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An Bras Dermatol. 2013;88(6):1026-8. Perfil clínico-epidemiológico do vitiligo na criança e no adolescente* Clinical epidemiological profile of vitiligo in children and adolescents Flauberto de Sousa Marinho1 Pablo Vitoriano Cirino2 Nurimar C. Fernandes3 Recebido em 22.10.2012. Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicação em 04.01.2013. * Trabalho realizado no Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPMG-UFRJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Suporte Financeiro: Nenhum. / Financial Support: None. Conflito Interesses: Nenhum. / Conflict of Interests: None. 1 Médico residente do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 2 Médico do curso de especialização em Dermatologia do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 3 Professor-associado do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. ©2013 by Anais Brasileiros de Dermatologia ▲ 1026 COMUNICAÇÃO DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20132219 Resumo: Noventa e quatro crianças e 25 adolescentes, sendo 42% do sexo masculino e 58% do sexo feminino, com faixa etária predominante entre seis e 10 anos de idade (40%) e forma clínica prevalente de vitiligo genera- lizado (34%) foram estudados no Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira da UFRJ no período de 2005 a 2011. Embora a resposta clínica fosse semelhante entre as modalidades terapêuticas, optamos, na rotina, pelo corticoide tópico de baixa e alta potência. O nevo halo foi encontrado em sete (5,9%) casos. Dos 30 (25%) pacientes submetidos à avaliação especializada, 18 (60%) referiram alguma situação psicológica relevante. Palavras-chave: Adolescente; Criança; Epidemiologia; Vitiligo Abstract: 94 children and 25 adolescents, 42% male and 58% female, aged predominantly between six and ten years old (40%) were studied at the Martagão Gesteira Childcare and Pediatrics Institute (Rio de Janeiro Federal University) between 2005 and 2011. The prevalent clinical form of vitiligo was the generalized type (34%). Although the clinical response was similar between the treatment modalities, we decided for low and high power topical steroids in our routine. Halo nevi were found in seven (5.9%) cases. Thirty (25%) patients underwent spe- cialized evaluation and 18 (60%) reported some relevant psychological situation. Keywords: Adolescent; Child; Epidemiology; Vitiligo O vitiligo é caracterizado por máculas acrômi- cas de diferentes formas e tamanhos. Apresenta fre- quência variável: de 0,38% a 2,9% da população mun- dial.1 Não se conhece ainda seu verdadeiro mecanis- mo etiopatogênico (autoimune, neurogênico, autotó- xico e por estresse oxidativo).2 Atualmente é conside- rado uma desordem autoimune.3 Recentemente foram sugeridas novas nomen- claturas e classificações (The Vitiligo Global Issues Consensus Conference – VGICC) baseadas em aspectos clínicos: vitiligo segmentar (VS) e vitiligo não segmen- tar (VNS). A última forma inclui as variantes generali- zada, acrofacial e universal.4 O VNS é a forma mais comum, envolvendo várias partes do corpo, geralmente com padrão simé- trico. Dedos, mãos e face são frequentemente os pri- meiros locais afetados. O vitiligo acrofacial limita-se à cabeça, à face, às mãos e aos pés, podendo posterior- mente generalizar-se. O vitiligo universal é a forma mais extensa da doença (80% a 90% da superfície cor- poral) e ocorre geralmente na idade adulta. O vitiligo focal refere-se a uma pequena mácula isolada que não apresenta distribuição por segmentos e não evolui para VNS por um período de pelo menos dois anos. A forma segmentar refere-se a uma ou mais máculas acrômicas distribuídas sobre um dos lados do corpo, geralmente respeitando a linha média.4 O vitiligo mucoso localiza-se na mucosa oral e/ou genital. Quando ocorre no contexto da forma não segmentar, é facilmente classificado como VNS. No entanto, quando o acometimento é isolado, alguns autores o classificam como uma forma indeterminada de vitiligo. A forma indeterminada compreende o aco- metimento mucoso isolado e o vitiligo focal.4 O presente estudo – observacional e retrospecti- vo – foi conduzido no Instituto de Puericultura e Revista6Vol88Portugues_Layout 1 17/01/14 16:59 Página 1026 An Bras Dermatol. 2013;88(6):1026-8. Pediatria Martagão Gesteira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no período de 2005 a 2011. Teve o objetivo de analisar as seguintes variáveis: sexo, faixa etária do início do quadro, forma clínica segundo o VGICC, terapêutica e resposta, associação com outras dermatoses e avaliação psicológica. Para análise estatística, foram utilizados os tes- tes qui quadrado e exato de Fischer. Considerou-se estatisticamente significativo o valor de p < 0,05. A idade do início do quadro clínico variou dos quatro meses aos 14 anos de idade. Dos 119 pacientes, 50 (42%) eram do sexo masculino e 69 (58%), do femi- nino. A maioria dos casos, 40% (48/119), ocorreu entre os seis anos e os 10 anos de idade, e a minoria, 11% (13/119), abaixo dos dois anos. A distribuição segun- do faixa etária e sexo mostrou que o vitiligo apresen- tou-se mais tardiamente no sexo masculino (p = 0,014) (Tabela 1). Alguns autores mostram um maior núme- ro de casos no sexo feminino.5 Essa predominância poderia estar relacionada a uma maior preocupação estética na população feminina.6 Em relação à faixa etária, a literatura também descreve maior número de casos entre seis e 10 anos (46,6%) e menor número abaixo dos dois anos (5,5%).6 A forma clínica prevalente foi a generalizada, com 40 (34%) casos, seguida pela segmentar, com 34 (29%) casos; o restante dos casos corresponderam às formas indeterminada (25; 21%), acrofacial (16; 13%) e mucosa associada ao VNS (4; 3%). Não foram observa- dos casos de vitiligo universal. A distribuição dos casos segundo forma clínica e sexo mostrou que no sexo masculino predominaram as formas generaliza- da e segmentar, com diferença significativa para o sexo feminino (p = 0,008) (Tabela 2). Em estudo sobre a epidemiologia do vitiligo na criança, foi observada maior prevalência da forma generalizada (78%).5 Outros autores mostram a forma segmentar como a segunda mais comum em crianças.7 Perfil clínico-epidemiológico do vitiligo na criança e no adolescente 1027 IIPPMG-UFRJ (2005-2011); P < 0,05 (χ2) Faixa etária Masculino Feminino Total n % n % n % Entre 0 e 2 anos (lactente) 8 16% 5 7.20% 13 11% Entre 2 e 5 anos (pré-escolar) 12 24% 21 30.40% 33 28% Entre 5 e 10 anos (escolar) 14 28% 34 49.30% 48 40% Entre 10 e 18 anos (adolescente) 16 32% 9 13% 25 21% Total 50 42% 69 58% 119 100% TABELA 1: Distribuição dos casos de vitiligo em crianças e adolescentes segundo faixa etária e sexo IPPMG – UFRJ (2005 – 2011) χ2 P < 0.05 Classificação Formas clínicas Masculino Feminino Total n % n % n % Vitiligo não segmentar Acrofacial 5 10% 11 16% 16 13% Mucoso (mais de uma mucosa) 0 0% 4 5.8% 4 3% Generalizado 23 46% 17 24.60% 40 34% Vitiligo segmentar Uni, bi ou plurissegmentar 17 34% 17 24.60% 34 29% Indeterminado/não classificável Focal e mucoso (um sítio) 5 10% 20 29% 25 21% Total 50 42% 69 58% 119 100% TABELA 2: Distribuição dos casos de vitiligo em crianças e adolescentes segundo forma clínica e sexo Para avaliação da resposta terapêutica, excluí- ram-se 19 (16%) casos com tratamento irregular. Dos pacientes restantes, 44% (44/100) foram tratados com corticoides tópicos e PUVA sol tópico (creme de Oxsoralen a 0,2% associado à exposição solar); 35% (35/100), com corticoides tópicos;10% (10/100), com tacrolimo; 6% (6/100), com PUVA sol tópico; e 5% (5/100), com UVB de banda estreita. O tempo de tra- tamento variou de um a dois anos. Foi verificada resposta total (repigmentação total das lesões) em 14% (14/100) e resposta parcial (repig- mentação parcial, porém satisfatória para o paciente e o médico) em 83% (83/100). Três por cento (3/100) não obtiveram resposta. A resposta clínica (total versus par- Revista6Vol88Portugues_Layout 1 17/01/14 16:59 Página 1027 An Bras Dermatol. 2013;88(6):1026-8. 1028 Marinho FS, Cirino PV, Fernandes NC REFE RÊN CIAS Nunes DH, Esser LM. Vitiligo epidemiological profile and association with thyroid1. disease. An Bras Dermatol. 2011;86:241-8. Nogueira LS, Zancanaro PC, Azambuja RD. Vitiligo and emotions. An Bras Dermatol.2. 2009;84:39-43. 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O PUVA sol tópico, aplicado em 95 crianças com vitiligo, mostrou resposta parcial em 72 (75,7%) e total em 13 (13,6%).8 Outro estudo, que comparou o uso de clobeta- sol a 0,05% em creme com o PUVA sol tópico em crian- ças, identificou melhores resultados com o clobetasol, atingindo até 75% de repigmentação.9 Observou-se que 22 (18,5%) pacientes apresen- tavam também outras dermatoses. O nevo halo foi encontrado em sete (5,9%) casos. Um estudo mostrou a coexistência do nevo halo em 4,9% dos pacientes.10 Foram submetidos à avaliação psicológica 30 (25%) dos 119 pacientes, sendo que 18 (60%) referiram situação relevante, como separação ou morte de um dos pais, abuso sexual e morte de animal de estima- ção. O vitiligo que se inicia na criança pode estar asso- ciado a trauma psicológico e resultar em efeitos dura- douros na sua autoestima.5 De acordo com um estudo, há vinculação entre o início do quadro e algum estres- se emocional em 7,2% dos casos.2 O comportamento do vitiligo na criança e no adolescente é diferente daquele observado nos adultos. Embora estudos sobre o perfil clínico e epidemiológico do vitiligo nessa faixa etária sejam poucos na literatura brasileira e mundial, os resultados obtidos neste estudo foram semelhantes aos relatados na literatura. ❑ Revista6Vol88Portugues_Layout 1 17/01/14 16:59 Página 1028