Baixe o app para aproveitar ainda mais
Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original
Capítulo 3 ** *a >. X °+ <s Armazenamento e transmissão \e informações na sociedade \ s^ 3.1 A cultura e o processo de transmissão No capítulo anterior vimos os modos pelos quais o ser humano interpreta c organiza o mundo da experiência. Aprendemos que..p_ cérebro fnms^oi"]5ij|Jjifoj;ii^õesjensorÍ_ai_s em sinabe^íiubolos. Mais importante ainda, vimos como manipulamos essqsj>mais e símbolos quando desejamos trocar mensagens entre nós e como executamos estes atos de comunicação segundo regras acordadas. De onde tira- mos essas regras? Nós as aprendemos da cultura ou culturas a que pertencemos ou a que, de algum modo, estamos vinculados. Apesar de o termo 'cultura' ser usado para significar excelência moral ou refinamento intelectual, nós o consideraremos, para o que nos inte- ressa no momento, como uma forma_pr á t iça de designar o modo de vida dos grupos humanos e todas as atividades que este modo de vida implica. Assim, 'cultura' incluiria crenças, habilidades, artes,' moral, costumes e qualquer outra aptidão física ou intelectual adquirida por seres humanos como membros da sociedade. Em sentido amplo, a cultura incluiria também as várias entidades e instituições criadas para colocar q_rjrecedcnte emjyáticajO estudo de sistemas de infor- .mação e comunicação impõe que se admitam hipóteses de natureza cultural devido aos seguintes motivos: • A cultura é criada por seres humanos; depende de sistemas de signos e símbolos; precisa ser transmitida de uma geração a outra pelo meio que for necessário. • A cultura fornece a matriz das regras pelas quais utilizamos a lingua- gem, signos e símbolos não-vcrbais, ou qualquer outro meio que possamos criar para representar informação. • A cultura pode ser categorizada no sentido não-inatcrial como possuidora de sistemas éticos, morais ou artísticos que lhe são pró- prios e padrões de organização social. 62 • A cultura pode ser categorizada no sentido tnaterial de modo a incluir artefatos como armas, ferramentas, construções, qualquer coisa feita pelo ser humano para qualquer fim. Esta categoria às vezes inclui objetos naturais, COLHO montanhas, pedras e nos, no caso de suscitarem associações sagradas ou significados especiais para determinados grupos.' Falamos no capítulo anterior sobre a transmissão de nosso legado genético e as formas como estamos predispostos a agir devido à sua influência. Nosso legado cultural atua de forma muito parecida. Ao contrário dos animais, nascemos dentro de estruturas de aprendiza- do e comportamento que preexistiam a nós, c as utilizamos para de- las extrair informações sobre o mundo e o lugar que nele ocupamos. Se nossos país pudessem, de algum modo, transcrever o conhecimen- to e a sabedoria, frutos da experiência de toda uma vida, para seus genes, seus descendentes começariam a vida um passo à frente, c pelo mesmo processo reincorporariam seus próprios conhecimentos a seus próprios genes. Mas esta ideia pertence ao domínio da ficção científica e cada geração deve começar do zero. Portanto, devemos aos outros membros de nosso contexto cultural, vivos e mortos, as formas como organizamos nossas informações sobre o mundo e as maneiras como pensamos em transformá-lo. Pensemos por um instante no velho adágio 'todas as civilizações são governadas pelos mortos'. Trata-se, muito provavelmente, de enor- me simplÍficação.~Mesmo assim, a contribuição deles nos é legada cie modos sutis e variados: pela tradição oral que nos cerca, o processo de educação formal, e as formas mais duradouras dos meios cie infor- mação existentes em bibliotecas, museus e galerias de arte. Nas filei- ras cerradas de livros da biblioteca pública você encontrará as obras de grandes pensadores que recebem o epíteto de grandes' porque mudaram as estruturas com que questionamos o mundo. São pensa- dores como Aristóteles, Platão, Isaac Newton, Karl Marx, Sigmund Freud e muitos outros. Os modos como pensamos acerca do mundo são influenciados por suas ideias e obras. Igual processo de transmis- são ocorre quando você aprecia a arquitetura da cidade, as pinturas na galeria de arte ou os artefatos no museu. Isso nos foi transmitido; está ali porque alguém colocou ali e, ao fazê-lo, tinha um propósito. Permanência c conservação são essenciais rjara a continuidade de umjLcultura. Para permitir que seres humanos se benfcficiein do co- 63 Vir; nhccimentr c das aptidões de outros devemos dispor de algum tipo de sistema íi-o armazgnamento_para transmitir esses benefícios atra- vcs dos tcnvpos. Precisamos do equivalente social de nossas próprias memórias, efetivamente, uma memória social ou cultural. Sem este mecanismo imprescindível cada nova geração teria que reaprender do início todos os conhecimentos e habilidades tão arduamente ad- quiridos por seus antepassados ao longo do tempo. Este sistema de armazenamento apresenta-se sob diferentes no- mes. Alguns estudiosos chamam-no de 'memória cultural', outros de 'transcrito social', alguns chegam a utilizar o termo 'livro cultural', que sugere uma comparação com a função de armazenamento da biblioteca. Carregar em nossas cabeças tudo que sabemos tem todas as vantagens c desvantagens da memória individual. O conhecimen- to c algo emotivo, íntimo e pessoal, e também está sujeito a ser es- quecido. Pior ainda, estamos sujeitos a reorganizar seletivamente o conhecimento que devemos transmitir, dificultando assim que ou- tros averigúem o que realmente aconteceu ou compreendam os fun- damentos factuais das histórias que contamos. Se todas as pessoas instruídas do grupo cultural fossem eliminadas por uma catástrofe, a identidade do grupo estaria em grave perigo. A história nos fornece vários exemplos de grupos sociais que caíram no olvido por uma ou outra razão. Temos que adivinhar o que sabiam ou sentiam sobre o inundo examinando ruínas, edifícios e outros artefatos. Como ocor- reu com os pictos, aqui mesmo na Grã-Bretanha, até a língua de cul- turas passadas pode desaparecer sem deixar vestígio. As culturas orais_são vulneráveis aos seguintes perigos: • • Há o perigo de a memória coletiva ficar sobrecarregada e distorcida com o passar do tempo. E difícil 'ficar de fora' e avaliar criticamen- te algo que só existe o m nossas mentes. * Alguns membros terão maior acesso ao conhecimento do que ou- tros e portanto gozarão de um poder desproporcional. Se o.conjjc- cimento for registrado, será mais difícil restringir o_g cesso a ele, apesar de isso não ser de forma alguma impossível, como veremos. Como você deve recordar do capítulo 2, a memória humana de- sempenha uma função especial para cada um de nós. Posiciona cada indivíduo no fluxo do tempo e lhe confere uma identidade única a partir da qual todas as comunicações pessoais são geradas. A mesma 64 função é desempenhada pela memória coletiva de um grupo social. A história está repleta de exemplos da absorção completa de unidades culturais menores por outras maiores e mais poderosas — de fato, este fenómeno é decisivo nos debates e polémicas culturais contem- porâneos. Os grupos que não sobrevivem permanecem, no máximo, como curiosidades arqueológicas. Destrua-se a memória coletiva uma cultura e ela será apagada da história. Suponhamos que esta memória coletiva se situe, de algum modo, fora das mentes dos membros individuais do grupo, ou, melhor ain- da, que se possa guardarem lugar conveniente, para consultar quan- do preciso. Suponhamos ainda que esta memória possa ser represen- tada em forma duradoura, de modo que seja compreendida por to- dos os membros do grupo. Se essas hipóteses se concretizarem, então a memória coletiva não só sobreviverá, mas também todos os mem- bros do grupo se beneficiarão das memórias uns dos outros. Esses fatos positivos vieram a ocorrer, mas não da forma completa e ideal que planejamos. E este fenómeno que alguns antropólogos chamam memória exgssomática, qu^^mí^,\^\:eja\me\\{s.,^^^Qj^OfpQ'. .A Instória"3esta atividade externalizadora mostra a engenhosidadc téc- nica do homem e o auge de sua atividade de criador de símbolos. Abrange uma longa saga de adaptação, invenção e inovação, dos pn- ineiros rabiscos em pedras, cacos de cerâmica c nas paredes das ca- vernas até a tecnologia da informação quejios rodeia. Este desenvol- vimento contínuo de artefatos não só representa uma sucessão e subs- tituição de 'ferramentas de informação', mas também implica a ques- tão de como essas ferramentas por sua vez afetaram seus criadores. Estas são etapas identificáveis_ejniportantes no desenrolar desta história-falamojde uma etap_a_ora/t uma etapa doldjabeto, uma eta- pa do manuscrito, uma etapa da tipografi_a_c uma etapa eletrônica. Mas que o leitor se acautele! Essas etapas nãopossuem pontos cxa- tos de inflexão no tempo. Uma nem sempre substitui totalmente a outra. Podein_cogxist_i_r_em harmonia^ e representam menos um mo- delo linear do que um modelo circular. ApesarTle^Jarmos à tradição oral prioridade cronológicaVclaleTisTcfhoje mais forte do^que nunca. Talvez no futuro e_l_a_yp_l_te_a ter a preeminência cjuejeye no p a ss a d o. 3.2 Á tradição oral Esta época representa o que o teórico da comunicação Walter Ong2 65 chama "oralidade primária". A expressão denota o primado máximo da fala ramoojníejã de todo o conhecimentojiumano. "Npjrmcb. I«^cj^o_VerboV" Onde houver seres humanos haverá uma língua e sempre será uma língua falada e ouvida. É preciso que haja um trans- missor e um receptor. As linguagens de sinais, apesar de sua riqueza de gestos e engenhosa complexidade, são, na melhor das hipóteses, substitutos da fala. A fala enunciada pela voz humana é rica em in- formações. De fato, qngndoescrevemosjejitajaflumitar.sua.capaci-- dadc de transmis^ojdeJniormasãQ^A voz humana pode exprimir tonalidade, cor, cadências e matizes de significado que inexistem em suas representações escritas. Se duvidar desta afirmação tente ver de quantas maneiras você pode dizer 'boa-noite', criando um sigmhca- do diferente a cada elocução. No entanto, apesar de seus muitos be- nefícios, a fala impõe uma rígida organização ao espaço onde se da a informação: os ouvidos devem permanecer a distância razoável quem fala. Aristóteles, escrevendo sobre urbanismo, determinou que todos os cidadãos deveriam estar a uma distância em que pudessem ouvir a voz do arauto. E, se o espaço impõe restrições à comunicação oral. o tempo é ainda mais cruel. Todas as sensações acontecem n tempo, A fala é som, e o som guarda relação com o tempo direrente da relação dos outros meios de informação que são registrados pelos sentidos humanos. O som existe apenas quando emana da sensação. Não há forma de parar um som, do modo como se pára uma camará de vídeo. Se paro o som, tenho silêncio. A visão pode registrar movi- mento e também reduzir o movimento a planos fixos que represen- tam uma espécie de história inversa de um filme. Se você e favorável à tese de que a estrutura da sociedade é determinada pelo seu modo donunanteje comumcação;ãs sociedades de base oral oferecera^ uma prova contuiíclente a seu favor. Os grupos humanos^uedependem da comum^sãoírente^trente tcm^icosamente, que se manter pequenos. E preciso um sistema que determine quem falará com quem. Os membros do grupo tem de permanecer ao alcance da voz coletiva, e alguém deve decidir o que será dito ou calado. Há os outros problemas de transmissão de ideias, crenças e habilidades entre gerações. Como a maioria dos es- tudantes sabe, a memória é um instrumento falível e requer boa dose de ajuda para aumentar sua confiabilidade funcional. Não sabemos exatamente por que, mas achamos que o ritmo é um maravilhoso 66 aliado no aprendizado de fatos, desde os versos infantis que cantáva- mos para aprender o alfabeto e os meses, às alturas mais sublimes do soneto e da poesia lírica. Nossos antepassados remotos descobriram . essa tendência, e a usaram com bons resultados. Para facilitar a me- •" mor ia e a recordação, a tradição coletiva preservava-se em forma de 5 , poesia ou prosa rítmica. De fato, todo pensamento mais longo de base oral tem algo de rítmico, por mais tosco que seja o ritmo. Talvez haja uma razão fisiológica inata para esta predileção huma- na pelo ritmo. Uma coisa, porém, sabemos com certeza razoável: a poesia é mais fácil de lembrar do que a prosa. Os sentimentos e sua expressão cadenciada ajudam a memória a localizar a 'maior unidade mancjável de significado' e tornam mais fácil sua retenção na memó- ria. Em sentido cultural mais amplo, .27 _ _ aj)rdeni_deye_ preceder o controle. Portanto ', a forma àe representação do conhecimento estava nas formas mais facilmente memorizáveis e recitáveis do niitõ^ã^poesi^ejjs provérbios, canções c lendas. O termo 'mito' talvez precise de algumas palavras que elucidem seu sig- nificado primordial. O jornalismo sensacionalista levaria o leitor a crer que mito é a versão elegante de unia enorme mentira que foi 'ex- ^ posta'. O vocábulo possui um significado técnico, principalmente do j modo como é usado por antropólogos sociais. Mito vem do gregos mythos, e significa enredo .ou.estrutujgL. Real meu te, s e uj c n t id o ori gi - n ai de^estrutura^cpnstrução ou plaiigjprpxiina-se perigosamente do termo latino forma, que utilizamos ao tentar definir informação. * Qs mitos t^ntan^res ionde^àjerytaro^uê.? Por que esta mós. atmj? De onde viemos? As grandes epopeias, como a Ilíada, o Kalevala e o Ramaiana, todas tratam dos temas dramáticos sobre as origens e destmgjjj^jespectiygsp_QA'ps_e^rup.p_s_cu]tuiajs. São, nas palavras de um antropólogo social, "histórias que contamos a nós mesmos sobre nós mesmos". A análise dos mitos tem sido um componente essencial da obra de muitos antropólogos, e, de modo notável, da obra de Claude Lévi-Strauss.4 Como produtos da 'infância da huma- nidade', são analisados quanto a suas estruturas e camadas de signifi- cados de uma forma bastante próxima dos métodos empregados pe- los linguistas ao dissecar estruturas multiformes da linguagem. Os grandes mitos clássicos talvez pertençam a tempos passados, mas a realidade fundamental da linguagem oral está sempre presen- 67 te. - fato, j .squisas recentes em tecnologia da informação voltam se fo; :^ na direção de computadores comandados pela voz. Le- n • ',rc componentes e programas especiais que permitirão ao com- prador converter em código digital ondas sonoras faladas num dis- positivo de gravação. Os resultados serão processados exatamente como se os dados fossem inseridos por meio de um teclado. Marshall McLuhan"1 argumentou que a voz humana é o meio de informação mais rico no universo da comunicação. Este é um argumeYito forte e difícil de provar de modo conclusivo, mas não chega a ser tão excên- trico a ponto de contradizer nossa experiência cotidiana. O universo da linguagem oral pode ser analisado de forma análoga ao da física das partículas e à cosmologia do universo físico. A linguagem falada utiliza fonemas como unidades de construção. Estes fonemas são seg- mentos, que se sucedem no tempo, de uma linha filológica. A etapa seguinte é representada pelo morfema, a menor unidade contrastiva da gramática. A motivação original para se usar morfema como ter- mo foi uma alternativa à noção da palavra, que se havia mostrado difícil de trabalhar ao se comparar as línguas. As palavras podiam ter estruturas complexas, cie modo que havia necessidade de um concei- to único para inter-relacionar noções como raiz, prefixo ou palavra composta. (Jma_das características principais do método científico em relação a qualquer assunto c isolar o máximopossíve[de unida- des funcionajj;j:leumjnstema^O morfema, portanto, é visto como a menor unidade funcional na composição das palavras. Alguns exem- plos são: 'homem', 'de-', '-ação'. O morfema homem funciona sozi- nho, mas os outros dois precisam ser combinados com outros para "formar palavras. 'Desinteressado' consiste em três morfemas: 'dês', 'interess' e 'ado'; 'interess' é uma forma livre, 'dês' e 'ado' são formas fixas. Estamos observando a língua como um sistema físico, assim como um cientista natural examinaria o universo físico. Mas há tam- bém outra maneira cie se observar a linguagem, na qual se criam no- vos contextos ou mesmo 'realidades'/1 Afirmar que a fala é o alicerce do conhecimento humano é uma proposição à qual daríamos, no mínimo, aprovação com restrições. A fala é o elo que nos une a outras mentes; e até que possamos encon- trar um meio alternativo de transmissão do pensamento, a voz hu- mana continuará sendo o principal motor no domínio das coisas hu- manas. O poder da palavra articulada apresenta muitos problemas <& para muitas pessoas, principalmente para quem pertence ao 'mundo real' como o único mundo da realidade física. S adqtar uma posição parecida com a de sociólogos como Berger e Lu.'kman,7então as rea- lidades são constructos sociais que não apen.? se sobrepõem, mas também criam e se controlam mutuamente. Sc estamos ocupados em reunir, organizar e disseminar informaçõ:.., registradas e não- registradas, então precisamos estar atentos a estes pontos de vista variantes. Um filósofo britânico, J.L. Austin (1911-1960),s analisou a fun- ção das elocuções em relação ao comportamento de quem fala e de quem ouve na comunicação interpessoal. Envolvidas neste ato estão as intenções de quem fala e os efeitos sobre quem ouve, [unto com a criação de um novo estado de coisas. O que Austin chama de "atos da fala" pode ser analisado de várias formas: • Representativos. Quem fala compromete-se em graus variados com a verdade da proposição; por exemplo, eu afirmo, eu nego, eu acre- dito, ' • Diretivos. Quem fala tenta levar o ouvinte a fazer algo; por exem- plo, eu peço, eu desafio, eu ordeno. « Comissivos. Quem fala compromete-se em graus variados com uni rumo de ação; por exemplo, eu garanto, eu financio, eu prometo, eu juro. « Expressivos. Quem fala expressa uma posição sobre um estado de coisas; por exemplo, eu peço desculpas, eu lamento, eu congratu- lo, eu dou boas-vindas. • Declarativos. Quem fala altera uma situação ou estado de ser ao fazer uma elocução específica; por exemplo, renuncio, batizo este navio, declaro aberta esta sessão, eu vos declaro marido e mulher. Como é fácil perceber, as elocuções acima diferem dos enunciados factuais discutidos no capítulo 1. Muitas instituições sociais — jurí- dicas, éticas, religiosas e estéticas — baseiam-se no uso competente desses vários aros de fala. Obviamente, no caso dos declarativos, a pessoa que faz o enunciado deve ter competência para tal, e estar agindo dentro do contexto adequado. Se a palavra é tão poderosa para criar novas realidades sociais em nossa complexa sociedade moderna, pode-se imaginar sua influência penetrante nas sociedades orais ágrafas onde não havia nenhum ou- 68 69 tro meio rival de comunicação. O poder decorria da habilidade de usar a fala para persuadir outrem; portanto, o caminho para o poder consistia em praticar assiduamente a arte da persuasão. Esta arte — o estudo da retórica — continuaria a exercer forte influência na edu- cação dos jovens durante séculos após a invenção da escrita. E para mostrar a pertinência do ditado que diz que 'não há nada de novo sob o sol', gastamos parte substancial do nosso produto interno bruto para persuadir outros seres humanos a tomarem certos rumos de ação conforme nossos anseios e desejos. E mais: empregamos grande nú- mero de profissionais da informação que aplicam suas habilidades com tal fim. A indústria da publicidade conta com unia gama muito sofisticada de serviços de bibliotecas e informação.9 No entanto, o orador e persuasor da tradição oral não dispunha de grande variedade de recursos televisuais e bases de dados. Reflitamos por um instante sobre suas dificuldades de comunicação. Precisará de boa memória, pois não poderá recorrer a anotações escritas para disparar a ideia seguinte ou destnnchar o conteúdo factual de uma frase que agoniza no ar. Tem que prender a atenção da plateia enquanto puxa da cabe- ça a próxima ideia bem-encadeada; mesmo assim, o público não deve notar isso. Uma pausa, feita no momento oportuno, pode ter efeito dramático; uma parada forçada pode ser um desastre. Vejamos os problemas do orador numa sociedade oral: nada de escrita, de imprensa, de ponto eletrônico (teleprompter), de anota- ções. Uma solução seria permitir que seu discurso tivesse uma forma poética ou rítmica onde padrões e cadências auxiliariam sua memó- ria enfraquecida. Outro método útil seria aproveitar o que é conheci- do na teoria da comunicação moderna como 'redundância'. Apesar de seu uso depreciativo em outros contextos, a redundância ajuda a evitar ambiguidades; por isso devemos ser cuidadosos ao redigir um telegrama. Os retóricos chamavam a redundância copia, embora a utilizassem por outros motivos. Quem houver folheado unia epopeia da Antiguidade terá notado o funcionamento da copia. Havia certos epítetos repetitivos que eram usados para descrever eventos e pes- soas famosas. Por exemplo na ilíada, um dos personagens principais, Heitor, não é nunca meramente o velho Heitor, mas, sim, o "podero- so Heitor do elmo de penacho ondulante" e outros superlativos re- buscados. Uma profusão de epítetos repetitivos, uma vez memoriza- dos, auxiliava o orador a antever o tema ou subtema seguinte. Para 70 uma geração acostumada com bordões, esses elaborados dispositivos retóricos podem soar de mau gosto e cómicos, mas podem ser encon- tradas semelhanças com os epítetos básicos de muitas manchetes de jornais sensacionalistas. Os gregos estudavam a memória como um recurso auxi l ia r da vida pública, o que ela ainda continua sendo. Para melhorar a capacidade de memorização, os oradores eram encoraja- dos a construir 'palácios da memória', enormes prédios imaginários que guardavam nas cabeças. Após anos de prática as imagens torna- vam-se tão vívidas que a pessoa podia fechar os olhos e ver seu palá- cio como se fosse real. Finalmente essas arquiteturas mentais toma- vam-se impossíveis de apagar. Ao planejar seu discurso o orador pen- saria na própria casa, ou numa que lhe fosse famil iar . Cada divisão do seu discurso era atribuída a uni aposento. A ante-sala poderia repre- sentar bibliotecas públicas, a cozinha, bibliotecas universitárias, a sala de visitas, bibliotecas especializadas e de indústrias, e assim por dian- te. Para ajudar a memória ele andaria por cada aposento em sua men- te. Qualquer que fosse sua eficácia, foi uma das poucas exportações europeias a interessar aos chineses quando as duas civilizações inici- aram conta tos contínuos.10 E, em nosso caso, quando você escolhe um tópico para investigação, está escolhendo um tópico do grego ío- pos, que significa 'lugar'. Podemos pôr de lado esse dispositivo como parte da arqueologia do armazenamento e recuperação de informa- ção, mas ainda utilizamos 'endereço' em informática para designar o número exclusivo que permite acesso a qualquer arquivo, e um cam- po de endereço para que o sistema saiba onde encontrar e guardar os dados respectivos. Um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar era tão importante para os antigos como para nós, e eles possuíam poucos recursos auxiliares secundários para repelir a erosão contínua dos engramas ou o declínio dos neurônios. Algo tinha de ser feito. 3.3 Escrita alfabética O alfabeto mais antigo que se conhece é o semita setentrional, —- ~ . . -->. _. P - - - -l F»" ~ ""—' -••-- , ,.«»._ ••••.•.-«»_ — — — desenvolvido por volta de 1700 aC na Palestina e na Síria. Compu- nha-se de 22 consoantes. Os alfabetos hebraico, árabe e fenício base- aram-se nesse modelo. Mais tarde, por volta de 900 aC, o alfabeto fenício foi usado como modelo pelos gregos que acrescentaram vo- gais às consoantes. Este alfabeto modificado foi o modelo para os etruscos por volta de 800 aC, de onde vieram as letras do antigo alfa- 71 ( beto romano c em última instância, de todos os alfabetos ocidentais. H!ste alfabeto foi levado para a Grã-Bretanha pelos legionários do : ipério Romano e depois pelos missionários romanos. Era o alfabeto .jssico de 23 letras, sem o J, V e W, acrescentados mais tarde. Esta síntese não passa de um pobre resumo dos resultados" de pro- cessos culturais c intelectuais que levaram milhares de anos. Q .alfa- beto tem_sido_ cjia m a do_de jijii a i o r inyençãojdp homem, embora, como muitas^outras^nyenções, haja sido a culminação de uma longa linhagem de rebates_fajsos j^ exper i micntos engènliõsõsrSêguiiHõDavTH Diringer," é quase certo que sua origem tenha sido num único ponto da história: "Historicamente, foi a última grande forma de escrita a surgir, e a mais altamcnfêTleseiivolvida, a mais^onvenieiite^e o siste- ma de escrita mais facilmentejidaptável jamais inventado." Este aspecto precisa ser ressaltado porque liavia_váríos tipos de . sistemasjJe sinaisgráficos; o alfabeto não estava sozinlio^e ele sim- plesmente não 'aconteceu'. A evolução destes sistemas de sinais pode ser dividida em: • Pictográfica: representações de objetos, ações ou ideias. • ideográfica: uma atividade, objeto ou ideia representada por um único signo. • Silábica: signos que representam grupos de letras. Os seres huinano_s__comegaram_com a pictografia_nrimitava .—JH^ sim como as crianças gostam de começar — desenhando figuras, ra- biscando imagens toscas, ou fazendo marcas que servissem de talismãs mágicos, ou mesmo marcas de posse. Com o passar do tempo esses ,>..,,.signos pictóricos tornaram-se estilizados, perdendo seus valores figu- rativos básicos para se tornarem um sistema secundário de ideogramas ou ideógrafos. O s signo s p i c to ri co s çpn t i n u a m v e rs ateis em s u a s f u n- çõesjnodernas. Por exemplo, figuras que mostram como operar uma máquina podem expressar uma se^uência^e_idéia_s_e instruções que muitas vezes traiispõenLas barreiras jjaslínguas. Dependem, porém? grandemente do contexto pá reproduzi r significado. Algumas das ins- truções pictográficas do código de trânsito contêm inúmeros exem- plos da necessidade de decodificar a partir do contexto imediato. As ambiguidades de comunicação de alguns desses sinais pictogrãficos são bem conhecidas de muitos usuários de estradas e modificam a alegação tão citada de que 'uma imagem vale por mil palavras'. 72 As escritas ideográficas são ainda influentes nos sistemas moder- nos de comunicação. A escrita chinesa e o kanji japonês, derivado da chinesa, são exemplos conhecidos de descendentes de escritas ideo- gráficas. Esses 'signos deidéias'' são chamados logógrafos ouJogogra- mas, quando um sinal jrepresenta umajialavra ou partejje uma pala- vra. A matemática_eji lógica uti l izam sisEcmjasJojjQgráficos, e o cifrão certamente é bem conhecido de todos nós. Os historiadores do alfabeto traçam uma linha divisória entre o alfabeto propriamente dito e os signos representativos que vimos exa- minando. Assim o fazem por um motivo muito sensato. Adscrita propriamente dita utiliza signos visuais para representar sons ou gru- pos de sons: eía une o mundo visual ao mundo sonoro. Isso é conhe- c\do_como_sa_lto/onêmJcoy quando signos gráficos se ligam a fala. E a compreensão de que as palavras de uma língua emitidas por uni fa- lante são construídas a partir de uma pequena lista permutável de unidades ainda menores. Para o leigo trata-se de sons; para o linguis- ta são fonemas, nossas conhecidas síjabas^oiisjianies.c vogais. Ao combinar as unidades funcionais da fala com as da escrita, os inova- dores forjaram o elo vital entre os dois mundos da comunicação. —^ A revolugju) da escrita foi a^rimeira das^ grandes Devoluções da comunicação na história da humanidade, e da qual todas as subse- quentes são devedoras. A escrita foi a tecnologia de comunicação mais avançada, desde o quartôlmlênio aCTãTé o sécutd~XV~clC/quan- do Johann Gutenberg compôs com tipos móveis o texto do primeiro livro a ser impresso. H.G. Wells, em seu estilo fluente, mostra qual foi a importância disso: "Permitiu que ficassem registrados acordos, leís e mandamentos. Possibilitou o crescimento das cídades-estados da Grécia. Tornou possível a consciência histórica contínua. O man- damento de um sacerdote ou o rei e seu selo podiam deslõcar-se para muito além de sua vista e podiam sobreviver à sua morte" (The outline ofhistory, 1920 [ed. brasileira: História universal}). Somos tentados a refletir sobre o fato de os seres humanos virem procurando ajudar e externalizar suas memórias desde o início da vida social e comunitária. A história remota da comunicação media- da inclui bastões com entalhes, cordas com nós e outros métodos engenhosos para estimular a memória individual ou intermediar men- sagens nas atividades cotidianas da vida comunitária. A invenção do alfabeto não somente permitiu à humanidade comunicar ideias por 73 meio de signos visuais, mas também criar um registro permanente destes signos e assim criar uma memória externa. Os antropólogos chamam-na memória ^cxossomá t iça.L para indicar que se situa fora do corpo; e esta memória pode ser armazenada, no Úntóo_ogajtoBi- plos, mais tarde cmJjibliptecas. Sociedades orais limitadas no espaço e acorrentadas ao tempo podiam agora aumentar seu_con t r ol^_sob rg_ essas duas categorias básicas doe spaçoedo te mpo- _Ej p que é mais importante, este jjoyojiiétodode registro sejiara- va o conhecedor do objeto conhecido. Como o alfabeto externaliza ideias ele nos permite distanciarnio-nos daquilo que conhecemos e avaliar criticamente nossas próprias opiniões e as dos outros. A escrita criou j) inundo do estudo^is^tcmático e da burocracia. Ordens e instruções podiam agora chegar a destinos remotos exata- mente da mesma forma como eram despachadas. Qualquer socieda- de que utilize a escrita pode manter uma complexa identidade organi- zacional em vasta área geográfica. As burocracias dependem de ante- cedentes para seu processo decisório; registros escritos ou gráficos fornecem as informações necessárias, desde que, é claro, os docu- mentos estejam guardados de modo apropriado e indexados para rá- pida recuperação. Certos autores, como Harold Innis, têm argumen- tado que o império Romano somente se manteve por tanto tempo devido à existência de registros gráficos.12 Uma característica notável das sociedades orais é a imprecisão, ou mesmo inexistência de_tempo_'datado' como coiTliecernos. O modo oral de preservação de informações não precisava de datas ou crono- logias rigorosamente calibradas. O tempo assumia forma e substân- .cia graças às estações, festas c ritos religiosos. A partir do momento em que se regi s tr a j) pens anie^ntp eniJoniijis que lhe são externas, estabelece-sejam sentido de tempo histórico e a mitologia tribal ad- quire um novo rival que é a história registrada. Interpretações autori- zadas do passado não mais se baseiam na imaginação coletiva acu- mulada. Ò que tem sido, variavelmente, chamado de tradição ma- nuscrita ouquirográfica^Irou aproxjn^ada mente três milénios e meio. Foi essa uma fase na história da comunicação que teve suas próprias características distintivas que, ainda hoje em dia, são parte integran- te da textura de nossas ideias e pensamento. O período manuscrito criou o universo das tabulas de argila, rolos de papiros, códices: e,,os manuscritos iluminados das bibliotecas dos mosteiros. Coexistiu com 74 /b tradições de pensamento e comportamento basicamente orais. Tam- bém demonstrou importante aspecto da relação entre o advento de unia nova tecnologia de comunicação e a sociedade que oferece o contexto para suas aplicações. A velocidade de adoção pode ser bas- tante lenta, ocorrendo numa velocidade quase glacial. Novas fases de comunicação não vão deixando as-antigas para trás, como um trem que deixa a estação. O mundo antigo era^ojiiTundo^dD^arauto, de imagens visuais ao invés de textos escritos. Não era a assinatura, mas o selo que autenticava uni documento. Em documentos políticos e comerciais era a impressão do anel com o sinete real que autorizava a ação. Orei João não 'assinou' a Carta Magna cm 1215, ele a selou. 3.4 A fase de Gutenbetg Os cinco séculos decorridos desde que Gutenberg montou sua ti- pografia em Mogúncia (c, 1450) têm sido moldados de formas pro- fundas e variadas por um dispositivo que é, em essência, extrema- mente simples. Quer dizer, extremamente simples depois que foi in- ventado e testado. Basicamente, é um dispositivo técnico para repro- duzir -textos virtualmente idênticos e_em quantidades ilimitadas. Como esse dispositivo realiza essa façanha? A imprensa foi definida co mo: "omeça n i smo de jyntarji pôs móveis, de metal., cada um pos- junidp na extremidade supcriorum caráter alfabético em relevo, eme, — -"— ~- • • — —— . *. ..J. aj3 sei^entintado e pressionado sobre material adequado, deixa uma marca ou impressão". Foi essa a invenção que viria a se tornar tão forte ao espalhar o poder e a influência da Europa pelo mundo afora. Esta ligação com o poder e a dominação cultural europeia é um fato a ser observado logo de saída. Ajinpressão não_era originalmente uma técnica europeia. A arte da impressão originou-se na China. O mais antigo livro 'impres- so' guejraz uma data é uma versão chinesa do famoso sutra Diaman- te, feito na China em 868 dC, e impresso a partir de blocos de madei- ra sobrejfojJTasdej^apel de c^asca de amoreira que são coladas for- mando um rolo contínuo. Apesar da longa tradição da produção de livros da China e da Coreia, o único elemento desse processo que se infiltrou no Ocidente foi o segredo da fabricação do papel. Quando . o s árabes conquistaram Samarcanda. em 751 dC, adquiriram essa arte, que foi introduzida pelos mouros na Espanha e na Sicília. 75 Não há provas de que a ideia da impressão com tipos móveis te- nha sida difundida por meio das rotas de comércio entre o Oriente e o Ocidente. O mais provável é que haja sido descoberta de novo na Europa. A invenção da imprensa é atribuída {com certa polémica) a Joliann Gutenberg, de Mogúncia. Até mesmo a data de seu nasci- mento é incerta, mas se supõe que sua profissão fosse a de ourives. Ajrólyora, a imprensa e a Reforrna' são citadas porjnstoriadores COUI^_°_S. rr^-P_ri!]Ç-'Pa's aÊ!?!lrÇS causais da^stFanjfprujagões tecno- lógicas, políticas e económicas que, em última instância, moldaram _ £J ".-- **^£>J . •• — ~~-í—-J——-* P-'-*--^ -l.l—.r* _ ,- . J -__^í_- »-._ - L - . . _ nosso mundo atual. Ainda que possa haver divergências quanto às contribuições da pólvora e da Reforma, não há dúvida de que a im- prensa tem exercido influência poderosa e diversificada no mundo moderno. Há, no entanto, ainda três questões fundamentais que nos intrigam. Por que levou tajjto tempo para C|ue_a_imprensa,.surgisse na • Europa? Por que sua invenção ocorreu naquele momento específico da história? Por que se difundiu de modo tão rápido a partir do mo- mento em que, finalinenFe, passou a existir? Os anos imediatamente anteriores e posteriores a 1500 guardam certas semelhanças com nos- so próprio tempo. Se a pólvora fosse a bomba nuclear de sua época, a invenção da bússola e o consequente incremento da exploração geo- gráfica podem ser comparados a nossos programas espaciais e aos avanços tecnológicos que deles resultaram. O mundo medieval era pequeno e auto-suficiente, minimamente dependente de viagens e observações empíricas; seu centro estava fixo em Jerusalém. As ex- plorações de Cristóvão Colombo e seus contemporâneos ampliaram a Visão de mundo' e o 'espaço vital' da Europa. A partir do início do século XV houve o que os historiadores denominam uma nova Visão de mundo'. l í Novas rotas de comunicação marítima abriram oportu- nidades para o comércio internacional e o contato e a interação entre diferentes culturas. C crescimento demográfico de aldeias e cidades acarretou (para alguns) uma melhoria do bem-estar material e o an- seio de conhecer melhor o inundo onde viviam. Passaram a utilizar os 'criados honestos' de Kipling e o resultado disso foi um amplo ques- tionamento dos valores, normas e explicações aceitos sobre por que o mundo era como era. Esse questionamento assumiu uma forma co- letiva em instituições chamadas studia generalia universitatis, que reconhecemos pela última palavra como uma 'universidade'. Estes eram locais onde clérigos c leigos podiam ser educados fora da nor- 76 nia, e o vigor de sua vida intelectual atraiu estudantes e professores de longínquas paragens. Elas eram intelectualmente mais autóno- mas <io que os estabelecimentos monásticos que eram estritamente regulados. Era prática usual dos estudantes que as frequentavam vol- tar às suas instituições de origem e doar suas minuciosas anotações de aulas às respectivas bibliotecas. O contexto da demanda por um novo meio de comunicação cres- cia constantemente. Desde o século XII vinha ocorrendo um auinen- to substancial no número de universidades na Europa, O desejo pelo Tiovo saber' levou a um aumento do número de estudantes. Eutão, como hoje, um aumento no número de estudantes teve um efeito decisivo nas técnicas pedagógicas. Os métodos de ensino daquele tempo baseavam-se totalmente no livro como meio de armazena- mento e transmissão de informações. O único livro disponível era geralmente aquele que o professor tinha em mão. Ele lia o livro em voz alta e os estudantes tomavam notas como podiam. Em inglês^o vocábulo moderno lecturer [professor universitário] vem do latim factor, que significa leitor. Os únicos recursos existentesjara a_execu- gão _dc_cópias eram os oferecidos pelos staiionarn, os livreiros das universidades. A cópia de manuscritos por esses 'escreventes' era uma ativídade de mão-de-obra intensiva, portanto, era cara e estava acima dos recursos de muitos estudantes pobres. Além disso, os stationarii não podiam dar conta da demanda; havia um mercado à espera de uma técnica que pudesse produzir textos em quanrTdádc siIfròièntcTa um custo razoável. Mas a" imprensa não estava destinada a ser uma ativídade 'solitária' ao longo dos mais de quatro séculos que a sepa- ram dos dias de hoje. Para Johann Gutenberg ela tinha que ser uma atjvidade de produção em massa que exigia uma base tecnológica e uma divisão especializada_ do trabalho. Ele também precisava de ca- pi taUlcjnves ti mento: produzir informação já era, tanto quanto hoj c, produzir mercadoria. Ele teve sorte. Como o comércio marítimo trou- xera prosperidade a Mogúncia e também a várias outras cidades eu- ropeias, ele encontrou pessoas que dispunham do capital de risco necessário. As invenções em geral exigem, para seu sucesso comer- cial, uma necessidade sentida, o conhecimentQjiecessárío c o inves- thiiento f1HHllce.Í£o_Jl^eim-3áp' Também precisam de unia base tec- nológica segura assente nos últimos avanços de tecnologias auxi- liares.14 77 [f! -^^f^^ '^^ •-•"• ;• A ideia da imprensa não era nova. Assim como em várias outras invenções, os chineses estavam um milénio ou mais à nossa frente. Na 'imagem mental' (a estrutura cognitiva) havia a xilogravura; uma imagem talhada em relevo num bloco de madeira, do qual podiam ser tiradas impressões. Essas impressões, agrupadas e costuradas, eram conhecidas como livros.tabulares' Qu 'livros xjlográficos'. Era perfei- tamente possível cortar tipos de~madeira em relevo; eles continuam sendo usados como brinquedos infantis, mas se desgastam quando utilizados frequentemente. Os caracteres chineses não .precisavam ser usados com muita frequência, mas o alfabeto romano tem um pequeno número de caracteres e, por isso, as letras teriam que ser reutilizadas. A madeira, como 'substrato', possuía graves limitações. E o metal? A metalurgia europeia atingira alto grau de desenvolvi- mento. Séculos antes de Gutenberg, os monges haviam utilizado se- los gravados para imprimir as letras capitulares no início dos manus- critos. O segredo estava na tecnologia da gravação; os ourives eram proficientes neste ofício, e Gutenberg era ourives. Ele fez uma matriz para receber o metal fundido, e, talhando as letras cm forma inverti- da, a matriz tornava-se o molde a partir do qual se obtinham as letras de impressão.1' E, melhor ainda, essas letras podiam ser derretidas numa caldeira e reutilizadas. O tipo era 'móvel' e 'descartável'. Esses 'soldadinhos de chumbo' foram essenciais para o sucesso da inven- ção. Se Gutenberg tivesse herdado a escrita chinesa (aproximada- mente 60 000 ideogramas) o gasto teria sido tão vultoso que seria impensável em termos comerciais. Mas não foi isso que aconteceu. O legado que recebeu era um alfabeto cuja base era formada por poucas letras mas com uma capacidade ilimitada de combinação dessas le- tras. O legado dos fenícios aos gregos foi decisivo e a Europa viria a ser a maior beneficiada. No entanto, era preciso fazer esses 'soldadi- nhos de chumbo' marcharem numa folha de papel para que a inven- ção se tornasse unia inovação. Eoi um lance de génio a ideia de adap- tar a prensa de lagar, usada na vinicultura, como prelo de impressão; uma convergência de tecnologias não menos importante do que as que têm caracterizado nosso próprio século. Gutenberg foi bem-sucedido, e muitos impressores o acompanha- ram. Ainda hoje, ficamos maravilhados com a velocidade de difusão da imprensa quando levamos em conta a situação em que se encon- travam os meios de comunicação no século XV. Meio século após o surgimento do primeiro livro impresso em 1452, havia centenas de tipografias espalhadas pela Europa, a maioria concentrada na Itália e nos Países Baixos, a saber, Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Esta difu- são da nova invenção ampliou-se para quase toda a cristandade oci- dental. O eíeito da imprensa na história da produção de livros pode ser aproximadamente estimado pela velocidade com que essa nova técnica foi adoíada. Até a época de Gutenberg cerca de 30 000 ma- nuscritos continham o acervo mundial de informações registradas. Durante os 150 anos seguintes, até a época em que Shakespcare es- crevia, estima-se que por volta de l 250 000 títulos haviam sido pu- blicados. Seria para essa época uma 'explosão bibliográfica'. Qual a explicação para uma busca tão ávida da multiplicação de textos im- pressos? A história exemplar que se segue pode nos dar pelo menos uma indicação. Martinho Lutero (1483-1546) era um reformador re- ligioso, e., como todos os reformadores, queria atingir o maior público possível. Sua principal intenção era desafiar a autoridade espiritual e temporal da Igreja Católica que era então o maior poder da cristan- dade ocidental. Em 51 de outubro de 1517 ele divulgou seu desafio doutrinário à autoridade do papa por meio de 'teses' ou pronuncia- mentos manuscritos que afixou na porta da igreja de Wittenberg, na Alemanha. Esses polémicos documentos logo apareceriam em forma impressa e "por um lance de mágica ele se viu falando para o mundo inteiro". Calculou-se que em quatro anos uns 300 000 exemplares de suas 'teses' c outros textos de sua autoria haviam sido vendidos.15 Essa, mesmo pelos atuais critérios de desempenho editorial, é unia grande vendagem. Realmente, havia o desejo de libertar-se da autori- dade do clero e conquistar o acesso sem intermediários à Bíblia como a fonte única da verdade religiosa. Havia também o que podemos chamar 'fator vernacular': os manifestos reformadores luteranos eram impressos em alemão. As ideias não eram mais codificadas em latim, língua das pessoas cultas, que poucos leigos podiam entender. 17A li- gação entre a imprensa como invenção alemã e seu potencial empre- go na promoção da Reforma não passou despercebida aos contempo- râneos, e esta nova aliança entre a imprensa, línguas nacionais e re- forma religiosa não parou nas fronteiras políticas e religiosas. Em 1476 William Caxton havia montado uma tipografia em Westminster. A imprensa expandiu e codificou as literaturas vernaculares da Europa, embora, como frequentemente acontece na história da comunica- 78 79 çao, nem todos foram beneficiados com isso. Boa parte dependia do poder político e económico da comunidade linguística específica. O fato de a língua galesa ter mantido até hoje um pouco de seu antigo vigor deve-se em grande parte à tradução da Bíblia para o galês feita pelo bispo Morgan em 1588. A falta de uma forma impressa geral- mente leva ao declínio: "existir é existir em forma impressa", e por esta razão as línguas gaélica e cómica entraram em decadência, a última ao ponto de extinção. A imprensa, nas palavras de um autor, é a "multiplicação da mente": a fértil matriz de um mercado de ideias em eterna expansão. Os mercados, porém, implicam competição e nesses contextos as culturas mais fracas devem necessariamente ser assimiladas ou desaparecer.18 3.5 A imprensa e o conhecimento registrado . Os efeitos da imprensa najiistória da civilização superam quaj- qucr tóhmativaJ^Nãg foi apenas o rápido crescimento do núnie_rg_d_e exemplares disponíveis, mas a mudança de seu conteúdo crue tanto inr5iÍ]Í2Íõu^ cíima intelectual daquele tempo. Até então, os livros haviam sido em geral de conteúdo teológico; agora passavam a incor- porar as ideias das novas ciências, nas obras de Galileu, Kepler e ou- tros pioneiros da nova filosofia natural. Em termos físicos este novo meio trilharia o caminho da miniatu- rização que iria caracterizar os multimeios de tempos posteriores. A própria forma do códice foi produto desta tendência da natureza humana de 'tornar práticas' as coisas. O rolo de papiro era magnífico, .,11135 um trambolho, principalmente quando, em toda sua extensão, ' que podia superar os 10 metros, era desenrolado no chão. Qualquer que fosse sua capacidade de armazenamento, a recuperação rápida não era seu ponto forte. O volwnen era uni rolo de papiro ou folhas enroladas em torno de um carretel a par-^ tir do quaí o rolo literalmente 'se desenrolava'. Seu efeito na paciên- cia humana era semelhante ao dos primitivos gravadores de som que usavam rolos de fitas. Os cristãos primitivos cortaram os rolos em - pedaços e criaram o códjce; a prefiguração lógica do códice seria pro- vavelmente o díptico, um caderno de duas páginas utilizado para ora- ções. Quaisquer que tenham sido suas origens o códice deitou raízes profundas na psique ocidental, tão profundas que, sempre que pode- mos, ainda tentamos e armazenamos multimeios como se tivessem o 80 formato de livro. Esta primeira cgleção de folhas presas de um lado desbancou o rolo nos primeiros séculos como o principal meio para textos cultos. No entanto, enijjj só primitivo era pesado. Esses pesados fólios (incunábulos) não so- mente eram impressos com um horrível alfabeto gótico,.mas tam- bém encadernados com capas de madeira, que em nada contribuí- ra m para fácil i tar a colocação n a s estantes ou a portabilidade. Quan- do a grande Summa theologica de Tomás de Aquino foi assim enca- dernada, diz-se que o filósofo Erasmo teria comentado, de mau hu- mor, que "ninguém conseguiria carregá-lo, muito menos colocá-lo na cabeça". O homem providencial foi ^FTtfãlTuzK^ (1450-1515), veneziano, e o primeiro de uma série de eruditWnnpressores que viriam a contribuir de modo notável para a cultura erudita. Aldo avocou-se como objetivo principal imprimir todos os clássicos gregos importantes que até então não haviam sido publicados c corrigir aque- les textos que haviam sido publicados cm versões erróneas e inexatas. Ele colocava as folhas impressas dependuradas do lado de fora da oficina e oferecia prémios para quem conseguisse descobrir algum erro de impressão. Em sua memória foram denominadas as excelen- tes edições aldinas que vieram a ser um dos notáveis canais por onde o pensamento clássico chegou à Europa. Sua obra formidável nos faz lembrar o Thesaurus linguae graccae2" que hoje se encontra armaze- nado num cederrom. Junto com sua visão intelectual era suficiente- mente prático para conseguir que as revisões de provas de que preci- sava fossem feitas por uma ninharia; também produziu pequenos volumes impressos com tipo itálico. O tipo itálico era de leitura mais fácil para a maioria conservadora cujos olhos estavam mais acostu- mados à letra manuscrita. O estudioso que viajava podia agora emba- lar um punhado desses volumes em seu alforje e levar consigo sua biblioteca de trabalho, uma fonte de informação não diferente da que se encontra no conteúdo eletrônico da maleta de um executivo moderno. Resumamos alguns dos principais efeitos da imprensa, cujos resultados destrinçaremos mais tarde. • A imprensa permitiu que as línguas vernáculas crescessem e frutifi- cassem; a supremacia do latim como língua culta internacional foi forçada ao declínio. • Estimulou o crescimento incipiente dos Estados nacionais, reli- giões nacionais e identidades nacionais. A imprensa acelerou e am- 81 pliou o interesse comercia! pela publicação e venda de livros. O editor, que se preocupava com o mercado, começou a deslocar o impressor, que se concentrava na produção técnica. O desloca- mento ocupacional definitivo foi o que levou ao desaparecimento do ofício de copista. Q me d iey aj os e s t ud i os os visitavam as biliotecjas para ler e examinar os livros; esse comportamento foi alterado pelo novos fatores de duplicação e reprodutibilidade mecânica; os livros eram dJAtribujdg_s_ags lejtores. A disponibilidade de diferentes textos incutiu o método científi- co de crítica c comparação. Os estudiosos começaram a investigar problemas empiricamente e o prestígio do texto como autoridade única começou a declinar. Como qualquer novo meio de comunicação» o novo sistema de impressão começou a entrar em choque com a estrutura jurídica existente. Em alguns casos de modo marcante, esse conflito prefi- gurava as dificuldades legais com que o computador iria defron- tar-se. Suigiraiu_iKiv.osJeis_para controlar ou suprimira livre circu- lação de ideias; remanescentes dessas leis ainda convivem conosco. Além de expandir as htajitura^ vernáculas, a imprensa preservou e codificou sua situa_ção. Povos numericamente pequenos e eco- nomicamente fracos viram suas línguas maternas entrarem em declínio e em alguns casos se extinguirem. A sobrevivência da lín- gua galesa deve-se em grande parte à tradução da Bíblia para o galês pelo bispo Morgan em 1588, quase um século depois de a imprensa ter sido introduzida na Inglaterra. A iiTiprensa^iiT^fornii- •20 u a ortografia e o uso educado dajíngua. Devido à natureza de seu trabalho, os tipógrafos influenciam a forma e o estilo do mate- rial impresso. Apesar de o inglês falado ter mantido sua diversida- de, o inglês impresso apresenta menos variação. O estudo de ma- nuscritos em latim exigia alto nível de exatidão e correção. Estas normas passaram para o legado vernacular do texto impresso, e daí tornou-se modelo para a língua falada. Estes efeitos podem ainda ser vistos na influência do latim na gramática inglesa e na noção de que a fala correta segue mdrões literários. Ajmprensa influenciou os padrões de organização e recuperação do conhecimento registrado. Por exemplo, a história dos dicioná- _^ ___ „„_„ ____ O ........ ... L— . r _ --- • nos e enciclopédias está intimamente ligada à história da impren- 82 sã. Uma forte, dependência da ordem alfabética, embora surgida no final da Idade Média, é fundamental para a cultuia impressa. Observem a 'ubiqtiidade1 da lista telefónica, muito mais bem-su- cedida em sua onipresença do que a Bíblia, para cuja dissemina- ção os primeiros protestantes trabalharam tão diligeutenientc.^A, lista telefónica é hoje citada como um típico exemplo do modo gutenberguiano de comunicação: muitiplicam-se os exemplares à exaustão de maneira que todo immdo no mercado possua um. • O livro impresso não envolve apenas uma tecnologia diferente • d a do manuscrito; o resultado^imi produto diferente. Enquanto / osTiiãíuiscritos eram copiados em pequenas cjuaatjdades, psj^ri- méirÕTlivrGs eram impressos em edições médias de 250 a l 250 excnTpláres.T^o Fim cio século XX a primeira tiragem de um livro científico talvez fosse de l 500 exemplares, enquanto a de um best-selier em edição de bolso pode alcançar hoje 250 000 exem- plares. Esta economia de escala significa que os exemplares po- dem ser rapidamente difundidos. O poder de preservação dopensainento registrado cresceu enor- mementc. Ideias que haviam sido registradas em poucos manuscri- tos corriam sempre o perigo de se perderem ou caírem no esqueci- mento da comunidade académica. Ideias registradas num milheiro de exemplares tinham mais chance de durar do que naquela ténue cadeia de manuscritos. A nova invenção da imprensa tinha um potencial que só foi com- preendido aos poucos, à medida que a flecha do tempo ganhava velo- cidade. No entanto, como seus sucessores, só se desenvolveu porque as pessoas viam uma necessidade para suas manifestações. Não se pode separar significativamente o meio de seus usuários. 3.6 Os contextos dinâmicos do alfabetismo Em meados do século XVIII, 300 anos após a invenção da impren- sa, metade da população inglesa não sabia escrever. Em 1914 mais de 99% dos noivos haviam conquistado domínjo suficiente da tecnologia de comunicação para assinar o registro de casamento de modo que satisfizesse à autoridade responsável. Existem várias deduções que se podem tirar desta afirmação feita por uma publicação governamen- tal, alegrando-se com o fato de a Inglaterra ser uma 'sociedade alfa- 83 . betizada'. Em primeiro lugar, deduzimos que quem sabe assinar o nome sabe k embora, se for engenhoso, o indivíduo talvez haja trei- nado para chegar a fazer uni garrancho passável nas circunstâncias. :nm segundo lugar, ambos os noivos são obrigados a assinar ou fazer uma marca a ser endossada pelo escrivão. Em terceiro lugar, existe uma legislação, sancionada pelo Estado, concernente a contratos en- tre duas pessoas. Esta legislação vigora, na Grã-Bretanha, desde a norma que dispõe sobre casamentos, conhecida como Lei Lorde Hardwicke, de 1753. Esta lei pretendia acabar com os abusos então cometidos na forma de matrimónios clandestinos. Nenhum matri- mónio seria válido se não fosse registrado no livro de casamentos e firmado, com a assinatura ou uma marca em cruz, pelos nubentes e duas testemunhas. Desde então, vem sendo formado um corpo siste- mático de indícios da distribuição do alfabetismo. Até o advento da lei de registro de nascimentos, óbitos e casamentos de 1836, os dados eram coletados localmente, mas a partir de então passaram para a responsabilidade do Registrar General que publicava tabelas agrega- das sobre população alfabetizada em seu relatório anual.2 1 Este salto no tempo exige explicação. A melhor que se pode ofere- cer para o leitor desconcertado é que a situação acima descrita sinte- tiza todos os problemas da discussão sobre alfabetização. Qual o ín- dice de alfabetização de nossos antepassados? Se afirmarmos que havia na Inglaterra 90% de alfabetizados em ta! data, o que isso significa exatamente? Como se mede a alfabetização? A alfabetização inclui tanto a escrita quanto a leitura? Se dissermos (como o fazem algu- mas pessoas) que não somos tão alfabetizados quanto nossos ante- - passados, l1131 ° período do passado que está sendo tomado como base de comparação? Constitui apenas metade da história anunciar euforicamente a velocidade com que a técnica da imprensa espalhou- se pela Europa e pelo inundo, sem assinalar os valores sociais que saudaram esta inovação e a presença das habilidades necessárias para utilizar os produtos dessa técnica. Como qualquer outro meio de comunicação, a imprensa depende de seus usuários para sua existên- cia. Seguindo esta linha de raciocínio, falamos hoje de educação informática, educação visual e educação ambiental. Voltando à época dos primórdios do alfabeto podemos supor que apenas uma elite sabia decodificar os caracteres alfabéticos. Imagi- namos que um número substancial dos mercenários de Alexandre, o 84 Grande, eram alfabetizados porque riscavam grafitos nas muralhas das cidades conquistadas. Como exércitos mercenários em geral não atraem os intelectuais da nação, somos levados a deduzir que a alfa- betização era algo comum na Grécia. Supomos que muitos judeus sabiam ler por ser o judaísmo uma religião revelada com doutrinas e preceitos venerados em forma escrita. Passando para a era cristã, in- ferimos que alguns monges sabiam ler, embora não muitos. Sabemos que a ordem beneditina prescrevia a leitura como atividade necessá- ria. Perto do ano 1000, a Europa continuava analfabeta. Um estudio- so arrisca o palpite de que uma pessoa em cada mi] sabia ler, mas não diz se sabia escrever. Dado o que sabemos sobre as condições sociais e económicas da época, os outros 999 não estariam muito preocupa- dos. O conceito nada significaria para cles,j)ois afirmar que alguém é analfabeto implica.alguma forinajiejiocjejade alfabetizada. Alfabe- tização é, como 'pobreza' e 'imséria\i cojic^ejto relativo cujo signi- ficado depende do contexto social. Na mesma linha de raciocínio estaria uma avaliação do conhecimento sobre o uso de computadores das populações doTerceiro Mundo. As populações do início da Idade Média não dispunham de papel, livros ou tecnologia da escrita, mes- mo que sentissem necessidade de tais tecnologias. Por mais complexas que sejam as causas que geraram o anal- fabetismo do início da Idade Média, um forte motivo está na especi- alização de funções que dividia a sociedade entre quem lutava, quem regava e quem trabalhava a terra: as ordens sociais da nobreza, clero e campesinato. A estrutura da sociedade e as necessidades de informa- ção guardam íntima associação. A Igreja possuía o monopólio da alfa- betização e pretendia conservá-lo enquanto fosse possível. Os precon- ceitos sociais das classes militares desencorajavam entre seus mem- bros qualquer gosto pelo estudo. As raras exceções recebiam o epíteto desprezível de clerk." Henrique I, que sabia ler e escrever, foi apelida- do Beauclerk. Os camponeses, sem direitos, nada tinham a ganhar com a alfabetização, e, em geral, não aspiravam a ela. Lembremos °iue o Estado moderno é governado pela^>ajavra impressa; sua pre- sença está tão integrada a nosso ambiente visual que raramente a notamos. O mundo medieval era regido por cerimónias e espétácu- Jos. A Igreja usava meios visuais como recursos didáricos: estátuas, * Em inglês clerk significa tanto clérigo (do latim clericus) quanto escrevente, amanuense ou empregado administrativo. (N.T.) 85 desenhos heráldicos, pinturas e teatro. De fato a história do governo na Inglaterra liga-se intimamente à alfabetização de certos reis que pensavam em termos de documentos muito antes de saberem lê-los. Em sociedade assim estratificada as mudanças tinham que partir dos escalões superiores. E eram muito graduais e lentas." v Entre 1066 e 1377 aconteceu uma revolução na Inglaterra que tem muito a ver com nossa análise da tradição oral. Houve uma mudança nos modos de raciocínio, que se afastaram da memória rumo à escri- ta. Mais extraordinário foi o uso de documentos para assuntos secu- lares em contraste com os solenes ritos religiosos a que estavam tradi- cionalmente associados. Esta prática resultou da conquista normanda, em 1066, que introduziu na Inglaterra uma estrutura administrativa radicalmente diferente. Esta nova estrutura passaria a ser conhecida como burocracia, o 'governo da escrivaninha', que depende de prece- dentes para mecanizar seu poder decisório. Estes procedimentos, por sua vez, dependem de rcgjstTOS_gue_sejiain acessíveis e recuperáveis. Por uni longo período, esses registros, como documentos jurídicos e cartorários (atos e títulos relativos à propriedade), eram interpreta- dos como registros destinados a mero arquivamento c não para co- municação ativa, conforme vemos essa atividade. Bastava a palavra falada dos mensageiros para os negócios cotidianos daquela época. Esta percepção do documento encontra paralelo na história inicial do computador. Os computadores eram devoradores de números ou tanques de armazenamento, e seu potencial de comunicação era lar- gamente ignorado. Os processadores de textos surgiram em 1964 na forma de máquinas de escrever eletrônicas com memória; quem en- tão poderia ter antecipado seu emprego ativo na linguagem e sua função no ensino?21 Outra poderosa influência na sociedade medie- val foi o estilo de aprendizagem daquele tempo. A leitura em voz alta e os ditados permitiam ao analfabeto participar do uso de documen- tos. O livro medieval destinava-se a ser lido em voz alta; sua pontua- ção servia mais para poupar o fôlego do orador do que para mostrar a estrutura gramatical. Barras oblíquas ajudavam a lidar com o proble- ma do intervalo voz-olhos que pode tão facilmente atrapalhar o lei- tor tímido. Antes do ano 1000, reconhecidamente um ponto arbitrá- rio no tempo, havia na cultura medieval ambas as tradições: oral c escrita. Com a chegada dos normandos, começou ^acontecer uma transforniação. A palavra escritajião substituiu simdesmente a oral, 86 começou jijiyrgirjjrn noyojjpo de ínterdepeodcncja entre as duas, não tão forte quanto a convergência de tecnologias que temos hoje em dia, mas, mesmo assim, com semelhanças visíveis. AjTadigão oral viria_a influenciar a s etaj^as seguintes de impressão quirográfica c eletrônica. O avanço do hábito da leitura silenciosa, junto com a demanda por noções elementares de escrita, começou a excluir os analfabetos, e pode tei atuado como um estímulo à aquisi- ção dessa qualificação. Mas a escrita manual introduziu outra dicoto- mia. Ser capaz de ler textos impressos não era o mesmo que ler uma carta escrita à mão. Quanâo observamos n caligrafia da corte e os manuscritos dos tribunais podemos compreender por quê. Eles são decorativos para os membros da corte, mas ilegíveis, exceto para paleó- grafos e historiadores. A expansão económica da Inglaterra elísabetana e os séculos de exploração territorial tiveram efeito decisivo no cres- cimento da alfabetização tanto na Grã-Bretanha como na Europa. O anseio de viajar certamente contribuiu para o desenvolvimento da ciência. A Europa do início da Idade Média era uma sociedade está- tica; todos permaneciam no mesmo lugar durante o tempo que lhes fosse permitido. Quem viajava eram as civilizações islâmicas, daí a superioridade de sua geografia e cartografia. A extensão do Império islâmico, que ia do Afeganistão à Turquia, criou problemas adminis- trativos que dependiam intensamente do conhecimento exato da lo- calização absoluta e relativa.24 Elas tinham que responder a um gran- de número de perguntas do tipo 'o que está onde' e 'onde está o quê', e por isso publicaram obras sobre as ciências espaciais da geografia e da astronomia. O conhecimento cartográfico21 atingira alto nível, e, de tudo isso, o que seria mais útil para os viajantes europeus mais tarde é que obras gregas fundamentais sobre geografia foram traduzidas para o árabe, contribuindo assim para garantir sua preser- vação. Tão logo os europeus romperam sua imobilidade, seu antigo torpor intelectual começou a desaparecer. Quanto mais longe de casa, irmis jndagamos sobre o meio que nos cerca. Isso talvez tenha algo a ver com a redução da incerteza e sua influência na busca de informa- ção. Essas hipóteses talvez possam explicar a expansão cultural da Grã-Bretanha no século XVIII e o crescimento de uma classe média rica com tempo livre suficiente para valorizar a cultura impressa. Esta nova classe média comercial proporcionou um mercado lu- crativo para o editor arrojado, especialmente no campo de Hvros in- 87 íantis. No entanto, para os camponeses pobres, que formavam quase metade da população, a alfabetização não trazia benefício algum onde as perspectivas dependiam de fortuna e família. Mesmo que o traba- lhador rural soubesse ler, o trabalho físico incessante deixava-o sem tempo livre para a leitura. De que adiantava aprender a escrever? Se quisesse contar alguma coisa para alguém no vilarejo vizinho, ele ca- minharia até lá para contar. De qualquer forma, igual ao servo medi- eval, raramente se afastava de sua paróquia. Se precisasse assinar o nome, a lei permitia-lhe firmar com uma cruz. O custo da educação dos filhos era proibitivo. Não só deveria pagar ao professor, como te- ria ainda que se privar dos ganhos que os filhos auferiam. Mesmo que fosse suficientemente resoluto para tentar, iria quase certamente se defrontar com a oposição daqueles queconsiderayanui alfabetização como uma ameaça à ordem social. Tudo estava muito distante de nossos estimados ideais da sociedade da informação. Na Inglaterra foi a Revolução Industrial e o êxodo das populações do campo para a cidade que deram o impulso rumo à alfabetização, enquanto a complexidade e a incerteza da vida urbana estimularam a procura de mais informação e a qualificação necessária à sua inter- pretação e utilização. Q_an_alfabetjsiiio(_giic poderia passajr^lcsj>erce- bido no meio rural, tornou-se estigma dejinferioridade no turbilhão de trocas da nova ordem industrial. As escolas tornaram-se uma ne- cessidade, pois o Estado passou_a perceber vagamente o valor econó- mico da informação na forma^e^nvestin^i^_ei^ca.pital Humano. Havia também um crescente número de leitores para a florescente indústria jornalística. Mas_.o_obstáculo era que a^ alfabetização está embutida no contexto social, c, quando esse contextojiiuda, tam- bém mudam os níveis de alfabetização. Ser alfabetizado em Honduras nãõéo mesmo que ser alfabetizado em Hampstead, Londres NW3. A alfabetização pode significar uma capacidade mínima de decodifica- ção de textos impressos; pode significar uma consciência crítica dos pressupostos culturais, das normas éticas e valor estético da palavra impressa. Muitos dos mesmos critérios podem ser mencionados numa discussão sobre educação televisual ou educação informática. Pode- mos estar razoavelmente certos de que a declaração triunfal do Re- gistrar General de 1914 não levou em conta essas observações. Em nossa argumentação sobre mobilidade, alfabetismo e cresci- mento dos meios de comunicação, esquecemos o apoio vltlupropor- cionado pelo sistema de tiausrjiç^tgs. Portanto, unia breve palavra so- bre um personagem esque- ic!~ ,Tâ história da comunicação — o colporleur — o vendedor ai il » * n te de livros que carregava bolsas cheias de folhetos impres os, ,.,«duradas, literalmente, ao pescoço. Esses folhetos eram originalmente de natureza religiosa, mas foram aos poucos se metamorfose,; : = ' j em documentos informativos de na- tureza mais mundana e comercial. Esse mascate era o elo na cadeia de distribuição, um precursor do serviço de extensão da biblioteca, um canal de comunicação — e um grande escalador de montanhas e morros escarpados. Não lhe restava outra opção, pois não havia estra- das. O prelo de impressão pode ter se difundido com impressionante rapidez, mas ainda havia o problema da distribuição, que, como todo editor sabe, c vi tal para a sobrevivência de seu empreendimento. A construção de estradas facil i tou a distribuição de jorna is e a expansão do comércio. A invenção das estradas de ferrn deu maior mobilidade às pessoas ao levá-las de um lugar a outro. Também trans- portavam livros, jornais e cartas. A rapidez na entrega de mensagens passou da velocidade do cavalo para a da locomotiva e desta para a da eletricídade — cerca de dez milhões de vezes mais rápida.K O telégrafo integrou-se com a estrada de ferro como canais de comunicação mutuamente auxiliares. O passageiro da estrada de fer- ro podia ver os familiares postes telegráficos através da janela do va- gão. A maneira como suas imagens conjugadas dominavam a paisa- gem vitoriana é brilhantemente descrita por Charles Dickens em Hard times [Tempos difíceis!: "as linhas telegráficas que traçavam no céu do crepúsculo uma colossal pauta de papel de música".27 Eis camadas de informações compactadas em notável imagem vi- sual; e somos criaturas predvminantemente visuais, que dependem da frase evocativa ou da capacidade de representação do artista, na ausência da realidade fotográfica. Quando Dickens era menino era preciso confiar na genialida d do pintor de retratos se alguém quises- se conhecer o rosto de um antepassado. Por mais fiel que fosse o retrato, era sempre a realicl; Je refletida através dos olhos de outro. J.N. Niépce apresentou a primeira fotografia bem-sucedida em 1822, sendo seguido por Louis Daguerre em 1839. Tinha início, assim, a fotografia moderna que abrange todos os processos úteis para a pro- dução de imagens em materiais sensíveis. Começando como arte e diversão de amadores, rapidamente aliou-se ao prelo de imprcssão na s jécnicas de ilustração de livros e Eotojornalismo e gerou a indús- tria cinematográfica e a televisão.. Assim como a palavra falada fora congelada na escrita, agora o registro visual de uni evento podia ser transmitidoLentregeragões. Na década de 1840 John BenjamirrDancer combinou a arte da fotografia com a microscopia, criando_assim a mJcrofotografia. Ao fazê-lo, pôde reduzir uma página de informação paTa umtamanho miniaturizado em forma de microfilme. Este meio de armazenamento e transferência de informação iniciou sua carrei- ra na espionagem e na guerra. Durante a Guerra Franco-Prussiana de 1870, estando Paris sitiada, a guarnição assediada amarrou microfoto- grafias nas caudas de pombos, para enviar notícias e informações para os que estavam do lado de fora. -*- Se voltarmos o olhar para a história da informação registrada, a partir de nossa posição vantajosa do 'aqui e agora' da década de 1990, veremos uma corrente de acontecimentos que começou placidameu- te com a invenção da escrita, vagueou até a invenção da imprensa, e aí começou a tomar o aspecto de um rio caudaloso. A capacidade de gravar e transmitir informações orais, visuais e auditivas aumentou ainda mais a vazão desse rio até se tomar elegante dizer que estamos sendo 'inundados' por uma torrente de dados e informações. Se utilizarmos uma metáfora 'vivencial' poderemos aproximar o conceito de nossa realidade. Alguém nascido na primeira década des- te século teria testemunhado os primeiros passos vacilantes do rádio ao procurar 'informar, educar e divertir' na pessoa jurídica da incipiente BBC. Se essa pessoa houvesse tido bastante sorte, a próxima etapa seriam as primeiras transmissões de televisão, feitas a partir do Ale- xandra Palace, em Londres, em 1936, seguida da profusão de avanços técnicos da televisão e das gravações sonoras do pós-guerra, e, se boa saúde e longevidade permitissem, as alegrias do disco compacto e do videodisco interativo. Caso nessa longevidade a pessoa ainda se man- tivesse ativa, então, telas sensíveis ao toque, computadores com co- mando de voz e transferência de informações por redes ajudariam-na a tornar mais vivaz seus anos crepusculares. Voltando a nosso modelo dos cinco tradicionais sentidos da audi- ção, visão, olfato, paladar e tato, poderemos detectar linhas de exten- são do desenvolvimento cultural da comunicação humana. Você re- cordará a importância vital da voz humana nas sociedades orais ágrafas, e como sua modulação e poder de persuasão determinavam os limi- 90 tes do espaço social. O advento da escrita nas formas manuscrita e impressa parecia ter temporariamente usurpado esta domi-nância. Podia-se ler o que unia pessoa escreveu, mas apenas em sentido mc- tafónco podia-se ouvir a voz do autor falando conosco por meio do texto. Em 1876 Alexander Graham Bell estendeu o alcance da voz humana ao inventar o telefone, mas este era um meio de comunica- ção apenas bidirecian.il, ou seja, entre duas pessoas. Mas, 50 anos depois, a invenção do rádio por Gugliehiio Marconi introduziria um modo de comunicação em que um falaria para muitos. No ano se- guinte à invenção de Bell, Thomas Edison criou a primeira máquina de gravar sons. O mundo físico do século XIX se encolhia. O tempo relativo dava lugar a padrões absolutos, a fim de regular o modo novo e rápido cie comunicação física.2S A hora local era muito comum até mesmo numa pequena ilha como a Grã-Bretanha e constituía um dos mais cativantes traços de sua vida rural. As carruagens tinham seus próprios relógios. Com a estrada de ferro vieram os horários e a organização exata do tempo tanto para habitantes do Yorkshire quanto para os londrinos. O mesmo modelo global começou a tomar forma quando os navios a vapor aproximaram os continentes e o telégrafo consolidou o Império Britânico, a respeito do qual nos garantiam de que ali o Sol jamais se punha. Alei da hora-padrão, cie I8S6, baseava- se no meridiano de Greemvich; o Sol continuava em seu curso.29 A notícia de que agora podemos construir relógios atómicos de alta precisão, que só variam um segundo em um milhão de anos, não é apenas uma questão 'académica' no sentido depreciativo do termo. Esta padronização e precisão é que sustentam as recles de telecomu- nicações nacionais e internacionais e muitas atividades c serviços in- dustriais. Um exemplo interessante do impacto cias comunicações na epistemologia nos c dado pelos geógrafos. Até cerca de 1950, os geó- grafos em geral pensavam e elaboravam suas hipóteses sobre distân- cia e espaço em termos absolutos. Medidas de distância e posição eram as absolutas e imutáveis unidades de milhas e quilómetros. A partir de 1950, 'posição relativa'e 'distância relativa' têm sido utiliza- das para definir um espaço expansível c contra ível. Perguntas sobre onde e o que não podiam mais ser respondidas num contexto absolu- to. As perguntas agora passavam a ser por que posições absolutas c relativas são estruturadas da forma que são. A distância relativa de Londres a San Francisco será diferente para docentes universitários e 91 Ti para os membros mais abastados do jei sei. Poder aquisitivo, tempo livre e eficiência da comunicação invalidam a distância absoluta. . É tentador sugerir um paralelo entre a biblioteconomia tradicio- nal e a geografia. No passado (e no presente) as bibliotecas éfãm or- ganizadas com Base na localização absoluta. Os livros não eram clas- sificados, mas marcados segundo uma 'localização f ixa ' , o que não diferia do modo como a gente organiza os livros em casa. "Três livros à direita, duas prateleiras abaixo': um método de localização ainda adotado em acervos muito grandes. Assim como os geógrafos do sé- culo XIX, o conhecimento técnico do bibliotecário era posicionai, ba- seado no princípio do onde está o quê. A rapidez da recuperação era o máximo da competência. Os leitores eram mantidos longe das estan- tes. O advento da classificação introduziu um pouco de relativismo. Por exemplo, o número de astronomia na classificação de Dewey e 520. Isto mostra sua relação com ciência em 500; indica que vem após matemática em 510, e antes de física em 550. O número cia Lua em 521.62 mostra que vem depois de satélites em 521.6 e precede 521.65-68, que se refere a satélites de outros planetas do sistema so- lar. A localização pressupôs um raciocínio relacional por parte dos usuários, aproximando-os das estantes, se não dos bibliotecários. A classificação de Dewey, como qualquer outra, é um modo de comu- nicação, que gera significados, por mais vagos c confusos que sejam. As estradas de ferro foram uma dádiva para o desenvolvimento introduzido por Rowland Hill no sistema postal britânico, que estava intimamente ligado ao desenvolvimento da instrução.'" O aglomera- do de significados sociais tornou-se mais complexo quando observa- mos a crescente mobilidade do t rabalho, da migração rural para os centros industriais e para o exterior. Sempre ha\a alguém no círculo familiar que sabia escrever, e o condito com entes queridos era um incentivo para aquisição dessa habilidade. De fato, os recém-criados currículos das escolas elementares tio f inal do século X!X incluíam a técnica da reclação de cartas. Fa/i;! parte também da política gover- namental a instrução como fornui de a juda r a liberar o mercado de trabalho ao facili tar a emigração. Kscrever carta> e corresponder-se havia sido tradicionalmente privilegio das classe altas; escrever cartas era passatempo caro. A entrega do cartas f>cr c j r r íJ na Inglaterra e País de Gales aumentou do número oficial de quatro em 1839, para oito em 1840, checando a 60 em ll>()0. No final do século a Grã- Bretanha possuía o maior volume de entrega de cartas e cartões pos- tais ao mundo. Há material para uma tese nisso, principalmente se se compara esse fenómeno com o crescimento do fax na úl t ima década. O telefone oferece uni exemplo sociológico ainda mais interes- sante. A princípio, seu uso foi visto pelas classes altas como uma ex- tensão dos dispositivos então existentes para chamar a criadagem. Adaptou-se à força às estruturas cognitivas existentes mantidas por certa classe social. Depois, quem tentou profetizar o futuro do tele- fone acabou se equivocando. Como havia um excesso de meninos mensageiros em Londres, dizia o The Times, não havia necessidade deste aparelho modernoso. Na hipótese de que desse certo,_a socieda- de teria regras estrita s sob rc que mdeve r i a se comunicar com quem. O telefone era perigoso; imagine o que seria se, acidentalmente, um duque falasse com um lixeiro? ^/' Algumas invenções hjbernam à espera do momento certo. Alexan- derBain (1810-1877), engenheiro elétríoo escocês, foi quem primei- ro teve êxito (1842) em escanear uma imagem e enviar o resultado pelo telégrafo, criando o primeiro sistema de fax. Seu projeto de escâ- ner era muito complexo para a tecnologia da época. Mas, 30 anos depois, isso levou à produção de aparelhos telegráficos populares que transmitiam fac-símiles. Outros têm ideias que fornecem o quadro conceitua! para os sucessores. O código Morse foi um ensaio para um aparelho que produz informação em termos de opostos binários, as- sim transformando toda a natureza do ambiente d;i informação. 3.7 A era cletrônica Alguns estudiosos sugeriram recentemente que os primeiros si- nais escritos nas tabulas de argila da antiga Suméria eram provas de transações que envolviam registros de tributos e comércio. E como se o instinto humano para o comércio e a troca tornasse necessário o cálculo e registro de números ao invés da redação de longos textos sobre a condição humana. Os sumérios e babilónios eram comercian- tes e as mais antigas tabulas cuneiformes atestam seus requisitos de precisão numérica. A cies devemos o uso do número 60 para minutos e segundos, e também outras noções c conceitos matemáticos. Defrontamo-nos pela primeira vez com algumas dessas noções c con- ceitos quando começamos a estudar aritmética e nos engalfinhamos com os problemas de unidades, dezenas e centenas, sem esquecer o 93 indispensável zero. Eram, ao que parece, um povo muito prático para quem o ábaco era tão importante quanto o computador o c para o inundo moderno. Esse antiquíssimo instrumento de cálculo foi usa- do na contabilidade do governo britânico ate meados do século XVIil c, segundo alguns autores, ainda se usa na China c no Japão. Nele os algarismos e operações são representados pelas posições das contas presas a varetas de madeira. No início eram usados seixos, daí o vocá- bulo latino calculas,
Compartilhar