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Enfoque Psicanalítico da dor

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Enfoque Psicanalítico do Sofrimento Humano
LAZSLO ANTONIO ÁVILA 
Doutor em Psicologia Clínica – USP. Pós-doutorado pela University of Cambridge – UK. Professor Livre Docente do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.
A dor e o sofrimento são temas de enorme interesse humano e, portanto, temas inerentemente psicanalíticos. Freud gostava de citar a famosa frase latina: “Nada do que é humano me é alheio”. Já Bion costumava dizer que se algo não se parece com a vida real, não é psicanalítico. A dor é um fenômeno eminentemente subjetivo, de grande impacto sobre o funcionamento psíquico e sobre o conjunto da vida pessoal e repercute de diferentes maneiras também sobre o entorno do indivíduo que padece. O sofrimento e a dor podem ser discriminados: a dor se deve à vulnerabilidade física do corpo e o sofrimento é causado pelos conflitos psíquicos. Outra maneira de discriminá-los é considerar que a dor pode ser objetivada, relacionada a patologias e lesões, enquanto o sofrimento é mais amplo, podendo designar processos absolutamente não materiais, abstratos e simbólicos, como, por exemplo, sofrer por amor ou por frustração. Outro ponto importante a considerar é que existem dores físicas e dores psíquicas, de ordem mental ou emocional. A psicanálise se ocupou predominantemente das dores psíquicas, mas sempre houve espaço e preocupação com as dores que atingem a esfera somática. Freud pesquisou dores corporais desde seus estudos inaugurais e foi seguido por Groddeck, Ferenczi, Balint, Alexander e outros mais contemporâneos, investigando psicanaliticamente o corpo como palco e roteiro para o sofrimento humano. Embora o foco da psicanálise fosse o âmbito psíquico, a maioria dos autores psicanalíticos manifestou preocupação em buscar articular a mente ao corpo, como dimensões distintas, mas inseparáveis da existência. A dualidade cartesiana que separou a res cogitans da res extensa ainda não foi superada pela ciência contemporânea, e a psicossomática psicanalítica tem ocupado linha de frente na produção de novos paradigmas que superem essa dicotomia. É necessário desenvolver instrumentos conceituais e técnicos que permitam a emergência de paradigma mais complexo, onde psíquico e somático possam ser considerados de forma mais integrativa. Dor e sofrimento são expressões inelutáveis dos seres vivos, portadores de uma vida frágil, que deve ser devolvida à Natureza. Além da inarredável morte, há os acidentes e as doenças, fonte de angústia e de cuidados por toda a vida. Associadas aos traumas físicos, decorrem as limitações, as perdas de função, etc., além das dores físicas. Associados aos traumas psíquicos, decorrem os sintomas mentais, as conversões, as angústias, os prejuízos múltiplos à qualidade de vida e a dor emocional. Analisaremos neste trabalho algumas das dimensões do sofrimento a partir do ponto de vista da psicanálise. Começaremos pelas dores orgânicas. As dores do corpo ocorrem devido a mensagens nociceptivas que atingem o sistema nervoso central, provindas do interior ou da superfície do corpo. Porém, essas dores devem ser percebidas e decodificadas pelo cérebro e, portanto, são um fenômeno da consciência. A mente deve discriminar dores físicas de dores mentais e emocionais. Ambas são experiências subjetivas que se manifestam no plano mental como sensações e sentimentos. A dor é uma emoção dolorosa. Seja de origem física ou psíquica, a dor é uma representação psíquica da lesão física ou do impacto emocional de alguma experiência vivida. A dor física é um dos sinais que acompanham as lesões tissulares e as agressões que sofre um organismo. Acompanha inúmeros processos degenerativos e perturbações associadas a incontáveis doenças. Contudo, a dor não tem marcadores biológicos, não pode ser vista ou registrada nos aparelhos de raios X, de ressonância magnética, de ultrassonografia e outros recursos de imagem. A dor é, sobretudo, um fato subjetivo, uma experiência, um relato. Esse aspecto subjetivo da dor torna problemáticos inúmeros casos de sofrimento somático, para os quais não se encontram achados objetivos. Incluem-se aqui os transtornos somatoformes, os conversivos, as dores psicogênicas, e inúmeros quadros que, em geral, recebem o rótulo de “sintomas médicos inexplicados”. Quanto ao domínio psíquico, constata-se que a saúde e a doença determinam a investigação da pessoa enquanto totalidade psicossocial. O indivíduo que adoece é sempre mais do que um organismo doente, ele é um sujeito psicológico, inserido na cultura, imerso nas estruturas sociais da família e do trabalho. Quando abordamos as dores psíquicas, um enorme conjunto de situações se vincula ao sofrimento: a perda afetiva, o luto, a angústia, o medo da morte, a culpa, o arrependimento, o medo, a raiva, o desespero, o ciúme, a inveja, a destrutividade, a ignorância, a decepção, a frustração, o amor não correspondido, a perda da saúde, etc. Esse domínio é inesgotável. O aparelho psíquico é encarregado de mediar a interação do indivíduo com os meios − interno e externo. O ego deve atender a três senhores: o Id, território das pulsões, a realidade externa e o superego, internalização das normas sociais. É tarefa do ego manter a integridade do psiquismo, e o faz com seus diversos recursos de manejo da realidade externa, através da motilidade, do pensamento e demais funções psíquicas, e com seu manejo das demandas internas, com o recurso da repressão e demais mecanismos de defesa e elaboração psíquica. Freud conceituou a existência de um mecanismo de paraexcitação, que protegeria o ego de ser inundado pelos estímulos dos meios interno e externo, e asseguraria as condições de equilibração do aparelho psíquico. Considerou a dor física como um estímulo excessivo que provém do corpo, mas que é tomado pela mente como se fosse proveniente do exterior. Ao atingir o aparelho psíquico, a dor funciona como se fosse uma pulsão: Freud a chama de uma pseudopulsão, uma força de pressão contínua sobre o psiquismo, demandando dele alguma solução. E o que faz o ego? O ego do sujeito que está padecendo de dor orgânica procura se retirar do mundo. Interrompe o seu interesse pelas coisas do ambiente externo, e volta-se exclusivamente para seu próprio sofrimento. Freud afirma que o ego retira seu investimento libidinal dos seus objetos e não mais ama enquanto sofre. Desse modo, a quantidade de catexia que estava vinculada ao mundo pode se tornar disponível para o ego tentar se autocurar. A psicanálise busca articular o processo interno da mente de perceber a dor e reagir através da modificação da economia psíquica. O ego necessita mobilizar todos seus recursos para reparar a membrana de paraexcitações que foi rompida e tentar, a todo custo, conter a onda de energia psíquica não processada que é a dor física. O primeiro movimento do ego é retirar energia, ou catexia, das coisas externas, e mesmo dos objetos de amor, para ter essa energia disponível para regenerar sua estrutura, recuperar a integridade psíquica. É por isso que nas pessoas doentes e sofridas surgem momentos regressivos, a pessoa se isola e se volta para si própria, e busca ser confortada e auxiliada. É como se, na dor e na doença, necessitássemos recuperar aquelas formas de cuidado de que dispúnhamos na infância, quando uma mãe protetora e atenta aliviava nossas dores físicas e buscava tranquilizar nossas apreensões. Para o psiquismo se trata de buscar recuperar, tão logo seja possível, sua condição de autonomia e bom desempenho corporal e psíquico. Todo o auxílio que possa conduzir a essa recuperação é desejável. As formas físicas do cuidado se somam às atenções e cuidados de reorganização psíquica. Mas às vezes a dor física não é simplesmente decorrência de doenças orgânicas e/ou de acidentes ou traumas. A psicanálise nasceu a partir das descobertas freudianas dos mecanismos da histeria. Subjacentes aos sintomas histéricos, sejam estes a angústia ou os sintomas somáticos, existem causas inconscientes. O esclarecimento da gênese dossintomas histéricos permitiu entender os disfarces que as “dores da alma” podem assumir, inclusive esse 
 esplêndido disfarce que são as “dores do corpo”. A teorização psicanalítica revela o mecanismo oculto de transformação, que faz com que aparentes doenças possam ser de fato compreendidas como conversões: sofrimentos derivados de conflitos psíquicos insuportáveis são reprimidos, e no inconsciente se transformam em afetos desvinculados de suas representações. Esses afetos são a força energética que atingirá o corpo, e atuando sobre as inervações substituirá a dor psíquica por somatizações. Esses distúrbios do corpo, histéricos, têm sido redenominados como transtornos somatoformes, manifestações dolorosas sem substrato orgânico. Observe-se a importância dessas concepções para o manejo integrado do paciente que sofre. Uma dor nunca é apenas o que representa no presente. A dor reatualiza a história do sujeito, rememorando seus traumas mais primitivos: o trauma do nascimento, o desamparo vivido na primeira infância e todos os outros traumatismos físicos e psíquicos vivenciados. O sofrimento psíquico acompanha a dor física. Dores não devem ser apenas “tratadas”, devem ser “compreendidas”. O reconhecimento de sua dimensão psíquica aumenta em muito a complexidade da tarefa terapêutica, demonstrando o quanto uma perspectiva multidisciplinar pode beneficiar os pacientes. Em verdade, poderíamos dizer que a dor representa um plano onde a complexidade das experiências humanas se materializa, e onde a cooperação de “corações e mentes” se faz mais necessária.
Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Sergio_Gomes12/publication/271585965_O_SOFRIMENTO_E_SUAS_FUNCOES_PARA_O_HOMEM_Suffering_and_its_functions_to_man/links/54cce8ed0cf24601c08c4994.pdf#page=203

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