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Avanços e Desafios do Feminismo Brasileiro

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Feminismo
O feminismo brasileiro avançou, nessas três últimas décadas, a passos consideráveis na conquista da cidadania feminina, garantindo direitos constitucionais e novos espaços de atuação. Vem contribuindo, também, e com muito peso, para mudanças nos valores e atitudes referentes ao acesso das mulheres ao ensino superior, à conquista da independência econômica, ao direito a uma vida sem violência e à autonomia sobre o corpo – valores hoje expressos por muitas brasileiras, que não se reconhecem necessariamente como “feministas”.
Uma pesquisa nacional, realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2001, por exemplo, revelou que enquanto apenas 28% das entrevistadas se identificaram como “feministas”, 90% do total reconheceram a existência do machismo na sociedade brasileira, como o poder dos homens sobre as mulheres e seus efeitos nocivos. As respondentes também demonstraram percepções bastante realistas sobre a condição das mulheres em nossa sociedade. A grande maioria (65%) afirmou que a vida das brasileiras melhorou muito nos últimos vinte, trinta anos. Elas definiram que “ser mulher”, hoje, significa poder entrar no mercado de trabalho e ganhar independência econômica; e ter autonomia para tomar decisões e agir de acordo com seus desejos. Reconheceram, também, que as brasileiras conquistaram importantes direitos, pelo menos formalmente, embora ainda precisem lidar com a dupla jornada de trabalho, a maior responsabilidade em relação aos filhos, e com o tremendo peso da violência doméstica. Quer dizer, elas estão conscientes dos avanços e do que ainda é preciso conquistar. Parece mesmo que, apesar do preconceito que aqui ainda vigora em relação às feministas, as brasileiras estão “chegando para o feminismo”.
É bom observar que o feminismo no País também vem se modificando substancialmente nas últimas décadas. Aliás, diversificou-se tanto a ponto de ser necessário falarmos hoje de “feminismos”. Assim mesmo, no plural. Deixou de ser um movimento basicamente de mulheres brancas, de classe média, para incorporar brasileiras de diferentes setores da sociedade. Com elas, vieram novas demandas.
A Plataforma Política Feminista de 2002, formulada por diferentes organizações feministas no País, reflete essas transformações. De igual maneira, os Planos Nacionais de Políticas para Mulheres (PNPMs), também resultantes de conferências nacionais (realizadas em 2004 e 2007), incorporaram novas demandas das mulheres. Essas conferências mobilizaram mais de 300.000 brasileiras por todo o território nacional em eventos municipais e estaduais. Mulheres militantes em diferentes movimentos sociais, ao lado de delegadas de governo, estiveram presentes nessas conferências e formularam as diretrizes para os PNPMs. Elas trazem a marca dos nossos feminismos: reconhecem a diversidade entre as mulheres e combatem as desigualdades, no enfrentamento ao sexismo, ao racismo, ao etarismo, à homofobia, à lesbofobia e às desigualdades de classe reinantes na sociedade.
Até nosso “feminismo de Estado”, representado pelos conselhos, coordenadorias e secretarias de políticas para mulheres, é hoje bem mais participativo que em outros países. Forja seus planos e leva-os adiante a partir de consultas democráticas. Por isso, as posições defendidas pelo Brasil nas conferências mundiais estão agora na “vanguarda” – a exemplo do que ocorreu na IV Conferência Mundial da Mulher em Beijing, na China, em 1995, quando nossa delegação defendeu a inclusão, nos documentos finais, dos direitos reprodutivos (ou seja, os de decidir sobre o próprio corpo). Pena que o sucesso foi maior lá fora do que aqui no Brasil em relação a isso…
Por certo, nossa cultura machista ainda opera como entrave. Mas, em qualquer país, a luta cultural faz parte das estratégias feministas. Trata-se de um dos empenhos mais difíceis, porque toca no que sociólogos chamam de “poder simbólico” – o poder sobre os significados. Decerto, não foi por acaso que levamos mais de três décadas tentando, primeiro, visibilizar, para depois criminalizar a violência doméstica praticada em mulheres. Para avançarmos do “em briga de homem e mulher, ninguém mete a colher” para o “quem ama não mata”, travamos uma batalha que implica mudança de significados – uma mudança cultural sobre o poder do macho e as relações familiares.
O enfrentamento à violência é, sem dúvida, a principal atribuição do feminismo no mundo hoje. Porque esse tipo de violência é transnacional: atinge mulheres de todos os países, a despeito da classe, raça, idade, geração ou religião. Figura, portanto, como uma das principais questões tratadas pelos órgãos da ONU empenhados no avanço das requisições feministas.
No Brasil, a passagem da Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, representou um relevante avanço no combate à violência de gênero. A população brasileira conhece e apoia essa legislação. Mas o OBSERVE (Observatório de Implementação da Lei Maria da Penha) – instância autônoma da sociedade civil que acompanha esse processo – tem alertado para as inúmeras dificuldades que se interpõem à aplicação da nova lei, a começar pela resistência do Judiciário em criar os juizados especiais de combate à violência doméstica praticada em mulheres, e exigidos pela Lei Maria da Penha.
A legalização do aborto como um direito sobre o corpo é outra importante bandeira dos movimentos feministas. No Brasil, desde 1940, ele só é permitido se a gravidez resultar de estupro ou se implicar risco de vida para a mãe. No entanto, mais de um milhão de abortos são feitos por ano, a maior parte em situação ilegal e condições perigosas, trazendo complicações que elevam os índices de mortalidade materna e resultam em gastos significativos para o Estado. Quem mais sofre são as mulheres pobres, jovens, negras em especial, que pagam com suas vidas pela hipocrisia da sociedade.
Sem dúvida, se tivéssemos maior representatividade de feministas nas instâncias e espaços decisórios, já teríamos conquistado esse direito. Por isso, a luta por paridade nos cargos eletivos é também um de nossos principais desafios. Um país em que as mulheres representam mais de 51% dos eleitores, mas menos de 10% dos legisladores, necessita de uma reforma política que garanta ao menos a paridade entre homens e mulheres no Congresso.
Além disso, há muito nos ressentimos de uma candidatura feminina para a presidência, que possa, de fato, levar adiante nossas propostas. Porque não basta apenas “ser mulher”, é preciso que essa mulher reconheça a legitimidade de nossas bandeiras de luta e dê continuidade às nossas propostas.
Movimento Operário
Na República Velha temos a vivência de todo um processo de transformações econômicas responsáveis pela industrialização do país. Não percebendo de forma imediata tais mudanças, as autoridades da época pouco se importavam em trazer definições claras com respeito aos direitos dos trabalhadores brasileiros. Por isso, a organização dos operários no país esteve primeiramente ligada ao atendimento de suas demandas mais imediatas. 
No início da formação dessa classe de trabalhadores percebemos a predominância de imigrantes europeus fortemente influenciados pelos princípios anarquistas e comunistas. Contando com um inflamado discurso, convocavam os trabalhadores fabris a se unirem em associações que, futuramente, seriam determinantes no surgimento dos primeiros sindicatos. Com o passar do tempo, as reivindicações teriam maior volume e, dessa forma, as manifestações e greves teriam maior expressão. 
Na primeira década do século XX, o Brasil já tinha um contingente operário com mais de 100 mil trabalhadores, sendo a grande maioria concentrada nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Foi nesse contexto que as reivindicações por melhores salários, jornada de trabalho reduzida e assistência social conviveram com perspectivas políticas mais incisivas que lutavam contra a manutenção da propriedade privada e do chamado “Estado Burguês”. 
Entre os anos de 1903 e 1906, greves de menor expressão tomavam conta dos grandes centros industriais.Tecelões, alfaiates, portuários, mineradores, carpinteiros e ferroviários foram os primeiros a demonstrar sua insatisfação. Notando a consolidação desses levantes, o governo promulgou uma lei expulsando os estrangeiros que fossem considerados uma ameaça à ordem e segurança nacional. Essa primeira tentativa de repressão foi imediatamente respondida por uma greve geral que tomou conta de São Paulo, em 1907. 
Mediante a intransigência e a morosidade do governo, uma greve de maiores proporções foi organizada em 1917, mais uma vez, em São Paulo. Os trabalhadores dos setores alimentício, gráfico, têxtil e ferroviário foram os maiores atuantes nesse novo movimento. A tensão tomou conta das ruas da cidade e um inevitável confronto com os policiais aconteceu. Durante o embate, a polícia acabou matando um jovem trabalhador que participava das manifestações. 
Esse evento somente inflamou os operários a organizarem passeatas maiores pelo centro da cidade. Atuando em outra frente, trabalhadores formaram barricadas que se espalharam pelo bairro do Brás resistindo ao fogo aberto pelas autoridades. No ano seguinte, anarquistas tentaram conduzir um golpe revolucionário frustrado pela intercepção policial. Vale lembrar que toda essa agitação se deu na mesma época em que as notícias sobre a Revolução Russa ganhavam os jornais do mundo. 
Passadas todas essas agitações, a ação grevista serviu para a formação de um movimento mais organizado sob os ditames de um partido político. No ano de 1922, inspirado pelo Partido Bolchevique Russo, foi oficializada a fundação do PCB, Partido Comunista Brasileiro. Paralelamente, os sindicatos passaram a se organizar melhor, mobilizando um grande número de trabalhadores pertencentes a um mesmo ramo da economia industrial.

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