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203 CRIANÇA EM AMBIENTE PENITENCIÁRIO: UMA ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA. The Child in CorreCTional insTiTuTios: a Brazilian sTudy Case L’enfant en anbiance carcéraL : Une anaLyse de L’expérience brésiLienne Rosangela Peixoto Santa Rita* resumo: O fio condutor deste trabalho refere-se à análise de uma situação particular vivenciada por mulheres presas, com filhos, no espaço de execução penal. Trata-se, portanto, de demonstrar a existência de complexidades relativas à institucionalização da mãe presa, ainda sem visibilidade na agenda pública brasileira. Com base nos estudos desenvolvidos, o presente ensaio descreve como as ações institucionais do encarceramento feminino * Assistente Social. Mestre em Política Social pela Universidade de Brasília. Especialista em Política Criminal, Penitenciária e de Segurança Pública pela Universidade do Rio de Janeiro e Escola de Governo do Distrito Federal. Atua como Coordenadora-Geral de Tratamento Penitenciário do Sistema Penitenciário Federal - DEPEN/MJ. Autora da obra Mães e Crianças atrás das grades: em questão o princípio da dignidade da pessoa humana – Ministério da Justiça, 2007. e-mail: ro.santarita@hotmail.com VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 204 confrontam-se com abusos de poder, ausência de garantias jurisdicionais e omissões do Estado para com a efetivação do respeito à dignidade da pessoa humana, da prioridade absoluta, da proteção integral e do interesse superior de crianças e adolescentes. Aponta, assim, para a urgência de implementação de políticas públicas que respeitem a pessoa e contemplem as particularidades do cumprimento de pena de mulheres. Torna-se imprescindível que isso se faça numa perspectiva transdisciplinar de atuação integrada de políticas sociais, criminais e de execução penal. Palavras-Chave: Mulher; Prisão; Criança; Direitos Humanos. aBsTraCT: This work’s objective is to analyze a particular situation lived by imprisoned women with children in the space of criminal execution. It aims, therefore, to demonstrate the existence of complexities relative to the institutionalization of the imprisoned mother, still invisible in the Brazilian public schedule. On the basis of the developed studies, the present essay describes how the institutional actions of the feminine imprisonment are collated with power abuse, absence of jurisdictional guarantees and omissions from the part of the State to execute the respect to the human being dignity, of the absolute priority, the integral protection and the superior interest of children and adolescents. It points, thus, the urgency in the implementation of public politics that respect the person and contemplate the particularities of the fulfillment of penalty of women. It is of major importance that a multiple perspective is applied to social, criminal and legal execution policies. Key-words: Woman; PRISION; Child; Human Rights résumé: Le fil conducteur de ce travail se rapporte à l’analyse d’une situation particulière vécue par des femmes prisonnières qui ont leurs enfants dans l’espace de l’exécution pénale. Il s’agit donc de démontrer l’existence de complexités relatives à l’institionnalisation de la mère prisonière, encore sans visibilité dans l’agenda publique brésilienne. Basé sur les études développées, ce travail essaye de décrire comment les actions institutionnelles de 205 VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 l’emprisonnement des femmes se confrontent avec les abus de pouvoir, absence des garanties de droits et omissions de l’État en ce qui concerne au respect et à la dignité de l’être humain, de la priorité absolue, de la protection intégrale et de l’intérêt supérieur des enfants et adolescents. Il indique ainsi l’urgence de l’implémentation de politiques publiques qui respectent la personne et contemplent les particularités de l’accomplissement des peines des femmes. Il est indispensable que cela soit fait dans une perspective transdisciplinaire de action intégrée de politiques sociales, criminelles et d’exécution pénale. moTs-Clés: Femme ; Prision ; Enfants ; Droits de l’homme. 1. inTrodução A busca incessante para dialogar com os problemas do Sistema Penitenciário Brasileiro, além de ser algo complexo, traz contradições no campo das visibilidades e invisibilidades. É certo que um conjunto significativo de pesquisadores dedica- se a estudos sobre a problemática da violência e da criminalidade. Poucos, porém, preocuparam-se especificamente com o Sistema Penitenciário, menos ainda com a prisão de mulheres. No contexto do encarceramento feminino, quase inexistem estudos sobre a situação de mães, com crianças, atrás das grades. A maternidade torna-se limitada em razão dos muros (visíveis e invisíveis) de uma prisão. Apesar de serem assegurados em lei aspectos importantes, como a existência de unidades prisionais exclusivas para as mulheres, o direito ao aleitamento materno, a instalação de berçários, entre outros, o que, de fato, ocorre é a não institucionalização dessas ações, que poderiam contribuir para o reconhecimento das diferenças e do direito a ter direito. Constata-se, assim, que as ações institucionais se desenvolvem sem nenhum planejamento que leve em consideração a humanização da execução penal. São precárias, isoladas, pontuais, ineficazes e têm contribuído para a degradação e violação do direito a uma vida digna. Nota-se que todas as formas de encarceramento são complexas, e isso implica pensar no agravamento dessa situação, especialmente quando seres humanos, reconhecidos legalmente como prioridade absoluta, estão em uma de suas fases mais significativas: os primeiros anos de vida. Dentro desse âmbito de particularidade do Sistema Penitenciário Brasileiro, ainda invisibilizado pela agenda pública, este ensaio toma corpo. Em face da complexidade VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 206 e hostilidade de um ambiente prisional, pode-se dizer que diversas crianças já se encontram em situação de “prisão por tabela”. Portanto, a contribuição deste ensaio passa pela perspectiva de abertura do cárcere à comunidade, da efetiva necessidade de integração de políticas sociais com as políticas criminais e de execução penal. 2. o desComPasso enTre o arCaBouço legal e a realidade PeniTenCiária O contexto de garantia da cidadania1 e a consolidação da democracia política em nosso País foram marcados, nos últimos vinte anos, pelas lutas sociais e conquista da chamada “Constituição Cidadã”. A Constituição Federal de 1988, ao marcar o início de uma nova ordem democrática, incorporando os direitos estabelecidos na Declaração de 1948, estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos princípios básicos da estrutura constitucional brasileira, ou seja, como fundamento maior da construção do Estado Moderno. Embora reconhecendo que no Brasil não se efetivou, de fato, um Estado de Bem Estar, as políticas sociais da década de 1980 refletem direitos sociais estabelecidos na Carta Magna. O capítulo 2 da Constituição Federal, que aborda os Direitos Sociais, define, em seu art. 6º, que são direitos sociais: a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados. Contudo, sabe-se que esses direitos garantidos por lei funcionam, muitas vezes, como “letra morta”. No âmbito de uma instituição prisional, esse fator se agrava ainda mais pela primazia da política de segurança e segregação, em detrimento da efetividade de políticas sociais. A manifestação do Estado Penal, por intermédio de políticas repressivas, comprova-se diretamente, não somente nas políticas criminais, mas também nas políticas de execução penal. Segue a mesma lógicaestrutural das desigualdades sociais, na ampliação do quadro de pessoas excluídas e vulneráveis e, consequentemente, na minimização das políticas sociais, para efetivação de direitos sociais. 1 Cidadania é aqui entendida em sua relação com o Estado de Direito, com a sociedade capitalista, com as instituições democráticas e os movimentos sociais. Segundo Covre, (2003. p.11) a cidadania é o próprio direito à vida no sentido pleno. Trata-se de um direito que precisa ser construído coletivamente, não só em termos do atendimento às necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis de existência, incluindo o mais abrangente, o papel dos homens no universo. 207 VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 Entendendo-se o sistema penitenciário como uma instituição complexa, na qual existe todo um conjunto de normas legais garantidoras de um tratamento humanitário aos apenados, observa-se, na prática, que não há ações para o efetivo cumprimento desse objetivo. O locus da prisão é concebido como lugar de perda da dignidade humana, onde as injustiças se agravam ainda mais pelas concepções estruturais, arquitetônicas e comportamentais do Sistema Penitenciário. Sobre isso, vale a pena citar Foucault: “O sistema carcerário junta numa mesma figura discursos e arquitetos, regulamentos coercitivos e proposições científicas, efeitos sociais reais e utopias invencíveis, programas para corrigir a delinquência e mecanismos que solidificam a delinqüência” (FOUCAULT, 1987, p. 40). A ocorrência de superpopulação carcerária em quase todas as unidades prisionais brasileiras e indicadores, como: o alto índice de reincidência criminal, a carência de pessoal servidor do sistema penitenciário com qualificação especializada, a falta de tratamento individualizado da pena, a ausência e/ou precária assistências à saúde, jurídica, social, laborativa, educacional, dentre outros, agravam ainda mais o quadro complexo e perverso do encarceramento brasileiro. Vale lembrar a afirmativa bem difundida na sociedade, de que “o problema da prisão é a própria prisão”. As diversas formas de assistência regidas pela Lei de Execução Penal – LEP – como dever do Estado e direito da pessoa presa – não adquirem status de direitos sociais e ficam à mercê da dinâmica burocrática de funcionamento da unidade prisional e do poder discricionário das Direções dos presídios. Observa- se a existência de precárias condições do Sistema Penitenciário Brasileiro, refletida em inúmeras violações de direitos humanos, apesar da existência de leis voltadas à humanização da execução penal e de diversos tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário. De uma forma genérica, pode-se dizer que esses avanços legais e normativos não foram alvos de ações na efetivação dos direitos a serem reconhecidos. As atividades voltadas aos presos e presas dão-se de forma fragmentada e descontínua, não lhes proporcionando o mínimo de dignidade, de respeito à sua integridade física e moral e preservação de seus direitos assegurados em lei. Compreende-se, assim, que o Sistema Penitenciário Brasileiro, tão conhecido pelo simbólico termo de “universidade do crime”, reflete o descompasso entre o seu ideário e a sua realidade. Vale situar aqui as ações institucionais voltadas para a mãe presa, como forma de compreender melhor a realidade e o descompasso dos direitos declarados em lei. Destacam-se também aqueles ainda não pautados na agenda pública do Estado, o que remete a questões específicas e particulares do “todo feminino”. Como essa temática está referida ao quadrilátero mulher/prisão/criança/direitos humanos, é preciso considerar esses embates no reflexo da política penitenciária, que, de uma maneira geral, não apresenta diretrizes definidas quanto à singularidade da mãe presa. VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 208 O encarceramento feminino, além de relacionar-se às diversas restrições “intramuros”, como a visita íntima, ultrapassa o ambiente de prisão. Longe de ser um espaço para “reintegração”, a prisão de mulheres parece ter seu efeito mais perverso na quebra dos vínculos familiares, no abandono de crianças, que, mesmo estando além dos muros de confinamento, se encontram em outros muros de exclusão e de miserabilidade, com a ausência da figura materna. Apesar da existência do dispositivo legal, a realidade prisional brasileira vem mostrando que, em algumas unidades da Federação, existe um complexo penitenciário polivalente, em que o local para mulheres é uma de suas unidades, ainda que tenha separação por gênero; ou, pior ainda, existe apenas uma cela destinada a essa categoria. O ingresso de mulheres gestantes para cumprimento de pena privativa de liberdade já se constitui como uma questão que merece reflexão e ações no âmbito da gestão dos complexos prisionais. São inegáveis as precárias condições de habitabilidade em que se encontram as penitenciárias brasileiras. Esse problema se agrava à medida que as unidades femininas não dispõem de recursos humanos especializados e espaços físicos necessários à saúde da mulher, em especial ao tratamento pré-natal e pós-natal. Com isso, pode-se afirmar que há um descompasso da lei (e também sua omissão) frente às particularidades do encarceramento feminino brasileiro. Relacionando-a ao que Goffman (1999) chamou de “mortificação do eu”, categoria inerente às chamadas “instituições totais”, como a prisão, a detenção incorpora, além da privação de liberdade, outras perdas profundas das individualidades. Alguns exemplos são: o despojamento da aparência física, o uso de uniformes-padrão, a forma de caminhar com as mãos para trás, entre outros, significando uma série de degradações e humilhações. Embora esses rompimentos das prisões tenham sido pensados para o “homem criminoso”, eles não são diferentes para uma prisão de mulheres. Observa-se que a rotina de uma instituição total e, aqui, especificamente de uma prisão, tem uma peculiaridade de controle delimitada pelo corpo dirigente e pelo corpo dos funcionários. Nesse contexto de perda de autonomia, a mulher, quando inserida no sistema penitenciário, é despojada também, como o homem, de seus papéis e das relações sociais com o mundo externo às grades. Contudo, a mulher apresenta uma singularidade em relação à quebra dos vínculos e papéis familiares. O fato de ocorrer nascimento e/ou permanência de crianças no interior da prisão já remete a situações que extrapolam a condenação legal e que apresentam reflexos sociais na ultrapassagem da pena para os familiares, impondo a implantação de políticas sociais, criminais e penitenciárias de respeito à diversidade. 209 VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 3. a Criança no esPaço PeniTenCiário O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA –, produto de um amplo processo organizativo da sociedade para a superação do comportamento tradicional, alicerçado no abandono, na carência e na delinquência, assegura a prioridade absoluta à criança e ao adolescente como dever da família, da sociedade e do Estado. Nesse ordenamento jurídico brasileiro, meninas e meninos são definidos como pessoas, sujeitos de direitos, em condição peculiar de desenvolvimento. À medida que se preconiza que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo, na forma da lei, qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (art. 5º), impõe-se ao Poder Público, às instituições e aos empregadores o dever de propiciar condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas à medida privativa de liberdade (art. 9º). Relativamente aos filhos de mães submetidas à medida privativa de liberdade, mais uma observação se impõe. Nos termosda Constituição da República, “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação” (art. 5º, inc. L). Por esse motivo, a Lei 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal – LEP –, foi alterada pela Lei 9.046, de 18 de maio de 1995, para incluir o seguinte mandamento: «os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam amamentar seus filhos» (art. 83, § 2º). Nessa proteção legal, está prevista a instalação de ambiente prisional específico para a mulher, com destinação de um berçário, ficando facultativa a instalação de creches. Os preceitos da Lei n. 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, no que se refere à educação infantil, estabelece que essa modalidade é a “primeira etapa da educação básica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicointelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (art. 29). Assim, prevê-se a integração de creches e pré-escolas aos sistemas de ensino, atuando com quadro de educadores providos de profissionalização específica. Nessa sistemática de política educacional, a modalidade de atenção às crianças até os seis anos de idade corresponde ao quadro da educação infantil, subdividida da seguinte forma: creche, para crianças de até três anos; pré- escola, para crianças de quatro a seis anos de idade. Sabe-se, porém, que, numa conjuntura marcada por agravantes processos de desigualdade e exclusão social, a política brasileira de educação infantil ainda está calcando os patamares de efetividade no campo das políticas públicas, onde já se podem inferir, de imediato, as complicações de inserção desta na esfera da política penitenciária. VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 210 Uma pesquisa2 desenvolvida por esta pesquisadora aponta que apenas 53% das unidades prisionais brasileiras têm exclusividade para as mulheres, e 47% são alas ou celas femininas em complexos prisionais masculinos.3 Não obstante, ainda que sejam consideradas exclusivas para as mulheres, essas primeiras são, na maioria, estruturas físicas adaptadas para o recebimento de mulheres em privação de liberdade. Do total de unidades prisionais femininas estudadas, 59,9 % não dispõem de estrutura física adequada ao atendimento às crianças; 21,6 % indicam a existência de berçário, e 18,9% destas informam que as crianças ficam em creche. Isto significa que, na maioria das unidades da Federação, a criança fica na cela coletiva junto com a sua mãe durante o cumprimento da pena. Atrelado a esse ponto problemático de falta de estrutura física para o atendimento infantil, soma-se a dificuldade de entendimento do que venha ser denominado de berçário e creche. Infelizmente, a realidade não condiz com o ideário de estruturas voltadas ao desenvolvimento infantil. Outro fator bastante problemático refere-se ao período ou idade máxima para a permanência da criança junto à mãe que cumpre pena de prisão, havendo uma variação de 04 meses a 06 anos. Apesar de 63% informarem um período de até 06 meses, o que se percebe, na realidade brasileira, é a falta de discussão científica sobre este procedimento. Sabe-se que a própria Constituição Federal e a Lei de Execução Penal não definem um período de tempo mínimo para a permanência da criança junto à mãe que cumpre pena de prisão; apenas mencionam o direito que têm as mães de amamentar os seus filhos ou filhas. Assim, em termos legais, a mulher presa tem o direito de permanecer com o filho no período de aleitamento, em instalação de berçário. Entretanto, o preceito legal parece colidir com aspectos subjetivos da gestão prisional. Com isso, a maternidade na prisão pode constituir-se de forma ambígua: de um lado, como fator de felicidade; de outro e, ao mesmo tempo, como dupla penalização, face ao momento de separação entre a criança e a mãe-presa. Mas, até quando esse dever de amamentar deve ser exigido da mãe? O Ministério da Saúde e a Organização Pan Americana da Saúde editaram o Guia alimentar para crianças menores de dois anos, no qual se mencionam diversos estudos e pesquisas. 2 Dissertação de Mestrado defendida no programa de pós-graduação em Política Social do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília sob o título “Mães e Crianças atrás das grades: em questão o princípio da dignidade da pessoa humana” (2007). 3 A pesquisa apontou um quantitativo de 79 ambientes penitenciários com existência de mulher presa (dados de 2006, informados pelas unidades da Federação) . 211 VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 Nesse documento, explicita-se que os Estados Membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) devem fortalecer as atividades e elaborar novos critérios para proteger, promover e apoiar o aleitamento materno exclusivo durante seis meses, como recomendação de saúde pública mundial, tendo em conta as conclusões da reunião consultiva de especialistas da OMS sobre a duração ótima do aleitamento materno exclusivo. Os Estados também devem proporcionar alimentos complementares apropriados, junto com a continuação da amamentação, até os dois anos de idade ou mais, dando ênfase a esses conceitos nos canais de divulgação social, a fim de induzir as comunidades a desenvolverem essas práticas (Organização Mundial da Saúde. Resolução WHA 54.2, par. 2[4]. WHO, 2001). Dessa forma, a amamentação exclusiva até os seis meses e, a partir daí, complementada por outros alimentos, que serão introduzidos gradativamente, é medida de saúde pública. Além das normas constitucionais, internacionais e do Estatuto da Criança e do Adolescente, a melhor interpretação para o direito à amamentação, à convivência familiar e comunitária e, assim, à vida e a condições dignas de sobrevivência, hoje, talvez esteja contida no Projeto de Diretrizes das Nações Unidas Sobre Emprego e Condições Adequadas de Cuidados Alternativos com Crianças, apresentado pelo Brasil ao Comitê dos Direitos da Criança da ONU, em 31 de maio de 2007, no qual se propõe: Quando o único ou o principal responsável pela criança for condenado à privação de liberdade ou estiver em prisão preventiva, os interesses da criança devem ser considerados acima de tudo. Sentenças que não prescreverem a custódia ou a decisão de novo julgamento deverão ser aplicadas sempre que possível. Os Estados devem levar em consideração o que seria melhor para a criança, ao decidirem pela retirada de crianças nascidas na prisão ou que viverem com um dos pais na prisão. A sua retirada deve ser tratada da mesma forma que a retirada em outros casos. No caso de crianças abaixo de três anos, a retirada não deve, em princípio, ser feita contra a vontade do pai em apreço. Deve-se fazer o máximo esforço para assegurar que a criança que ficar na prisão com o pai ou a mãe receba cuidados e proteção adequados, de modo a garantir-lhe a liberdade e a convivência comunitária. (BRASIL, 2007, p. 17) Esta sugestão apresentada pelo Brasil deve possuir o significado mínimo de que todos os brasileiros assumam o compromisso de tratar nossas crianças da forma sugerida. VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 212 Com relação ao tempo de permanência com a mãe, especificamente, estudos psiquiátricos recomendam que, para o pleno desenvolvimento da saúde mental, a separação entre mãe e filho não deve ocorrer antes que a criança complete três anos de idade. Nessa concepção, chega-se a apontar alguns malefícios da privação da presença da mãe na primeira infância, a exemplo da possibilidade de que, quando se tornarem adultos, terão muito mais transtornos depressivos, mais transtorno borderline anti-social, drogalização, entre outros. Sobre essaquestão, vale citar uma boa experiência de um Estado Brasileiro. Documentos4 do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (7ª Promotoria da Infância e da Juventude) registram que, no ano de 2003, foram realizadas discussões entre membros desse Órgão, da Superintendência dos Serviços Penitenciários – SUSEPE – e do Programa de Assistência à Mulher Apenada – PAMA, com o intuito de aprofundar questões referentes à permanência das crianças, filhas de mulheres presas, na penitenciária feminina Madre Pelletier. Nesse período, a direção da unidade prisional havia adotado o seguinte critério: as crianças ficariam apenas até os seis meses de idade em companhia das mães. Nesse referido período foi realizado o seminário estadual intitulado “Privilegiar vínculo afetivo entre mãe e filho – solução ou problema?” e, como fruto desse processo, no ano de 2004, foi firmado um “Termo de Compromisso de Ajustamento” pelo Ministério Público, envolvendo os diversos órgãos correlatos, com a finalidade de ajustar critérios para a viabilização da permanência de crianças, com suas respectivas mães apenadas, na creche, na idade compreendida entre zero e três anos de idade. Acredita-se, assim, que essa mobilização social represente importantes contribuições, ao problematizar essa temática, visando à garantia dos direitos da mãe e da criança em ambiente de prisão. Apesar de não termos, ainda, um aprofundamento sobre essa pauta nos diversos países, é importante situar que não há uma homogeneidade de práticas institucionais. Para exemplificar, pode-se citar que na França adota-se o período de dezoito meses e, na Espanha, a criança pode permanecer com sua mãe-presa até a idade de três anos. 4 Foi possível ter acesso a esses documentos, por meio da colaboração dessa organização não-governamental. Consta nesse documento que o PAMA discordava dos critérios adotados pela direção, propondo que houvesse uma discussão mais ampla, envolvendo outros setores da sociedade e órgãos governamentais, no sentido de contribuir para uma melhor definição desse critério institucional quanto ao período de permanência da criança. 213 VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 Países como a Argentina e a Colômbia adotam uma política de regulamentação da idade-limite da criança em ambiente intramuros, da seguinte forma: no primeiro, é permitido o período de até quatro anos de permanência da criança junto à mãe, e, no segundo, a permanência é de até três anos. Outro fator extremamente relevante desses dois países da América Latina, que difere da realidade brasileira, relaciona-se aos protocolos de interface de políticas: no caso argentino, na Lei de Educação Nacional, há um capítulo dedicado à educação em contextos de privação de liberdade, onde se detalha a pauta da atenção educativa de nível inicial às crianças até quatro anos de idade nascidas ou criadas em ambiente penitenciário; no caso Colombiano, no próprio Código Penitenciário e Carcerário, há menção ao dever do Estado de possibilitar a permanência, em estabelecimentos de reclusão, de crianças até três anos, filhos de mulheres presas. Nesse segundo caso, o Programa de atenção a essas crianças se ajusta metodologicamente às diretrizes do Instituto Colombiano de Bem Estar Familiar – ICBF. Diante de uma análise mais critica sobre esses dados da realidade brasileira, pode-se considerar que a situação do atendimento infantil aos filhos de mulheres encarceradas, além de ser assunto polêmico, parece não dialogar com o campo dos direitos da política para a infância. Essas crianças, por não terem a necessária e efetiva visibilidade, apesar de consideradas legalmente como pessoas em desenvolvimento, estão relegadas ao “abandono” e ao “fechamento social” de uma instituição como a prisão. Ao tratar do comprometimento das diversas práticas do encarceramento feminino, verifica-se que há vários problemas que são negados, desconhecidos e que se tornam invisíveis, como, por exemplo, o da existência de mulheres desamparadas, com filhos inseridos em diferentes destinos familiares ou entregues a estabelecimento de abrigo para crianças abandonadas. Vale aqui reproduzir a fala de uma mulher-mãe-presa5: Tem uma presa aqui que tem cinco filhos que estão com o tutelar; não teve com quem deixar, e tem muitas aqui que o filho está na casa de um vizinho, na casa de uma tia, a outra está na casa de um irmão, aí você vê como é triste aqui o dia-a-dia. Uma outra presa aqui, a menina dela 5 Fala extraída durante o processo de pesquisa de campo (2006), onde foram realizadas 10 (dez) entrevistas com presas em cumprimento de pena nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Outras falas estão presentes na obra: Mães e Crianças atrás das grades: em questão o princípio da dignidade da pessoa humana. (Ministério da Justiça, 2007). VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 214 foi pra casa da ex-sogra, e a outra filha foi para a casa do ex-marido, que são em casas separadas, daí ela vai acabar perdendo as duas crianças. Ela chora muito, então a gente vê muita tristeza aqui dentro (Presa da Penitenciária Madre Pelletier – Estado do Rio Grande do Sul). Aliada ao fator abandono, incorpora-se uma experiência de criminalidade, o que pode ser extremamente agravante para o processo de relacionamento no futuro social da criança. Outra grave situação se estabelece quando a mãe-mulher- presa não participa de nenhum programa adequado à fase de separação da criança. Dessa forma, percebe-se que infelizmente o processo de separação da criança no ambiente prisional ainda não é tratado de forma aprofundada em relação aos aspectos biopsicossociais da mãe e da criança. Na falta de uma maior discussão e aprofundamento sobre o tempo mínimo e máximo para a permanência de criança em ambiente de pena, as unidades da Federação decidem, conforme sua livre vontade e diferente interpretação legal, refletindo, assim, ações institucionais diferenciadas e descaracterizadas de qualquer diretriz de política pública minimizadora de violação de direitos humanos, seja para a mãe presa, seja para seu filho. Entende-se que a prisão, na esfera de uma política penitenciária, apesar de ser uma instituição complexa e fechada, que cumpre a função de segregação social, deveria necessariamente (Verificar hifenização,porque não estou conseguindo corrigir a divisão silábica. O computador está separando erradamente o a da sílaba –ria.) efetivar o direito a ter direitos. Nessa concepção, também não se ignora o fato de que a permanência de uma criança junto a sua mãe na prisão é algo problemático e polêmico. Portanto, não é possível pensar essa relação sem incluir argumentos sobre os benefícios e os malefícios advindos desse procedimrnto. No caso específico da temática deste ensaio, observam-se as tendências dos tipos de violência, dada, inclusive, a “invisibilidade”, ou seja, o lado oculto das ações institucionais voltadas à mãe presa, com criança, em ambiente de confinamento. Não se pode deixar de denunciar as diversas ambivalências dessa área, no campo dos direitos humanos, como: a falta de unidades prisionais específicas para as mulheres e por separação de regime penal; a falta de espaços apropriados para o atendimento à infância; a inexistência de políticas específicas voltadas para a maternidade como um todo; o direito da criança à convivência familiar e comunitária, entre outros. O que se procura enfatizar refere-se à necessidade dessa díade mãe/criança, no contexto prisional, ser objeto de novos olhares, novas discussões e novas práticas institucionais, para a efetivação de uma política de respeito à diversidade e de garantia de direitos humanos. 215 VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 4. Breves Considerações Para (novos) Possíveis CaminhosAtualmente, o Brasil possui aproximadamente 27.0006 (vinte e sete mil) mulheres presas e, segundo dados obtidos junto ao Departamento Penitenciário Nacional, a taxa média de crescimento de encarceramento das mulheres7, no último ano, foi de aproximadamente 12%, em comparação ao masculino, que ficou em torno de 5%. Para qualquer reflexão a respeito das vicissitudes do encarceramento feminino, não se deve esquecer a relação existente entre a situação das mulheres presas que, além de representar a condição ideológica do papel feminino nas relações sociais, fruto de uma ideologia patriarcal, acha-se em um plano institucional voltado para homens e reconhecidamente falido, em termos de garantias legais. Infelizmente, a nova conjuntura, caracterizada pelo aumento expressivo de mulheres presas, e os agravamentos no cumprimento da pena não têm sido pautados no âmbito das políticas criminais, sociais e penitenciárias. Destacam-se a fragilização nas relações familiares, o agravamento da situação financeira, a posição de subalternidade em relação ao homem no cometimento de ato ilícito e as crianças que são separadas das mães sem nenhum tipo de acompanhamento psicossocial, entre outros. Ainda que se acredite ser difícil o cumprimento de pena para homens e mulheres – contexto prisional pouco propício ao convívio social, associado a formas degradantes de habitabilidade – como imaginar essa situação para uma criança que compartilha o espaço de prisão junto com sua mãe? Dessa forma, uma inquietação que se manifesta nessa abordagem gira em torno da existência de uma temática (??? Confesso que não entendi.) de uma problemática relacionada com diversos direitos sociais e políticas públicas, emoldurada numa tessitura (???) inscrita num contexto penitenciária marcada pela falência institucional e pelo “fechamento” social. (Não sei. Este parágrafo é realmente problemático.) Na prática, ao invés de serem reconhecidas com a devida proteção legal, as “crianças presas por tabela” acabam seguindo os mesmos rituais de controle e disciplina de uma prisão, ficando presas a horários até para banho de sol, ou para usar 6 Fonte: Departamento Penitenciário Nacional /Ministério da Justiça. Dados de Dezembro de 2007. Total de pessoas presas (homens e mulheres): 422.590. 7 Importante registrar que, apesar do aumento considerável do número de mulheres presas, em nível nacional, esse quantitativo não tem ultrapassado, ainda, a m VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 216 uma colônia infantil. Em lugar de um progressivo desenvolvimento biopsicossocial, tem-se a não garantia do direito à liberdade, à convivência familiar e comunitária, ao respeito e à dignidade, como pessoas em processo de desenvolvimento, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente. Nessa linha, acredita-se que o conhecimento e a positivação dos direitos humanos através de instrumentos jurídicos não bastam, ou não têm impedido as constantes violações aos direitos de todos os homens e mulheres. Isto significa que os direitos humanos não podem ser vistos apenas como “letra no papel” e acordos internacionais, mas na prática dos homens históricos. Norberto Bobbio (1992), mesmo apresentando uma linha de pensamento positivista, incorporou a visão das condições históricas do elenco dos direitos do homem. O autor menciona que “os direitos do homem são direitos históricos, que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem” (BOBBIO, 1992, p. 32). Essa concepção demonstra que o problema atual em relação aos direitos humanos não passa apenas pela sua proclamação ou proteção, pois depende de um certo desenvolvimento da sociedade, desafiando até a evolução da Carta Magna, e pondo em crise até mesmo os mecanismos mais efetivos de garantia jurídica. Defende-se, aqui, a necessidade da efetivação de direitos que devem ser aplicados de forma específica às mães presas e suas crianças. Apesar de a inserção das crianças em ambiente de prisão ser algo polêmico, é a única forma de contribuir para o vínculo maternal e evitar o abandono e a separação da mãe numa etapa fundamental da infância. Avalia-se que a questão aqui tratada torna-se ainda mais relevante, ao entender a necessidade de tratamento desigual, respeitando a diversidade no cumprimento da pena privativa de liberdade como forma de incluir as peculiaridades do encarceramento da mulher. Assim, faz-se necessário reforçar o pressuposto de defesa dos direitos humanos – expressa no respeito à dignidade da pessoa humana –, num entendimento ético e político de que a pessoa presa é cidadã com direito a ter direitos. Nessa linha, portanto, a permanência de crianças em ambiente intramuros é uma questão merecedora de posição e atuação firme do Estado e da Sociedade. Não se pode deixar de denunciar a omissão histórica de diversas instituições governamentais, a exemplo do Ministério Público, do Poder Judiciário (Varas especializadas de execução penal e Varas da Infância e da Adolescência), do Poder Legislativo, do Poder Executivo (Administração dos sistemas penitenciários locais), da Defensoria Pública, do Ministério da Justiça, do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e organismos correlatos e da Sociedade Civil Organizada, frente a essa particularidade do sistema penitenciário brasileiro. De fato, é preciso reconhecer que há muito que fazer na perspectiva do direito 217 VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 a ter direito. Não é possível a perpetuação de violações de direitos humanos, representada pela falta de diretrizes de uma política pública nacional direcionada para esse segmento social. Tratar da realidade de mães presas revela a urgência na implantação e implementação de políticas públicas que respeitem a pessoa e contemplem as particularidades apontadas neste ensaio. E mais, que se faça numa perspectiva transdisciplinar de atuação integrada de políticas sociais, criminais e de execução penal. Além das muitas vertentes no campo das ciências sociais e jurídicas, e da psicologia, ousamos sugerir os seguintes caminhos: reformas legislativas; estabelecimento de normas e diretrizes sobre a idade limite de permanência de uma criança junto à mãe que cumpre pena de prisão – o que nos parece não poder ser inferior a três anos; elaboração de diretrizes voltadas ao processo de separação entre mãe e o seu filho; reconhecimento de que o direito da mãe presa deve conjugar-se com o direito das crianças, de terem uma vida digna, um desenvolvimento integral e não sofrerem com os estigmas e condições da privação de liberdade; efetivação das garantias legais pela inter-relação das políticas sociais de proteção infanto-juvenil, da mulher, da saúde e da educação no contexto da execução penal; readequação dos espaços de atendimento infantil e regulamentação da etapa de educação infantil em ambiente prisional, reafirmando os pilares das funções assistenciais, pedagógicas e socializadoras. Dentro de uma perspectiva ampla, que alinha defesa de direitos com necessidade de estruturação de políticas públicas, torna-se evidente que os caminhos a serem traçados no campo do encarceramento feminino brasileiro são bastante complexos. Partindo, por exemplo, do motivo pelo qual se defende aqui a idade limite de três anos de idade como parâmetro para a permanência da criança junto à mãe que cumpre pena de prisão, faz-se necessário perceber, entre tantos outras, as seguintes perspectivas: a) relacionar a dinâmica penitenciária intramuros com a política pública extramuros de educação e atendimento infantil, na ótica da garantia da liberdade e da convivência comunitária; b) perceber os pilares da etapa da primeira infância, os quais envolvem processosbiopsicossociais significativos no desenvolvimento infantil; c) compreender questões singulares de individualização da execução penal que podem suscitar procedimentos diferenciados, a exemplo do tempo de pena a cumprir, da estruturação do núcleo familiar e da participação nos serviços assistenciais ofertados. De forma concreta, é possível perceber que a discussão sobre particularidades e necessidades da mulher encarcerada ainda é pífia, postergando, assim, o debate sobre os papéis sociais diferenciados, dentro de uma política de defesa dos direitos humanos. Essas reflexões não podem ser separadas da percepção da complexidade que há entre igualdade e diferença, superando visões positivistas de entendimento do VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 218 direito como simples afirmação da igualdade. Dessa forma, como não reconhecer que a questão do encarceramento feminino suscita implicações no campo de uma política pública, na perspectiva da diversidade e do respeito à dignidade da pessoa humana para garantia dos direitos humanos? Concorda-se com Oliveira, quando se posiciona em relação a esse direito: A construção da dignidade é um processo tanto mais complexo e longo quanto maiores as desigualdades sociais e os preconceitos e discriminações enraizadas no cotidiano da sociedade. Mudanças socioculturais exigem a consciência de sua necessidade, a disposição para luta e o conhecimento da causa dos problemas e, entre outras coisas, o próprio conhecimento de quais são os problemas a serem equacionados (OLIVEIRA, 2003, p. 82). Avalia-se que a questão aqui tratada torna-se ainda mais relevante, ao entender a necessidade de tratamentos desiguais, respeitando a diversidade no cumprimento da pena privativa de liberdade, como forma de incluir as peculiaridades do encarceramento da mulher. Esperamos que nosso trabalho possa contribuir não somente para a visibilidade dessa temática, mas também para a ressignificação de práticas de um sistema penitenciário que tem introduzido uma situação perversa: a de criança “presa por tabela”. Reconhece-se que há muita dificuldade em analisar uma realidade tão complexa, em refletir sobre direitos humanos numa instituição fechada como a prisão, em discutir as ações institucionais que envolvem tantos problemas e que se chocam com a concepção de programas e políticas emancipatórias e de inclusão social, mas não há como ficar inerte a tudo isso. 5. referênCias BiBliográfiCas ANDRADE, Vera Regina Pereira de. “Violência sexual e sistema penal: proteção ou duplicação da vitimização feminina?” In: DORA, Denise Dourado (Org.). Feminino Masculino: igualdade e diferença na justiça. Porto Alegre: Sulina, 1997. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan / Instituto Carioca de Criminologia, 2002. 219 VOXJuris | ano 2, v. 2, n. 1, pág. 203-220, 2009 _____. “O paradigma do gênero. Da questão criminal à questão humana”. 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