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Relevância contemporânea do Princípio do Direito Internacional da Igualdade Soberana

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Relevância contemporânea do Princípio do Direito Internacional da Igualdade Soberana
Thayná Silveira Soares.
1. Introdução
Em 1648 têm-se o marco inicial do que é conhecido por diplomacia moderna com a assinatura de dois importantes acordos internacionais, que em conjunto, selaram a Paz de Vestfália findando a Guerra dos Trintas Anos. E, além de alterarem geográfica e economicamente o cenário europeu da época, serviram de alicerce para os modernos modelos de Estado-Nação e o reconhecimento da soberania de cada Estado. 
Ademais, nas sociedades antigas o conceito de soberania não era atribuído ao Estado, pois no pensamento aristotélico, o conceito referia-se à autarquia como capacidade inerente aos centros de poder independentes. O conceito de soberania pressupõe a existência dos Direitos dos Estados e, de um Direito entre os Estados, sendo este, o Direito Internacional Público.
Ainda, soberania não deve ser confundida com autonomia. “Podem ser chamadas autônomas as unidades agregadas à bandeira do Estado Federal, como por exemplos, os Estados-Membros. As entidades autônomas têm capacidade administrativa, jurídica e legislativa, mas possuem determinado grau de dependência com relação ao Estado-Nação. Isto se verifica pelo fato dos Estados-Membros não serem sub-soberanos, mas sim, componentes autônomos de uma soberania única, de uma só personalidade internacional.”(NETO, 2013).
Desse modo, têm-se que não há duplo grau de soberania, nem, sequer, que soberania e autonomia sejam caracterizadas na mesma esfera. A soberania no âmbito interno pode ser entendida como nível máximo de poder, enquanto que a autonomia pode ser vista como poder de autodeterminação. O termo soberania advém do latim super omnia ou de superanus ou ainda supremitas e pode ser comumente traduzido como o poder incontestável do Estado. 
2. Direito à Igualdade
No Brasil, por meio do Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945, reconheceu-se por parte do governo brasileiro a Carta das Nações Unidas como instrumento basilar das relações internacionais deste país. 
E, em seu art. 78° têm-se a aceitação do princípio da Igualdade Soberana como orientador das relações internacionais, in verbis:
Artigo 78. O sistema de tutela não será aplicado a territórios que se tenham tornado Membros das Nações Unidas, cujas relações mútuas deverão basear-se no respeito ao princípio da igualdade soberana. [grifo nosso]
Em seu preâmbulo, a Carta das Nações Unidas, exalta o Princípio da Igualdade Soberana quando proclama que a Organização “é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus Membros”. Tal Carta não é mero instrumento formal mas a solidificação de toda preocupação com a preservação da paz mundial. 
Desse modo, “atualmente, o direito de igualdade é reconhecido pelo direito internacional, embora alguns poucos autores ainda insistam em afirmar que a realidade internacional é a negação de tal direito. O direito de igualdade é reconhecido a todo ser humano, ocorrendo o mesmo em relação aos estados. Todos os estados são iguais perante o direito internacional. Esse dado é premissa basilar do sistema institucional e normativo internacional.” (Hildebrando Accioly, 2012, pag. 323).
A igualdade soberana é de suma importância para garantir a estabilidade das relações internacionais que qualquer forma desigual de tratamento entre Estados pode ser entendida como resultado de relações de poder e influência não desejados em uma sociedade onde os Estados devem estar horizontalmente organizados. Ademais, há a igualdade formal e a igualdade material. 
3. Igualdade formal vs. Igualdade material
Inicialmente, a igualdade entre os Estados foi admitida como uma igualdade jurídica, de caráter formal. A normas de Direito Internacional Público, garantem de modo formal a igualdade, ou seja, apenas de modo jurídico, e, não geram a possibilidade de garantir na sociedade internacional uma igualdade material que inclua todas as áreas que necessitam de oportunidades iguais entre os Estados. 
A igualdade formal é aquela oriunda da própria lei que coloca todos os países em um mesmo patamar como se possuíssem as mesmas condições de uma possível disputa e garante, de modo igualitário jurídico, que qualquer questão deve ser decidida pela comunidade internacional onde cada estado terá direito de voto, e o voto do mais fraco valerá tanto quanto o do mais forte e nenhum estado tem o direito de reclamar jurisdição sobre outro Estado soberano. 
Contudo, é correto afirmar que na composição e funcionamento de um dos principais órgãos da Organização das Nações Unidas, o Conselho de Segurança, o referido princípio não é respeitado uma vez que ele é composto por 15 membros que decidem questões relativas à paz e a segurança internacional em nome de todos os outros países e estes devem apenas aceitar e cumprir as decisões do Conselho. Já nas votações da Assembleia Geral da ONU, cada país tem direito a um voto, ou seja, há uma total igualdade entre todos os seus membros. 
A igualdade material é vista como uma igualdade que colocaria de fato todos os países em um mesmo patamar se todos estivessem expostos as mesmas oportunidades e condições sociais, econômicas, culturais, etc. Desse modo, é importante que se trate os países de acordo com suas peculiaridades e desigualdades para não haver relações de poder nem dominação.
“A igualdade soberana é invocada pelos Estados mais fracos sempre que há possível ingerência de Estados mais poderosos em assuntos internos, ao mesmo tempo em que é reivindicada a desigualdade para que estes possam se proteger principalmente nas relações internacionais de caráter econômico. A contradição é apenas aparente, uma vez que o princípio da igualdade soberana não exclui a possibilidade de se estabelecerem desigualdades compensadoras.” (SOUSA, 2010).
3. Elementos
De acordo com a Declaração de Princípios de Direito Internacional (1970), os elementos que compõe o Princípio da Igualdade Soberana são:
3.1 Igualdade jurídica
A igualdade jurídica, nada mais é que a própria igualdade formal, já comentada no item anterior, que visa garantir uma igualdade no plano jurídico a todos os países membros. Um meio de se assegurar este modo de igualdade é através do voto na Assembleia Geral onde todos os votos dos 193 países tem o mesmo peso.
3.2 Gozo dos direitos inerentes à Soberania
Ser um Estado soberano é ter autonomia interna para a gestão de seu espaço do modo como convencionado pela sociedade estatal. Esta esfera de atuação interna do Estado não está adstrita ao Direito Internacional, ou seja, diz respeito somente aos habitantes, nacionais ou não, permanentes ou em trânsito, assim como bens e direitos, que “ficam estipuladas as modalidades de exercício da jurisdição, pelos tribunais nacionais, ou a possibilidade de aceitação de disposições, oriundas do exercício da jurisdição por tribunais estrangeiros, por meio da cooperação judiciária.” (Hildebrando Accioly, 2012, pag. 324).
As exceções e os limites desta interferência externa, serão determinadas em lei nacional, seja de direito material, direito processual, tratados bilaterais ou multilaterais, etc. 
3.3 Dever de respeito à personalidade do Estado
O dever de respeito à personalidade do Estado não deve ser confundido com o Princípio do direito ao respeito mútuo apesar de muito semelhantes. O Princípio do direito ao respeito mútuo vai muito além e foge do tema do presente trabalho.
Contudo, o dever de respeitar a personalidade dos Estados visa não apenas a cooperação internacional, bem como o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações e a harmonização dos povos.
3.4 Inviolabilidade da integridade territorial e Independência Política
No art. 2° da Carta da ONU, item 4, têm-se que:
4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas. [grifo nosso]
Ou seja, nenhum estado tem odireito de reclamar jurisdição sobre outro Estado soberano e nem interferir nas escolhas políticas de outro Estado soberano.
3.5 Livre escolha de sistema político, social, econômico e cultural
Os Estados soberanos possuem autonomia interna para assuntos nacionais e nenhum outro Estado soberano pode interferir ou ditar escolhas uns aos outros. O sistema político de muitos Estados soberanos estão normatizados em suas Cartas Magnas e não podem ser alterados por um governo de Estado que não seja o nacional.
Com isso, os sistemas sociais, econômicos e culturais também não sofrem interferências externas uma vez que todos integram a mesma esfera de soberania interna. 
3.6 Desvinculação entre Direitos do Estado e poder para garanti-los
Não há liames que estabeleçam relações com o poder, seja ele um poder político ou de armamento, que deem espaço para qualquer Estado soberano garantir os seus direitos através destes. 
Por exemplo, é direito do Estado possuir autonomia interna mas não é um direito deste promover guerra com possíveis invasores. Deve-se, neste caso, zelar pelos Princípios da solução pacífica de controvérsias e da proibição do uso da força.
4. Derivações
O Princípio da Igualdade soberana tem como corolário a imunidade jurisdicional (par in parem imperium non habet) que estabelece que, em determinadas ocasiões, será excluída a possibilidade de um Estado ser submetido à jurisdição interna de um outro Estado a menos que expresse o seu consentimento para tanto.
E, o Princípio da Reciprocidade que permite a aplicação de normas jurídicas em determinadas relações, quando estas normas são de forma igual aceita por países estrangeiros. Por exemplo, em relação às extradições. 
5. CASO – MINUSTAH
A Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH), foi criada pelo Conselho de Segurança da ONU no começo do ano de 2004 com o objetivo central de restabelecer a segurança e a normalidade institucional do Haiti após um período que quase desencadeou uma guerra civil no país e causou a partida do então presidente Jean Bertrand Aristide para o exílio.
Desse modo, o Brasil assumiu o comando desta força de paz da ONU e foram encaminhadas para o Haiti tropas das Forças Armadas Brasileiras (Exército, Marinha e Força Aérea) e de outros 15 países totalizando um efetivo de mais de dois mil “capacetes azuis” por “leva”.
Insta salientar que a presença desta missão de paz da ONU garantiu certa tranquilidade para a realização de eleições presidenciais em 2006 e 2010 no Haiti e uma passagem de poder sem maiores turbulências. Ainda, a presença dos militares brasileiros ajudou na reconstrução do país após o terremoto em janeiro de 2010.
Mas, esta missão fere ou não o Princípio da Igualdade Soberana uma vez que o Brasil e o Haiti são Estados soberanos independentes entre si e, no caso, o primeiro está interferindo no rumo do segundo?
A resposta para esta pergunta é não. Tendo em vista que o art. 73° da Carta da ONU esclarece que:
Artigo 73. Os Membros das Nações Unidas, que assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos não tenham atingido a plena capacidade de se governarem a si mesmos, reconhecem o princípio de que os interesses dos habitantes desses territórios são da mais alta importância, e aceitam, como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais estabelecido na presente Carta, o bemestar dos habitantes desses territórios e, para tal fim, se obrigam a: 
a) assegurar, com o devido respeito à cultura dos povos interessados, o seu progresso político, econômico, social e educacional, o seu tratamento equitativo e a sua proteção contra todo abuso; 
b) desenvolver sua capacidade de governo próprio, tomar devida nota das aspirações políticas dos povos e auxiliá-los no desenvolvimento progressivo de suas instituições políticas livres, de acordo com as circunstâncias peculiares a cada território e seus habitantes e os diferentes graus de seu adiantamento;
c) consolidar a paz e a segurança internacionais; 
d) promover medidas construtivas de desenvolvimento, estimular pesquisas, cooperar uns com os outros e, quando for o caso, com entidades internacionais especializadas, com vistas à realização prática dos propósitos de ordem social, econômica ou científica enumerados neste Artigo; e 
e) transmitir regularmente ao Secretário-Geral, para fins de informação, sujeitas às reservas impostas por considerações de segurança e de ordem constitucional, informações estatísticas ou de outro caráter técnico, relativas às condições econômicas, sociais e educacionais dos territórios pêlos quais são respectivamente responsáveis e que não estejam compreendidos entre aqueles a que se referem os Capítulos XII e XIII da Carta. [grifo nosso]
Desse modo, o Brasil com suas tropas militares ocupa o território haitiano como forma de promover a paz e a integração nacional do país através de atividades de cunho militar (como o patrulhamento) e ações humanitárias (como consultas médicas) mas isso não significa que o Haiti é parte do território brasileiro ou que poderá ser.
 Portanto, não atinge o Princípio da Igualdade Soberana uma vez que o Brasil não está invadindo o território do Haiti de forma brutal ou sem o consentimento do governo haitiano. Aliás, a participação dos militares brasileiros é reconhecida pelo povo haitiano e por autoridades internacionais.
Ainda assim, o governo brasileiro não adotou medidas que modificassem, influenciassem ou criassem de alguma forma leis, sistemas (políticos, culturais, sociais, econômicos, etc.) no Haiti. Logo, respeitou não apenas a personalidade do Estado haitiano e sua cultura, bem como seu sistema político e de governo. 
Para concluir, o Brasil está retirando de forma gradual suas tropas à medida que o Haiti demonstra maturidade para garantir a segurança e a paz nacional. E, por determinação do Conselho de Segurança da ONU, a missão de paz que perdura há 13 anos, poderá acabar oficialmente em outubro deste ano, deixando apenas uma operação policial de menor impacto ostensivo. 
6. Conclusão
Por fim, partindo de numerosas declarações, revela-se nas relações “internacionais uma nova concepção de igualdade, que não é, evidentemente, uma igualdade de poder, mas uma igualdade que se situa no plano do desenvolvimento. O fim procurado parece ser mais uma igualdade de oportunidades para cada nação, o que supõe que a comunidade internacional forneça os meios adequados para que tal fim seja atingido.” (SOUSA, 2010).
A Carta da ONU prevê um certo número de privilégios, vantagens jurídicas especiais, em favor dos países em vias de desenvolvimento. Não é apenas conceder uma atenção aos interesses destes países, mas também de lhes atribuir algo mais do que é concedido aos outros países por estarem em situação mais vulnerável.
 A construção de uma desigualdade compensadora é essencial para os países menos desenvolvidos e em desenvolvimento, mas esta mesma desigualdade apenas deve ser utilizada na medida em que reduza as diferenças de fato existentes, e não que sirva como escopo para compromissos assumidos de maneira consciente e, porque não dizer, soberana. Somente assim a desigualdade poderia ser estabelecida sem injustiças.
7. BIBLIOGRAFIA:
SOUSA, Mônica Teresa Costa. O princípio da igualdade soberana. 8 de abril de 2010. Disponível em: <http://dipuema.blogspot.com.br/2010/04/o-principio-da-igualdade-soberana.html>. Acesso em 13/04/2017.
ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. Do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 20ª ed. São Paulo, 2012.
NETO, Francisco José Vilas Bôas. Soberania e Tratados Internacionais. 02 de maio 2013. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/soberania-e-tratados-internacionais>. Acesso em 13/04/2017.

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