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EA D 2 Jusnaturalismo: Hobbes e o Contrato Social 1. OBJETIVOS • Conhecer os conceitos de Jusnaturalismo, estado de na- tureza e contrato social. • Compreender como Hobbes soluciona o problema da passagem do estado de natureza para o estado de socie- dade. 2. CONTEÚDOS • Compreensão da ideia de estado de natureza e, conse- quentemente, do que vem a seu jusnaturalismo. • O contrato social na obra O Leviatã, de Hobbes. © Teoria Política Clássica Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 54 3. SUGESTÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 1) Tenha sempre à mão o significado dos conceitos explicitados no Glossário. Isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu desempenho. 2) Para mais referências sobre as Revoluções Inglesas do século 17 é imprescindível a leitura da seguinte bibliografia: FLORENZANO, Modesto. As Revoluções burguesas. São Paulo, Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é história 8). Antes de iniciar os estudos desta unidade, pode ser interes- sante conhecer um pouco da biografia do pensador cujo pensa- mento norteia o estudo desta disciplina. Thomas Hobbes –––––––––––––––––––––––––––––––––––––– (Malmesbury/Inglaterra, 5 de abril de 1588 – Hardwick Hall/ Inglaterra, 4 de dezembro de 1679) foi um matemático, teó- rico político e filósofo inglês, autor de obras como O Leviatã (1651) e Do Cidadão (1642). Imagem: disponível em: <http://www.d.umn.edu/cla/faculty/ jhamlin/2111/2111schd_files/hobbes.jpg>. Acesso em: 28 fev. 2010. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 4. INTRODUÇÃO À DISCIPLINA Na unidade anterior, estudamos um pouco sobre a vida e a obra do italiano Nicolau Maquiavel, entendemos como se dá a passagem da Idade Média para a Idade Moderna e como a manei- ra de Maquiavel ver a política influenciou e influencia a forma de se exercer o poder. Vale lembrar a importantíssima separação feita por Maquiavel entre religião e política e a consequente substitui- ção do divino pelo eficaz. Nesta unidade, estudaremos um movimento conhecido como Jusnaturalismo ou Teoria do Direito Natural. Estaremos 55© O Jusnaturalismo: Hobbes e o Contrato Social diante, a partir de agora, de um ramo da filosofia política que bus- ca explicar os fenômenos relacionados ao poder político recorren- do a uma ideia de estado de natureza. Estado este que precede a existência da política, ou seja, a maneira que os homens viviam antes de encontrarem-se organizados em sociedade. Todos os autores que estudaremos a partir desta unida- de se encontram dentro da concepção jusnaturalista da política moderna. Thomas Hobbes, John Locke, Barão de Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau podem ser considerados os autores mais representativos desta vertente da Filosofia Política Moderna, esta fundada por Nicolau Maquiavel. O Jusnaturalismo percorre, por- tanto, os séculos 16, 17 e 18 influenciando a maneira de se pensar as relações políticas e de poder referentes a cada época. Para compreendermos o Jusnaturalismo é importante que conceitos como estado de natureza, contrato social e sociedade civil fiquem claros. Assim, dedicaremos uma parte desta unidade a este fim. Depois de compreendermos melhor o que é o Jusnaturalis- mo e seus conceitos mais fundamentais, nos aprofundaremos um pouco mais na obra de Thomas Hobbes, considerado por muitos o fundador do jusnaturalismo moderno. Sairemos da Itália dos séculos 15 e 16 e partiremos para a Inglaterra, em um outro contexto histórico, mais precisamente no século 17, momento em que Hobbes escreve suas obras. Para entendermos o pensamento político de Hobbes esco- lhemos o seu livro mais conhecido e discutido: O Leviatã. A partir deste estudo, entenderemos como Hobbes concebe o estado de natureza, o contrato e a passagem para o estado político, ou civil, em que os homens encontram-se organizados em sociedade. Boa parte da obra deste autor é voltada para a defesa do con- servadorismo e da soberania na política. Assim como O Príncipe, de Maquiavel, O Leviatã, de Hobbes, trata da necessidade de um © Teoria Política Clássica Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 56 governo unido e forte que tem a função primordial de preservar a unidade do Estado. No entanto, esses dois autores não podem ser considerados semelhantes em todos os momentos de suas obras. Como vimos na unidade anterior, Maquiavel teve momentos de defesa do ideal republicano, alguns críticos consideram que até mesmo O Príncipe seria uma obra republicana que alertaria o povo sobre um governo tirano. Hobbes, ao contrário, é conservador em toda a sua obra. Vamos, então, ver como essas ideias influenciaram a Teoria Política Clássica, tema central de nosso estudo! 5. O JUSNATURALISMO O Justanaturalismo, que é uma corrente do pensamento po- lítico moderno cujo objetivo é oferecer uma explicação da origem e dos fundamentos do Estado Moderno, inicia-se em meados do século 17 com Thomas Hobbes, na Inglaterra, e continua influen- ciando fortemente a filosofia política até o final do século 18 e o início do século 19. Como vimos anteriormente, o Jusnaturalismo é o ramo da filosofia política que busca explicar o poder político recorrendo à ideia de um estado natural que existiu antes da política. Por estado natural ou estado de natureza entendemos o estado que antecede a organização da sociedade civil, a ausência desta sociedade. Portanto, só é possível entender o estado de na- tureza em contraposição ao estado político. Os diferentes autores jusnaturalistas, também conhecidos por contratualistas, conside- ram diferentemente as características deste estado. Além disso, alguns deles admitem que este estado possa, talvez, nunca ter existido e ser apenas um recurso retórico para a melhor explicação da teoria. Ou seja, seria uma ficção, utilizada apenas para se contrapor ao que conhecemos por sociedade e tornar a explicação dada por 57© O Jusnaturalismo: Hobbes e o Contrato Social eles mais eficaz. No entanto, outros autores acreditam na sua exis- tência real, mas não têm a possibilidade de precisar em que mo- mento da história este existiu, ou se existiu em diferentes lugares e em tempos diferentes. O que caracteriza este estado é ele ser constituído por indiví- duos absolutamente isolados, ou que não estão associados, a não ser por razões absolutamente naturais, como os laços de sangue que unem uma família. Os indivíduos que compõem este estado têm duas características fundamentais: são livres e iguais. Isso pode ser considerado bom ou mau, dependendo de como o autor entende a natureza humana. Veremos, a seguir, que cada um dos autores tem uma concepção diferente sobre se o homem é natu- ralmente bom, ou naturalmente mau, o que provoca profundas di- ferenças em suas obras, apesar de todos eles serem considerados jusnaturalistas ou contratualistas. Assim, temos os autores que consideram o estado de natu- reza um estado pacífico e os que consideram este como um estado de guerra de todos contra todos. Vale ressaltar que todos esses autores concordam com a ideia de um estado de natureza (seja ele fictício ou real) e que os indivíduos, por meio de um contrato, concordam em passar para um estado civil em que a sociedade encontra-se organizada. O que os diferencia é a maneira pela qual concebem este estado (pacífico ou belicoso) e o motivo e a forma com que se dá o contrato, como veremos a seguir. Percebemos, então, que a passagem do estado de natureza se dá por meio de um contrato social em que os indivíduos con- cordam em sair do estado de natureza, em função deste ser um estado de guerra de todos contra todos, ou deste ser um estado de extrema incerteza. De todas as formas os indivíduos entram em um consensode que o estado em que vivem deve ser substituído por um estado de organização civil e política. © Teoria Política Clássica Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 58 O contrato social é, portanto, esta concordância entre todos os indivíduos de sair do estado de natureza para organizarem-se em sociedade. Este funda a soberania e institui a autoridade po- lítica e o estado civil, o qual tem por objetivo declarar um fim às lutas mortais do estado de natureza de Hobbes, ou do estado de sociedade de Rousseau, como veremos nas próximas unidades. O que varia, neste tema, é se o contrato é de todos os indi- víduos entre si em favor apenas da coletividade, ou se o benefici- ário é um terceiro que será, a partir de então, o soberano. Outra diferença entre os autores é se este contrato pode ou não ser re- vogado. O estado civil, ou estado político, é a reunião desses indiví- duos, antes isolados, em uma sociedade organizada. É o estabele- cimento de um poder político que coordena as ações dos indiví- duos, que eram absolutamente livres para praticar qualquer ato, mesmo que esse ato fosse contrário à vontade de todos os outros e os prejudicassem. Segundo Bobbio (1991, p. 3): “O que importa observar é que nenhuma dessas variações nega ou modifica os elementos essen- ciais [...] que se referem ao ponto de partida (o estado de nature- za), ao ponto de chegada (o estado civil) e ao meio através do qual ocorre a passagem (o contrato social)”. O Jusnaturalismo traz uma inovação de extrema relevância para a filosofia política. Os autores desta corrente não falam mais em comunidade e sim em sociedade. Mas o que isso significa? Significa que os homens, depois do contrato, decidem por viver juntos de forma voluntária, construindo “um todo”. Este “todo” é maior do que a simples soma de indivíduos agrupados ao acaso e que partilham de referências comuns e unem-se em uma associa- ção benéfica para todos. A comunidade nos remete à ideia de um agrupamento natural de homens e a sociedade a um grupo forma- do pela vontade dos indivíduos. 59© O Jusnaturalismo: Hobbes e o Contrato Social Outro ponto importante a se destacar é que a ideia de estado de natureza traz outra ideia: a de direitos naturais. Esses direitos naturais são certos direitos e leis humanas que têm validade uni- versal. A concepção de quais são estes direitos também é variável nas obras de alguns autores, mas podemos dizer que variam entre elementos, tais como: direito à vida, à liberdade e à propriedade. Todas essas divergências, apresentadas rapidamente neste tópico, ficarão claras no momento em que estudarmos cada um dos autores jusnaturalistas, objetos de estudo desta disciplina. Portanto, não se espantem com tantos conceitos e diver- gências apresentados logo neste início, pois eles serão incessante- mente trabalhados até o final dos nossos estudos! 6. THOMAS HOBBES: VIDA E OBRA Thomas Hobbes ingressa na Universidade de Oxford em 1603 e, mesmo sem ter sido um aluno brilhante, cinco anos mais tarde, depois de se formar, torna-se preceptor de Willian Cavendish, no- bre que, mais tarde, se tornaria Segundo Conde de Devonshire. Somente em 1610, Hobbes viaja pela primeira vez da ilha bri- tânica para o continente, acompanhando seu pupilo. Mas apenas em 1629, em uma viagem à França e à Itália, é que ele se coloca em contato com a vanguarda do pensamento filosófico e científico da época, conhecendo pessoas como Galileu Galilei e René Des- cartes. De volta à Inglaterra, Hobbes dedica-se aos estudos de polí- tica e de direito, e, mais tarde, em 1640, publica Os Elementos da Lei. Como consequência do que escreve em sua obra, exila-se na França. Lá, publica Do Cidadão e torna-se professor de matemática do, então, futuro rei Carlos II. Como o momento político torna-se favorável, em 1651, Ho- bbes publica O Leviatã e regressa à Inglaterra, onde publica mais © Teoria Política Clássica Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 60 dois livros, Do Corpo e Do Homem que, juntamente com Do Cida- dão, formam um sistema filosófico completo. Já em 1668, ele passa a escrever uma narrativa histórica so- bre a Guerra Civil Inglesa, chamada Behemoth ou O Longo Parla- mento, publicada apenas em 1682, três anos após sua morte (OS- TRENSKY, 2007). 7. CONTEXTO HISTÓRICO Na Inglaterra, com o fim da dinastia Tudor, em 1603, os Stu- art assumem o poder. O primeiro rei desta dinastia foi Jaime I, que governa até 1625 e, logo depois, dá lugar a Carlos I, o qual vive um período de muita turbulência na história da Inglaterra. Em 1640, momento em que o governo vivia forte crise financeira, Carlos I convoca o parlamento com o intuito de firmar paz com os escoce- ses. No entanto, dois anos depois, em 1642, o parlamento exigiu que os ministros fossem nomeados, mediante o seu consentimen- to, com a permissão às práticas calvinistas e a supervisão por parte do Parlamento do exército destinado à Irlanda. Carlos negou estas solicitações e, em 3 de janeiro de 1642, enviou um Fiscal Geral do Estado à Câmara dos Lordes para pesar um processo por alta trai- ção a vários Comunes. A tentativa precipitou uma guerra civil que durou até 1649, quando Carlos I foi decapitado e Oliver Cromwell assume o poder e abole a monarquia. Antes de morrer, em 1658, Cromwell nomeou seu filho, Richard Cromwell, como seu sucessor. Com Richard, o caos político e econômico tomou conta do país até que, dois anos depois, em 1660, a monarquia é restaurada e o poder volta às mãos dos Stuart com Carlos II. Revoluções Inglesas do século 17 –––––––––––––––––––––– No século 17, a Inglaterra viveu dois momentos revolucionários: a Revolução Pu- ritana, de 1640, que culminou na execução do Rei Carlos I e, em 1689, a Revo- lução Gloriosa. Ambas fizeram parte de um mesmo processo revolucionário que tinha por objetivo atender aos anseios da burguesia ascendente e estabelecer em definitivo o sistema parlamentarista de governo, vigente até os dias de hoje na Inglaterra. Estas revoluções manifestam a crise do absolutismo, ou seja, do 61© O Jusnaturalismo: Hobbes e o Contrato Social Antigo Regime, e consolidam as bases para o desenvolvimento do capitalismo. Portanto, podemos dizer que estas foram as primeiras revoluções burguesas da Europa. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 8. O LEVIATÃ O Leviatã, uma das principais obras de Thomas Hobbes, é escrito em um período de Guerra Civil que aconteceu entre 1642 e 1649. Fundador do Jusnaturalismo Moderno, Hobbes mostra que, além do direito positivo (expresso em códigos), há um direito na- tural que o precede e lhe é superior. Para os autores do Jusnatu- ralismo Moderno a ideia de estado de natureza é independente da história humana. Certos direitos e leis humanas com validade universal são deduzidos da ideia mais geral de direito natural, con- forme veremos a seguir 9. ESTADO DE NATUREZA Podemos imaginar a importância que alguns conceitos jus- naturalistas têm para a obra de Thomas Hobbes, sendo o mais importante deles o estado de natureza. Compreender como Ho- bbes concebe esta ideia pode nos esclarecer muito de sua obra. Basicamente, podemos dizer que o homem no estado de natureza hobbesiano tem duas características fundamentais: a liberdade e a igualdade. Com homens livres e iguais o estado de natureza torna- se um estado de guerra permanente. Mas como duas características como liberdade e igualdade podem transformar-se na causa de um estado de guerra de todos contra todos? Hobbes nos esclarece essa questão dizendo que os homens são relativamente iguais tanto física quanto intelectualmente. Ain- da que haja pequenas diferenças, essas não são significativas a ponto de fazer com que um homem se destaque dos outros. Com © Teoria Política Clássica Claretiano- REDE DE EDUCAÇÃO 62 isso, ele quer dizer que os homens não são absolutamente iguais, mas são iguais o bastante. Sendo iguais, consequentemente, os homens desejam as mesmas coisas. E, no momento em que a coisa desejada não pode ser de todos, eles tornam-se inimigos. Dois homens podem dispu- tar um mesmo bem e esta disputa provoca todas as controvérsias. Assim, o mais razoável passa ser a ideia de atacar para não ser ata- cado, generalizando o estado de guerra. Veremos, na passagem a seguir, como o próprio autor coloca esta ideia: Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins. Portanto, se dois homens de- sejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para seu fim (que é principalmente sua própria conservação, e às vezes ape- nas seu deleite) esforçam-se por destruir ou subjugar um ao outro (HOBBES, 1999, p. 108). Desse modo, três causas principais são definidas para a dis- córdia que existe entre os homens: a competição, a insegurança e a glória. Ávidos pelo lucro, pela sua segurança e pela sua reputa- ção, os homens são impelidos a atacarem uns aos outros. Assim, no estado de natureza “a vida do homem é solitária, pobre, sórdi- da, embrutecida e curta” (HOBBES, 1999, p. 109). Da mesma maneira que no estado de natureza os homens são iguais, eles também são livres. Esta liberdade é o direito que o homem tem de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para a manutenção da própria vida, pois ele é livre para julgar quais são as atitudes mais adequadas para esse fim. Não há nada que lhe imponha limites! Essa característica agrava a situação de guerra de todos contra todos. Como podemos observar, igualdade e liberdade no estado de natureza, de acordo com Hobbes, têm implicações bastante distintas da ideia que temos atualmente desses dois conceitos. Isso acontece, especialmente, porque Hobbes considera que os homens são naturalmente maus. Ele não acredita na ideia do bom 63© O Jusnaturalismo: Hobbes e o Contrato Social selvagem, incapaz de fazer mal a alguém, para Hobbes, no estado de natureza, o homem tem por característica incontestável a mal- dade. Dessa ideia deriva a frase mais citada de Hobbes: “O homem é o lobo do homem”, frase esta que não aparece no livro que es- tamos estudando mais detidamente, O Leviatã, e sim na obra Do Cidadão. Todavia, essa frase quer dizer a mesma coisa que uma outra frase que já vimos aqui: “a guerra de todos contra todos”, ou seja, que a maior ameaça para o homem é o próprio homem. Mas como sair dessa situação? Veremos, a seguir, qual foi a solução encontrada por Hobbes. 10. O CONTRATO A regra, ou a lei mais importante do estado de natureza, é a da manutenção da própria vida. Esta lei proíbe que os homens façam qualquer coisa que atente contra a sua própria vida. E o que é o estado de guerra? É o estado em que o homem coloca a sua vida em perigo constante. De acordo com a lei natural, o homem deve, então, sair des- se estado de guerra para preservar a sua vida. Há uma base jurí- dica para que o homem deixe o estado de natureza. Mas isso não é suficiente, é preciso que haja uma entidade capaz de fazer com que os homens se respeitem mutuamente. Esta entidade é o Esta- do, o qual é o detentor da espada, ou seja, da força, para obrigar os homens a agir de acordo com as leis estabelecidas. Para instituir este Estado e salvar-se da situação de guerra generalizada, todos os indivíduos, entre si, instituem um pacto, também chamado de contrato social. Este é o momento em que os indivíduos assumem o propósito de alcançar a paz e a segu- rança, abdicando de sua liberdade de fazer tudo em favor de um poder único: o do Estado. © Teoria Política Clássica Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 64 É importante lembrarmos que o pacto hobbesiano não é es- tabelecido entre o povo e o governante, mas apenas pelo povo entre si, que, em um segundo momento, decide quem será o go- vernante. No momento do contrato não se sabe quem será o so- berano. Para passar do estado de natureza para o estado civil, por meio do contrato, o homem deve seguir os preceitos ou regras gerais da razão apresentados por Hobbes. O primeiro preceito, ou regra geral da razão, propõe que “todo homem deve aperfeiçoar-se pela paz na medida que tenha esperança de consegui-la e caso não a consiga pode procurar e usar todas as vantagens da guerra” (HOBBES, 1999, p. 114). Já o segundo preceito mostra que para conseguir a paz o homem deve renunciar a seu direito sobre todas as coisas em favor do Estado, sendo esta renúncia irrevogável. O Estado passa a exercer um po- der superior que lhe é dado por meio do contrato. Nesses dois preceitos estão as regras fundamentais da obe- diência estabelecidas por Hobbes. O homem é criador e autor do Estado e, portanto, não pode rebelar-se contra ele. O pacto, ou o contrato, não é feito entre os homens e o soberano, mas entre to- dos os homens que instituem um soberano. Os homens são, a par- tir desse ato, responsáveis pelos atos do soberano. Desse modo, observamos, aqui, as bases para o autoritarismo. A partir do terceiro preceito, Hobbes enumera as regras para a manutenção da paz. A base dessa paz está na ideia de que os ho- mens devem cumprir o contrato. A fonte de todas as injustiças está no descumprimento deste contrato. Ao total, Hobbes estabelece 14 preceitos, ou regras gerais da razão, que podem ser sintetizadas em uma só: “faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti” (HOBBES, 1999, p. 131). Com essas regras de obediência estabelecidas, o poder do soberano passa a ser total e indivisível. Dessa maneira, sua frag- mentação pode significar o seu fracasso e a sua destruição. Assim, 65© O Jusnaturalismo: Hobbes e o Contrato Social Hobbes estabelece-se como um forte defensor da soberania polí- tica. Defensor do governo de um só, ou de um grupo pequeno de pessoas, cujo poder é ilimitado e indivisível. Se o poder é limitado, ou dividido de alguma forma, ele deixa de ser soberano. Desse modo, Hobbes não deriva o absolutismo de um direi- to divino, mas, sim, do contrato social, que é estabelecido entre todos os indivíduos entre si, os quais concordam em renunciar a seus direitos e entregar todos os poderes a um chefe político que tem por obrigação estabelecer a paz e a segurança. Nenhum outro autor mostra tão claramente os elementos característicos do ideário conservador e absolutista! 11. O ESTADO CIVIL O estado civil hobbesiano é o que podemos chamar de Esta- do com “E” maiúsculo, ou seja, uma organização política dotada de força e de poder absoluto. O Estado é a condição para a existência da sociedade que nasce somente com ele. Neste Estado, estão concentrados, também, os poderes re- lativos à religião. Segundo Hobbes, a religião pode ameaçar a paz civil e, por isso, o poder religioso deve estar nas mãos do soberano político a fim de evitar conflitos. Em O Leviatã, Hobbes expressa claramente a sua discordân- cia em relação ao papel que a igreja vinha desempenhando, espe- cialmente, durante a Idade Média. De onde vem o Leviatã? ––––––––––––––––––––––––––––––– A imagem do Leviatã tem origem bíblica. Nos capítulos 40 e 41 do Livro de Jó podemos ver como este é representado. Conforme demonstra a Figura 1, trata- se de um imenso monstro aquático que desafia as forças humanas. © Teoria Política Clássica Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 66 Figura 1 A Destruição de Leviatã – Gravura de Gustave Doré (1865). Observe, também, alguns trechos destes capítulos: “Eis que um rio trasborda, e ele não se apressa, confiando que o Jordão possa entrar na sua boca.” “Podê-lo-iam, porventura, caçar à vista deseus olhos, ou com laços lhe furar o nariz?” “Poderás pescar com anzol o leviatã ou ligarás a sua língua com a corda?” “Ninguém há tão atrevido, que a despertá-lo se atreva; quem, pois, é aquele que ousa erguer-se diante de mim?” “Da sua boca saem tochas; faíscas de fogo saltam dela.” “Do seu nariz procede fumaça, como de uma panela fervente, ou de uma grande caldeira.” “O seu hálito faz acender os carvões; e da sua boca sai chama.” “No seu pescoço pousa a força; perante ele, até a tristeza salta de prazer.” “As profundezas faz ferver, como uma panela; torna o mar como quando os un- güentos fervem.” “Todo o alto vê; é rei sobre todos os filhos de animais altivos (Disponível em: <http://www.bibliaon.com/jo_40/> e <http://www.bibliaon.com/jo_41/>. Acesso em: 28 fev. 2010). Foi nesta passagem bíblica que Hobbes encontrou o título para a sua obra! –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 67© O Jusnaturalismo: Hobbes e o Contrato Social O Leviatã hobbesiano é o Estado. A representação que Ho- bbes utiliza na capa da primeira publicação deste livro é a de um gigante cujo corpo é formado por milhares de pequenos homens, conforme observaremos a seguir na Figura 2. A única parte do cor- po deste Leviatã que não é formada por uma multiplicidade de corpos é a cabeça, que representa a unidade da vontade soberana, a qual é capaz de decidir sozinha. Veja: Figura 2 Frontispício Original do Leviatão de Thomas Hobbes. © Teoria Política Clássica Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 68 Conforme observamos, a imagem do soberano surge no fun- do do quadro em grandes proporções, no horizonte do território, tendo à sua frente e, abaixo, a cidade devidamente ordenada, for- mada por zonas de fortificação militar, muros, residências e igrejas. Em uma de suas mãos ele segura a espada, representado a força da dominação política. Na outra, ele segura um cedro que representa a dominação religiosa. Abaixo da figura do gigante há o título completo do livro que é Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. À esquerda deste título tem-se os elementos referentes ao poder político como o castelo e a coroa. À direita estão as repre- sentações do poder eclesiástico como uma igreja e uma tiara pa- pal. O Leviatã dos dias de hoje? Vamos refletir um pouco... ––––– Certamente, Angeli (2007) se inspirou no Leviatã hobbesiano para produzir a charge apresentada a seguir. Observem que, nela, a corrupção tem a forma de um gigante cujo corpo é constituído por uma infinidade de indivíduos. Fonte: ANGELI (2007, p. 2). Figura 3 Corrupção: a cara da besta. 69© O Jusnaturalismo: Hobbes e o Contrato Social Será que a dominação total e indivisível, descrita por Hobbes, estaria, hoje, nas mãos da corrupção? O gigante engravatado representa o Estado ou a própria sociedade brasileira? Com certeza, esses tipos de indagações e inquietações devem estar presentes em nosso cotidiano. Os elementos da política nos darão os instrumentos neces- sários para refletirmos estas questões e agirmos para reverter o quadro atual. Como já abordamos anteriormente: “saber é poder”. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 12. HOBBES NA HISTÓRIA Hobbes foi considerado, na mesma medida que Maquia- vel, um pensador maldito. O inglês, além de caracterizar o Estado como um monstro e o homem como naturalmente mau, enfrenta a igreja e a coloca em posição inferior ao poder político. No entanto, ele não desagrada apenas aos religiosos, mas, também, à burguesia que, como vimos na unidade anterior, se tornava uma classe cada vez mais forte. Ele desafia os burgueses porque não considera que a propriedade seja um direito natural, anterior e superior ao Estado, e, sim, uma consequência deste, dependendo, portanto, da vontade do soberano que, em última instância, pode controlar todos os bens. 13. SÍNTESE DA UNIDADE Hobbes tem uma concepção absolutamente individualista do homem que é, por natureza, insociável. Em O Leviatã, ele trata da necessidade de um governo unido e forte para governar este homem e preservar a unidade do Estado. O poder deve ser con- centrado nas mãos de um soberano, pois a divisão deste pode le- var à guerra civil, o pior mal a que um Estado pode ser submetido. “A concórdia é a saúde, a sedição é a doença e a guerra civil é a morte” (HOBBES, 1999, p. 27). Com base na ideia dos direitos naturais, Hobbes cria uma teoria da obediência e fundamenta os princípios de um Estado ab- solutista. © Teoria Política Clássica Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 70 Segundo Bobbio (1991, p. 150): A verdade é que Hobbes inventa, elabora, aperfeiçoa os mais refi- nados ingredientes jusnaturalistas – o estado de natureza, as leis naturais, os direitos individuais, o contrato social – mas os emprega engenhosamente para construir uma gigantesca máquina da obe- diência. Para tanto, Hobbes parte do princípio de que todos os ho- mens foram feitos iguais pela natureza, não só quanto à sua ca- pacidade, mas, também, quanto aos seus fins, que são, em última instância, a conservação de suas vidas. No estado de natureza, o homem subjuga para não ser subjugado e isso cria um estado de guerra permanente, um estado de desconfiança generalizado. A competição, a desconfiança e a busca da glória são as cau- sas fundamentais da discórdia no estado de natureza. Para sair do medo constante que este estado gera, o homem deve recorrer à razão e firmar um pacto chamado por ele de contrato social, por meio do qual os homens renunciam ao seu direito em favor de um soberano que terá poder total e indivisível a partir de então. 14. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS O estudo e as avaliações constantes são a melhor maneira que temos para solucionar as dúvidas e promover o aprendizado contínuo. Com estas questões será possível traçar paralelos entre os conteúdos aprendidos até aqui e fazer uma síntese deles. Assim, no ensino a distância a autoavaliação tem uma importância ímpar, já que estas questões podem ser a base para o estabelecimento de um diálogo cooperativo e construtivo com seus colegas. Se você encontrar problemas para resolvê-las, tente revisar os conteúdos ou recorrer às referências bibliográficas indicadas no final da Uni- dade 2. 1) Os conceitos de estado de natureza, contrato social e estado civil são de fundamental importância para o entendimento do contratualismo, também chamado, por alguns autores, de jusnaturalismo. Esses conceitos 71© O Jusnaturalismo: Hobbes e o Contrato Social ficaram claros para você? Tente defini-los com suas palavras. 2) Você concorda com a ideia de que alguns direitos nascem com o homem, ou seja, são inatos, entendidos, portanto, como direitos naturais? Ou você acredita que só depois da vida em sociedade os homens adquirem direitos? 3) Os direitos naturais traçados por Thomas Hobbes, ou seja, a liberdade e a igualdade também são os fundamentos do que chamamos de Estado Democrático de Direito. Mas, hoje em dia, como são entendidos esses direitos? Eles são ilimitados ou apresentam limites dentro da sociedade contemporânea? 4) O homem é o lobo do homem. Essa é uma das frases mais famosas de Thomas Hobbes, dela retira-se a ideia de que o homem é mau por natureza e por isso precisa da força do Estado para controlá-lo. Em que medida você concorda com essa colocação? Como entender esse conceito dentro da sociedade atual? 5) Como você entendeu a ideia do Leviatã, que dá título à obra mais importante de Thomas Hobbes? Qual a diferença do significado original de Leviatã, como um monstro bíblico e do significado proposto pelo autor da nossa Unidade? 6) Tente elaborar um esquema com os pontos essenciais discutidos naUnidade 2. Essa atividade tornará mais fácil a memorização e os estudos futuros sobre esse tema. 7) Quais foram as suas impressões sobre esta unidade: - Ela atingiu os objetivos propostos? - O conteúdo foi exposto de maneira clara? O que pode ser melhorado nesse quesito? 15. CONSIDERAÇÕES Nesta unidade, vimos como Thomas Hobbes trata a criação do Estado, em nome do qual os indivíduos abdicam de seus direi- tos naturais. Sem dúvida, Hobbes é um grande defensor do Estado © Teoria Política Clássica Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 72 Absolutista, uma vez que os homens que dão poder a ele não po- dem mais voltar atrás nessa decisão. Na próxima unidade, conheceremos uma posição quase oposta à colocada por Hobbes. Veremos, com Jonh Locke, como se constitui o Estado Liberal. Locke parte de categorias muito seme- lhantes às de Hobbes e tira conclusões quase opostas. 16. E-REFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 – A Destruição de Leviatã - Gravura de Gustave Doré (1865): disponível em: <http://portalcienciaevida.uol.com.br/esfi/Edicoes/36/imagens/i121922.jpg>. Acesso em: 28 fev. 2010. Figura 2 – Frontispício Original do Leviatão de Thomas Hobbes: disponível em: <http://xama.incubadora.fapesp.br/portal/projeto-tese/imagens-da- tese-gravuras-fotografias-fotogramas-slides/detalhe_gravura_leviathan_ pb.jpg/image_preview>. Acesso em: 28 fev. 2010. 17. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANGELI. Corrupção: a cara da besta. In: Folha de São Paulo, jul./2007. BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. São Paulo: Mandarim, 2000. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2006. CICCO, Cláudio de. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. HOBBES, Thomas (1588-1679). Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. [Traduzido do original: Leviathan, or matter, form and power of a commonwealth ecclesiastical and civil]. João Paulo Monteiro (Trad.); Maria Beatriz Nizza da Silva (Trad.). 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. v. 2. OSTRENSKY, Eunice. Thomas Hobbes: como controlar os impulsos dos homens. In: Mente, Cérebro e Filosofia, n. 2. São Paulo: Duetto Editorial, 2007. WEFFORT, F. (Org.). Os Clássicos da Política. v. I. São Paulo: Ática, 1997.
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