrido um aumento de aridez no final do Pleistoceno, quando 
então a vegetação teria crescido somente em torno de recursos limitados de água. A hipótese 
do oásis sugeria, então, uma circunstância específica na qual plantas, animais e o Homem 
teriam se agrupado em áreas confinadas, próximas à fontes d’água. Os proponentes dessa 
 
1
 GEBAUER, A. B., PRICE, T. D. Foragers to Farmers: An Introduction. In: Transitions to Agriculture in 
Prehistory. (A. B. Gebauer, T. D. Price, Eds.). Madison, Prehistory Press, 1992, p. 1-10. Tradução de Jairo 
Henrique Rogge. 
 2 
idéia, tal como Gordon Childe (1956), argumentavam que a única solução para a competição 
pelo alimento, nessa situação, seria a domesticação e controle, pelos seres humanos, das 
plantas e animais. Nesse sentido, a domesticação teria surgido a partir de uma relação 
simbiótica, buscando a sobrevivência. 
 Durante os anos 1940 e 1950, pesquisas paleoclimáticas começaram a demonstrar que 
tais mudanças ambientais ao final do Pleistoceno, anteriormente mencionadas, não 
aconteceram na área do Oriente Médio – não houve nenhuma crise ambiental pela qual as 
várias espécies de plantas e animais se teriam concentrado em oásis. As novas informações 
forçaram uma reconsideração do modelo para as origens da agricultura. Robert Braidwood 
sugeriu então que a domesticação não teria ocorrido inicialmente nas planícies 
mesopotâmicas. Braidwood (Braidwood e Howe, 1960) observou que os primeiros elementos 
domesticados teriam aparecido nos habitats naturais de seus ancestrais selvagens e que era 
essa área, as encostas montanhosas do Crescente Fértil, que deveria se tornar o foco central 
das pesquisas. Braidwood e uma grande equipe de pesquisadores escavaram, então, no norte 
do Iraque. As evidências arqueológicas encontradas no sítio de Jarmo, interpretado como uma 
antiga aldeia agrícola, deram suporte à sua hipótese. Braidwood, no entanto, não forneceu 
uma resposta sobre a razão do surgimento da domesticação, salientando apenas que a 
tecnologia e a cultura humana estavam “prontas” ao final do Pleistoceno, para tal mudança e 
que as populações humanas estavam já familiarizadas com as espécies que seriam 
domesticadas. Na época em que Braidwood criou seu modelo, a agricultura e o pastoreio eram 
considerados uma invenção que teria sido muito desejável e bem-vinda, já que fornecia 
segurança econômica aos grupos humanos. Naquele momento a maioria dos arqueólogos 
achavam que, uma vez que as sociedades humanas haviam reconhecido as possibilidades 
oferecidas pela domesticação, especialmente de plantas, elas imediatamente se tornariam 
agricultoras. 
 Lewis Binford veio modificar tais idéias nos anos 60. Binford (1968, 1984) 
argumentava que a agricultura, na verdade, consumia tempo e trabalho intensivo. Seus dados 
eram baseados em pesquisas com sociedades caçadoras-coletoras ainda existentes, 
demonstrando que esses grupos gastavam somente umas poucas horas diárias na obtenção de 
alimentos; o resto do tempo era usado para visitas entre parentes, conversas, brincadeiras e 
outros prazeres da vida. Tais grupos foram chamados de sociedades da abundância. Mesmo 
em áreas marginais atuais, como o deserto do Kalahari no sul da África, a coleta de alimentos 
é uma adaptação de sucesso e as populações raramente passam fome. O argumento de Binford 
era o de que os grupos humanos não teriam se tornado agricultores ou pastores a menos que 
não tivessem outra escolha. – a origem da agricultura não teria sido uma descoberta fortuita, 
mas uma última chance. 
 Binford construiu seu modelo em termos de um equilíbrio entre população humana e 
alimentos, uma balança que pode oscilar tanto por um declínio nos alimentos disponíveis 
como por um aumento no número populacional. Uma vez que as mudanças ambientais e 
climáticas parecem ter sido mínimas no Oriente Médio, Binford imaginou que poderia ter sido 
um aumento populacional o causador do desequilíbrio. A pressão populacional foi então 
introduzida como um agente causal para origem da agricultura – mais pessoas, mais bocas 
para alimentar, forçando a necessidade de mais alimentos. A melhor solução para esse 
problema está na domesticação, a qual fornece uma maior quantidade de alimento por unidade 
de terra. Ao mesmo tempo, é claro, a intensificação da produção requer mais trabalho para a 
extração desse alimento. 
 Kent Flannery (1973), revisando a proposta de Binford, sugere que os efeitos da 
pressão populacional não seriam sentidos no centro do habitat natural, onde densas reservas 
de trigo selvagem e grandes rebanhos de carneiros e ovelhas selvagens estaria disponíveis, 
mas sim nas áreas mais marginais onde os alimentos silvestres eram menosabundantes. Tal 
 3 
modelo que incorpora a pressão populacional e as áreas marginais do Crescente Fértil ficou 
conhecido como a hipótese das zonas marginais. 
 O modelo de Binford foi reelaborado por Mark Nathan Cohen em uma obra intitulada 
“The Food Crisis in Prehistory” (A Crise Alimentar na Pré-História), publicada em 1977. 
Cohen sugere que há uma inerente tendência ao crescimento da população humana, um 
padrão que foi responsável pala dispersão inicial das espécies humanas para fora da África, 
pela colonização da Ásia e da Europa e, eventualmente, do Novo Mundo. Após cerca de 
15.000 anos atrás, segundo Cohen, todas as áreas habitáveis do planeta estavam ocupadas e a 
população continuava crescendo. Naquele momento, em muitos locais, houve um aumento na 
utilização de recursos pouco preferidos até então. Ao final do Pleistoceno, há cerca de 10.000 
anos atrás, como um acréscimo à caça de animais grandes moluscos marinhos e terrestres, 
aves e muitas espécies de plantas foram incorporadas à dieta. Cohen argumenta que a única 
maneira de o Homem lidar com o declínio rápido dos recursos alimentares seria começar a 
cultivar certas plantas, ao invés de simplesmente coletar os produtos silvestres. A agricultura, 
para Cohen, é uma solução à problemas de superpopulação em uma escala global. 
 Mais recentemente outros pesquisadores tem aventado a idéia de que não podemos 
entender a transição para a agricultura e a criação de um excedente alimentar simplesmente 
em termos de ambiente e pressão populacional. Estes pesquisadores desenvolveram uma 
teoria social para explicar as origens da agricultura. Barbara Bender (1978, 1990), por 
exemplo, sustenta que o sucesso da produção de alimentos está na habilidade de certos 
indivíduos em acumular excedentes alimentares, transformando-os em bens de maior valor, 
especialmente através de trocas e comércio. Partindo dessa perspectiva, a agricultura é vista 
como uma solução para problemas sociais. Roy Brunton adicionou uma força maior à essa 
perspectiva em seu artigo de 1975 denominado “Por que os Trobriandeses possuem chefes?”. 
Os Trobriandeses não possuem nem uma alta densidade populacional nem uma excepcional 
produção agrícola. Brunton argumenta que é através da participação em um sistema fechado 
de trocas que se limita o grupo de pessoas que podem, efetivamente, competir pela liderança 
da sociedade. Tal situação resulta na emergência de uns poucos líderes, chamados grandes 
homens, que encorajam a criação de excedentes. Brian Hayden (1990) argumenta, 
especificamente, que são os aspectos competitivos da rivalidade entre esses grandes homens, 
geralmente ligados à realização de grandes festas, que direcionam as forças por trás da 
produção alimentar. Contudo, a idéia de que a desigualdade social, as festas oferecidas a fim 
de competição e o surgimento dos grandes homens como causas da adoção da agricultura 
ainda permanecem com o velho problema; quem vem antes, o ovo ou a galinha? Ainda não 
temos dados suficientes para saber até que ponto a agricultura causa a competição ou vice-
versa, ou mesmo se o processo ocorre simultaneamente. 
 Essas teorias mais importantes representam uma evolução no pensamento sobre as 
origens da agricultura e a compreensão sobre o processo de transição. Em certo sentido, a 
importância desse processo de construção teórica está em definir algumas das variáveis mais 
importantes envolvidas no surgimento de sociedades agrícolas. Estas variáveis incluem 
fatores tais como o ambiente, as mudanças climáticas, uma alimentação de amplo espectro, o 
tamanho e densidade populacional, o grau de circunscrição, a disponibilidade de recursos, a 
diferenciação social, os tipos de plantas e animais disponíveis entre outros. 
 No entanto o fator população, mudanças climáticas ou grau de circunscrição são 
fatores difíceis de pensar como causas imediatas e diretas de mudança. Muitas sociedades não 
dão muito valor à adoção da agricultura; como o fato de que existam mais bocas para 
alimentar pode ser traduzido em um cultivo de cereais? Que vantagens a domesticação de 
plantas e animais podem oferecer às sociedades e aos indivíduos que a adotam? Certos fatores 
tais como a pressão populacional e as mudanças climáticas possuem um papel relevante na 
evolução cultural. Mas ainda não podemos afirmar porque as plantas e animais começaram a 
 4 
ser domesticados exatamente após o final do Pleistoceno. Alguns modelos teóricos parecem 
ser aplicáveis à alguns centros de domesticação, enquanto que em outros não. 
 Para colocar de uma modo mais simples, não existe uma única teoria geral aceita para 
as origens da agricultura. O como e o porque da transição para o Neolítico permanece ainda 
como uma das mais intrigantes questões da pré-história. As hipóteses que surgiram até o 
momento definem algumas das mais importantes variáveis para esse processo mas nenhuma 
delas nos ajuda a compreender exatamente por que sociedades caçadoras-coletoras tornaram-
se agricultoras. 
 
 Bibliografia Citada 
 
BENDER, B. Gatherer-hunter to farmer: a social perspective. World Archaeology, 10, 1978, 
p. 204-222. 
 
___________ The dynamic of non-hierarchical societies. In The Evolution of Political 
Systems. (S. Upham, Ed.). Cambridge, Cambridge University Press, 1990, p. 62-86. 
 
BINFORD, L. Post-Pleistocene adaptations. In New Perspectives in Archaeology. (S. R. 
Binford, L. Binford, Eds.).Chicago, Aldine, 1968, p. 313-341. 
 
____________ In Pursuit of the Past: Decoding the Archaeological Record. New York, 
Thames and Hudson, 1984. 
 
BRAIDWOOD, R. J., HOWE, B. (Eds.). Prehistoric investigations in Iraqi Kurdistan. Studies 
in Ancient Oriental Civilization, 31. Chicago, University of Chicago Press, 1960. 
 
BRUNTON, R. Why do the Trobriand have chiefs? Man, 10, 1975, p. 544-558. 
 
CHILDE, V. G. Piecing Together the Past. London, Routledge & Keagan Paul, 1956. 
 
COHEN, M. N. The Food Crisis in Prehistory. New Heaven, Yale University Press, 1977. 
 
FLANNERY, K. V. The origins of agriculture. Annual Review of Anthropology, 2, 1973, p. 
271-310. 
 
___________ (Ed.) Guilá Naquitz: Archaic Foraging and Early Agriculture in Oaxaca, 
Mexico. New York, Academic Press, 1986. 
 
HAYDEN, B. Nimrods, piscators, pluckers and planters: the emergence of food production. 
Journal of Anthropological Research, 9, 1990, p. 31-69. 
 
ROTH, H. L. On the origin of agriculture. Journal of Royal Anthropological Institute of 
Great Britain and Ireland, 16, 1887, p. 102-136.

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