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AULA 4 Custo do capital próprio: considerando o risco, o retorno e a política de dividendos Caro(a) aluno(a), O custo do capital próprio estudado até aqui levou em consideração a expectativa de ganhos de capital, dos dividendos e o retorno esperado, porém não considerou o risco. Para maximizar o preço da ação, o gestor deve saber avaliar o risco e o retorno de uma operação e de uma carteira de investimentos. Risco é a possibilidade de perda financeira e, portanto, é usado como sinônimo de incerteza e refere-se à variabilidade dos retornos associados a um ativo (GITMAN, 2010). Quanto mais certo for o retorno de um ativo, menor será a variabilidade de perdas e menos risco o ativo oferece. Além do custo e do risco, a utilização de recursos próprios como fonte de financiamento leva a empresa a refletir e decidir sobre a política de dividendos. Esta decisão é relevante, porque determina quanto do lucro será distribuído aos acionistas e quanto será reinvestido. A política de dividendos exerce um papel significativo para a determinação do valor de uma empresa. Os acionistas concebem os dividendos como um indício da competência da empresa em gerar lucros, os analistas usam os dividendos para calcular o beta das ações e também para calcular o valor intrínseco de uma ação (preço teórico) (ALMEIDA; MACEDO, 2014). GESTÃO FINANCEIRA AVANÇADA 64 É importante também considerar na definição de uma política de dividendos as características da legislação, respeitando os dividendos mínimos e obrigatórios. O objetivo desta unidade é abordar os riscos que afetam a empresa e os acionistas, apresentando o Modelo de precificação de Ativos que considera o risco no cálculo do retorno do ativo. Também discutiremos o papel dos dividendos no processo de avaliação, as teorias sobre a relevância e irrelevância dos dividendos sobre o valor da empresa, e os diversos instrumentos possíveis para a definição de uma política de dividendos. Vamos lá? 1. TIPOS DE RISCO Alguns riscos afetam as empresas e outros afetam os acionistas. Os riscos mais comuns que estes agentes se deparam são os riscos que afetam as empresas. Os riscos específicos da empresa são os riscos operacional e financeiro. » Risco operacional representa a possibilidade de que a empresa não seja capaz de cobrir os custos da operação, está relacionado a possíveis perdas como resultado de sistemas ou controles inadequados e de falhas de gerenciamento e erros humanos e é determinado pela estabilidade das receitas da empresa e pela estrutura de seus custos (GITMAN, 2010). » Risco financeiro representa a possibilidade de que a empresa não seja capaz de honrar seus compromissos financeiros e é determinado pela previsibilidade dos fluxos de caixa da empresa e da previsibilidade de suas despesas financeiras. Riscos que afetam os acionistas Os acionistas se deparam especificadamente com três tipos de risco: risco de taxa de juros, risco de liquidez e risco de mercado. » Risco da taxa de juros representa a possibilidade de que as variações nas taxas de juros afetem negativamente o valor de um investimento. A maioria dos investimentos perde valor quando as taxassde juros sobem (há a procura por outros investimentos que remunerem na nova taxa de juros) e ganham valor quando a taxa de juros cai (GITMAN, 2010). » Risco de liquidez representa a possibilidade de que um ativo não possa ser liquidado com facilidade a um preço razoável, ou seja, surge da dificuldade em se conseguir encontrar compradores potenciais de determinado ativo no momento e no preço desejado (COMO INVESTIR, 2011). » Risco de mercado representa a possibilidade de que o valor do ativo caia por fatores de mercado independentes do ativo. Para entender e medir possíveis perdas devido às flutuações do mercado, é importante identificar e quantificar o mais corretamente possível as volatilidades e correlações dos fatores que impactam a dinâmica do preço do ativo. Em geral, quanto mais o ativo reage ao comportamento de mercado, maior é o seu risco (DUARTE JUNIOR, 2011). Riscos que afetam tanto empresas como acionistas Existem riscos que afetam tanto a empresa como seus acionistas. São eles: risco do evento, risco de câmbio, risco de poder aquisitivo, risco de tributação. AULA 4 – CUSTO DO CAPITAL PRÓPRIO: CONSIDERANDO O RISCO, O RETORNO E A POLÍTICA DE DIVIDENDOS 65 » Risco do evento é a possibilidade de que um evento totalmente inesperado exerça efeito significativo sobre o valor da empresa ou ativo específico. » Risco de câmbio reflete a exposição dos fluxos de caixa esperados às flutuações das taxas de câmbio. » Risco de poder aquisitivo representa a possibilidade de que a inflação afete desfavoravelmente os fluxos de caixa , o valor da empresa ou o valor do ativo. » Risco de tributação representa a possibilidade de que mudanças na legislação tributária venham a ocorrer afetando os ganhos das empresas e de seus acionistas (GITMAN, 2010). Tanto os gestores das empresas como os investidores devem levar em conta esses e outros riscos para a tomada de decisões, visando a maximização dos retornos conforme a disponibilidade de exposição aos riscos que cada um queira se submeter. Uma forma de minimizar os riscos é a diversificação, ou seja, os investidores devem procurar diversificar as formas de investimento, e as empresas devem procurar a diversificação das fontes de financiamento. A diversificação reduz a variabilidade e consequentemente o risco. Porém, não é todo risco que pode ser eliminado com a diversificação. Apenas os riscos específicos ou únicos podem ser evitados quando diversificamos a carteira de investimentos. Existem fontes de risco de toda a economia (fatores macroeconômicos) que afetam a bolsa de valores em geral e não conseguimos evitá-las, independentemente da diversificação. Este risco é chamado de risco não diversificável, ou risco sistemático. Segundo Brealey et al. (2002), o risco sistemático explica porque as ações têm a tendência de se movimentar juntas, de maneira que até mesmo as carteiras mais bem diversificadas são expostas ao movimento do mercado. Assim, podemos definir o risco total de uma carteira ou de um ativo como: Risco total = risco diversificável + risco sistemático Como qualquer investidor pode criar uma carteira capaz de eliminar o risco diversificável, o único risco relevante é o risco não diversificável (risco sistemático) e a sua mensuração é importante para a seleção dos ativos. 2. CONSIDERANDO O RISCO E O RETORNO: MODELO CAPM O modelo CAPM (Capital Asset Pricing Model – Modelo de Precificação de Ativos de Capital) liga o risco não diversificável (sistemático) ao retorno para todos os ativos. É um modelo muito usado para apurar o retorno dos ativos e o custo de capital. O CAPM é um método bastante usado nos Estados Unidos, sendo considerado um bom instrumento de capitalização das empresas. Foi desenvolvido por Harry Markowitz e William Sharpe que, por causa desse modelo, ganharam o prêmio Nobel de economia em 1990. Este modelo tem uma interpretação simples: as taxas de retorno esperadas exigidas pelos investidores dependem de: » compensação pelo valor do dinheiro no tempo (a taxa livre de risco); » um prêmio de risco (o qual depende do beta e do prêmio de risco de mercado. GESTÃO FINANCEIRA AVANÇADA 66 Podemos escrever esta interpretação de forma matemática: Retorno esperado = taxa livre de risco + prêmio pelo risco K = Rf + β(Rm – Rf) Sendo: K = retorno do ativo (retorno esperado) Rf = taxa livre de risco (retorno exigido por um ativo sem risco) Rm = taxa do mercado (retorno da carteira de mercado de ativos) β = beta Exemplo Considere que a taxa livre de risco seja de 7% ao ano e que o retorno do mercado seja de 11%, considerando que o beta daação é de 1,5, qual é o retorno exigido pela ação? K = Rf + β (Rm – Rf) K = 7 + 1,5 (13 – 7) K = 7 + 1,5 (4) K = 7 + 6 K = 13% ao ano Mas que variável β (beta) é essa? O que ela representa? O coeficiente beta é o indicador de risco não diversificável do ativo, ou seja, mede a sensibilidade do retorno de uma ação em relação ao retorno da carteira de mercado. O beta é um indicador que varia entre zero e um. » β = 0 (zero): significa que o ativo não tem risco. Teoricamente, o ativo livre de risco (Rf) tem beta zero. » β = 1: significa que o ativo acompanha as oscilações do mercado. O retorno do mercado (Rm) tem beta igual a 1. » Se Beta > 1: significa que o ativo sofre oscilações maiores que a sofrida pelo mercado. » Se Beta < 1: significa que o ativo sofre oscilações menores que o mercado. Assim, ações mais agressivas têm betas mais altos (β>1), e ações mais defensivas têm betas menores (β<1). Podemos representar o modelo de formação de preços dos ativos de forma gráfica. Essa representação é chamada de Linha do Mercado de Títulos (LMT). AULA 4 – CUSTO DO CAPITAL PRÓPRIO: CONSIDERANDO O RISCO, O RETORNO E A POLÍTICA DE DIVIDENDOS 67 A linha do mercado de títulos (LMT) é uma reta que reflete o retorno exigido no mercado para cada nível de risco não diversificável (para cada beta). No eixo horizontal fica o risco (beta), e no eixo vertical fica o retorno exigido (k). Assim, a linha LMT reflete a relação entre risco e retorno de um ativo. Para explicar o gráfico, vamos retomar o nosso exemplo. A taxa livre de risco, de 7%, é de onde parte a linha do mercado de títulos, visto que para esta taxa o beta é igual a zero. O mercado é considerado com beta igual a 1, e para este nível de risco o retorno é 13% (Rm), o prêmio pelo risco de mercado é dado por 4%, ou seja, a diferença entre a taxa de mercado e a taxa livre de risco (13 – 7 = 4%). O gráfico também mostra que para o beta do ativo de 1,5 o retorno deve ser igual a 13% e o prêmio pelo risco deste ativo é de 6% (prêmio pelo risco de mercado 4% x beta 1,5, ou ainda, a diferença entre o retorno deste ativo 13% menos a taxa livre de risco 7%). Fatores macroeconômicos afetam todo o mercado independentemente do risco individual de cada ativo e, portanto, fatores macroeconômicos tendem a deslocar a linha do mercado de títulos como um todo. Por exemplo, a expectativa de inflação tende a elevar o prêmio pelo risco de todos os ativos, deslocando a linha LMT para a direita. Já a aversão ao risco reflete nas preferências gerais por risco por parte dos investidores. Eles tendem a exigir retornos maiores quando o risco é mais elevado. O grau de aversão ao risco é dado pela inclinação da LMT – se a aversão ao risco aumenta, a inclinação da LMT também aumenta, gerando maiores prêmios por risco. A influência destes fatores sobre a LMT está ilustrada nos gráficos a seguir: Mensurando o beta Até agora tratamos o beta como uma variável conhecida. Este indicador pode ser obtido nas principais corretoras de valores do País ou na própria Bovespa. Mas quando não dispomos desta informação podemos calculá-lo a partir de dados de retorno usando as ferramentas estatísticas. A mensuração empírica do beta é dada pela análise de regressão por mínimos quadrados, o que permite encontrar o coeficiente de regressão (b) da equação da reta Y = bX + a. O beta é dado pela seguinte fórmula: GESTÃO FINANCEIRA AVANÇADA 68 Sendo: COV (Ri, Rm) = covariância do retorno do ativo i com o retorno da carteira de mercado σ2Rm = variância do retorno da carteira de mercado. Ficou complicado? Vamos a um exemplo que facilitará a compreensão! Considere que precisamos encontrar o beta da ação A. Para tanto, pesquisamos o retorno da ação A e do mercado (na prática pode ser o retorno da Bolsa – o Ibovespa, por exemplo) nos últimos quatro anos, e os resultados foram: ANO EMPRESA A MERCADO 1 -10% -40% 2 3% -30% 3 20% 10% 4 15% 20% Para encontrar o beta, precisamos utilizar a fórmula apresentada. Chamamos de Y o retorno da empresa A e de X o retorno de mercado. Assim: ANO EMPRESA A (Y) MERCADO (X) X.Y X2 1 -10% -40% 0,04 0,16 2 3% -30% -0,009 0,09 3 20% 10% 0,02 0,01 4 15% 20% 0,03 0,04 Total 0,28 0,4 0,0810 0,3 Identificando as variáveis da fórmula: Substituindo os valores na fórmula, temos: Beta = 4 (0,0810) - 0,28 (-0,4) = 0.4360 = 0.4192 4 (0,3) - (-0,4)2 1.04 Para simplificar, usamos apenas quatro elementos como amostra. Se usássemos uma amostra mensal, teríamos um beta diferente, ou seja, o tamanho da amostra interfere no valor do beta. Na prática, não há um horizonte temporal indicado como o melhor, os analistas financeiros trabalham com aqueles que atendam às suas necessidades. O mais comum é encontrarmos o beta com base nos últimos 12 meses. Com o valor do beta determinado, é possível calcular o retorno de uma ação. AULA 4 – CUSTO DO CAPITAL PRÓPRIO: CONSIDERANDO O RISCO, O RETORNO E A POLÍTICA DE DIVIDENDOS 69 2.1 ANALISANDO O MODELO CAPM A utilização deste modelo traz vantagens e desvantagens. As principais vantagens são: a consideração do risco de mercado e a facilidade de aplicação a todas as empresas. As desvantagens são que geralmente este modelo se baseia em dados históricos e a utilização de dados do passado (para calcular o beta) nem sempre é adequada para prever os futuros prêmios por risco, além disso existe a dificuldade de se estabelecer na taxa livre de risco o retorno esperado do mercado. Na realidade dos países emergentes, as principais críticas do modelo CAPM encontram-se na alta volatilidade dos indicadores financeiros de mercado, reforçando a dificuldade de estabelecer a taxa livre de risco e a taxa de retorno da carteira de mercado (ASSAF NETO, 2010). Geralmente usamos a taxa dos títulos públicos que são considerados os papéis mais seguros do mercado, como a taxa livre de risco e o índice Ibovespa, normalmente usado no Brasil como referência da carteira de mercado. Mesmo com as possíveis dificuldades, o modelo CAPM fornece um arcabouço útil para a avaliação e a associação de risco com retorno. Entender esta relação é importante para que os gestores tomem decisões quanto aos ativos e financiamento. Este modelo é amplamente utilizado pelos analistas financeiros e investidores de mercado. Cabe ressaltar que o modelo CAPM e o modelo de Gordon são técnicas teoricamente equivalentes para a determinação do retorno ou custo do capital próprio (k), as diferenças estão nas premissas utilizadas pelos modelos, mas ambos, em termos de análise do custo do capital, atingem o mesmo objetivo. O modelo de Gordon não considera o risco, usa o preço de mercado como reflexo das preferências dos investidores em relação a risco e retorno esperados. O modelo CAPM considera diretamente o risco da empresa, refletido em seu beta, e apresenta, portanto, uma base teórica mais sólida, porém o modelo de Gordon tem uma facilidade computacional, ou seja, suas variáveis são mais facilmente ajustadas do que no modelo CAPM, no qual o ajuste das variáveis requer um trabalho estatístico mais detalhado. 3. O PAPEL DOS DIVIDENDOS NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO DE INVESTIMENTOS “Dividendo é a distribuição de parte ou de todo o lucro auferido pela empresa em um exercício social, ou de saldos de lucros acumulados aos seus acionistas” (LEMES JUNIOR et al., 2010) Para os investidores, os dividendos representam o retorno que pode ser comparado a outras oportunidades de investimento. Podemos escrever o retorno sobre os dividendos como: Retorno corrente do dividendo = Dividendo corrente Preço corrente da ação Se uma empresa paga R$7,20 de dividendos e sua ação é negociada a R$48, o retorno do dividendo é 15% (7,20/48,00 = 0,15). Esse retorno pode ser comparadocom o de outras alternativas de investimento. O retorno de um ativo também pode ser calculado por meio do Modelo de Gordon, já estudado nesta disciplina. Este modelo considera que os dividendos cresçam a uma taxa constante GESTÃO FINANCEIRA AVANÇADA 70 (g) e relaciona as variáveis Dividendo (D), preço da ação (P) e retorno esperado (k). Vale a pena recordarmos o modelo de Gordon: Exemplo Uma ação pagou dividendos de R$7,20 no último ano e a taxa de crescimento esperada é de 5% ao ano. Se o preço atual da ação é de R$48, qual o retorno deste ativo? K = 7,20 (1+0,05) + 0,05 48 K = 7,56 + 0,05 48 K = 0,1575 + 0,05 K = 0,2075 k = 20,75% ao ano A taxa de crescimento dos dividendos (g) pode ser calculada com base no histórico de dividendos pagos pela empresa nos últimos anos. Outra forma de calcular o g é se basear nos demonstrativos contábeis da empresa. O índice de distribuição de dividendos (payout) mostra a porcentagem de lucro que é distribuída aos acionistas. Quanto maior este índice, menor é a proporção de recursos próprios (provenientes de decisões de retenção de lucros) utilizada pela empresa em sua atividade. Assim, este indicador reflete as decisões entre reter o lucro ou distribuí-lo. O payout varia de setor para setor e de empresa para empresa. Exemplo A empresa Ulalá apresentou um lucro líquido de R$200.000. O Patrimônio Líquido totaliza R$1.000.000. O dividendo pago no último ano foi de R$5 por ação e o a empresa possui 20.000 ações. Considerando que o preço atual da ação no mercado é de R$48, qual o retorno esperado pela ação? AULA 4 – CUSTO DO CAPITAL PRÓPRIO: CONSIDERANDO O RISCO, O RETORNO E A POLÍTICA DE DIVIDENDOS 71 4. RELEVÂNCIA E IRRELEVÂNCIA DOS DIVIDENDOS A fim de explicar a importância da distribuição dos dividendos na empresa, foram desenvolvidas teorias que discutem se os dividendos são relevantes ou não para os acionistas de uma empresa, ou seja, se a definição de uma política de dividendos exerce ou não influência sobre o preço da ação. Basicamente, podemos apontar duas grandes correntes de pensamento em relação à relevância dos dividendos. 4.1 TEORIA DA IRRELEVÂNCIA DOS DIVIDENDOS (MODIGLIANI; MILLER, 1958) A Teoria da Irrelevância dos Dividendos foi apresentada em 1958 por Modigliani e Miller. Os autores consideram que o índice de payout não interfere no valor da empresa, o que torna as decisões de política de dividendos irrelevante para a maximização do patrimônio dos acionistas. A riqueza da empresa seria função de seu potencial econômico de gerar lucros, ou seja, das decisões de investimento em ativos (ASSAF NETO, 2010). Teoria da Irrelevância dos Dividendos defende que a política de dividendos de uma empresa não afeta o seu valor de mercado, pois este é afetado apenas pela sua capacidade de gerar lucros e pelo risco dos seus ativos (LEMES JUNIOR et al., 2010). Um exemplo da aplicação desta teoria seria a possibilidade de o próprio investidor criar a sua política de dividendos, independentemente da política da empresa, comprando e vendendo ações no mercado. Os investidores podem reproduzir qualquer fluxo de dividendos que a empresa possa pagar. Se os dividendos forem inferiores ao que os investidores desejam, eles podem vender parte das ações para conseguir a distribuição desejada em dinheiro e, se os dividendos forem superiores ao desejado, os investidores podem usar o “excedente” para comprar novas ações. Assim, os investidores podem “programar” seus dividendos, não importando a política de dividendos adotada pela empresa. GESTÃO FINANCEIRA AVANÇADA 72 Cabe ressaltar que esta teoria está sustentada pelas premissas: não há incidência de impostos, não há custos de transação, os resultados não distribuídos são reinvestidos pela empresa em projetos com retornos capazes de manter o valor da ação mesmo que reduza os dividendos. Sob estas condições, a política de dividendos da empresa é irrelevante, porém elas só vigoram em um mundo ideal. Na prática, os mercados não são perfeitos, existem riscos, custos, impostos e, por isso, são inúmeras as críticas sobre este modelo. Apesar da simplificação exagerada da realidade, este modelo é importante, porque abriu a discussão sobre questão da política de dividendos. 4.2 TEORIA DA RELEVÂNCIA DOS DIVIDENDOS As premissas que sustentam a teoria de Modigliani e Miller são criticadas por outra corrente de pensamento, que acredita que os acionistas se preocupam com a forma pela qual os lucros da empresa são repartidos, o que acaba afetando o preço da ação, especialmente num ambiente de incerteza, condição normal deste mercado. Teoria da Relevância dos Dividendos defende que quanto mais dividendos forem distribuídos pela empresa, maior será o preço de suas ações e menor será o custo do seu capital próprio. (LEMES JUNIOR et al., 2010). Assaf Neto (2010) relata que esta teoria é sustentada pelos argumentos: » investidor com necessidades permanentes de caixa prioriza o pagamento de dividendos; » a preferência por uma política de estabilidade na distribuição de dividendos pode levar a um crescimento no valor das ações, em razão de essa prática reduzir o risco do acionista. Os dividendos transmitem informações sobre o desempenho futuro da empresa e o preço das ações tende a reagir a isso. Quando uma empresa tem índice de distribuição de dividendos alto e estável e modifica este índice, sinaliza uma mudança na rentabilidade futura da empresa, o preço da ação no mercado reage a esta alteração; » a presença de custos nas transações (custos de lançamento e custos de corretagem) favorece a retenção de lucros pela empresa. O financiamento via retenção de lucros tende a ser menos oneroso que o lançamento de novas ações, dados estes custos de transação; » a questão da tributação sobre os dividendos e ganhos de capital também é relevante. Se a tributação sobre os dividendos for maior que sobre o ganho de capital, os dividendos promovem uma redução na taxa de retorno dos acionistas após os impostos. Além disso, existem outros fatores que afetam a política de dividendos de uma empresa. A liquidez é um deles. Como os dividendos representam uma saída de caixa, a liquidez geral da empresa é importante, pois reflete a capacidade da empresa em pagar tais dividendos. Empresas rentáveis podem apresentar limitações no pagamento de dividendos em decorrência da baixa liquidez, pois apresentam um alto grau de imobilização dos recursos. A política de dividendos também depende do acesso da empresa às outras fontes de financiamento. Quanto melhores as condições para a empresa captar recursos no mercado, maior é seu potencial em distribuir dividendos. AULA 4 – CUSTO DO CAPITAL PRÓPRIO: CONSIDERANDO O RISCO, O RETORNO E A POLÍTICA DE DIVIDENDOS 73 5. INSTRUMENTOS DA POLÍTICA DE DIVIDENDOS A Lei das Sociedades por Ações determina que pelo menos 25% do lucro líquido sejam distribuídos a título de dividendos aos detentores das ações, tanto ordinárias quanto preferenciais, depois de realizados os seguintes ajustes no lucro líquido (LEMES JUNIOR et al., 2010): » parcela destinada à formação de reserva legal; » parcela destinada à formação de reservas para contingências e reversão delas, quando formadas em exercícios anteriores; » • lucros a realizar, transferidos para a respectiva reserva, e lucros anteriormente registrados nessa reserva e que tenham sido realizados no exercício então findo. As formas de pagamento de dividendos são apresentados a seguir. 5.1 DIVIDENDOS REGULARES Geralmente os dividendos são pagos em dinheiro. A forma de pagamento desses dividendos depende da política e das condições da empresa, podendo ser mensal, trimestral, semestral ou anual, e quando for mensal, é normal que exista o pagamentode um dividendo extra por ocasião do encerramento do balanço no final do exercício social. O Conselho de Administração define a data de pagamento dos dividendos. Essa data é importante, porque define também quando uma ação passará a ser negociada ex-dividendo, ou seja, sem direito aos dividendos. Muitas empresas utilizam a ocasião do pagamento de dividendos para oferecer aos acionistas a oportunidade de reinvestimento dos dividendos na compra de novas ações, com preços mais baixos do que os cotados na bolsa. Esta é uma forma de incentivar a permanência dos recursos na empresa. 5.2 BONIFICAÇÕES Quando o dividendo é pago na forma de ações. Não se trata de um dividendo real, pois não há saída de caixa da empresa. Essas ações são emitidas na incorporação, autorizada pela assembleia de acionistas, de reservas ou dos lucros acumulados ao capital social da empresa. Esta incorporação resulta em um aumento no capital social. A decisão pode manter a mesma quantidade de ações, alterando-se apenas o valor nominal das ações ou pode resultar em um aumento da quantidade de ações, mantendo-se o valor nominal. Exemplo: Considere que a empresa Ulalá apresenta o seguinte Patrimônio Líquido: Capital Social (200.000 ações a R$10,00) R$2.000.000,00 A assembleia de acionistas autoriza a distribuição de R$200.000,00 da conta de lucros acumulados sob a forma de bonificação. Reservas de capital R$500.000,00 Lucros acumulados R$300.000,00 Total do Patrimônio Líquido R$2.800.000,00 GESTÃO FINANCEIRA AVANÇADA 74 Alterando Valor Nominal Capital Social (200.000 ações a R$11,00) R$2.000.000,00 R$200.000,00 de lucros divididos por 200.000 ações resultam em um aumento no valor da ação em R$1,00, passando de 10 para R$11,00. Reservas de capital R$500.000,00 Lucros acumulados R$100.000,00 Total do Patrimônio Líquido R$2.800.000,00 Alterando a quantidade de ações Capital Social (200.000 ações a R$10) R$2.200.000,00 R$200.000 divididos pelo valor da ação R$10 resultam em mais 20.000 ações, passando de 200.000 para 220.000 o total de ações da empresa. Reservas de capital R$500.000,00 Lucros acumulados R$100.000,00 Total do Patrimônio Líquido R$2.800.000,00 Existem, também, alguns mecanismos complementares à política de dividendos. Desdobramento de ações (split) Representa a emissão de ações adicionais para todos os acionistas da empresa com o objetivo de baixar o preço das ações no mercado. Muitas vezes, as empresas acreditam que, ao baixar o valor unitário da ação, os investidores serão estimulados a comprar a ação. Esses desdobramentos geralmente são feitos antes da emissão de novas ações e tentam explorar os aspectos psicológicos dos investidores. Capital Social (200.000 ações a R$10,00) R$2.000.000,00 Reservas de capital R$500.000,00 Lucros acumulados R$300.000,00 Total do Patrimônio Líquido R$2.800.000,00 Exemplo: Considere que a situação inicial da empresa Ulalá seja: Capital Social (2.000.000 ações a R$1,00) R$2.000.000,00 O desdobramento aumentou a quantidade de ações de 200.000 para 2.000.000, reduziu o valor nominal de R$10 para R$1,00 e manteve a mesma estrutura de Patrimônio Líquido. Reservas de capital R$500.000,00 Lucros acumulados R$300.000,00 Total do Patrimônio Líquido R$2.800.000,00 A assembleia de acionistas autoriza o desdobramento de ações de dez por uma. O split não pode ser confundido com bonificação. Apesar de as duas práticas não alterarem o Patrimônio Líquido total da empresa, a bonificação é fruto de um aumento de capital social por incorporação de reservas, enquanto o desdobramento é uma forma de reduzir o preço de mercado das ações mediante alteração em seu valor nominal e na quantidade física emitida (SOUZA, 2002). O inverso do split é chamado de agrupamento de ações. A empresa reduz a quantidade de ações em circulação, em razão, por exemplo, de um baixo valor de mercado. A empresa troca certo número de ações por uma quantidade menor, sem alteração no valor do Capital Social (altera a quantidade de ações para um número menor, aumentando o valor nominal unitário). AULA 4 – CUSTO DO CAPITAL PRÓPRIO: CONSIDERANDO O RISCO, O RETORNO E A POLÍTICA DE DIVIDENDOS 75 Recompra de ações Ocorre quando a empresa compra de volta as ações de seus acionistas. Este mecanismo é utilizado quando a empresa quer aumentar o valor das ações para os acionistas ou para evitar a compra por terceiros de grande parcela do capital. Ao recomprar a ação, reduz-se o número de ações em circulação (as ações recompradas ficam na tesouraria); a operação “aquece” a demanda pelas ações, o que tende a aumentar o preço da ação no mercado. Para encerrar, é importante destacar que aspectos tributários podem afetar a política de dividendos. Um caso marcante é a questão dos Juros Sobre o Capital Próprio (JSCP), que foram criados pela Lei no 9.249/95, que substituiu a correção monetária dos balanços no Brasil, para atender aos objetivos de desindexação do Plano Real. A empresa pode reduzir de seu lucro real (tributável) os juros a título da remuneração do capital dos acionistas, promovendo uma economia do Imposto de Renda. Segundo Assaf Neto (2010), para o cálculo do JSCP, é: [...] aplicada a taxa de juros de longo prazo (TJLP) sobre o patrimônio líquido da empresa, e seu valor total máximo não pode exceder 50% entre o maior dos seguintes valores: i) lucro líquido antes do imposto de renda do exercício, e calculado antes dos referidos juros; ii) lucros acumulados dos exercícios anteriores. A apuração desse JSCP é opção de cada empresa, não sendo, portanto, obrigatória. Quando calculados e pagos aos acionistas, os JSCP são entendidos como se fossem dividendos para efeito de cálculo dos dividendos mínimos obrigatórios. Assim, os JSCP, ao se transformarem em dividendos, podem beneficiar as empresas, na totalidade ou em uma parcela, com um dividendo dedutível para fins de apuração do imposto de renda da pessoa jurídica (LEMES JUNIOR et al., 2010). O objetivo aqui não é estender esta análise, mas sim alertar que os aspectos da legislação societária devem ser considerados para implantação de qualquer política de distribuição de dividendos.