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Conceitos e Considerações sobre o Bem Estar Animal na Produção de Bovinos – Revisão Bibliográfica - SILVA, Aline Alves da 1 ; BORGES, Luiz Felipe Kruel 2 Médica Veterinária, Doutora, Professora da Universidade de Cruz Alta - UNICRUZ. 2 Médico Veterinário, Mestre, Professor da UNICRUZ. Resumo A valorização do bem estar em animais de produção é uma inquietação crescente da sociedade. Há preocupação ética em relação à forma como as espécies de produção são mantidas, em que diagnósticos específicos de bem estar tornam-se imprescindíveis. O objetivo dessa revisão é enfatizar os conceitos e principais indicadores de bem estar animal voltados para os animais de produção, dando ênfase à bovinocultura, evidenciando pontos críticos de bem estar animal na produção de leite e carne bovina, reconhecendo a necessidade de se melhorar as condições de bem-estar objetivando benefícios, tanto para os animais como para a produção. Palavras-chave: bem estar animal. Bovinos. Abstract The enhancement of welfare in farm animals is an emerging concern in the society. There are ethical concerns regarding how livestock specimens are held, where specific welfare diagnoses become essential. The objective of this review is to emphasize the concepts and the key indicators of animal welfare, mostly in the cattle, highlighting critical settings of animal welfare in dairy and beef cattle recognizing the need to improve the well-being with benefits to both, animals and production. Key-words: animal welfare, bovine. Introdução O bem-estar animal é um dos principais tópicos de interesse na produção animal moderna. Do ponto de vista científico o bem estar das espécies animais de produção teve seu início como área de investigação em 1965, com a publicação do relatório denominado Brambell Committee na Grã- Bretanha (FITZPATRICK et al. 2006; VIEIRA et al. 2011) que deliberou os cinco fatores dos quais tais animais necessariamente precisam ser protegidos: (1) fome e sede; (2) desconforto; (3) dor, lesões e doenças; (4) impedindo de expressar o Correspondência para: Aline Alves da Silva E-mail: asilva14@unicruz.edu.br UNICRUZ – Universidade de Cruz Alta Campus Universitário Dr. Ulysses Guimarães - Rodovia Municipal Jacob Della Méa, km 5.6 – Parada Benito Cruz Alta/RS CEP 98.020-290 comportamento normal da espécie; e (5) medo e estresse. Tal deliberação, após estendida e desenvolvida, tornou-se a base dos códigos de recomendação de bem estar animal em todo o mundo, como forma de resguardar as necessidades fisiológicas e psicológicas dos animais envolvidos (FITZPATRICK et al. 2006). O tópico bem estar animal é um dos principais interesses da produção animal moderna, estando de forma consistente no topo das preocupações levantadas por consumidores e políticos da União Européia, visto que a sociedade passou a conhecer os sistemas de produção animal e a exigir a criação de animais de maneira humanitária (BOND et al. 2012). Em países desenvolvidos, cresce a preocupação com os maus tratos dos animais em áreas urbanas e com o bem estar dos animais utilizados na pesquisa e na produção (HÖTZEL & PINHEIRO MACHADO FILHO, 2004). Para MOLENTO (2005), o mercado europeu possui uma declarada preferência por padrões elevados de bem estar dos animais de produção. No Brasil a preocupação com o bem estar animal está limitada pelo pouco conhecimento da sociedade em relação aos sistemas produtivos. Adicionalmente, o Brasil vivencia uma fase de crescimento econômico, que propicia maior demanda por produtos de origem animal (MOLENTO, 2005). Embora de forma menos articulada, a população brasileira também manifesta preocupação com o bem estar animal (HÖTZEL & PINHEIRO MACHADO FILHO, 2004). Segundo LUNA (2008) o avanço da ciência do bem estar animal aguçou o senso crítico da necessidade de prevenção do sofrimento em animais, adicionado ao olhar atento do consumidor, às boas práticas de produção e a preservação ambiental; dessa forma, o bem estar animal agrega valor ao produto e pode favorecer a produtividade. FRASER (1993) aborda que as tentativas de conceituar o bem-estar animal são bastante difíceis e podem estar resumidas em três deduções principais: devendo o animal sentir-se bem, não ser submetido ao medo, à dor; ter saúde comportamental e fisiológica e levar uma vida natural através do desenvolvimento e do uso de suas adaptações. Para uma melhor compreensão do conceito de bem estar animal procura-se realçar as seguintes definições: 1) WEBSTER (2001), “o bem estar de um animal é determinado pela sua capacidade de evitar sofrimento e manter o desempenho”; 2) BROOM & MOLENTO (2004), “o bem estar é definido como o estado do animal frente as suas tentativas de se adaptar ao ambiente em que se encontra”; 3) DUNCAN (2005), “o bem estar está dependente do que os animais sentem”. De um modo geral a maioria dos autores indica que bem estar animal depende da habilidade da manutenção corporal de forma estável e sem sofrimento. Para conhecer de maneira científica o grau de bem-estar animal é necessário o desenvolvimento de técnicas de diagnóstico. Nos procedimentos de diagnóstico centrados no animal, os indicadores mais utilizados são as respostas fisiológicas e comportamentais e a sua condição sanitária (LEEB et al. 2004). No início do século XX, a utilização de animais para produção aumentou em associação com a expansão das necessidades humanas. Iniciou-se um sistema de manutenção de animais em altas densidades de lotação, que teve e tem até hoje raízes estabelecidas em pressões comerciais. Nos anos 70 a criação intensiva de animais levou- os ao confinamento intenso (FRASER & BROOM, 2002). O bem estar dos animais de produção é determinado na prática pelo sistema de criação e manejo que por sua vez é determinado largamente pelos sinais econômicos que os produtores recebem do mercado. As teorias econômicas demonstram que os sinais de mercado tendem a conduzir a padrões de bem estar abaixo das normas consideradas desejáveis por algumas sociedades (McINERNEY, 2004). Revisão Bibliográfica Bem estar animal e bovinocultura O ser humano provavelmente iniciou atividades de manutenção de animais para produção há cerca de dez mil anos (ZEDER & HESSE, 2000), embora essa interação homem-animal ocorra há centenas de milhares de anos (BOIVIN et al. 1992); os bovinos foram domesticados há cerca de seis mil anos (BOIVIN et al. 1992; GREGORY, 2003) e, em vida livre, são animais que vivem em áreas de pasto, sem território fixo e com comportamento de grupo fortemente desenvolvido (GREGORY, 2003). A bovinocultura é um dos principais des- taques do agronegócio brasileiro no cenário mundial. O Brasil é dono do segundo maior rebanho efetivo do mundo, com cerca de 200 milhões de cabeças. Além disso, desde 2004, assumiu a liderança nas exportações, com um quinto da carne comercializada internacio- nalmente e vendas em mais de 180 países, sendo que o rebanho bovino brasileiro pro- porciona o desenvolvimento de dois segmen- tos lucrativos: as cadeias produtivas da carne e leite (MAPA, 2013). Na produção de leite, o país ocupa hoje a sétima posição no ranking mundial, com um volume aproximado de 27 bilhões de litros/ano. O Brasil vem se consolidando também como um dos grandes exportadoresmundiais de produtos lácteos, ao lado de Nova Zelândia, Austrália e países da União Européia (SCHLESINGER, 2009). Os bovinos são animais que gostam de rotina e que, ao que tudo indica, têm boa memória. São capazes de discriminar as pessoas envolvidas nas interações, apresentando reações específicas a cada uma delas em função do tipo de experiência vivida, caracterizando assim um aprendizado associativo, do tipo condicionamento operante (PARANHOS DA COSTA, 2006). Assim, a presença de pessoas conhecidas pelos animais durante o procedimento e com comportamento não aversivo contribui para diminuir os seus efeitos negativos no comportamento e produção de vacas leiteiras (HÖTZEL et al. 2009). PETERS et al. (2010), concluem que o manejo aversivo altera o comportamento das vacas na sala de ordenha, prejudicando o bem-estar animal, com redução na produção de leite. Internacionalmente são identificadas características da produção de bovinos que representam pontos críticos de bem estar animal, sendo que a maior parte desses é inerente aos sistemas e a carga genética para a alta produção (MOLENTO & BOND, 2008). A crescente seleção genética para a produção de leite é um fator que leva a decréscimo de fertilidade e longevidade das vacas, além de elevar os índices de doenças reprodutivas (OLTENACU & ALGERS, 2005). WEBSTER (2005) relata que a longevidade média de uma vaca leiteira é inferior a três lactações, sendo que a maioria dos descartes não ocorre voluntariamente, mas por fatores como infertilidade, claudicação e mastite. A nutrição da vaca leiteira atual também representa um potencial ponto crítico de bem estar, visto que as exigências nutricionais desses animais foram consideravelmente aumentadas nas últimas décadas, pela exacerbação da capacidade produtiva por meio de seleção artificial (BOND, et al. 2012). Segundo OLIVEIRA et al. (2008), observa-se a crescente divulgação do bem estar animal e a qualidade da carne bovina, nessa seara não basta ter a melhor genética, a alta produtividade, a nutrição equilibrada e de boa qualidade, se o manejo com os animais está sendo incorreto. DOBSON et al. (2001) declaram que o estresse social devido a manejos inadequados, na propriedade, irá influenciar negativamente a qualidade da carne, o ganho de peso e a reprodução. Algumas doenças são especialmente relevantes para o diagnóstico de bem estar no gado leiteiro (BRADLEY, 2002; CERQUEIRA, et al. 2011), a mastite por apresentar alta incidência mesmo com a utilização de medidas preventivas (BRADLEY, 2002) e as afecções do casco que, de maneira mais ampla, afetam o conceito das cinco liberdades proposto por Webster (GREENOUGH, 1997). A relação homem-animal é um componente muito importante para a produção de bovinos leiteiros (CERQUEIRA, 2011). HÖTZEL & PINHEIRO MACHADO FILHO (2004) afirmam que as relações humano-animais, inadequadas, podem influenciar negativamente a produtividade e a qualidade dos produtos. Para BROOM & MOLENTO (2004), as pessoas que trabalham com animais devem reconhecer as evoluções que alteraram as relações entre seres humanos e animais; manterem-se informadas sobre as explicações que a ciência vem propondo para determinadas respostas dos animais a determinadas situações ou problemas; e refinarem as formas de se medir o grau de bem-estar dos animais para que tais avaliações sejam úteis no melhoramento das relações entre seres humanos e animais. Indicadores de bem estar em bovinos Vários critérios vêm sendo utilizados na tentativa de avaliar o bem estar animal, pela complexidade dos processos adaptativos, a avaliação envolve uma abordagem multidisciplinar (BROOM, 1991); ou seja, quanto maior o desafio imposto pelo ambiente mais dificuldade o animal terá em se adaptar e, consequentemente, menor será seu grau de bem estar, sendo que a avaliação científica deve considerar o estado do animal de forma objetiva e separada de questões éticas (BROOM & MOLENTO, 2004). O estresse fisiológico é um dos principais indicadores utilizados na avaliação do bem estar animal, podendo ser uma resposta a um estímulo do ambiente, na tentativa da manter a homeostasia (HÖTZEL & PINHEIRO MACHADO FILHO, 2004). Em situações de estresse prolongado há liberação de glicocorticóides (PALME 1996; MENDL et al. 2001) sendo que a dosagem de cortisol plasmático vem sendo utilizada para se analisar os efeitos de práticas de manejo sobre o bem estar animal (BROOM & FRASER, 2007). Porém, existem limitações para sua aplicação na rotina de diagnóstico de campo, especialmente quanto aos cuidados na colheita das amostras e aos seus custos (BOND et al. 2012). É reconhecida a importância de se reduzir o estresse dos animais durante o manejo de rotina, por exemplo, animais agitados durante os manejos correm maior risco de acidentes, levando à aumento de contusões nas carcaças. Contudo, poucas pessoas reconhecem que esses riscos diminuem quando os animais são manejados com calma e tranqüilidade (PARANHOS DA COSTA, 2002). O comportamento constitui um importante instrumento para a avaliação do bem estar animal (FRASER, 1993), por isso o conhecimento das atividades comportamentais dos animais é fundamental para a melhoria da produção animal (GORDON et al. 1996; CERQUEIRA et al. 2011). O manejo pré-abate, por exemplo, envolve uma série de situações não familiares para os bovinos, que causam estresse aos mesmos, dentre elas: agrupamento dos animais, confinamento nos currais das fazendas, embarque, confinamento nos caminhões, deslocamento, desembarque, confinamento e manejo nos currais dos frigoríficos. Tais atividades devem ser bem planejadas e conduzidas para minimizar o estresse e garantir bem estar aos bovinos (PARANHOS DA COSTA, 2002). Alguns protocolos de diagnóstico consideram fatores como instalações, piquetes, sombreamento pontos importantes para se determinar o bem estar animal de um sistema produtivo. Alterações de postura, locomoção e temperamento aliados a observação do estado sanitário podem indicar que um animal sente dor, bem como ajudar a quantificá-la (BOND et al. 2012). DUNCAN (2005) considera a avaliação emocional dos animais de difícil aplicação prática não indicando que, essa forma subjetiva, seja parte principal do diagnóstico de bem-estar animal. Vários recursos e estímulos são necessários para que os bovinos se encontrem em boas condições de bem-estar, como: o espaço em si, permitindo que os animais mantenham suas atividades em um contexto social equilibrado; os abrigos, para que possam se proteger dos rigores do clima; os alimentos, incluindo as forragens, a água e os suplementos (PARANHOS DA COSTA, 2001). WEBSTER (2001) ressalta que vacas necessitam de instalações limpas e confortáveis, de fácil acesso, nas quais possam se deitar e levantar com facilidade, além de manter o contato social com outras vacas. O Índice de Necessidades dos Animais (BARTUSSEK et al. 2000) baseia- se na análise da adequação das instalações em relação às necessidades dos animais de produção, onde são observados aspectos como facilidade de locomoção e de interações sociais, tipo e condição do piso, ventilação, iluminação e manutenção das instalações. Além dessas avaliações, a observação das preferências dos animais é utilizada como forma de obter aopinião dos mesmos em relação a certas situações de manejo ou ambientes (HÖTZEL & PINHEIRO MACHADO FILHO, 2004). Assim todas as ferramentas e tipos de abordagem citados podem ser combinados em protocolos que permitam diagnosticar o bem estar dos animais de maneira prática eficiente e fidedigna à realidade das diferentes propriedades (BOND et al. 2012). Conclusão O bem estar animal influencia nos sistemas produtivos pecuários, existindo a necessidade de avaliação abrangente sobre os pontos críticos na produção de bovinos. As questões éticas e as avaliações multidisciplinares são fundamentais e importantes, devendo ser propostas para evitar o sofrimento dos animais utilizados para a produção de alimentos. Referências Bibliográficas BARTUSSEK, H., LEEB, CH., HELD, S. Animal needs index for cattle. Gumpenstein: Federal Research Institute for Agriculture in Alpine Regions, 2000. 20p. BOINVIN, X., NEINDRE, P. L; CHUPIN, J. M. Establishment of cattle-human relationships. Applied Animal Behaviour Science, v.32, p. 325-335, 1992. BOND, G.B.; ALMEIDA, R. OSTRENSKY, A. MOLENTO, C.F.M. Métodos de diagnóstico e pontos críticos de bem estar de bovinos leiteiros. Ciência Rural, Santa Maria, v.42, n.7, p.1286-1293, 2012. BRADLEY, A.J. Bovine mastitis: an evolving disease. Veterinary Journal, Londres, v.164, p.116-128, 2002. BROOM, D.M. 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