Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
REFLEXÕES SOBRE AS CONCEPÇÕES DE PERSONALIDADE E DE DIGNIDADE HUMANA: As teses de Robert Spaemann e de Ronald Oworkin Flávio Quinaud Pedron' 2 2.1. INTRODUÇÃO Falar em personalidade, ou seja, naqueles atributos ou condições que identificam uma pessoa - e por consequência, o que a separa do mundo das coisas (bens, para usar a expressãojurídica) - não é de modo algum uma seara pacífica e livre de mal-entendidos. Fato é que este discurso está permeado por verdadeiros sincretismos metodol6gicos, para usar a expressão de Virgílio Afonso da Silva (2005), o que faz com que os diversos falantes (doutrinadores) assumam um conjunto de teorias completamente contraditórias e inconciliáveis, sem, contudo, pontuar aos seus interlocutores tais pontos de choques (talvez por descuido ou por ignorância, talvez por perversidade ou intencionalidade). A questão se complica ainda mais quando essesmesmos autores buscam atrelar a concepção de personalidade que assumem a uma determinada ideia de dignidade da pessoa humana.í Esses sustentarão como a espinha dorsal do direito contemporâneo, sendo identificada, em muitas situações, com a própria ideia de personalidade. I Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Professor Adjunto IV na Pontifícia Uni- versidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas. Professor Adjunto no IBMEC. Professor Adjunto na UNIFENAS (BH). Professor da Fundação Escola do Ministé- rio Público de Minas Gerais. Membro da Associação Brasileira de Direito Processo Constitucional (ABDPC) e do Instituto de HerrnenêuticaJurídica (IHJ). Advogado. 2 .. Isto se deve, principalmente, porque tais bases não partilham sequer da mesma origem quanto à fundamentação; isto é, ora misturam uma teoria de matriz liberal com outra de matriz comunitarista, ora uma teoria tributária do jusnatu- ralismo com pensamentos de base realistas, por exemplo. Tudo isso transforma o discurso jurídico em uma própria Babel contemporânea, dificultando - e por vezes, até impedindo o desenvolvimento de uma teorização mais consistente. 33 Com o propósito de levantar algumas dessas leituras, o presente es- tudo parte de uma reconstrução da ideia de personalidade presente nos votos de um caso paradigmático levado ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal (STF), versando sobre a permissibílidade da interrupção dagravidez quando detectada a anencefalia do nascituro? Neste julgado, fica evidente que o entendimento do Tribunal sobre a personalidade, não se dá de modo completo e nem vem acompanhado por uma teorização suficiente. Ele selimita a sinalizar, em sede do julgamento liminar, uma equiparação entre personalidade e dignidade humana, de um lado, e a reconhecer o feto - mesmo anencéfalo - como uma pessoa (segundo um dos ministros, mesmo que em estado latente). Conduto, após oito 9fWS da primeira decisão, o produto final das interpretações levadas a cabo pelo Tribunal no momento de prolação de sua decisão final acabou por partir de outras premissas, inclusive negando o resultado da decisão liminar. Aqui, ao final, o STF considerou como inconstitu- cional a interpretação que afirma que a interrupção da gravidez de feto anencéfalo poderia ser tipificada como aborto; e dessa forma, garantiu um direito subjetivo a gestante nessas condições de interromper a gestação, sem carecer de autorização judicial para tanto. Se partirmos da leitura realizada por Spaemann, que vem mostrar que a personalidade é figura muito mais complexa, que se materializa - a partir de bases hegelianas - fruto de um processo de reconhecimento intersubjetivo entre a pessoa e a sua comunidade. Logo, falar em personalidade, portanto, é um atributo capaz de mediar a alteridade reciprocamente entre seres humanos. Já Ronald Dworkin, talvez um dos mais importantes pensadores do direito contemporâneo, a noção de dignidade humana merece ser colocada a outra luz, como elemento intermediário de uma teoria jurídi- co-moral preocupada com asbasesde uma sociedadedemocrática plura- lista, mas sem cair em uma leitura axiológica perigosa, como a realizada por diversosjuristas nacionais (SARLET, 2006; BARROSO, 2012).4 3 Em uma outra ocasião tivemos a oportunidade discutir com maior aprofun- damento VOtopor voto, seja da medida liminar, seja do julgamento de mérito da ADPF n. 54. Para tanto, remetemos a leitura de: QUINAUD PEDRON, Flávio; PEREIRA, Juliana Diniz. °julgamento da ADPF n. 54 pelo STF: un:a ~nálise herrnenêutica da compreensão do Tribunal acerca dos princípios jurídicos. In. DINIZ, Fernanda Paula; FILIPPO, Filipe de. Temas de direito público e privado. v. 2. Pará de Minas: Virtual Books, 2015. , Ver: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana. In: BARRE- TO, Vicente de Paulo. Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo 34 2.2. PONTO DE PARTIDA: O ENTENDIMENTO DO STF ACERCA DA PERSONALIDADE HUMANA NO CURSO DO JULGAMENTO DA MEDIDA lIMlNAR DA ADPF N. 54 A questão da personalidade e sua interconexão com a ideia de dignidade humana ficaram muito evidenciadas no curso do Jul- gamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 54 pelo Supremo Tribunal Federal. Alguns fatos anteriores devem ser mais bem aclarados a fim de que se possa enxergar o quadro completo dos fatos que compõe o caso (BENTO, 2006). Gabriela Oliveira Cordeiro procurou a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro para que fosse proposto um pedido judicial de alvará, junto ao juízo criminal da Comarca de Teresópolis/RJ, para que fosse autonzada a submeter-se a um procedimento cirúrgico de interrupção de sua gravidez, j~ que fora detectado que em seu útero gestava um feto anencéfalo.' Desse fato, fica claro que a mesma estava passando por complicações não apenas de ordem psicológica, mas ainda poderia estar causando riscos a sua saúde. O magistrado de primeiro grau proferiu decisão, nos seguin- tes termos: "indefiro o pedido por falta de amparo legal, eISque a hipótese vertente não se encontra inserida no bojo do art. 128 d~ Código Penal. Julgo, pois, extinto o processo, nos termos ~a lei processual". Em grau recursal, O Tribunal de jusnça do RIO de / Rio de Janeiro: Unisinos / Renovar, 2006; BARROSO, Luís Roberto. ~ dignidade da pessoa humana no d~r~ito, constitucional ~ontempora- neo: a construção de um conceIto jUndICO a luz dajunsprudencIa mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2012. Segundo a Resolução n. 1.752/04 do Conselho Federalde Medici~a, o anencé!alo não apresenta os "hemisférios cerebrais", de modo que esta sujeito apos o parto a sofrer uma "parada cardiorrespiratória", lo,go nas pnmelr~s horas ~o pós-parto. "A anencefalia é definida na LIteratura médica como a ma-formaç_ao fetal congênita por defeito do fechamento ~otubo neural dura,nte a gestaçao, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o cortex, hav:ndo apenas resíduo do tronco encefálico. (...) a anomalia Importa na me:lstencla de todas as funções superiores do sistema nervoso central - responsavel pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e ernonvi- dade. Restam apenas algumas funções inferiores que. controlam pa,r~Ialmente a respiração, as funções vasomotoras e a medula espmhal. Como e mtuItlv~, a anencefalia é incompatível com a VIda extra-utenna, sendo fata,l em 100Va dos casos. Não há controvérsia sobre o tema na LIteratura científica ou na experiência médica" (BARROSO, 2007, p. 3). 35 Janeiro reviu a decisão e autorizou o aborto. Na forma do HC n" 32.159-RJ, interposto em favor do nascituro, a questão chegou à 5' Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que se manifestou pela antijuridicidade da interrupção da gravidez+ A discussão levada ao STF, então, por meio da ADPF n. 54, situa-se em saber sobre a legalidade (agoracomo constitucionalidade) da interrupção da gravidez (aborto) para os casos nos quais for de- tectada pelos médicos a mâ formação cerebral do feto (anencefalia). O Código Penal, em seu art. 128,trata de situaçõesexcepcionais nas quais o ordenamento jurídico brasileiro autoriza a realização do procedimento abortivo, sem que com isso, implique sanções de ordem ,renal. Estas são apenas duas: quando da gravidez resultar perigo à vida da gestante ou quando a gravidez resultar de estupro. Por isso mesmo, a situação ventilada pelo STF, não se encontra amoldada nas permissibilidades da lei penal brasileira," Para o, então, advogado Luiz Roberto Barroso, em suapetição de ingresso, era o caso de se fazer uma interpretação conforme a Constituição dos dispositivos penais e assim autorizar também a interrupção da gravidez. Basicamente, os argumentos apresentados pelos ministros do Tribunal para chegarem a uma decisão se polarizam em dois gran- des grupos. O primeiro lado afirma uma identidade - e quase uma sacralidade - do direito a vida do nascituro, com aProteção jurídica dada à personalidade. É o que se vê logo nos primeiros momentos do julgamento, quando o Min. Eros Grau já declara que o feto é uma pessoa e afirma o seu direito ao nascimento. Nesse mesmo grupo, mas com uma posição diferenciada, o entendimento do Min. Cezar Peluso vem afirmar que a vida do feto anencéfalo é tão incerta quanto a dos demais seres (humanos). O problema sub judice fica, na verdade, em ~eadmitir que pessoas tenham a possibilidade de escolher quem VIvee/ou quem morre. Aqui, deixa claro que entende que o s~frimento ma:ern~ por se ver obrigada a aguardar o término do penodo de gestaçao nao pode ser colocado acima da existência (vida?) do feto." O voto do Min. Carlos Ayres de Britto já lança novo questio- namento: será que a personalidade do feto anencéfalo constitui fato não evidente? Por issomesmo irá afirmar a latência dessa vida,? que preponderará sobre qualquer outro interesse que possa ter a gestante. No lado argumentativamente oposto, destaca-seo voto do Min. SepúlvedaPertence, favoravelmentea gestante.tO A lógicaaqui exposta está em afirmar a existência de uma colisão de interesses - a vida do 8 Neste argumento acaba por transparecer uma visão judaico-cristã que afirma o poder pedagógico ou terapêutico do sofnmento da gestante, se~, contudo, avaliar os danos psicológicos ou mesmo físicos que a mesma estara se subme- tendo (FRANCO, 2005). 9 "( ... ) implica reconhecer que a lei penal proíbe a intenci_?nal contramarcha nos processos intra-uterinos que fazem do fruto da concepçao um ser em paul.anno avanço para um momento de vida já ocorren_re do lado de fora do feminino ventre. Concepçãoque é a pedra de toque da questao, sob ofundamento ,de hospedar-se nela opr6prio iniciode toda vida humana, emboraem estado latente. Latência, enfim, que, numa ponderação de valores, passa a preponderar sobre qualquer outro interesse ou bem jurídico por acaso alegado pela gestante (sempre ressalvadas as duas hipóteses de exclusão de punibilidade); que nem por se encont~~r em estado de gravidez se torna proprietária do ser que lhe aruma o venere (~RAS[L. Supremo Tribunal Federal. ADPF n. 54/DF. ReI. Min. Marco Aurelio). 10 "( .•• ) o desfazirnenro da gravidez anencéfala só é a~orto em linguagem simples- mente coloquial, assim usada como representaçao mental de um. fat,o .Sltuado no mundo do ser. Não é aborto, em linguagem depuradamente Jundlca,. p~r não corresponder a um fato alojado no mundo do dever-ser em que o DIreI- to consiste. °que faz ofiel da balança em que se pesam,co~trap~stos valores pender para o lado da gestante, na acepção de que ela Ja nao esta obngada a levar adiante uma gravidez tão somente comprometida com o pIOr dos malo- gros, quando do culminante instante do parto" (~RAS[L. Supremo Tnbunal Federal. ADPF n. 54/DF. ReI. Min. Marco Aurélio). 6 Segundo o STJ, caberia apenas aos defensores da tese dajuridicidade do aborto no ca: o de anencefalia lamentar a omissão do Legislador e nada mais, não podendo ser esperado do Judiciário qualquer outra póstuma mais ativista. ° posicionamento do ,STJ, então, não escapa a crítica feita pelo voto do Min. Joaquim Barbosa: "E importante salientar, porém, que em nenhum momento se cogitou de eventuais direitos da gestante, isto é, da paciente. Toda a discus- são levada a efeito no âmbito do Superior Tribunal de Justiça diz respeito aos direitos do nascituro sem qualquer alusão a eventuais direitos da gestante, como se esses direitos, constitucionalmente protegidos, não estivessem intimamente entrelaçados, ou seja, como se a proteção ao nascituro tivesse o condão de excluir completamente a proteção aos direitos da gestante. (...) a própria vida da paciente encontra-se em risco, na medida em que, diante de uma gravidez potencialmente problemática como a sua, caso surja a necessidade de uma in- tervenção cirúrgica de emergência, pousará sobre a paciente e sobre o médico que vier a assisti-Ia a ameaça da persecução criminal decorrente da vedação consubstanciada na decisão do Superior Tribunal de Justiça" (BRASIL. Su- premo Tribunal Federal. ADPF n. 54/DF. ReI. Min. Marco Aurélio). 7 Há quem entenda, contudo, inclusive apoiando-se em estudos médicos, que há sim um risco para a vida da gestante nos casos de gravidez de feto anencéfalo, o que a permitiria o aborto na forma legal (FRANCO, 2005). 36 37 feto em oposição ao direito de interrupção da gestação pela gestante. Mas tal afirmativa, ainda parece indicar que o feto anencéfalo está sendo tomado como um sujeito de direito - ainda que potencialmente. Também utilizando da ponderação de interesses, mas conduzindo seu pensamento em sentido contrário, o Min. Joaquim Barbosa afirmará que a escolha não poderá ser como queria o Min. Carlos Ayresde Britto, mas sim, dever-se-á voltar para proteção da escolha (autonomia da gestante)," ainda mais, porque não há que sefalar em di- reito a vida, já que estasemostra mínima em suaspossibilidades,quase inexistente. Nesse caso, argumenta que vilipendiaria a dignidade da pessoahumana impor sofrimento desnecessárioà gestante, subtrain- do-Ihe qualquer escolha. Ora, mesmo que aqui não caiba espaço par! uma maior discussão - e mesmo para críticas'? - à utilização daponderação de interesses e do instrumental da proporcionalidade (balanceamento) entre princípios, deve-se pontuar que o método alemão de solução de colisões entre direitos fundamentais somente faz sentido se reconhecer que em cada lado tem-se um sujeito de direito, dotado de direitos e obrigações. O próprio Min. Joaquim Barbosa ao afirmar que o feto anencéfalo não titulariza a condição de sujeito de direito, acaba sendo descabido afirmar que o mesmo titulariza interesse à proteção de sua própria vida, estando por so- lucionada um conflito que é na verdade apenas aparente. 11 "Em se, tra_tan~o de feto com vida extra-uterina inviável, a questão que se coloca e: nao ha possibilidade alguma de que esse feto venha a sobreviver fora do útero materno, pois, qualquer que seja o momento do parto ou a qualquer momento em que se Interrompa a gestação, o resultado será invariavelmente o mesmo: a morte do feto ou bebê. A antecipação desse evento morte em nome da saúde física e psíquica da mulher contrapõe-se ao princípio da dignidade humana, em sua perspectiva da liberdade, intimidade e autonomia privada? Nesse caso, a eventual opção da gestante pela interrupção da gravidez poderia ~er considerada crime? Entendo que não Sr. presidente. Isso porque, ao proceder a ponderação de valores jurídicos tutelados pelo direito, a vida extra-uterina inviável e a liberdade e autonomia da mulher, entendo que, no caso em tela, deve prevalecer a dignidade da mulher, deve prevalecer o direito de liberdade destade escolher aquilo que melhor representa os seus interesses pessoais, suas conVIcções morais e religiosas, seu sentimento pessoal" (BRASIL. Supremo Tnbunal Federal. ADPF n. 54/DF. ReI. Min. Marco Aurélio). 12 Para mais detalhes, reporta-se ao artigo QVINAVD PEDRON, Flávio. A solução do ~onfiito entre princípiospelajurisprudênciado Supremo Tribunal Federal: a tecruca da proporclOnahdade. Revista dos Tribunais. a. 97. v. 875. set./2008. 38 Nestes votos, o que transparece é que o STF ainda não des~n- volveu uma concepção clara do momento em que podemos consi- derar como o início da vida humana - e conseqüentemente de sua proteção jurídica. Diferentemente de outros ordenamentos jurídicos comparados - como, por exemplo, o Norte-Americano, que irá afirmar (por meio de decisões da Suprema Corte)':' que a vida humana surge quando o feto passaa ter capacidadede existir sem amãe (entre a 24' e a 26' semanas da gestação)" -, o julgado do STF não deixa claro qual a perspectiva teórica abraçada pelos julgadores," para afirmar porque o conflito jurídico deveria ser resolvido favoravelmente ao nascituro anencéfalo. A influência de valores religiosos (judaico-cristãos) parece ser o principal fundamento para afirmar que o anencéfalo é um ser vivo, e mais, é uma pessoa - um sujeito de direitos - capaz de exi- gir o respeito à sua vida (isto é, ver garantida a sua possibilidade de nascimento, mesmo que a fatalidade de suamorte - como esperado pela literatura médica - venha na seqüência). 13 Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973), e Planned Parenthoodoi Southwestern Pennsyl- vania v. Casey, 505 V.S. 833 (1992). Aqui, reconhece-se à mulher um direito constitucional amplo para realizar aborto no primeiro trimestre de gravidez. Após tal período, as restrições instituídas por leis estaduais podem ser pro- gressivamente mais severas. 14 "Em 1975, foi editada lei francesa permitindo o aborto, a pedido da mulher, até a 10' semana de gestação, quando a gestante afirmasse que a gravidez lhe causa angústia grave, ou a qualquer momento, por motivos rerapêuticos. A norma foi submetida ao controle de constitucionalidade (antes de editada) e ao controle de convencionalidade (após sua edição), tendo sido considerada compatível tanto com a Constituição francesa quanto com a C;0nvenção Eu- ropéia dos Direitos Humanos. Hoje, outra norma CUidada matena, mantendo a possibilidade relativamente ampla de aborto na França. (...) Na Alemanha, após uma posição inicial restritiva, materializada na decisão conhecida como "Aborto I" (1975), a Corte Constitucional, em decisão referida como "Abor- to Il" (1993), entendeu que uma lei que proibisse em regra o aborto, sem criminalizar a conduta da gestante, seria válida, desde que adotasse outras medidas para proteção do feto. Registrou, contudo, que o direito do feto à vida embora tenha valor elevado, não se estende a ponto de eliminar todos os direitos fundamentais da gestante, havendo casos em que deve ser permitida a realização do aborto" (BARROSO, 2007, p. 11). I; Como Lembra Barroso (2007), outras teses esposadas seria que a vida tem inicio: com a fecundação; com a nidação (fixação do embrião no útero mater- no); e quando da formação do sistema nervoso central (SNC), o que permite ao embrião sentir dor ou prazer. 39 Por fim, há aqueles que invocaram a dignidade humana como justificativa da tutela em favor da gestante. Aqui, entretanto, a dig- nidade humana foi tomada mais como uma vedação ao sofrimento a que seria submetida injustificadamente a gestante - inclusive as- similando isso a uma modalidade de tortura psicológica _,16 o que autorizaria a interrupção da gestação, do que como uma exteriori- zação da proteção à autonomia da gestante - única pessoa que, na I realidade, deveria decidir pela continuidade ou não da sua condição. 2.3. A TEORIA TRADICIONAL SOBRE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA DOUTRINA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA Falar em dignidade da pessoa humana não é uma novidade na História d<'thumanidade. Estudos indicam quejá na China Imperial, séculQ)V a.c., confucionistasafirmavam que cadaser humano nasce com uma dignidade que lhe é própria, sendo-lhe atribuída por ato da divindade (SARLET, 2006). Aqui, bem como nas diversastradições que se seguiram, inclusive cristãs, o homem é tomado como um ser especial, dotado de uma natureza ímpar perante todos os demais seres, razão pela qual não pode ser instrumentalizado, tratado como objeto, nem mesmo por outros seres humanos. Na Antiguidade, todavia, encontraremos culturas que afir- maram que a dignidade (do latim, dignitasl7) é expressão da posição social ocupada pelo indivíduo e pelo grau de reconhecimento que os demais componentes daquela comunidade atribuíam a um sujeito. Sob este prisma, existiriam, então, pessoas mais ou menos dignas socialmente (SARLET, 2006). No período da Escolástica, Santo Tomás de Aquino irá conju- gar dignidade com o fato de que o ser humano foi criado à seme- lhança de Deus, razão pela qual reside sua especialidade e, como 16 "A potencial ameaça à integridade fisica e os danos à integridade moral e psicológica na hipótese são evidentes. A convivência diuturna com a triste realidade e a lembrança ininrerrupta do feto dentro de seu corpo, que nunca poderá se tornar um ser vivo, podem ser comparadas à tortura psicológica. A Constituição Federal, como se sabe, veda toda forma de tortura (art. 5°, lII) e a legislação infraconstitucional define a tortura como situação de intenso sofrimento fisico ou mental" (BARROSO, 2007, p. 16). 17 Uma análise etimológica pode, inclusive, nos remeter a ideia que a palavra tem relação com ignis, que do latim quer dizerfogo, brilho. 40 consequência, sua capacidade de autonomia, autodeterminação, dando-lhe vontade própria, e assim, liberdade por natureza. Apenas com Kant (1980), no Iluminismo alemão, veremos a dessacralização da ideia de dignidade humana. A partir da defesa da autonomia moral do indivíduo, o filósofo alemão afirmará que o homem deve ser levado a sério, sendo sempre o fim maior das relações humanas e nunca um mero meio. Influenciados por Kant, então, a grande maioria dos teóricos do direito constitucional irão identificar a noção de que a dignidade representa o reconhecimento da singularidade e da individualidade de uma determinada pessoa; razão pela qual ela semostra insubstituível e igualmente importante para a ordem jurídica. Hegel,18por sua vez, irá sofisticar ainda mais a noção de dig- nidade humana quando concebe que esta é fruto de um complexo processo de reconhecimento. A ideia de reconhecimento surge no discurso filosófico a partir do pensamento de Hegel, ao trabalhar a dialética do senhor e do escravo, na Fenomenologia do Espírito. Aqui, o reconhecimento surge como uma luta. Assim, a mente, que existe como consciência individual. Cada consciência é incapaz de reco- nhecer autonomia em outra consciência;mais que isso,ela rouba essa autonomia, escravizando-a - impondo sobre ela suavisão de mundo e seus projetos para garantir o reconhecimento. Desse modo, em um primeiro momento, o escravo é obrigado pela força, a reconhe- cer no senhor o autor das ideias que guiam suas próprias ações; ao passo que o senhor não reconhece o escravo - senão como objeto, meio para atingir suas ideias e projetos. Mas esse reconhecimento conquistado pela força acaba por perder seu efeito: "ele só é reco- nhecimento efetivo quando aquele que reconhece o valor do outro também tem seu próprio valor honrado por ele" (ASSY;FERES JÚNIOR, 2006, p. 706). Issonos revelaque a reciprocidadeé condição essencial dessa dinâmica. 18 O termo tem sua origem no alemão, Anerkennung, derivado do verbo anetkennen, criado no século XVI a partir do latim, agnoscere.Aqui, o significado é o de identificar uma pessoa ou uma coisa, ou característica, por meio de um saber prévio, seja este produto ou não de uma experiência direta. Mas o conceito filosófico do termo apresenta uma modificação, uma vez que se ultrapassa aqui a ideia de uma "identificação cognitiva de uma pessoa", mas deve ser entendido como "atribuição de um valor positivo a essa pessoa, algo próximo do que entendemos por respeito" (ASSY; FERES JÚNIOR, 2006, p. 705). 41 Destacamos, portanto, uma diferençafundamental com o pensa- mento de Kant. Na Fundamentação da Metafisica dos Costumes, Kant irá despir o sujeito de todos os seus predicados contingentes, reduzindo o homem ao ser racional, que toma decisões morais autônomas, le- vando em conta apenas o fato dele partilhar um mundo com outros indivíduos igualmente racionais e potencialmente autônomos. Com isso atinge o imperativo categórico. Hegel, por outro lado, por partir da contingência do particular afirma que reconhecer o outro como racional - e com isso, autônomo - transforma o ponto de partida de Kant num problema crucial. E este problema somente pode ser solucionado através de percurso de desenvolvimento que culminará nas instituições complexas do Mercado e do Estado. Para ç Direito, a redescoberta da ideia de dignidade humana vem acompanhada de diversos documentos internacionais, na qual é citada ~ Estatuto (ou Carta) da Organização das Nações Unidas (1945),Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), Cons- tituição italiana (1948) e da Lei Fundamental da República Federal Alemã (1949). Representa, de certo modo, uma contraposição aos horrores vividos durante o período das Guerras Mundiais. Na tradição do direito alemão, isso significou, principalmente, afirmar que todos têm direito a ser tratado como pessoas, sendo respeitados de modo igual os seus direitos fundamentais (direitos humanos) independentemente de sexo, raça, língua, religião ou opi- niões políticas, condições de nascimento, econômicas e sociais. Isso, é claro, vem no sentido de combater a noção nazista de Untermensch (subumano), que afirmava uma desigualdade eugênica em prejuízo dos arianos (ALEXY, 1997). Para os italianos, a dignidade não é tão intangível e sua adjeti- vação não se faz com referência ao "humano", mas sim, fala-se em uma "dignidade social" e está ligada ao desenvolvimento "segundo as próprias possibilidades e a própria escolha, uma atividade ou uma função que concorra ao progresso material e espiritual da socieda- de" (art. 4°, § 2° da Constituição Italiana de 1948). Isso significa atar a ideia de dignidade a um conceito "econômico-social" e, por isso mesmo, associá-Ia ao "trabalho" como forma de dignificação do homem. A preocupação aqui não é com a pessoa em si (a partir de bases jusnaturalistas), como acontece na doutrina alemã, mas no processo de inserção dessa pessoa no tecido social; isto é, a pessoa assume não apenas um direito, mas também um dever de contribuir para o progresso da sociedade com seu trabalho. Mas esta vertente da ideia de dignidade parece ter ficado olvidada pelos junstas brasileiros que importaram a matriz alemã. . . Fato é que muitos autores registram uma dificuldade em con- ceber um conceito pacífico do que seja a dignidade humana, com~ reconhece Sarlet (2006). Isto se deve, principalmente, porque tais autores não conseguem - ou talvez não queiram - lançar mão de uma leitura, primeiro, dessacralizada do direito moderno - raz~o pela qual assumem concepções jusnaturalistas e valores ético-religiosos no intuito de substancializar seu argumento, procurando uma for- ma de perenidade na fluidez da modernidade; e segundo, rigorosa paradigmaticamente - desta forma, falta-Ihes uma teona do direito. Partindo das noções afirmadas pela teoria constitucional ma- joritária - ainda que pese as críticas feitas, bem COAmoas incoerências internas a esta teoria -, com fortes heranças germamcas e bases axio- lógicas, a dignidade dapessoa humana (art. 1°, III da CR/88) .é erigida a condição de meta-princípio (sic).Por isso mesmo esta irradia valores e vetores de interpretação para todos os demais direitos fundamen- tais, exigindo que a figura humana receba sempre um tratamento moral condizente e igualitário, sempre tratando cada pessoa como fim em si mesma, nunca como meio (coisas)para satisfação de outros . d . 19interesses ou de interesses e terceiros. Sendo assim, para os teóricos do constitucionalismo contem- porâneo, direitos - como vida, propriedade, liberdade, igualdade, dentre outros -, apenas encontram uma justificativa plausível se lidos e compatibilizados com o postulado da dignidade hun:ana. Afirmam, portanto, que a dignidade seria um super-pnncIplO, como uma norma dotada de maior importância e hierarquia que as demais (SIQUEIRA]r., 2008), que funcionaria como elemento de comunhão entre o direito e a moral, na qual o primeiro se funda- menta na segunda, encontrando sua base de justificação racional.ê? ~ i I 42 19 "O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignida~e da pessoa humana apresenta-se em uma dupla conce~ção. Primeiramente, pre~e um direito individual protetivo, seja em relação ao propno Estado, seJaem relaçao aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamen:al de tratamento igualitário entre semelhantes. Esse dever configura-se pela _eXlgencla do indivíduo respeitar a dignidadede seu semelhante tal qual a Consrituição Federal exige que lhe respeitem a própria" (MORAES, 2007, p. 46). 20 Todavia, um alerta: proceder assim é ignorar os riscos ~e retr:_ocedera tradição jusnaturalista, ou pior, apagar os traços de autonomia sisterrnca que separa 43 Por exemplo, a vedação geral a penas de morte, já que suprimindo a vida, suprime-se também qualquer côndição de existência, inclusive moral do sujeito (VIEIRA, 2006, p. 68-69). Por isso mesmo, afirmam alguns autores que questões limites como eutanásiae aborto fazemremissãoa uma discussãoda dignidade humana, uma vez que sãomuitas vezes lidas na forma de uma colisão ent!e direitos à liberdade e à vida biológica (VIEIRA, 2006, p. 69). Verdade é que ajurisprudência do STF não desenvolveu ainda um entendimento do que sejaa dignidade de maneira sistematizada. Apesar disso, alguns autores fazem esforçoshercúleos no sentido de dotar tais decisões de uma lógica e coerência, extraindo dasmesmas uma doutrina sobre a dignidade da pessoa humana.",.. 2.4. A TESE DE SPAEMANN SOBRE A PERSONALIDADE...•. Robert Spaemann é um dos grandes nomes da filosofia e da teologia cristã da atualidade. Elogiado pela ala conservadorada Igreja, inclusivepelo PapaBento XVI. Ele escreve, geralmente, sobre temas como bioética, direitos humanos e meio ambiente. O presente paper toma como principal referência a teoria da personalidade que Spaemann irá apresentar em sua obra Personen: Versuche uber den Unterschied zwischen 'etwas' aunda 'jemand',22 recons- truindo seus principais argumentos. Segundo, Spaemann, Boécio foi um dos primeiros pensadores a se debruçar sobre a questão da personalidade, cunhando uma célebre o direito e a moral. Ver: HABERMAS, ]ürgen. A inclusão do outro: estudos de teoriapolltica. Tradução: George Speiber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002. 21 No julgamento do HC 71.373-4 RS, o STF entendeu por solucionar um suposto conflito e~tre dignidade humana e direito à intimidade, no que diz respeito a possibilidade (ou não) de condução coercitiva do suposto pai em sede de processo de investigação de paternidade. Ainda que pese críticas à fundamentação adotada, o Tribunal compreendeu, com exatidão, que os ins- t~umentos mfraconstitucionais, principalmente aqueles de ordem processual, Ja estabeleciam um sistema de onus probandi, de modo que a recusa em proce- der ao exame, não representava o descumprimento de um dever processual de prova; muito antes, estabelecia uma presunção em sentido contrário do argumentado pelo investigado, presumindo a paternidade. 22 Será feita uso da tradução para o inglês: SPAEMANN, Robert. Persons: the differencebetween 'someone' and 'something'. Trad. Oliver O'Donovan. Oxford: Oxford University Press, 2006. 44 definição de que se trata de uma "substância individual de natureza racional" (SPAEMANN, 2006, p. 9). Desde então, a filosofia tem procurado identificar os atributos que permitam agrupar determi- nados seres em um mesmo conjunto sob estetítulo. Isto quer dizer que falar em pessoas deveria ser algo mais que falar em "substâncias mentais" (cogito), como queria Descartes. Outros autores irão afir- mar que pessoas seriam formadas por uma autoconsciência ou por indivíduos capazes de interações comunicativas. Outros serão mais explícitos e dirão que todos os seres humanos são pessoas, mas será isso mesmo uma verdade filosófica ou apenas um axioma repetido por anos sem a devida reflexão? Falar em "pessoas", a princípio, parece algo distinto de se falar em "sereshumanos". O segundo conceito designa mais uma relação entre espécies animais, ao passo, que o primeiro assume um ponto de vista interno, isto é, aborda uma relação interna entre essesseres humanos; isso significa afirmar uma relação de reconhecimento ou de pertencimento, que deve ser mais bem detalhada a frente (SPAEMANN, 2006, p. 25). A ideia do cogito cartesiano sinaliza para um dado importante: falar em personalidade é necessariamente falar de manifestação de subjetividade,mas com capacidadede transcendência (SPAEMANN, 2006, p. 57).Nessa perspectiva, a personalidade se forma e semani- festa a partir de uma projeção criada pela inter-relação corpo/mente. .Uma pessoa não é apenas um indivíduo dotado de um corpo físico com característicasfisiológicassimilaresaosdemais - dois braços, dois d duzi ,_ 'b23pulmões, etc. - nem se po e re UZlT a um orgao, como o cere ro. Antes de tudo, uma pessoa representa a afirmação de uma consciência, dotada de particularidades e, porque não dizer, indivi- dualidade. Esta consciência manifesta-se a partir de uma noção de tempo e de espaço, além disso, ela faz uso de um médium linguístico para se inserir em uma determinada comunidade e assim, forjar para si a ideia de um "horizonce"." 23 Por isso mesmo, para o autor as pessoas são mais que cérebros em um recipiente (corpo). O que se têm é uma interação dinâmica que conforma e permite a transcendência lingüística da experiência humana. 24 Este horizonte é ao mesmo tempo fator limitador e condição de possibilidade de toda a interação comunicativa dessa consciência que chamamos pessoa. Ver: SPAEMANN, 2006, p. 175. "Horizonte é o âmbito de visão que abar- ca e encerra tudo o que é visível a partir de um determinado ponto. [...) A 45 Para Spaemann, seria esta consciência que conferiria a uma pessoa sua dignidade (SPAEMANN, 2006). A consciência permi- tiria a realização de escolhas intencionais e o próprio aprendizado moral. Assim, como lecionara Kant, constitui mandamento moral tratar todas as pessoas como sujeitos detentores dessa consciência moral e de individualidade. Assim, a pessoa é posta em um pa- tamar privilegiado com relação a tudo mais existente - animais, plantãs, objetos, etc. Ela é o fim de todas as coisas, mas dizer isso é um pouco vago e o próprio autor reconhece que o uso da ideia de dignidade de modo irrefletido, como vem acontecendo, pode aca- bar contribuindo para um esvaziamento do seu sentido. Para tanto, apela para Agostinho, que religará a ideia de dignidade à ideia de Deus. Nesse-prisma, a dignidade não é do homem como um dado fornecido .por sua conformação genética, mas antes porque ele é o _ único ser capaz de relativizar a si, e, com isso,assumir uma distância de sua própria subjetividade, contextualizar seuspróprios interesses em conjunto a outros interesses (humanos e não-humanos). Mas sua própria capacidade de relativizar-se revela um paradoxo, pois é ela que o faz absoluto. Por isso, cita o Bispo de Hipona: "amor Dei usque ad contemptum sui". Assumindo a dignidade como um conceito metafisico-religioso, Spaemann apelapara fundamentar a dignidade em algo que é superior ao próprio homem. Mas ainda assim, fica uma questão pendente: como se daria esta c,onexãode consciênciascapazesde permitir a transcendência da per- sonalidade e o compartilhamento dessasubjetividade com os demais? Ora, para tanto, Spaemann (2006) tem que assumir a ideia he- geliana de reconhecimento como ponto essencial de sua teoria da personalidade.Éjustamente a capacidade,que exclusivamenteosseres linguagem filosófica empregou essa palavra, sobretudo desde Nietzsche e Husserl, para caracterizar a vinculação do pensamento à sua determinidade finita e para caracterizar, com isso, a lei do pregresso de ampliação do âmbito visual. Aquele que não tem um horizonte é um homem que não vê sufi- CIentemente longe e que, por conseguinte, supervaloriza o que lhe está mais próximo. Pelo contrário, ter horizontes significa não estar limitado ao que há de mais próximo, mas poder ver além disso. Aquele que tem horizontes sabe valorizar corretamente o significado de todas as coisas que caem dentro deles, segundo os padrões de próximo e distante, de grande e pequeno. A elaboração da situação hermenêutica significa então a obtenção do horizonte de quesrionarnento correto para as questões que se colocam frente à tradição" (GADAMER, 2001. p. 452). 46 humanos têm, de realizar um processo de reconhecimento (àsvezes uma verdadeira luta por reconhecimento,já que não está livre de poten- ciais conflituosidades)que faz com que "alguém" possa se distinguir de "algo". O processode reconhecimento não pode ser tomado como um raciocínio analógico (SPAEMANN, 2006). Nessa dinâmica, o reconhecimento não apresenta passospara ser seguido. Antes, requer um compartilhamento do horizonte com as outras pessoas.Dentro desseuniverso comum, o reconhecimento emerge espontaneamente. E é por causa do reconhecimento do outro como uma pes- soa igual a si, que se desenvolve o aprendizado das normas morais (SPAEMANN, 2006). Ao reconhecer alguém, atribuí-se a esta pessoa os mesmos conjuntos de direitos e de deveres. Aqui se as- senta a noção de dignidade humana, cujo termo deve substituir a ideia de um valor humano, para se afirmar como um dever, dado a relatividade da ideia de valores. Isso pode ser bem explicitado no pensamento kantiano, através do imperativo categórico. Assim, a noção de reconhecimento se assenta, ainda, na atribuição de igual respeito a todos os seres humanos (SPAEMANN, 2006). Aliada a ideia de reconhecimento e de respeito igual, está a figura da liberdade. Ao reconhecer alguém a condição de pessoa, reconhecemos a esta um espaço de manifestação de sua individua- lidade, espaço este, inclusive protegido pelo próprio Estado através das normas jurídicas. Agora, já de posse dessareflexão, cabe indagar: quando começa a personalidade de um ser humano? Aqui, uma reflexão preliminar: o que Spaemann busca, na verdade, é situar a linha de raciocínio para fora da tradição do utilitarismo,25segundoa qual dor e prazer podem resumir todo um 25 "De modo geral, o termo 'utilitarisrno' designa a doutrina segundo a qual o valor supremo é a utilidade, isto é, a doutrina segunda a qual a proposição 'x é valioso' é considerada como sinônima da proposição 'x é útil'. O utilita- rismo pode ser uma tendência prática ou uma elaboração teórica, ou ambas as coisas a um só tempo. Como tendência prática pode ser o resultado do instinto (em particular do instinto da espécie), ou conseqüência de um certo sistema de crenças orientadas para as convivências de uma comunidade dada ou manifestação de uma reflexão intelectual. Como elaboração teórica pode ser o resultado da justificação intelectual de uma prévia atitude utilitária, ou a conseqüência de uma pura teorização sobre os conceitos fundamentais éticos e axiológicos, ou as duas coisas ao mesmo tempo" (FERRATER MORA, 2001, p. 2959-2960). 47 conjunto de complexidades de referenciais para a ação e entendimen- to humano. Esses conceitos apontariam a direção da ação humana correta, isto é, aquela que busca escapar da dor e alcançar sempre o máximo de prazer possível (princípio da utilidade, segundo Benthan). Segundo o utilitarismo de autores como Peter Singer, não é possível reconhecer personalidade a um feto, mas apenas identificá-Io como algo dentrodo ventre materno e, portanto, de proteção jurídica - o que irtclui à vida. A personalidade, então, adviria com o nascimento com vida (SPAEMANN, 1997). Mas para Spaemann, a personalidade é um atributo que en- cerra propriedades compartilhadas por todos os seres humanos. Mas isso não significa que são as propriedades que fazem com que se identffique a personalidade. Antes disso, pessoa é o ser humano que a possui (SPAEMANN, 2006). Na verdade, essas propriedadés atuam como condições de possibilidade do processo de reconhecimento. Ao afirmar isso, o autor nega a tese de que a personalidade seja um fato natural ou mesmo biológico; antes disso, ela representa uma construção social, um modo de viver - ou de existir (SPAEMANN, 2006). O primeiro nível desse reconhecimento, então, tem início com a relação mãe/filho. Aqui filho e mãe se constituem como organismos diversos e autônomos. É através da interação entre ambos que a mãe reconhecerá personalidade ao filho, conferindo- -lhe condições para seu desenvolvimento. Ele receberá um nome, que o individuará, terá suas próprias coisas - roupas, brinquedos, etc. Aprenderá a se comunicar utilizando a mesma linguagem de seus pais e assim se inserirá em uma comunidade, dividindo com esta um horizonte compartilhado de sentidos. E mais importante, sendo reconhecido por esta comunidade como alguém detentor dos atributos da personalidade. A tese do nascituro como sendo uma pessoa latente - como quer parte do STF e os filósofos utilitaristas, como Peter Singer, por exemplo - é, então rejeitada por Spaemann (2006). Não são pessoas em potencial- ou se é uma pessoa, ou não se é. Caso con- trário ter-se-ia O absurdo de afirmar que uma pessoa se origina de algo! Ora, uma pessoa não é um produto de modificações; ela é uma "substância", no dizer de Aristóteles, sendo algo que já se está lá. Por isso mesmo, não se pode identificar o início da existência de uma pessoa dissociada no início da existência do ser humano 48 que ali está. A personalidade não é o resultado de um processo de desenvolvimento, mas sim uma "moldura" (SPAEMANN, 2006). Mas aqui, Spaemann tem outro desafio à frente: superar a tese do especismo; isto é a afirmação de que a personalidade decor- re, então, do simples fato daquele ser pertencer à espécie humana (BECCHI, 2008). A solução encontrada está na reinserção da ideia de dignidade humana, fundamentando-a como conceito metafísico-religioso. 2.5. A TESE DE DWORKIN ACERCA DA CONCEPÇÃO ADEQUADA DE DIGNIDADE HUMANA Divergindo também da linha de raciocínio tradicional, a leitura de Dworkin (2006) sobre a dignidade humana, na realidade, busca conciliar os princípios da igualdade e da liberdade, afirmando duas dimensões da dignidade: ia) através do reconhecimento da impor- tância de cada projeto de vida individual; e 2') através da proteção da autonomia individual na persecução desse projeto de vida. Para tanto, falar em dignidade da pessoa humana somente faz sentido se entendido como vista pelo prisma da garantia de iguais liberdades subjetivas para ação. Partindo dessaperspectiva podemos tentar recolocar a dignidade da pessoa humana como condição de legitimação não apenas dos direitos fundamentais, mas de todo o ordenamento jurídico, sem correr os riscos de esbarrar com questões de fundamentação moral ou assumir uma via de volta ao jusnaturalismo. Mais que afirmar que o ser humano deve ser tratado como um ser único, individual, como faz boa parte dos juristas nacionais, a leitura de Dworkin busca justificar-se na própria auto fundação do direito moderno (QUINAUD PEDRON, 2012). A partir disso, e levando em conta uma importante reflexão sobre a natureza interpretativa dos conceitos morais e jurídicos, Dworkin (2011)promoverá uma teoria da justiça que traduza as duas dimensões da dignidade em: (1) um principio do auto respeito - que levanta exigências de que cada um de nós leve à serio sua própria vida, tomando como importante a sua busca por sucesso; e (2) um princípio da autenticidade - para o qual todos nós temos uma responsa- bilidade pessoal em identificar o que para nós pode ser denominado de uma vida de sucesso. 49 Todavia, sob um ponto de vista de uma teoria complementar en- tre ética e moral, alguém que vive bem compreende e busca uma vida boa para si mesmo, mas não se olvida de levar em conta a dignidade e suas dimensões; com isso, irá respeitar também a importância da vida das outras pessoas e da responsabilidade ética pelas suas escolhas que elas também possuem (DWORKIN, 2011). Logo, a concepção de dignidade levada a cabo por Dworkin, em seu último livro, afirma a existência de uma responsabilidade individual (quer ética, quer moral, quer jurídica, quer política) com a vida das demais pessoas presentes na sociedade. Esse vínculo normativo constituirá o mecanismo de solidariedade social, capaz de unir cada membro da sociedade ao compromisso de compor uma comunidade de princípios. Haberrnas (1998) identificará tal proposição com o código da modernidade (liberdade e igualdade) e buscará explicar que como se dá tal procdso de produção de normas jurídicas legítimas, no qual cada sujeito é ao mesmo tempo autor e destinatário das normas. Isso é fundamental, e por isso parece ser uma leitura mais adequada, já que não busca assentar a noção de dignidade humana sob um conjunto de valores que reflete apenas uma visão particu- lar de mundo - mais exatamente a tradição judaico-cristã." Ao se abrir a porta para uma fundamentação normativa própria do direito, participantes de outras concepções podem tomar assento nessa prática comunicativa, sentindo-se igualmente coautores das normas a que se submetem. Isso tem dois objetivos principais: impedir que uma decisão iiisti-' . tucional (jurisdicional ou legislativa) seja tomada a partir do ponto de visto de uma cultura particular; e que decisões possam se apoiam em preconceitos culturais, consequentemente. 2.6. VOLTANDO AO PONTO DE PARTIDA: ANENCEFALlA E PERSONALIDADE NO ENTENDIMENTO DO STF As reflexões de Spaemann e de Dworkin são, então, importantes para que se possa compreender o problema na sua melhor luz. 26 Basta ver a afirmação de Luís Roberto Barroso: "O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. Relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito quanto com as condições materiais de subsis- tência". (BARROSO, 2007, p. 15) 50 Sendo assim, se uma pessoa é uma construção social, um indi- víduo dotado de atributos que encerram sua personalidade - dentre eles a capacidade de reconhecimento, de comunhão de iguais direitos e de liberdade de configuração do seu projeto de vid~ -, o que se pode dizer do nascituro que apresenta anencefalia? E visível que este não poderá reconhecer pessoas, ou mesmo exercitar os direitos de que é titular ou sua liberdade de escolha. Neste caso, poderá ele, mesmo assim, ser considerado uma pessoa? No raciocínio de Spaemann (2006), a resposta é afirmativa. Utilizando de uma metáfora o autor alemão diz: não é porque uma cadeira está quebrada - e por isso, que não sirva para o que ela se destina - que ela deixará se ser uma cadeira. Ela permanece uma cadeira, mas agora adjetivada por "quebrada". O mesmo raciocínio se aplicaria, então, as situações de anencefalia ou mesmo de um pa- ciente em estado vegetativo com morte cerebral; nesse caso, estamos diante de uma pessoa doente, mas antes de tudo, de uma pessoa. Para o pensador alemão, portanto, neurologistas são incapazes de justificar uma eventual integração dos órgãos sem o encéfalo, o que os leva a adotar uma visão que associa o cérebro à_mente - ou mesmo à personalidade - para poder embasar a definição d~ mort~ encefálica como a morte do indivíduo. Mas se a personalidade e algo distinto da vida ou da existência do ser, ela é autônoma e in- deper;dente (SPAEMANN,1997). , . , . E interessante que mesmo como defensor da etica católica, Spaemann se vê forçado a desconectar personalidade e corpo, a fim de não cair em uma cilada, defender o cérebro como órgão funda- mental da vida e matriz da própria personalidade - argumento esse , que a própria doutrina católica acaba endossando. Se for buscado em Aristóteles, encontrar-se-à um ponto de divergência, pois para o sábio de Estagira, a unidade orgânica do ser humano demanda uma união da ação cognitiva, sensitiva e vegetativa. E para tanto, caberia ao cérebro a função de órgão de mediação dessas funções. Como centro do sistema nervoso, é fato que não poderia existir sozinho, independente das demais partes do organismo, mas estas também perdem sua condição de manutenção sem ele (relação todo/ parte). Tomás de Aquino, por outro lado, faz uma ligação dinâmica entre alma (cérebro) e corpo. Deixando o primeiro de funcionar corretamente - ou nunca vindo a funcionar, como no caso da anencefalia - o corpo perde a potencialidade de desenvolvimento 51 e morre. O argumento aqui é mais sofisticado que parece. Não se está afirmando uma equiparação cérebro e personalidade, mas sim, a impossibilidade biológica de manutenção das demais funções do corpo caso ele seja "removido". Já Santo Agostinho, irá sim fazer uma equiparação entre cérebro e alma, inclusive afirmando no seu Comentário Literal ao Gênesis (Pandectas21) que removendo o primeiro do corpo, ter-se-ia a automática perda do segundo. Todavia, algumas colocações merecem ser feitas: Primeiramente, Spaemann avançamuito com relação ao debate travado no Supremo Tribunal Federal brasileiro quando reconhece a personalidade como algo distinto da humanidade. A personalidade, ainda que coincidente cronologicamente com a existência biológica, não se confunde com esta; além disso, enxerga-a como uma cons- trução social, vencendo as teses naturalistas esposadaspelo STF e dotando de mais jusfundamentalidade o argumento em defesa da preservação da gestação. Contudo, a solução para o problema do especismó acaba se transformando em outro problema. Ao fundamentar a dignidade em bases teológicas, Spaemann retrocede em seu raciocínio e acaba por assumir claramente posiçõesjusnaturalistas, em nada diferentes do raciocínio já levado a cabo pelos juristas brasileiros ou pelos ministros do STF. Ora, apelar para soluções como a que ele lança mão, acaba por enfraquecer o argumento. Não se pode esquecer nunca que a sociedade contemporânea é secularizada, de modo que tais argumentos com dificuldades "sobreviveriam" após serem submetidos a uma esferapública plural." , E por fim, o processo de reconhecimento da personalidade em Spaemann merecia ainda maiores detalhamentos, pois se mostra como a sua grande contribuição para um debate público racional e 27 "linguagem religiosa não é mais simplesmente consolatória, não se refere apenas à esfera privada dos indivíduos, nem mesmo cumpre uma função tão-somente no interior da Lebenswelt ('mundo vita!'), mas exprime razões, ocupa um espaço na 'esfera pública polifônica'. Confinar Deus exclusivamente no âmbito privado da própria consciência significa esterilizar a contribuição que a religião pode oferecer ao desenvolvimento da sociedade civil. O pro- cesso de secularização deveria, então, cumprir-se não de forma destrutiva, mas na forma de tradução: 'Traduzir a ideia de um homem criado à imagem e semelhança de Deus, na ideia de uma igual dignidade de todos os homens, de respeitar-se incondicionalmente, constitui um exemplo de tal tradução preservadora'" (BECCHI, 2008). 52 maiores críticas a seu funcionamento acabam por fugir e ultrapassar 28o escopo do presente texto. -e- Sinteticamente, o reconhecimento é posto por Spaemann a par- ti de uma interação pacífica, espontânea, na qual um sujeito aceita aI~ersonalidade e a alteridade do outro. Todavia, desde Hegel- na sua dialética do senhor e do escravo - a questão do recon;eclI~ento não escapade uma luta - àsvezes até mesmo em seu senti o propno, . I' . 29ou seja, com VIOenCIa. . _ , Assim, cabe questionar: em que condições tal ser - o anencefalo - poderia reivindicar publicamente reco~hecimento e.dIreIt~s,caso isso lhe fosse negado no âmbito da SOCIedade?E mais, ser~ que o STF aoproduzir sua decisão liminar, baseou-se no reco,nheClmento de personalidade ao nascituro ou apenas ~a s~bse.rv~e~cIaa uma doutrina eclesiástica- subordmando o direito a religião- Como anteriormente relatado, somente após 8 anos, o STF voltou-se para o julgamento de mérito da AD~F_n. 54. O Tnbunal sofreuuma alteraçãosubstancialem sua composiçao: dos onz~mInIS- tros que decidiram amedida liminar, apenasquatro semantiveram, sendo substituído por outros julgadores. Assim, OItovotos formam favoráveisa procedência da ADPF n. 54. . . Em diversos votos a favor da interrupção da gravidez a teona de Dworkin foi utilizada, seja para justificar a laicidade do Estado (comofeito peloMin. Marco Aurélio), sejapara afir:na~a necessidade do Tribunal desenvolver uma interpretação dos pnncIpIOsv~ltada a garantia da efetividade dos direitos fundamentais (como feito pela Min. Cármen Lúcia). , . Contudo, a questão não ficou suficiente clara para o cenar:o jurídico brasileiro, que ainda se mostra inseguro acerca da correç_ao da decisão prolatada pelo STF. Assistimos a movimentos de reaçao, principalmente, por concepções equivocadament: tomadas pelo conteúdo ético-religioso, principalmente no Legislativonacional q~e buscam superar o estabelecido pela decisão por meio da elaboraçao 28 B se as obras.l) HONNETH Axel. Luta por reconhecimento:A gramá-asta recorrer-. , , . h . . I d ·Il"t . '. ou 2) TAYLOR Charles. A politica do recon eamento.tlca mora os conJd os SOCIaIS, , 29 Nesse sentido, não há como discordar de Habermas (2002) quando afirma . I idade do movimento feminista por direitos e na forma como estea smgu an A • d .. da e da conseguiu traduzir muito bem a interdependência a autonomia pnva autonomia pública. 53 de legislações inversas (como é o caso do malfadado "Estatuto do N . "30) R -ascituro . eaçoes como estas servem para demonstrar com clareza que a questão é mais complexa que parece e não pode ser assumida publIcamente - sob pena de perda de racionalidade dis- cursiva - de modo maniqueísta. O presente texto não tem o escopo de produzir uma reflexão exaus.tiva, muito pelo contrário, o que se procurou aqui foi levantar questIOnam,entos e iluminar as aporias existentes no discurso jurídico e na sistematica de decisão jurisdicional. .Fato é que as posições comumente assumidas pelos juristas brasileiros deixam de lado a importância de se proceder a uma com- ~reensão adequad~ do papel do direito moderno, sendo atraídos pelo canto das sereias", mas sem os cuidados e a sagacidade de Ulisses. REFER~NCIAS AFONSO DA SU-VA,Virgílio. Interpretação constitucional e si~cretismo metod.oló~ico. In: ~FONSO DA SILVA, Virgílio (org.). Interpretação constItucIOnal. Sao Paulo: Malheiros, 2005. ALEXY, R~bert. EI concepto y Ia validez deI derecho. 2. ed., Trad. Jorge M. Sena. Barcelona: Gedisa, 1997. A~SY,Bethânia. FERES JÚNIOR,João. Reconhecimento. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo / RIO de Janeiro: Unisinos / Renovar, 2006, p. 705. B~~ROSO, .Luís. Roberto. A dignidade da pessoa humana no dI~eIto ?onstItuClonal contemporâneo: a construção de um conceito jurídico a luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2012. --:----. Gestação de fetos anencefálicos e pesquisas com células-tronco: dOIStemas acerca da vida e da dignidade na Constituição. Panóptica. ano 1, n. 7, mar./abr. 2007. BECCHI, Paolo. O princípio da dignidade humana. Trad. Guilherme Genro. Editora Fórum. Belo Horizonte. Disponível em: <http:// www.edItforu~.com.br/SlSt/conteudo/imprime_conteudo.asp?FIDT_ CONTEUDO-55216>. Acesso em 31 de janeiro de 2008.30 A proposta original, de autoria dos deputados federais Luiz Carlos Bassuma e Miguel Martini, defendia a alteração do Código Penal brasileiro para con.slderaro aborto como cnrne hediondo, proibir em todos os casos, além de ~rOJblro congelamento, descarte e comércio de embriões humanos, com a uruca finalidade de serem suas células transplantadas em adultos doentes. BENTO, Cíntia Kelly da Cruz. A análise da ADPF n. 54/2004 à luz da hermenêutica constitucional e da teoria dos princípios. 2006. Monografia (Bacharelado em Direito) - Faculdade Mineira de Direito, ";"Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias, Campus São Gabnel. Belo Horizonte. . CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. DWORKIN, Ronald. Justice for hedgehogs. Cambridge: Harvard University, 2011. _____ . Is democracy possible here?: principles for a new political debate. Princeron/Oxford: Princeton University Press, 2006. FERRATER MORA,]osé. Dicionário de filosofia. Trad. Maria Stela Gonçalves et alli. São Paulo: Loyola, 2001. 4 v. FRANCO, Alberto Silva. Anencefalia: breves considerações médicas, bioéticas, jurídicas e jurídico-penais. Revista dos Tribunais, n. 833. mar./2005. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: fundamentos de uma hermenêutica filosófica. 3. ed. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 200l. HABERMAS,]ürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução: George Speiber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002. ___ . Facticidad y validez: sobre el derecho y el Estado democr~tico de derecho en términos de teoría dei discurso. Trad. Manuel jiménez Redondo. Madrid: Trotta, 1998. HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafisica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. In: Os Pensadores. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2007. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana. In: BARRETO, Vicente de Paulo. Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo / Rio de Janeiro: Unisinos / Renovar, 2006. SIQUEIRA]r., Paulo Hamilton. Dignidade da Pessoa Humana. Revista dos Tribunais. a. 97. v. 875. set./2008. SPAEMANN, Robert. Persons: the difference between 'someone' and 'something'. Trad. Oliver O'Donovan. Oxford: Oxford University Press, 2006. 55 SPAEMANN, Robert. ~Son todos los hombres personas? Trad. Ricardo Barrio Moreno e José Ma Barrio Maestre. Cuadernos de bioética. v. 8, n. 31, 1997. QUINAUD PEDRo.N, Flávio; PEREIRA, Juliana Diniz. o. julgamento da ADPF n 54 pelo STF· um 'li h A. -.. . a ana se errneneutica da compreensao do Tnbunal acerca dos princípios jurídicos. In: DINIZ, Fernanda Paula; FILIPPo., Filipe de. Temas de direito público e privado. v. 2. Pará de Minas: VIrtual Books, 2015. -----. Mutação constitucional e crise do positivismo jurídico. Belo Honzonte: Arraes, 2012. ------. A solução do confli~o entre princípios pela jurisprudência do Su~remo _Tnbunal Federal: a tecnica da proporcionalidade. Revista dos Tribunais, a. 97. v. 875. set./2008. TAYLo.R, Charles. A política do reconhecimento. In: TAYLo.R CL..-IA fil 'fi ' l:nli es.rgumentos oso coso São Paulo: Loyola, 2000. VIEIRA: Oscar Vilhena. Direitos fundamentais: uma leitura da Junsprudencla'do STF. São Paulo: Malheiros, 2006. 56 A DESCONSIDERAÇÃO pA PERSONALIDADE JURIDICA NO NOVO CPC: Aspectos procedimentais e o devido processo constitucional Helena Guimarães Barrete' 3 3~.NOÇaESINTRODUTORIAS o NOVO CPC (Lei n. 13.105/15) inovou em nosso orde- namento jurídico" ao fazer a previsão acerca do procedimento de desconsideração da personalidade jurídica. Até a edição do Novo Código de Processo Civil havia previsão apenas do direito material aplicável,' não existindo normas de direito processual que regula- mentassem a aplicação do instituto em um processo judicial. I Mestre em Direito Processualpela Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas. Professora dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Processual Civil do Centro de Atualização em Direito (CAD/FUMEC); da Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC) e do Instituto Elpídio Do- nizetti (IED). Professora dos Cursos de Pós-Graduação do IDDE - Instituto para o Desenvolvimento Democrático/Universidade de Coimbra - Portugal. Professora de Processo Civil da Fundação da Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais (FESMPMG). Advogada. 2 Apesar do NOVO CPC ser o primeiro instrumento jurídico a processualizar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. o Projeto de Lei n. 2.426/2003. que tramitou mais de 10 (dez)anos no Congresso Nacional e foi arquivado. tendo em vista a incorporação de vários dos seus dispositivos pelo NOVO CPC, tentou regulamentar a aplicação do instituto. Em síntese, o referidoProjeto apresentou asseguintes diferençasem relaçãoaoNOVO CPC: (1)Previsão expressada aplicação da desconsideração para ajustiça comum e para ajustiça do trabalho; (2)Possibilidadedo juiz aplicara desconsideraçãode oficio; (3)O requerimento de postulação da desconsideração deveria indicar necessariamente os atos praticados e as pessoas dela beneficiadas. (4)A ins- tauração do incidente seria feita em autos apartados; (5) "Amera inexistência ou insuficiência de patrimônio" não autorizaria a desconsideração. 3 Na legislaçãobrasileira, há a previsão em quatro dispositivos legais acerca da desconsideração da personalidade jurídica, variando os requisitos para sua 57
Compartilhar