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EM MATO GROSSO (1980-2005) MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Reitora Maria Lúcia Cavalli Neder Vice-Reitor Francisco José Dutra Souto Pró-Reitora Administrativa Valéria Calmon Cerisara Pró-Reitora de Planejamento Elisabeth Aparecida Furtado de Mendonça Pró-Reitora de Ensino de Graduação Myrian Thereza de Moura Serra Pró-Reitora de Ensino de Pós-Graduação Leny Caselli Anzai Pró-Reitor de Pesquisa Adnauer Tarquínio Daltro Pró-Reitor de Cultura, Extensão e Vivência Luis Fabrício Cirillo de Carvalho Pró-Reitor do Campus Universitário do Araguaia José Marques Pessoa Pró-Reitora do Campus Universitário de Rondonópolis Cecília Fukiko Kamei Kimura Pró-Reitor do Campus Universitário de Sinop Marco Antônio Pinto CONSELHO EDITORIAL DA EdUFMT Dr. Marinaldo Divino Ribeiro (Presidente) Dr.ª Aída Couto Dinucci Bezerra Dr.ª Alice G. Bottaro de Oliveira Dr. Antonio Carlos Maximo Dr.ª Cássia Virgínia Coelho de Souza Dr.ª Célia M. Domingues da Rocha Reis Dr.ª Eliana Beatriz Nunes Rondon Dr.ª Elizabeth Madureira Siqueira Ms. Gabriel Francisco de Mattos Dr. Geraldo Lúcio Diniz Dr.ª Janaina Januário da Silva Ms. Joaquim Eduardo de Moura Nicácio Dr.ª Leny Caselli Anzai Dr.ª Maria da Anunciação P. Barros Neta Dr.ª Maria Inês Pagliarini Cox Dr. Marinaldo Divino Ribeiro Dr.ª Mariza Inês da Silva Pinheiro Dr.ª Marluce Aparecida Souza e Silva Dr. Paulo Augusto Mário Isáac Dr.ª Sandra Cristina Moura Bonjour Dr.ª Telma Cenira Couto da Silva Dr.ª Anna Maria R. F. M. da Costa (Comunidade) Drª Suíse Monteiro Leon Bordest (Comunidade) Dr. José Serafim Bertoloto (Técnico) Ms. Nileide Souza Dourado (Técnica) Eliana Aparecida Albergoni de Souza (Acadêmica) Sandra Jorge da Silva (Acadêmica) REINHARD RAMMINGER DIRCEU GRASEL EM MATO GROSSO (1980-2005) MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA EdUFMT Cuiabá-MT 2011 © Reinhard Ramminger e Dirceu Grasel, 2011. Índice para Catálogo Sistemático 1. Modernização 2. Agricultura 3. Distribuição de Renda Revisão: Elizabeth Madureira Siqueira Arte/Capa: Cléverson Durigão / Flávia Malheiros Supervisão Técnica: Janaina Januário da Silva Diagramação e Impressão: KCM Editora e Gráfica Editora da Universidade Federal de Mato Grosso Av. Fernando Corrêa da Costa, 2.367. Boa Esperança. CEP: 78.060-900. Cuiabá, MT. Contato E-mail: edufmt@hotmail.com Tel.: (65) 3615-8322 Esta obra foi produzida com recurso do Governo do Estado de Mato Grosso. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) R173m Ramminger, Reinhard Modernização da agricultura e distribuição de renda em Mato Grosso (1980-2005) / Reinhard Ramminger, Dirceu Grasel. – Cuiabá: EdUFMT, 2011. 150 p. : il. (algumas color.) ISBN – 978-85-327-0380-4 1. Economia agrícola – Mato Grosso – 1980-2005. 2. Distribuição de renda – Mato Grosso – 1980-2005. 3. Inova- ções agrícolas – Mato Grosso – 1980-2005. I. Grasel, Dirceu. CDU – 338.43(817.2) SEPLAN Prefácio O estudo da modernização da agricultura em Mato Grosso é uma atividade bastante auspiciosa do ponto de vista agronômico, mas pouco alentadora na perspectiva econômica, em função dos resulta- dos financeiros e sociais que vêm sendo apresentados. E, certamente diz respeito à distribuição da renda. Reinhard Ramminger e Dirceu Grasel, no estudo MODERNIZA- ÇÃO DA AGRICULTURA E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA EM MATO GROSSO (1980-2005) discutem “se a modernização da agricultura mato-gros- sense, ocorrida entre 1980 e 2005, alterou o perfil da distribuição de renda no Estado”. Portanto, procurou-se saber se alguns objetivos da economia foram alcançados. Nessa perspectiva, os autores discutiram aspectos da formação econômica de Mato Grosso, cuja natureza permitiria remeter às condi- ções nas quais a população se formou dentro do território para realizar a produção agrícola após o advento das inovações tecnológicas desen- volvidas na década de setenta, quando foram introduzidas a soja e ou- tras culturas modernas. Para tanto, ao rever as concepções teóricas relativas à renda e às medidas de sua distribuição, trata da renda da terra desde os autores seminais, alcançando a discussão do progresso técnico incorporando a modernização da agricultura. A revisão histórica que introduz o trabalho, resenha autores tra- dicionais, sem que haja aprofundamento crítico na discussão, desde o período colonial. A razão dessa superficialidade deve ser compreendi- da considerando a mineração e a coleta como atividades hegemônicas do período e, por consequência, fora do contexto trabalhado. Sucede- -se o processo histórico sem que houvesse indicações para os limites do desenvolvimento econômico. Mas é exatamente nesse aspecto que o estudo é relevante. São raros os estudo de economia dedicados à evolução do pro- cesso produtivo. Quando ocorrem, permite ao leitor – estudantes de economia e de outras ciências sociais ou mesmo aos curiosos –, obter informações sistematizadas sobre o estado de Mato Grosso em um único compêndio que trate a evolução do ponto de vista econômico. Na organização deste trabalho, essa perspectiva existe e parece corre- tíssima. Além, pontua aspectos recentes pouco difundidos na literatu- ra econômica, como o das atividades do leste do Estado, considerando, inclusive, a garimpagem do diamante que se realizou desde o início do século XX, como fator de crescimento regional. A introdução de algu- mas categorias de relações sociais e de trabalho permite categorizar elementos para o objetivo social do estudo. Portanto, reproduz aspec- tos do cotidiano econômico o que confere riqueza ao estudo e foge da teorização simples. Ao retomar a periodização, indica a transição de 1930, como marco de mudança econômica, até a década de 1980 e daquela data até 2005. Nesses intervalos indica algumas mudanças, cujas transfor- mações seriam discutidas nos capítulos seguintes. Mas não há duvida de que se trata da pioneira organização e sistematização de estudos da região com natureza econômica. As evidências da modernização conservadora que marcou a re- gião e da evolução da distribuição de renda são o foco perseguido pelos autores. Eles partem da hipótese de que a modernização da agricultura local resultou no aumento do nível de desigualdade de distribuição da renda gerada pela atividade. Destaca um robusto crescimento econômi- co do setor agrícola nos anos recentes, apesar dos indicadores de ren- da e outros a ela relacionados pouco terem se modificado no período analisado. Assim, tais resultados não permitem que se afirme catego- ricamente, conforme formulado na hipótese inicial, que o quadro da distribuição de renda tenha piorado, no entanto, favorecem a constata- ção de que tampouco melhorou. Conclui que, sob a perspectiva teórica adotada, o crescimento econômico na economia capitalista não implica, necessariamente, a melhoria na distribuição de renda e que mitigar as diferenças/distâncias de apropriação de renda entre as classes sociais é uma função a ser desempenhada pelos governos. Boa Leitura! José Manuel Carvalho Marta Docente Doutor do Ensino de Graduação e do Programa de Pós-Graduação, Mestrado em “Agronegócios e Desenvolvimento Regional” da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso Pode haver diferença nas opiniões sobre o significado de uma distribuição de riqueza muito desigual, mas não há dúvida sobre a importância de se saber se a distribuição está setornando mais ou menos desigual. (LORENZ, 1905 apud MEDEIROS, 2006, p. 7). Sumário Introdução ...............................................................................................11 Capítulo I Considerações sobre a formação econômica de Mato Grosso ..................15 1.1. PERÍODO: 1718-1930 .................................................................................... 15 1.1.1. O SEGUNDO CICLO DE EXPLORAÇÃO DO DIAMANTE............................ 40 1.1.2. RELAÇÕES DE TRABALHO ...................................................................... 41 1.1.2.1. Os escravos ................................................................................. 41 1.1.2.2. Os trabalhadores “livres” ........................................................... 45 1.1.2.3. Os poaieiros ................................................................................ 45 1.1.2.4. Os seringueiros ........................................................................... 46 1.1.2.5. Os trabalhadores do mate .......................................................... 47 1.1.2.6. O trabalho nas usinas ................................................................. 47 1.2. PERÍODO 1930-1980 ..................................................................................... 48 1.3. PERÍODO: 1980-2005 .................................................................................... 61 Capítulo II Referencial teórico: teoria da renda fundiária .........................................75 2.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS............................................................................... 75 2.2. TEORIA RICARDIANA DA RENDA FUNDIÁRIA ................................................. 76 2.3. TEORIA MARXISTA DA RENDA FUNDIÁRIA .................................................... 88 2.3.1. RENDA DIFERENCIAL E RENDA ABSOLUTA ............................................ 93 2.3.1.1. Renda diferencial ........................................................................ 93 2.3.1.1.1. Primeira forma de renda diferencial (renda diferencial I) ....... 93 2.3.1.1.2. Segunda forma de renda diferencial (renda diferencial II) ...... 94 2.3.1.2. Renda fundiária absoluta ........................................................... 95 2.4. RENDIMENTOS E SUAS FONTES SEGUNDO A TEORIA MARXISTA ................102 2.5. PROGRESSO TÉCNICO E MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA...................... 105 Capítulo III A modernização da agricultura de Mato Grosso (1980-2005) .................109 Capítulo IV Evolução da distribuição da renda e de indicadores a ela associados, em Mato Grosso, no período pesquisado ....................................................123 Capítulo V Considerações finais ..............................................................................135 Referências ............................................................................................139 11 Introdução As recentes transformações ocorridas na estrutura produtiva da agricultura1 de Mato Grosso tiveram início na década de 1950, quando novas áreas de terra passaram a ser gradativamente incorporadas ao mercado nacional. Apesar disso, até 1970 a agropecuária não apresen- tava importância econômica significativa para o Estado. A produção, referente ao cultivo do arroz, feijão e da mandioca, bem como a prá- tica da pecuária extensiva de corte, além das atividades extrativistas, ainda se realizavam através de mão de obra predominantemente fami- liar, destinando-se, sobretudo, aos mercados locais. Após a década de 1960, quando se instalou o governo militar no Brasil, as políticas de “ocupação” e desenvolvimento do território mato- -grossense perseguiam três objetivos: o primeiro, de caráter geopolítico, buscava consolidar a “ocupação” mediante a distribuição de terras; o segundo, de cunho econômico, tinha a finalidade de garantir a produção e consumo de bens; e o terceiro, de natureza social, objetivava amenizar tensões sociais em outras regiões do país, transferindo seus “exceden- tes populacionais” para Mato Grosso. Assim, os governos, tanto federal quanto estadual, passaram a estimular a migração de brasileiros para o Estado, especialmente sulistas (paulistas, paranaenses, catarinenses e gaúchos), além de goianos, nordestinos, capixabas e mineiros . Em decorrência dessa intensa política migratória, que resultou na ocupação de novas áreas, houve um forte incremento na produção agrícola. Novas tecnologias foram gradativamente adotadas, tanto me- cânicas (uso de tratores, colhedeiras etc.), quanto biológicas (novas va- riedades de cultivares), químicas (utilização de fertilizantes, inseticidas, pesticidas) e agronômicas (novas práticas culturais e técnicas de con- dução, como rotação de culturas, análise de solo, novos espaçamentos etc.). Tudo isso permitiu incorporar ao processo produtivo espaços antes 1 No presente trabalho o termo “agricultura” engloba o cultivo de plantas e a criação de animais (conforme conceito de modernização da agricultura, apresentado no subcapítulo 2.5). 12 considerados impróprios para tal fim e implantar novas culturas, além de aumentar significativamente a produtividade por área plantada. Para viabilizar essas transformações, foi decisiva a participação do Estado brasileiro, tanto no desenvolvimento de variedades de sementes que se adaptassem à região, resultantes de pesquisas conduzidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) quanto na im- plementação de uma política de preços mínimos e na prática de políticas de desenvolvimento regional, com implantação de infraestrutura; con- cessão de incentivos fiscais, através da Superintendência do Desenvolvi- mento da Amazônia (Sudam)2; criação de diversos programas de moder-programas de moder- nização das atividades agrícolas no Centro-Oeste; além de abundante oferta de crédito, muitas vezes a juros negativos. Todas essas medidas culminaram com a ocupação das terras em escala empresarial. Consequentemente, Mato Grosso teve sua posição gradualmen- te redefinida no cenário econômico nacional, colocando-se atualmente como um dos grandes produtores agrícolas do país (ver Tabela 1.3.4). Diante disso, a presente pesquisa foi realizada com o objetivo geral de identificar se a modernização da agricultura mato-grossense (ocorrida entre 1980 e 2005) alterou o perfil de indicadores sociais no Estado. E, para atingir esse propósito investigativo central, foram defi- nidos os seguintes objetivos específicos: a) caracterizar alguns aspectos da formação econômica de Mato Grosso; b) evidenciar a modernização da agricultura do Estado no período de 1980 a 2005; c) apresentar a evolução da produção (1980 a 2005) da agricultura de Mato Grosso; d) apontar indicadores referentes à distribuição da renda e outros a ela relacionados, no período selecionado, identificando se e como o perfil dessa distribuição se modificou. Nesta investigação, partiu-se da hipótese de que a moderniza- ção da agricultura mato-grossense resultou no aumento do nível de desigualdade na distribuição da renda gerada, elegendo-se para o de- senvolvimento do estudo o método fenomenológico-hermenêutico. Portanto, não se recorreu a técnicas quantitativas de avaliação e sim 2 Criada através da Lei nº 5.178/1966. 13 à análise de documentos e textos, bem como aos estudos teóricos. O trabalho apresenta também um caráter crítico-dialético, já que pri- vilegia um processo histórico e identifica contradições e conflitos de interesses (MARTINS, 2000, p. 26-27). No capítulo I da pesquisa, tecem-se algumas considerações so- bre a formação econômica de Mato Grosso, ocorrida em três etapas claramente diferenciadas: de 1718 a 1930, quando se realizaram ativi- dades de mineração no Estado (ouro e diamante) e, posteriormente,de extrativismo vegetal (poaia, borracha e erva-mate), além da explo- ração da cana-de-açúcar e da pecuária extensiva, ao lado de uma agri- cultura incipiente; de 1930 a 1980, período em que o território mato- grossense passou por uma fase mais intensa de ocupação pelo não índio e começou a inserir-se mais fortemente na economia nacional; e, por último, o período de 1980 a 2005, foco deste estudo, que marcou a expansão e a modernização da agricultura regional. No capítulo II apresentam-se as teorias da renda fundiária de David Ricardo e de Karl Marx, destacando-se as diferenças entre elas. Aborda-se ainda a questão dos rendimentos e suas fontes, segundo a teoria marxista, além de se proceder a uma breve discussão sobre o progresso técnico e a modernização da agricultura local. No capítulo III caracteriza-se a modernização da agricultura de Mato Grosso, ocorrida no período de 1980 a 2005, mediante a apre- sentação de indicadores de produção, da evolução das exportações e das inovações biológicas, agronômicas e mecânicas. No capítulo IV são elencados dados e comentários sobre a evolução da distribuição de renda, da pobreza entre a população rural e do empre- go agrícola, além de informações sobre a evolução do Índice de Desenvol- vimento Humano em Mato Grosso (IDH), no período pesquisado. No capítulo V são tecidas as considerações finais. 15 Capítulo I Considerações sobre a formação econômica de Mato Grosso 1.1. PERÍODO: 1718-1930 As primeiras expedições desti nadas ao reconhecimento da re-destinadas ao reconhecimento da re- reconhecimento da re- gião onde hoje se insere o atual estado de Mato Grosso, se deu através de algumas tentativas de ocupação pelo não índio, organizadas pelos espanhóis no século XVI, pois todo o Oeste do Brasil, por força do Tra- tado de Tordesilhas, pertencia à Espanha. Esses exploradores europeus, no entanto, acabaram se fixando no extremo Ocidente, já que ali encontraram muita prata, metal pre- cioso pelo qual havia muito interesse na Europa. “Isso permitiu que os bandeirantes paulistas adentrassem, em suas andanças pelo sertão, rumo ao Oeste, não encontrando qualquer barreira por parte dos co- lonos espanhóis [...]” (SIQUEIRA, 2002, p. 27). As dificuldades enfrentadas pela capitania de São Paulo3, entre o final do século XVII e início do XVIII, levou seus habitantes a organizar expedições na tentativa de localizar riquezas no Oeste e também de aprisionar índios para vendê-los como escravos. Tais incursões aten- diam ainda aos interesses da Coroa portuguesa, uma vez que repre- sentavam a possibilidade de expandir os domínios de Portugal para além dos limites de Tordesilhas. Entre 1718 e 1724, os bandeirantes adentraram, através dos rios, o território mato-grossense, expondo-se ao risco de confronto com os indígenas e, esporadicamente, com os espanhóis (HIGA, 2005, p. 18-19). 3 A capitania de São Paulo, criada em 1709, abrangia um vasto território, incluindo a área do atual estado de Mato Grosso. 16 Foi assim que em 1718 Antônio Pires de Campos localizou ín- dios nativos das margens do rio Coxipó-Mirim, que passaram a ser conhecidos como Coxiponés. Em 1719 a bandeira de Pasco- al Moreira Cabral foi ao encalço desses índios, mas foi recha- çado em violento confronto e, mesmo socorrido pela bandeira dos irmãos Antunes Maciel, retirou-se até a confluência dos Rios Cuiabá e Coxipó-Mirim onde alguns integrantes da ban- deira, ao lavar pratos no rio, encontraram ouro. Esse fato deu início ao povoamento da região. Surgia (sic) assim os primeiros núcleos populacionais – o Arraial de São Gonçalo e o Arraial da Forquilha (CAVALCANTE; COSTA, 1999, p. 21). Essa inesperada descoberta de ouro representou o início da “[...] História de Mato Grosso para cujo primeiro capítulo, de desbravamen- to e ocupação inicial concorreram os paulistas preponderantemente” (CORRÊA FILHO, 1994, p. 701). Em 1721, Miguel Sutil encontrou veios auríferos próximos ao córrego da Prainha, o que intensificou a produção do metal e pro- porcionou o surgimento de um novo vilarejo, o Arraial do Cuiabá. A mineração intensificou-se, atraindo grandes contingentes humanos e tornando-se uma atividade econômica expressiva para os padrões da época, passando a despertar o interesse da Coroa em fiscalizar de per- to a produção de ouro e arrecadar os respectivos impostos. A partir de 1727 se deu uma diminuição drástica do ouro nas minas cuiabanas, ocasionando inúmeras dificuldades: “[...] a carência generalizada de alimentos forçaram a população a migrar, buscando os rumos de Goiás de onde chegavam as novas de grandes descobertas” (LENHARO, 1982, p. 19). Por isso, os mineradores dirigiram-se mais para o Oeste, onde novas áreas auríferas foram sendo descobertas, como as lavras do rio Galera (1734), nos sertões dos índios Paresi; as lavras de Santana (1735), na região do atual município de Nortelândia; as lavras do Brumado e Corumbiara, na região do Guaporé; as Minas do Alto Paraguai (1747), em Alto Paraguai e Diamantino; e as lavras de Santana e de São Francis- co Xavier (1751), nas cercanias do rio Guaporé (SIQUEIRA, 2002, p. 40). Posteriormente, em 1752, nestas últimas áreas foi fundada Vila Bela da Santíssima Trindade, cuja implantação teve um caráter estra- tégico, visto que essas terras, pelas disposições do Tratado de Tordesi- lhas, localizavam-se em território espanhol. Com a assinatura do Trata- do de Madri, em 13 de janeiro de 1750, adotando como princípio bási- 17 co o uti possidetis4, Portugal garantiu a consolidação de seus domínios na região. Vila Bela tornou-se a capital da capitania de Mato Grosso, de 1752 até 1820, extraoficialmente, quando a administração foi transfe- rida para Cuiabá. Tal evento pode ser atribuído ao fato de que Cuiabá era na época a cidade mais populosa e à maior capacidade de articu- lação da elite de latifundiários e comerciantes bem sucedidos (HIGA, 2005, p. 21-22; MORENO, 2007, p. 36). Oficialmente, a mudança da capital para Cuiabá se dá em 1835, por lei aprovada pela Assembleia Legislativa Provincial. O caráter cíclico do garimpo garantiu certo vigor econômico a diversas áreas próximas a Cuiabá, como Poconé e Nossa Senhora do Livramento, permiti ndo igualmente que outras ati vidades se desenvol-, permitindo igualmente que outras ati vidades se desenvol- igualmente que outras atividades se desenvol-desenvol- vessem ao longo do século XVIII, como o cultivo da cana-de-açúcar, a pecuária extensiva e a agricultura de subsistência (milho, feijão, man- dioca e batata-doce), que migravam acompanhando os deslocamentos da ação econômica mais dinâmica, a saber, a exploração do ouro (PE- REIRA, 2007, p. 9-10). Havia ainda a produção de outras culturas, como o algodão (Corumbá – hoje Mato Grosso do Sul – e Chapada dos Guimarães), o fumo (Vila Bela da Santíssima Trindade) e o café (áreas ao sul da capita- nia), que na época contribuíram para a manutenção e a expansão dos núcleos populacionais. Efeito idêntico teve o processo de distribuição de sesmarias5, no século XVIII, que viabilizou a entrada de gado e a instalação das primeiras fazendas na região (HIGA, 2005, p. 22-24). O abastecimento de produtos manufaturados, no entanto, dava- -se por intermédio das monções, expedições que saíam Porto Feliz (capi-por intermédio das monções, expedições que saíam Porto Feliz (capi- das monções, expedições que saíam Porto Feliz (capi-, expedições que saíam Porto Feliz (capi- expedições que saíam Porto Feliz (capi-que saíam Porto Feliz (capi- Porto Feliz (capi- tania de São Paulo) e chegavam a Cuiabá, através dos rios Tietê, Paraná e Paraguai e seus afluentes. Igual movimentação foi implementada pelos colonizadores e colonia via norte do Brasil, quando saíam de Belém, pe- los rios Amazonas, Madeira e Guaporé, alcançando Vila Bela da Santíssi- ma Trindade. Aquelas,transportavam em geral produtos fabricados em São Paulo e, as últimas, mercadorias importadas, oriundas dos mares do Norte, e também escravos africanos, levando, no retorno, ouro de Mato Grosso e prata da Espanha (PEREIRA, 2007, p. 10-11). Após 1726, todo o trajeto podia também ser realizado por terra, passando por Franca (São Paulo) e Vila Boa (Goiás), atravessando o rio Araguaia e seguindo paralelamente ao rio das Mortes até Cuiabá 4 “Como possuis, continuais possuindo”, ou seja, a garantia da posse pela ocupação. 5 As doações de sesmarias, segundo Pereira (1995, p. 66-67), foi o embrião de uma estrutura fundiária altamente concentrada em Mato Grosso e que permanece até os dias atuais. 18 (HIGA, 2005, p. 19-20). A função comercial dessa rota, entretanto, era insignificante, restringindo-se à liberação de “[...] algumas boiadas, comboios de escravos e algum comércio de tropas vindas de Goiás” (LENHARO, 1982, p. 17). Posteriormente, o caminho terrestre ganhou importância com a expansão da mineração, já que Mato Grosso e Goiás formavam um conjunto territorial onde era exercida essa atividade. Assim, as corren- tes migratórias terrestres, dentro desse espaço, movimentavam-se ao sabor dos anúncios de descobertas de novos veios auríferos. A nova via representava, ainda, uma alternativa para as monções, que enfren- tavam as emboscadas dos índios Paiaguá e Guaicuru. Além disso, havia o temor de uma guerra contra os espanhóis6, conforme se pode de- preender do Auto e Termo da Junta do Senado da Câmara da Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá (AUTO DE TERMO DE JUNTA.... apud MONTEIRO NETO, 2007, p. 6): [...] se entende havendo forma e caminho seguro para a arre- cadação da Real Fazenda, como declara a ordem de Sua Ma- jestade e pela viagem do rio não é seguro o caminho, porque além dos grandes riscos que há de cachoeira e gentio que tem investido as nossas tropas como proximamente sucedeu na do presente, os perigos dos Castelhanos por causa das guerras podem com facilidade destruir as nossas tropas e para melhor segurança das remessas do ouro da Real Fazenda, bem comum do povo e conservação desta terra para o qual tem Sua Majes- tade recomendado que faça toda a humana diligência, em se abrir o dito caminho [...] Porém, grande parte da nova rota era habitada pelos hostis Caiapó, problema que não foi facilmente solucionado. Para que se re- duzissem os riscos oferecidos ao longo desse caminho, tornou-se ne- cessário povoar o trajeto e instalar fazendas, “[...] cujos moradores não só possão (sic) servir para desinfetar o País afugentando os índios e embaraçando as suas atraiçoadas correrias, mas para fornecer às pes- soas que transitam o necessário socorro de gado e mantimentos para a continuação de suas viagens” (FARIA, 1921, p. 118 apud LENHARO, 1982, p. 21-23 ). 6 Ressalte-se que “[...] as lutas armadas ocorridas entre portugueses e espanhóis na raia Oeste da Colônia não estavam ligadas a antagonismos específicos da região, envolvendo colonos de uns e outros domínios, ou mesmo autoridades de uma ou outra colonização. A belicosidade entre portugueses e espanhóis, na fronteira mato-grossense, esteve sempre vinculada à política ex- terna europeia. Durante os conflitos que convulsionaram a Europa no transcorrer do século XVIII e início do século XIX, Portugal e Espanha encontraram-se sempre, em campos opostos. Nessas ocasiões, o estado de guerra era estendido aos domínios coloniais [...]” (VOLPATO, 1980, p. 26). 19 Assim, apareceram os primeiros colonos da região, “[...] instala- dos com criação de gado nas proximidades da passagem do rio Gran- de7 na entrada da capitania8 de Mato Grosso” (LENHARO, 1982, p. 23). Esse caminho terrestre, todavia, “[...] só ganhou relevância eco- nômica a partir da paulatina decadência das monções, que começou por volta de 1818 e extinguiu-se por volta de 1838” (HOLANDA, 1990, p. 77-104 apud MONTEIRO NETO, 2007, p. 1). As relações comerciais praticadas possibilitavam a captação do excedente produzido em Mato Grosso e as rotas implantadas serviam como canais para essa drenagem (BORGES, 2001, p. 23). Tal constata- ção vai ao encontro dos pensamentos de Fernando Novais9, em cujos textos explicita, de maneira mais apurada, que o Sistema Colonial foi um instrumento primitivo de acumulação no processo de formação do capitalismo (PEREIRA, 1995, p. 61). Essa circunstância agravou ainda mais as precárias condições de vida nas áreas mineradoras. Segundo Sá (1975, p. 20) 10, aqueles que escapavam das doenças não se safavam da fome, além de enfrenta-se safavam da fome, além de enfrenta- fome, além de enfrenta- rem exigências insuportáveis dos governantes, no que dizia respeito à cobrança de tributos. Desse modo, “[...] tudo era morer (sic) gemer e chorar”, o que determinou que [...] todos em commum despejarem o pais e hirense para po- voado e outros para goayas que neste anno chegou a noticia de seo descobrimento sobre o que faziaó se consultas Secretas em que todos entravaó conformes neste pareser, deliberados a deitar tudo e em canoas seguirem viagem para povoado huns e para goayas outros navegando thé donde podesem por naó esperimentarem tantas mizerias trabalhos callamidades pragas enredos micillanias excommunhoens e maldisoens que tudo a hum tempo e por todos os modos esperimentavaó dando por bem impregadas as propriedades que deixavaó fabricadas com tantas dores e fadigas (sic) (SÁ, 1975, p. 23). A busca por novas jazidas durante o período colonial “[...] foram frutíferas tão-somente em áreas esparsas entre si e, ainda mais rele- 7 Atual rio Araguaia. 8 “Em 1824, com a Constituição do Império, Mato Grosso e todas as capitanias brasileiras foram transformadas em Províncias” (HIGA, 2005, p. 20). 9 Historiador, especialista na área Brasil colonial, professor aposentado pelo Departamento de História da USP e professor do Instituto de Economia da Unicamp. 10 Os textos do cronista Joseph Barboza de Sá, embora editados em 1975, foram escritos entre 1719 e 1775, com redação característica da época. 20 vante, caracterizadas por retornos produtivos continuamente despre- zíveis.” (PEREIRA, 1995, p. 62). Mesmo assim e apesar da intensificação da produção pecuária, que viabilizava o estabelecimento de uma rela- ção comercial com outras regiões da Colônia, o ouro continuou sendo o principal suporte econômico e fator de atração populacional da capi- tania até o final do século XVIII (HIGA, 2005, p. 24). Quanto à parte sul da província, situada mais próxima de São Paulo e Minas Gerais, essa área, durante muito tempo, não despertou o interesse dos colonizadores, já que se constituía apenas de campos limpos e de cerrado baixo, de sorte que somente na década de 1830 paulistas e mineiros passaram a acupá-la, conquistando-a dos índios Caiapós e Guaicurus. Tal processo está vinculado à expansão, em ambas as províncias, da prática da pecuária bovina, não havendo, portanto, ligação com o pro- cesso histórico da mineração ocorrido no atual estado de Mato Grosso. A região pantaneira, que na verdade, não foi mais do que um apêndice da área mineradora, sendo sua ocupação, estimulada pelas condições extremamente propícias para o desenvolvimento da pe- cuária, interessava à Coroa, pois poderia conter eventuais avanços dos espanhóis sobre esse território pelo norte do rio Paraguai, bem como servir de meio de atração dos índios nativos (Guatós, Guanás e Guaicurus), que serviriam de mão de obra na criação de gado. A propósito, o sucesso dessa atividade não requeria que se realizasse esforço especial: Nesse ambiente, o peão era mais um caçador de ‘gado bravo’ do que um ‘tratador’ de boi doméstico. Até mesmo algumas nações indígenas passaram a viver da pecuária: esse é o caso dos Guaicurus. Isso tornava as fazendas de criação pantaneira completamentedistintas de qualquer outra do planalto ou lito- ral (GARCIA, 2003, p. 56). Ao norte, onde atualmente se situa o estado de Rondônia, ve- rificava-se exclusivamente a prática da navegação pelo rio Guaporé e alguma atividade primária inexpressiva nas proximidades do Forte Príncipe da Beira11. De igual forma, no leste, havia poucas fazendas de gado nos arredores do rio Araguaia, que serviam como pontos de apoio para a ligação terrestre entre Cuiabá e Goiás e, daí, para Minas Gerais, São Paulo, o Rio de Janeiro e a Bahia (GARCIA, 2003, p. 57). 11 O Forte Príncipe da Beira situa-se na margem direita do rio Guaporé, além de Vila Bela, no O Forte Príncipe da Beira situa-se na margem direita do rio Guaporé, além de Vila Bela, no paralelo 12º LS, em Rondônia (FIGUEIREDO, 1994, p. 107). 21 No início do século XIX (1805 – 1825), novos fluxos migratórios, atraídos pela descoberta de diamante, foram responsáveis pela for- mação de outros núcleos populacionais. A exploração desse mineral floresceu inicialmente na região do atual município de Diamantino, deslocando a ocupação do território mato-grossense em direitura nor- te, inserindo novamente o Pará, em especial Santarém e Belém, nas relações comerciais da província. Para esse trajeto, anteriormente fei- to apenas ao longo dos rios Madeira e Guaporé, passou-se a fazer uso dos rios Arinos, Juruena, Teles Pires e Tapajós. Contudo, as minas de diamante tiveram duração efêmera, a exemplo do ocorrido com o ouro, não resultando em geração de rique- zas significativas para Mato Grosso, mas contribuindo para difundir a produção agropecuária e expandir a ocupação territorial: “[...] através do remanescente da produção de ouro, do surto de produção de dia- mantes e com a entrada da prata contrabandeada das Províncias espa- nholas, o comércio da Capitania ainda se mantinha em termos relativos, não permitindo que o déficit comercial se acumulasse em condições in- suportáveis” (LENHARO, 1982, p. 68 apud BORGES, 2001, p. 26). Ocorreu, assim, um lento rearranjo das forças produtivas na província. As vilas localizadas no entorno de Cuiabá, com suas gran- des fazendas de gado e engenhos de açúcar, produziam o necessário ao consumo próprio, gerando algum excedente com fins comerciais e abastecendo a população urbana. Tratava-se de uma estratégia de de- fesa a que Lenharo denominou (1982, p. 74) “substituição defensiva de importações”, pois a capacidade de importar reduziu-se com a crise. A questão intrigante que se coloca é de onde vinha o capital ne- cessário para desenvolver essas atividades, já que o período era de cri- se. Borges (2001, p. 29) registra que a base da propriedade fundiária da época foi o capital mercantil da mineração, amealhado por comercian- tes ambulantes, que compraram terras e dedicaram-se à produção. Quanto ao ônus de defesa da fronteira, enquanto a receita da extração do ouro de Mato Grosso permitia, esse encargo ficou sob a responsabilidade da própria província. Porém, quando isso já não mais era possível, recursos para tanto eram transferidos de Goiás, que, para Garcia (2003, p. 65), Além de manter uma tropa pronta para socorrer a fronteira oci- dental, era obrigada a enviar para a capitania vizinha, na forma de subsídio, uma arroba de ouro por ano [...]. Contribuía para pagar salários e os soldos da administração mato-grossense, com os custos da defesa da fronteira. Ou seja, ‘nenhum mil réis’ 22 desse ouro foi empregado na Capitania de Goiás, seja em obras públicas ou em soldos e salários. Foi sim utilizado em Mato Grosso [...]. Em alguns momentos, esse socorro goiano repre- sentou de 10% a 15% da receita ou o dobro da folha eclesiástica e quase metade da folha civil. Esgotada a capacidade do Império para socorrer o de Mato Gros- so, parte do ônus teve que ser assumida pelo Império, o que contribuiu para garantir a permanência da população e incrementar as atividades agrícolas e pecuárias na região (GARCIA, 2003, p. 65-66). Mesmo assim, Mato Grosso continuou se caracterizando como um território periférico, cuja importância maior para a geopolítica e a economia do Brasil colonial e do incipiente Brasil imperial era garantir os limites da fronteira nacional e produzir riquezas extrativistas que “[...] contribuíssem para o acúmulo de capital na Europa que, naquele momento, vivia a Revolução Industrial” (HIGA, 2005, p. 25). Durante praticamente toda a segunda metade do século XIX, Mato Grosso experimentou uma estagnação econômica ainda maior, evidenciando-se um declínio na produção e êxodo populacional em al- gumas áreas. A província possuía pouco para ofertar ao mercado inter- nacional. Na década de 1850, era o gado bovino o principal produto de exportação, destinado principalmente a Minas Gerais. Ocorria, à época, conforme já destacado, a crise da mineração. Assim, mineradores, la- vradores e comerciantes voltaram-se à criação de bovinos e à produção especialmente de cana-de-açúcar e erva-mate para a subsistência. A população mato-grossense sempre foi pequena, ostentando a condição de capitania menos populosa do país. Esse fato torna-se ainda mais significativo se estabelecermos uma comparação entre o número de habitantes e o tamanho do seu território, que abrangia os atuais es- tados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia, o que a tornava menor apenas à capitania do Grão-Pará. Entre 1748 e 1800, a referida população cresceu, saltando de um total aproximado de 7 mil habitan- tes para 20 mil, um incremento significativo, mas com ritmo idêntico ao crescimento demográfico da Colônia. Em 1800 havia um habitante para cada 56 km2, fato que levou Romyr Conde Garcia (2003, p. 54) a conside- rar Mato Grosso como um “deserto demográfico”12. Diante desse fato, quando se contrasta a pequena população existente com a quantidade de ouro extraído, ou com os recursos naturais disponíveis para a sobre- 12 Expressões do tipo “deserto demográfico”, “vazio demográfico”, “terras desabitadas” etc. não levam em conta a população indígena habitante do lugar, de modo que, na realidade, se trata de um “deserto” de não índios. 23 vivência, Mato Grosso ocupa posição privilegiada em relação a Minas Gerais e Goiás, historicamente mineradoras (GARCIA, 2003, p. 53-54). A população indígena deste imenso território também era um mistério para os desbravadores. Por exemplo, a nação Xavante só seria detectada em 1804, quando uma bandeira foi enviada para o Norte com o intuito de destruir um quilombo. Até mesmo a nação Bororo, localizada entre Cuiabá e Vila Bela, tão próxima e tão conhecida pelos colonizadores, pois servia de aliadas aos portugueses, ainda possuía tribos hostis; e algumas ainda eram desconhecidas. É certo que os Guanás e o Guatós, ambas nações do Médio Paraguai, já estavam apaziguadas. Todavia, as amea- ças do Guaicurus, Caiapós e Paiaguás ainda eram as mesmas dos anos do primeiro governador. De certo modo, por todo século XVIII e início do XIX, o colonizador nunca gozou de um período de paz ou mesmo de controle militar absoluto das rotas monçoei- ras. Isso explica porque os governadores sempre tentaram obter a paz e atrair os índios para a esfera da colonização portuguesa, ao invés de tentar simplesmente eliminá-los, como ocorreu em outras capitanias. Afinal, para a colonização, faltava o principal: o elemento humano (GARCIA, 2003, p. 55). Logo após a decadência mineira, o sistema monçoeiro foi par- cialmente desativado. As comunicações por terra com o Centro-Sul eram extremamente onerosas: as tropas e seus tropeiros, organizados para transportar as mercadorias de que a população mato-grossense necessitava, pouco levavam no torna-viagem, já que o ouro, principal mercadoria de troca, tornara-se escasso (SIQUEIRA, 2002, p. 94). Assim, o estabelecimento de uma forma menos onerosa de transporte e comunicaçãocom a Corte passou a ser uma grande as- piração da população local. A alternativa que se vislumbrava era a navegação pelo rio Paraguai e, deste, para o Rio da Prata, chegando- -se a São Paulo e ao Rio de Janeiro através do Atlântico. Além disso, possibilitaria a inserção de Mato Grosso no mercado internacional, já que interligaria a província com portos internacionais, como Buenos Aires e Montevidéu. À política externa brasileira também interessava a implementação dessa via, pois a comunicação da Corte com a provín- cia mais afastada, Mato Grosso, e com a qual formava larga fronteira tornar-se-ia mais eficiente. A dificuldade residia no fato de ser o rio Paraguai limítrofe com a República do Paraguai, que o mantinha blo- queado em decorrência de uma política de distanciamento, tanto em relação aos vizinhos, quanto em relação aos demais países (SIQUEIRA, 2002, p. 94; VOLPATO, 1993, p. 42). 24 O Paraguai era uma república altamente industrializada para a época, apresentando uma economia fechada e socializada, e seu capi- tal concentrava-se em mãos do Estado, dependendo muito pouco do exterior, já que produzia a maioria dos produtos de que necessitava (SIQUEIRA, 2002, p. 95). Por outro lado, o Uruguai, a Argentina e o Brasil, que dispunham de incipiente e precário sistema de indústria, desejavam o comércio com países da Europa, escoando seus produtos e importando bens manufaturados e tecnologia. Pode-se admitir que, com o transcorrer do tempo e diante da pujança da economia paraguaia, muito brevemente aquele país teria necessidade de tentar conquistar mercados externos, devido à expan- são de sua produção. Fato idêntico já acontecera com a Inglaterra que, com o aumento inicial da produção, decorrente da Revolução Industrial (final do século XVIII), primeiro abasteceu o mercado interno, depois o europeu, necessitando posteriormente de abrir novos mercados. Com isso, ao Paraguai, passou a interessar uma saída para o Atlântico. Nesse contexto e após três tentativas infrutíferas da diploma- cia brasileira, finalmente em 1856 a navegação pelo rio Paraguai foi franqueada, mediante a assinatura do Tratado de Aliança, Comércio, Navegação e Extradição entre o Brasil e a República do Paraguai. Naquela época, a província de Mato Grosso tinha quase nada a ofertar ao mercado internacional, de sorte que essa abertura foi im- portante por atender às necessidades de circulação de informações e à importação de bens de consumo de primeira necessidade (VOLPATO, 1993, p. 42), integrando a Província ao grande comércio e, conse- quentemente, abrindo-a para o capital internacional. Isso estimulou que os habitantes locais fizessem investimentos, bem como atraiu imigrantes e propiciou a abertura dos primeiros postos ou agências bancárias (SIQUEIRA, 2002, p. 104). Em decorrência do acontecido, instalaram-se diversos estabele- cimentos comerciais em Mato Grosso, sobretudo em Cuiabá, Corumbá, Aquidauana, Campo Grande e Cáceres, onde se fixavam as principais casas de comércio. Ali, vendiam-se artigos importados, como tecidos, adornos pessoais (chapéus, luvas etc.), utensílios domésticos (lustres, espelhos, mobiliários), alimentos (bacalhau, azeitona, vinhos, cervejas), ferramentas, remédios e outros produtos. Porém, não se limitaram ape- nas ao comércio; investiram na compra de lanchas, navios e terras, bem como na extração da poaia, do látex e na criação do gado bovino. Por um outro lado, as exportações praticadas por Mato Grosso constituíam-se 25 de produtos sem qualquer transformação industrial, como couros secos, sebos, crinas, penas de aves, látex coagulado em bolas, erva-mate seca e triturada e poaia ensacada (SIQUEIRA, 2002, p. 102). Mesmo assim, a questão da distância continuava a ser um entra- ve à inserção mais dinâmica de Mato Grosso no mercado internacio- nal. Necessitava-se de produtos de alto valor por peso para substituir o ouro como elemento de troca, compensando-se, com isso, o alto custo do frete para o transporte da mercadoria. Eis que, então, surgiu a poaia, importante raiz vegetal utilizada para a fabricação de alcalóides e para a qual existia demanda na Europa, impulsionando o desenvol- vimento da indústria química durante o século XIX. Dessa forma, essa matéria-prima, produzida na região de Vila Maria (Cáceres), passou a ser o principal produto mato-grossense exportado a partir da déca- da de 1860. Não houve, no entanto, tempo suficiente para que, nessa época, tal posição se solidificasse, já que em 1864 o início da guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai interrompeu a possibilidade de navegação pelo Prata. Esse confronto, que visava o domínio da navegação por essa via fluvial e a definição de limites nacionais, insere-se também no conjun- to de conflitos armados da segunda metade do século XIX, decorrentes do avanço do capitalismo. A Inglaterra perdera sua hegemonia e pas- sara a enfrentar a concorrência da Alemanha, dos Estados Unidos e do Japão na disputa por mercados. A guerra abriu, à expansão capitalista, áreas extensas e ricas da América do Sul, que receberam considerável fluxo migratório de trabalhadores europeus (VOLPATO, 1993, p. 83). Dentre os diversos problemas decorrentes desse embate, um dos mais marcantes foi a precarização das condições de abastecimento de Mato Grosso, ocasionando a falta de produtos de primeira neces- sidade e provocando forte elevação de preços, que chegaram a níveis extorsivos, promovendo o enriquecimento de alguns comerciantes. A transferência de recursos do setor produtivo para a defesa foi outro fator que contribuiu para agravar a crise (VOLPATO, 1993, p. 66-68). Consequentemente, a organização econômica que se havia es- boçado na província desestruturou-se de tal modo que, ao findar a guerra (1870), a recomposição da economia de Mato Grosso passou a exigir uma atuação mais direta do Governo Imperial: Além das providências imediatas, outras de efeito mais per- manente foram adotadas, como o estabelecimento de uma divisão do Exército na vila de Corumbá, do Arsenal da Marinha em Ladário (próximo à Corumbá) e da alfândega de Corumbá. 26 Anteriormente, entretanto, já em 1869 [...], isentaram-se de tributos, a importação e a exportação de todos os gêneros co- mercializados por Corumbá (BORGES, 2001, p. 30). Esse aparelhamento militar, que visava defender o Estado de um eventual avanço guarani para os seus domínios, passou a exigir a injeção de verbas na Província pelo Governo Central. Havia, além disso, um “movimento de fundos” entre os governos, indicando um fluxo de recursos financeiros, do Governo Imperial para o da pro- víncia de Mato Grosso, 3,5 vezes superior ao repasse de verbas da Província para o Governo Central (BORGES, 2001, p. 46 e 49). Assim, “[...] o exército se tornou o principal cliente para os gêneros agro- -pecuários produzidos na capitania. [...] Se não existisse um ‘custo Mato Grosso’, dificilmente teríamos um reordenamento econômico” (GARCIA, 2003, p. 65). Tudo isso ajudou a alavancar a tímida retoma- da do crescimento econômico da província. Mudança da atividade econômica A partir daí, um novo ciclo econômico se instalava: a exploração vegetal. A contribuição inicial mais expressiva foi a extração do látex, cuja primeira amostra foi enviada a Paris, já em 1872. Dessa época até o ano de 1930, a economia mato-grossense, voltada para o mercado externo, girou predominantemente em torno do extrativismo vegetal e da pecuária extensiva. A primeira atividade concentrava-se no trio poaia, borracha e erva-mate e, a segunda, na comercialização de gado em pé, couros, charque, caldo e extrato de carne (HIGA, 2005, p. 26; BORGES, 2001, p. 43; PEREIRA, 1995, p. 74-75). Borges (2001, p. 49) sugere o estabelecimento de uma periodi- zação do desenvolvimento da economia de Mato Grosso, identificando asdécadas de 1870 a 1880 como uma fase de pequeno movimento de exportação; de 1890 a 1914, como um período de organização e predomínio de produtos extrativos; e de 1914 a 1930, período de pre- domínio de produtos originários da pecuária. Nesse contexto, e espe- cialmente nas duas última fases, a extração de produtos nativos e a uti- lização de amplas pastagens naturais representaram o aproveitamento de vantagens absolutas13 que o Estado desfrutava nessas atividades. A seguir, faz-se uma breve apreciação sobre a exploração desses produtos. 13 Vantagem absoluta signifi ca maior efi ciência de produção ou o uso de menos trabalho na Vantagem absoluta significa maior eficiência de produção ou o uso de menos trabalho na atividade. 27 A poaia A poaia ou ipeca é um pequeno arbusto, nativo de Mato Grosso e outras regiões brasileiras (Bahia, Espírito Santo e Amazônia), cuja raiz contém cefalina e “[...] emetina, substância que compõe os ingredien- tes de diversos medicamentos fabricados para a cura da coqueluche, bronquite e até mesmo disenterias” (SIQUEIRA, 2002, p. 107)14. Sua exploração ocorreu nas depressões do Guaporé e Alto Para- guai, entre o planalto dos Parecis e a planície do Pantanal, realizando- -se, de forma artesanal e sob condições adversas, mediante o arran- camento das raízes das plantas. Alicerçava-se no sistema de arrenda- mento de terras e contava com a participação de capital nacional e estrangeiro. O escoamento da produção era feito, pelo rio Paraguai, rumo a São Paulo e América do Norte, a Inglaterra e o Uruguai. Mesmo tendo sido diretamente responsável pela implantação de apenas um núcleo urbano (Barra do Bugres), essa exploração comercial estimulou relações comerciais internas e externas, atraindo migrantes de outros estados do Brasil, bem como contribuiu para a interiorização da eco- nomia local em direção à região Norte. Não foi, no entanto, uma ativi- dade que despertou grande interesse nos exploradores, devido à ins- tabilidade de seu preço no exterior. Assim, a ipecacuanha, embora pre- sente na atividade econômica de Mato Grosso, não foi decisiva como elemento relevante de caracterização e desenvolvimento da economia local (BORGES, 2001, p. 49-54; HIGA, 2005, p. 27-28). Atualmente, a poaia é uma espécie em vias de extinção, por cau- sa da prática extrativista intensa e predatória (arrancamento da planta na fase de florescimento, antes de se haverem formado as sementes, necessárias para a preservação da espécie) ocorrida nos dois séculos passados, bem como do avanço das fronteiras agrícolas, fato que redu- ziu a possibilidade de ocorrência natural do vegetal. Sua produção em Mato Grosso gira, hoje, em torno de 1.000 kg/ ano, concentrando-se totalmente no município de Barra do Bugres e re- presentando 50% da produção nacional, que é de apenas 2.000 kg/ano. 14 “O emprego particular da ipeca é como emético, propriedade que se deve mais à cefalina que à emetina. Esta atividade resulta da excitação provocada no esôfago e estômago e [...] provoca o vômito. Em dose reduzida, aplica-se como expectorante nas bronquites e asmas, para facilitar a eliminação das mucosidades dos brônquios, purgativo e tônico. A emetina exerce ação tóxica para vários microorganismos, em particular, sobre a Entamoeba histolytica, o que torna o uso da ipeca e da emetina adequado nas disenterias amebianas” (LAMEIRA, 2002, p. 2 ). 28 Trata-se, todavia, de uma espécie de cultivo economicamente viável, pois os alcalóides (emetina e cefalina), que correspondem de 2% a 3% do peso seco das raízes, são dois dos seus componentes que ainda respondem à grande demanda dos países industrializados, espe- cialmente a Inglaterra, os Estados Unidos e Canadá. O mercado potencial anual é estimado em US$ 5 milhões, sendo um quilo da raiz comercializada, em média, a R$ 35,00, e o litro de ex- trato fluído, a US$ 150,00. Uma planta, aos dois anos, pode produzir 37 g de raiz, e um hectare de terra comporta 70.000 delas (LAMEIRA, 2002, p. 1-2; MARTA et al., 2003, p. 38). Percebe-se, contudo, que é possível se atingir uma produção de 2.590 kg de raiz em dois anos, ou seja, de 1.295 kg/ano, medida que, ao preço de R$ 35,00/kg, como mencionado, representaria uma receita bruta anual de R$ 45.325,00. Logo, essa cultu- ra se constituiria numa alternativa que poderia e deveria ser estimulada nos programas governamentais de cultivo e fomento, visando a diversi- ficação da atividade agrícola (extrativista) mato-grossense15. A borracha A borracha, obtida a partir da coleta do látex da seringueira e/ ou da mangabeira, embora já conhecida desde o século XVIII, passou a ser explorada comercialmente, em Mato Grosso, nas imediações dos rios Paraguai, Juruena, Arinos, Paranatinga e Alto Tapajós, somente na segunda metade do século XIX. A recolha da matéria-prima realizava-se apenas no período da estiagem, permitindo o aproveitamento da mesma mão de obra em- pregada na exploração da poaia, que ocorria na época das chuvas, pois o solo úmido facilitava o arrancamento das raízes, sendo que o látex era extraído somente nas épocas de seca. Embora a primeira amostra da borracha tenha sido enviada ao exterior em 1872, conforme anteriormente destacado, foi apenas em 1874 que se efetuou a primeira exportação. No local da extração, o transporte era feito com a ajuda de animais, até alcançar as vias fluviais. A maior parte da produção era escoada pelo rio Amazonas e o restante pelo rio Paraguai, tendo como destinos principais o Amazonas, Pará, São Paulo e a América do Norte, Argentina, França, Inglaterra, Alemanha e o Uruguai. O auge da exploração e comercialização da borracha mato- 15 Para maiores detalhes sobre a viabilidade econômica de atividades extrativistas (MARTA; FIGUEIREDO, 2004). 29 grossense ocorreu no final do século XIX e início do XX, quando perdeu competitividade diante da produção asiática, vendida a preços inferiores à brasileira (BORGES, 2001, p. 49-54; HIGA, 2005, p. 27-28). Quanto ao valor das exportações da borracha no âmbito do Estado, em relação ao valor das exportações totais do Brasil, “[...] manteve-se, de 1901 a 1930 em torno dos 8%, com a quantidade em cerca dos 10%, ou seja, de pouca representatividade a nível nacional” (BORGES, 2001, p. 75). A produção da borracha mato-grossense não foi impulsionada nem mesmo com a inauguração, em 1912, dos 364 km da estrada de ferro Madeira-Mamoré, no atual estado de Rondônia, empreendimen- to implantado em função do Tratado de Petrópolis, de 1903, firmado entre Brasil e Bolívia16. O insucesso no alcance dos objetivos traçados para a ferrovia deveu-se a inúmeras razões, dentre as quais as aponta- das pelo engenheiro Clodomiro Pereira da Silva, em 1910: Por força dos altíssimo custos, os fretes da ferrovia estariam en- tre os mais caros do mundo, inviabilizando uma circulação di- versificada e em grande escala. O vazio demográfico da região do Guaporé continuava intacto, sem nenhuma garantia de alte- rações significativas. Mesmo a exportação do látex, mercadoria mais valiosa produzida na área, não justificava a construção da estrada de ferro naquele ponto [...]. Junte-se aí o agravante de que, quando terminada a ferrovia em 1912, vivia-se exatamen- te o grande colapso da borracha, com a queda vertiginosa dos preços internacionais do látex, afetados pela concorrência da produção asiática, encerrando-se de forma brusca a fase mais eufórica e brilhante da civilização amazônica. Finalmente, do ponto de vista específico do fator transporte, ao iniciar-se o século XX, a Bolívia já possuía várias opções mais rápidas e ba- ratas para alcançar o atlântico: por navegação fluvial, via As- sunção, até Buenos Aires; pelo mar, a partir de 1914, através do canal do Panamá; por ferrovia, de Santa Cruz de la Sierra e Corumbá, até Santos; além disso, os altiplanose a Amazônia boliviana comunicavam-se agora com o Pacífico mediante liga- ções ferroviárias com os portos de Antofagasta, Arica (Chile) e Mollendo (Peru) (HARDMAN, 1988, p. 137-138 apud BORGES, 2001, p. 113-114). 16 O atual estado do Acre era, no início do século XX, uma região pertencente à Bolívia e que O atual estado do Acre era, no início do século XX, uma região pertencente à Bolívia e que foi ocupada por seringueiros brasileiros, gerando tensões na área. Para resolver a questão, foi firmado o Tratado de Petrópolis, por meio do qual o Acre foi incorporado ao território brasileiro, mediante uma indenização à Bolívia no valor de dois milhões de libras esterlinas (equivalente a aproximadamente R$ 630 milhões), além da cessão de algumas terras de Mato Grosso e do com- promisso de construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré, que serviria para escoar a produção boliviana pelo rio Amazonas (WIKIPEDIA, 2007b). 30 Apesar disso, a exploração da borracha promoveu importante fluxo migratório para Mato Grosso, principalmente de nordestinos que fugiam das secas e buscavam nessa atividade um modo digno de so- brevivência, o que, entretanto, não ocorreu. Com o declínio da pro- dução, esses trabalhadores permaneceram em solo mato-grossense, muitos deles migrando para o nordeste do Estado, na região do Vale do Araguaia, e outros fortalecendo núcleos já existentes, como Diamanti- no, Cáceres e Rosário Oeste (HIGA, 2005, p. 28). Atualmente, sabendo que a produção da borracha no Brasil totaliza 100 mil toneladas anuais, para um consumo de 300 mil toneladas (CAJU, 2006), a participação de Mato Grosso é expressiva, perfazendo, em 2004, um total de 30.480 t. e em 2005, 24.104 t. O município de Itiquira res- ponde por aproximadamente 50% dessa produção, em função de sediar o maior seringal da América Latina, de propriedade da multinacional Miche- lin. Ressalte-se, no entanto, que em 2005 a cultura da borracha realizou- -se em 60 municípios mato-grossenses (praticamente 50% do Estado). As maiores concentrações se localizam, pela ordem, no Sudeste, Norte, Su- doeste e Nordeste da região (MATO GROSSO, 2007, p. 391; CAJU, 2006). Diante dos dados levantados, é notório que essa atividade representa um potencial econômico cuja exploração pode ser intensificada. A erva-mate Após a guerra contra o Paraguai, as comissões demarcadoras de limites foram enviadas para Mato Grosso com o objetivo de definir os locais de fronteira do Brasil com o Paraguai. Tais expedições eram abastecidas por comerciantes que supriam os acampamentos com as mercadorias de que as equipes necessitavam. Um dos fornecedores, o gaúcho Tomás Laranjeira, em suas an- danças pelo Baixo Paraguai, região de Dourados, Ponta Porã e Amam- bai, observou a presença de extensos ervais nativos, despertando nele o interesse em explorá-los, já que detinha experiência no ramo e era conhecedor da grande procura pelo produto nos mercados do Prata. Diante disso, requereu do Governo da província mato-grossense, em 1878, o arrendamento dessas áreas, sendo atendido apenas em 1882. Então, para viabilizar a exploração comercial da erva-mate e dian- te da impossibilidade de transferir o direito que adquirira (a lei vedava a transferência de concessões), Laranjeira constituiu uma empresa, a Companhia Mate Laranjeira, tendo como principal acionista o Banco Rio e Mato Grosso (96,9% das ações), de propriedade da família Murtinho 31 e sob a direção do Senador Joaquim Murtinho. Tomás Laranjeira garan- tia, assim, além do aporte de capital necessário, o apoio político às suas reivindicações. Os 3,1% restantes das ações ficaram distribuídos entre outros nove acionistas, dentre eles, o próprio Laranjeira. A atividade prosperou, levando a empresa a ampliar as terras arren- dadas, a adquirir outras e a expandir sua capacidade operacional, mediante a construção de trechos interligados por trilhos, a edificação da sede admi- nistrativa, de moradia para os empregados e de espaços para a armazena- gem da erva, bem como a atuação na área do transporte fluvial, adquirindo chatas, vapores e lanchas, além da instalação de setores de marcenaria, fer- raria, serraria etc (BORGES, 2001, p. 55-57; SIQUEIRA, 2002, p. 105). Esse crescimento passou a atrair migrantes de outras regiões do país, especialmente gaúchos, que, com a derrota da Revolução Federalis- ta17, em 1895, para não se sujeitarem à submissão, emigraram e estabele- ceram-se entre Bela Vista, Ponta Porã e Dourados. Conseguiram garantir a sobrevivência e, com isso, atraíram ainda mais grupos de pessoas, o que passou a preocupar a Companhia Mate Laranjeira quanto à manutenção do seu monopólio. Assim, esses novos habitantes, estabelecidos em terras devolutas do Estado, ao requererem glebas, não obtinham despachos fa- voráveis, por interferência da empresa (BORGES, 2001, p. 55-56). No início do século XX, Tomás Laranjeira comprou as ações da Mate Laranjeira que pertenciam ao Banco Rio e Mato Grosso, tornando- -se acionista majoritário e, sob o patrocínio de Manuel Murtinho, asso- ciou-se com o empresário argentino Francisco Mendes, que possuía uma indústria e estava interessado em incrementar sua produção. A empresa passou a denominar-se Laranjeira Mendes & Companhia, e sua sede foi transferida para Buenos Aires. A partir daí, a erva-mate extraída passou a ser industrializada na Argentina, obtendo-se diversos tipos de erva, as mais finas para o chá (parte exportada para a Europa) e o chimarrão e as mais grosseiras para o tereré (SIQUEIRA, 2002, p. 105-106). O grande patrimônio material e a expressiva renda monetária da Companhia, resultante de sua condição monopolista, permitiram que ela resistisse às tentativas de extinção dessa condição de privilégio. Tal foi o caso quando, em 1907, a empresa, tendo solicitado a prorrogação do prazo de arrendamento das terras, teve seu pedido negado pela Co- 17 A Revolução Federalista ocorreu no Sul do Brasil logo após a Proclamação da República. Os fede- A Revolução Federalista ocorreu no Sul do Brasil logo após a Proclamação da República. Os fede- ralistas desejavam depor o presidente do estado do Rio Grande do Sul, Júlio Prates de Castilhos. A divergência ocorreu devido a atritos entre aqueles que almejavam a autonomia estadual frente ao poder federal e seus opositores. Foi uma guerra civil que durou de fevereiro de 1893 a agosto de 1895, da qual saíram vencedores os pica-paus, seguidores de Castilhos (WIKIPEDIA, 2007a). 32 missão da Indústria, da Assembleia Legislativa, que ainda opinou pela modificação das condições dessa concessão; ou quando, em 1915, foi editada uma lei garantindo aos ocupantes de terras de pastagens e de lavouras inseridas na área arrendada, preferência na aquisição das áreas, com direito a, no máximo, dois lotes de até 3.600 ha cada um, dentro do prazo de dois anos, a contar de 27 de julho de 1916, a To- davia, essa iniciativa não vingou; pelo contrário, a área concedida para a empresa, que, na época, era de 1,44 milhão de hectares, aumentou para 1,88 milhão de hectares (BORGES, 2001, p. 58-59). Na verdade, a Companhia tinha uma receita seis vezes superior à do Estado, motivo pelo qual os arrendamentos sempre eram pagos antecipa- damente, recompondo as combalidas finanças do erário. Aliás, o Governo chegou a tomar dinheiro emprestado da empresa. Com isso, o controle sobre a produção resultavam frouxos ou inexistiam, fazendo com que não houvesse recolhimento de tributo superior à prevista (chegando ao ponto de não haver recolhimento de tributo quando a extração da erva-mate su- perava a previsão). A empresa, portanto, transformou-se em um forte ins- trumento de poder e chegou a constituir um Estado (A Laranjeira) dentro de outro Estado (Mato Grosso): era de cunhagem própria o dinheiro circulante nos domínios empresariais, possuía seu próprio policiamentoe aplicava pu- nições que considerava adequadas e necessárias, sem qualquer interferên- cia governamental (BORGES, 2001, p. 59-60; SIQUEIRA, 2002, p. 106). Nas lutas políticas pela renovação das concessões de arrendamentos, que garantiriam o monopólio à Companhia, saiu vitorioso o grupo dos Murti- nhos, em oposição ao de Generoso Ponce. O primeiro ligava-se aos interesses do capital internacional, e o segundo aos do capital comercial. Manoel Mur- tinho entendia que havia necessidade de a erva-mate ser explorada por uma empresa estrangeira poderosa, para que, em casos de conflito decorrente da ocupação de terras devolutas por migrantes, houvesse uma intervenção fede- ral diplomática. Por outro lado, Ponce desejava lotear as terras em glebas de 450 ha e arrendá-las em hasta pública. Tão significativos eram os interesses que envolviam as atividades ervateiras, que Murtinho chegou a desistir da disputa pela Presidência do Estado contra Generoso Ponce, mediante o acor- do de renovação do arrendamento à Laranjeira até o ano de 1930 e a garantia de opção de compra de áreas de até dois milhões de hectares, para evitar que fossem ocupadas por terceiros (BORGES, 2001, p. 60-61). A partir de 1930, com o início da era Vargas, a situação mudou, já que sua política visava implantar no país o controle da economia, da política e das comunicações. Getúlio Vargas desejava também que a produção de erva-mate fosse realizada nos moldes praticados no Sul do Brasil, ou seja, em pequenas propriedades. Assim, a continuidade 33 dos arrendamentos para a Laranjeira Mendes & Companhia foi deses- timulada e a empresa, desativada, revitalizando-se o fluxo migratório para a região (SIQUEIRA, 2002, p. 107). Embora a exportação da erva-mate mato-grossense, entre 1901 e 1930, tenha representado apenas 10% da quantidade exportada pelo Brasil, ela foi responsável, em alguns anos, por mais da metade do to- tal das exportações realizadas pelo Estado, representando, portanto, significativa importância para a economia local. Além disso, contribuiu para a formação de cidades, como Ponta Porã, Porto Murtinho, Bela Vista, Dourados, Amambai, Itaporã e Rio Brilhante. Foi a erva-mate, dessa forma, um fator decisivo para a reestruturação e valorização do Sul de Mato Grosso (BORGES, 2001, p. 62-65; HIGA, 2005, p. 26). A planta continua sendo cultivada no Mato Grosso do Sul e tam- bém no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, envolvendo, nesses quatro Estados, 180.000 propriedades, na maioria pequenas e mé- dias, distribuídas em 596 municípios. Isso confere à atividade significativa importância social e econômica, já que gera mais de 710 mil empregos diretos e proporciona uma renda direta de mais de R$ 175 milhões. Em 1998, a produção brasileira foi de 325 mil toneladas, tendo o estado do Pa- raná contribuído com 49,4% desse total; Santa Catarina, com 21,4%; o Rio Grande do Sul, com 28,1%; e Mato Grosso do Sul, com 1,1%; ou seja, 3.575 t., o equivalente a uma receita de R$ 1,9 milhão (Embrapa, 2007, p. 1). A pecuária e a agroindústria dela derivada A chegada dos primeiros rebanhos de gado a Mato Grosso re- monta o ano de 1737 (BORGES, 2001, p. 75), e a prática pecuarista iniciou-se, a exemplo da cultura canavieira, como atividade subsidiá- ria à mineração, pois na primeira metade do século XVIII servia para suprir, com gêneros alimentícios, as populações das minas de Cuiabá e do vale do Guaporé. As fazendas de bovino se desenvolveram na região pantaneira do extremo sul de Mato Grosso, que apresentava uma topografia mais propícia para a atividade, assim como em áreas próximas a Poconé, Rosário do Rio Acima (Rosário Oeste) e Vila Maria (Cáceres). Ao contrário da lavoura canavieira, a pecuária utilizava pou- ca mão de obra livre. Assim, a população das vilas situadas no entorno das fazendas não se beneficiava dessa atividade econômica, já que se necessitava de apenas 15 a 20 pessoas para cuidar de 50 a 60 mil ca- beças de gado. Em contrapartida, o desenvolvimento dessa atividade exigia grandes áreas de terra, pois era exercida, como já destacado, 34 na região pantaneira, que permanece alagada durante os meses de cheias, necessitando, nesses períodos, de terrenos altos, inacessíveis às inundações (PERARO, 2001, p. 33; SIQUEIRA, 2002, p. 117). Na década de 1780, após a fundação dos fortes de Coimbra18 (1775) e Miranda (1776), que serviam para proteger as propriedades, atacadas frequentemente pelos índios Paiaguás (BORGES, 2001, p. 75; FIGUEIRE- DO, 1994, p. 105; MORENO, 2007, p. 39), e das cidades de Corumbá, Cá- ceres (1778) e Poconé (1781), a pecuária passou a se consolidar. A criação extensiva ensejou o requerimento de muitas sesma- rias para a instalação de fazendas ao longo, não somente do rio Cuia- bá (Santo Antônio/Poconé), mas também do rio Paraguai (Cáceres). Nesses termos, a região Centro-Norte do Estado “[...] foi responsável pela concentração de terras e poder em mãos de uma elite ligada ao capitalismo internacional, tendo sido este grupo que levou à frente a movimentação política, numa tentativa de manter o poder executivo com sede na região” (MORENO, 2007, p. 39). Foi, então, no final do século XVIII que se implantaram as primei- ras fazendas pantaneiras de gado, porém havia muita terra e poucas pessoas dispostas a enfrentar as adversidades do campo. As conces- sões de sesmarias, de 13.068 ha, eram requeridas, via de regra, em grande número pelo mesmo interessado, configurando os latifúndios. Assim, a ocupação do Pantanal ocorreu do norte para o sul, a partir de Cuiabá. Concomitantemente, o povoamento passou a ser realizado por migrantes vindos da zona rural de Minas Gerais, via Sant’Ana do Paranaíba, ocupando o Planalto de Maracaju e estabelecendo-se nos vales Sucuriú, Vacaria, Taquaruçu, Ivinhema, Brilhante e Apa. Em me- ados do século XIX, essas duas correntes de ocupação encontraram-se no distrito de Miranda (FIGUEIREDO, 1994, p. 105-110). O manejo do gado se processava de modo empírico e rudimentar. O boi, de pequena estatura e pouco rentável, não comportava estrutura para a sua manipulação, e as pastagens nativas não possuíam cercas ou divisões, nem se fazia a seleção entre gado de cria e de corte. Inexistia mercado para comercializá-lo e, consequentemente, o fazendeiro possuía pouco capital. Instalado em casas rudes, com paredes de adobe, cobertas de palha, de chão batido, ele dispunha apenas do essencial para sobreviver, havendo far- tura apenas de carne e leite (FIGUEIREDO, 1994, p. 110-111). 18 Forte de Coimbra: construído nas margens do rio Paraguai, próximo à Vila de Albuquerque, Forte de Coimbra: construído nas margens do rio Paraguai, próximo à Vila de Albuquerque, atual Corumbá (SIQUEIRA, 2002, p. 56-57). 35 No período da guerra contra o Paraguai (1864-1870), a pecuária na região sofreu grande retrocesso. Por um lado, os paraguaios inicial- mente apreenderam todo o gado e tropa possíveis, visando enfraque- cer a resistência brasileira e garantir alimento para seus combatentes. Por outro lado, os exércitos da Tríplice Aliança abateram as reses ne- cessárias para a alimentação (FIGUEIREDO, 1994, p. 111). Além disso, centenas de fazendas foram saqueadas, instalando-se a miséria no sul de Mato Grosso. O gado conservou-se melhor no norte do Pantanal, mas os criadores abandonaram suas fazendas refugiando-se em Cuiabá. A planície ficou despovoada, como ocorrera há 100 anos. A essas dificuldades somou-se a epizootia, conhecida como “peste das cadeiras”, que ameaçou a produção de cavalos e muares, vindo a comprometer ain- da mais o desenvolvimento da atividade (FIGUEIREDO, 1994, p. 112). Após a guerra, teve início o processo de reorganização social e eco- nômica, em relação ao qual os fazendeiros também se empenharam. Com boi e cavalo escassos, desencadeou-se um intercâmbio entreo Planalto de Maracaju, onde havia mais cavalos e praticamente nenhum boi, e o Pantanal, onde havia mais bois. A fase da simples exploração completa- mente rudimentar da atividade foi se modificando aos poucos. Mesmo sem cercas, evitava-se a dispersão das criações através da oferta de sal, ou do corte na ponta dos cascos, o que tornava a pisada dolorosa. Houve, portanto, um estreitamento no relacionamento homem-animal, e, embo- ra a bovinocultura ainda não se caracterizasse enquanto atividade rentá- vel, continuava a ser a forma de ocupação dos “vazios” demográficos. Os fazendeiros uniam-se para realizar o “trabalho de gado” e, assim, estabe- leceram relações sociais e fundaram novas cidades. O processo de ocupa- ção, interrompido pela guerra, havia se reiniciado. Os criadores refugia- dos em Cuiabá retornaram ao Pantanal para recompor suas fazendas. Da mesma forma, os do Planalto e da parte sul do Pantanal, que haviam se dirigido para Goiás, Minas Gerais ou São Paulo, voltaram, dessa vez acom- panhados de novos parentes e amigos (FIGUEIREDO, 1994, p. 124-125). Em 1892, o povoado de Aquidauana foi fundado por cerca de 40 fazendeiros. Antes, porém, em 1875, surgiu Santo Antônio de Campo Grande, a partir de um aglomerado de fazendas, gradativamente trans- formado em povoado que funcionava como entreposto de comercia- lização de gado. O negócio era efetuado com mascates paraguaios do porto de Concepción, via Ponta Porã, os quais carregavam consigo sal, ferramentas e outros artigos, levando ao animais para recompor a pe- cuária paraguaia, igualmente devastada pela guerra. Desenvolveu-se, assim, em 1899, a Vila de Campo Grande (FIGUEIREDO, 1994, p. 126). 36 Nesse contexto, passou o capital estrangeiro a interessar-se pela região. A fragilidade e a desarticulação econômica regional, em decor- rência da guerra, permitiam a aquisição de enormes latifúndios com vistas à exploração de suas matérias-primas. Essa iniciativa inseriu-se na lógica motivadora do conflito armado que se instalara, pois abriu espaço para a dominação econômica do território. O investimento necessário para tal era relativamente baixo, devido à abundância de terras e dificuldade na comercialização do gado, tendo sido a pouca mão de obra requerida para a realização dos trabalhos, outro fator de atração para esse capital (FIGUEIREDO, 1994, p.127). Assim, entre o final do século XIX e início do século XX, os estrangeiros adquiriram 4,96 milhões de hectares de terras, ten- do ocorrido apenas uma transação de 5 mil hectares; em todos os outros casos, cada uma totalizou mais de 100 mil hectares, tendo a maior das negociações superado 850 mil de hectares, conforme demonstrado na tabela a seguir: Tabela 1.1.1 - Principais atividades territoriais destinadas à pecuária bovina em Mato Grosso no pinicio do século XXTabela 1.1.1 - Principais propriedades territoriais destinadas à pecuária bovina em Mato Grosso no início do século XX Empresa Local Área (ha) Brazil Land Cattle and Packing São Luiz de Cáceres 884.231 Corumbá 763.508 Três Lagoas 759.087 Campo Grande 146.379 Soma 2.553.205 Brazilian Meat Company Três Lagoas 311.010 Aquidauana 5.000 Soma 316.010 Fomento Argentino Sud-Americano Corumbá 726.077 Franco-Brasileira Miranda 242.456 The Miranda Estancia Company Miranda 219.506 Sud-Américaine Belge S/A Corumbá 177.060 Sociedade Anônima Rio Branco Corumbá 549.156 The Água Limpa Syndicate Três Lagoas 180.000 Total 4.963.470 Fonte: MARQUES, 1923, p. 156 -157 apud BORGES, 2001, p. 79 -80. Nota: Adaptada pelos autores. Conforme já abordado, até o término da guerra contra o Paraguai, em 1870, a pecuária se manteve restrita à produção voltada para o abaste- cimento do mercado interno e, no final dessa década, passou a ter impor- tância relevante na economia local. Nesse período, a exportação de gado e de alguns de seus derivados (carne-seca, chifres e crinas) representava mais de 50% do total realizado por Mato Grosso (BORGES, 2001, p. 75-76). 37 Nas propriedades adquiridas foram instalados saladeiros, que em 1907 já eram em número de sete: três junto ao rio Paraguai e os demais junto aos rios Correntes, São Lourenço, Cuiabá e Miranda. Des- sa forma, a produção podia ser transportada até os portos argentinos e uruguaios, onde havia uma significativa atividade pecuária e de indus- trialização (FIGUEIREDO, 1994, p. 128). Destaque-se, no entanto, que não só nessa época, mas até anos recentes, a pecuária bovina foi operacionalizada de forma extensiva, ex- clusivamente. Isso significa que sua expansão efetivava-se tão somente pelo aumento de áreas de terras destinadas à atividade, não se adotando inovações tecnológicas no processo de produção (PEREIRA, 1995, p. 78). Em 1914, a construção da ferrovia Noroeste do Brasil deu novo impulso à atividade criatória bovina no sul do Estado, pois aproximou ainda mais São Paulo daquela região (PEREIRA, 1995, p. 78). Tal estra- da de ferro conseguiu gradativamente desarticular a navegação e, por conseguinte, o comércio do sul do Estado com as cidades portenhas. Então, o gado passou “[...] a ser transportado vivo nos trens para ser engordado nas pastagens dos campos de São Paulo e Minas Gerais e daí, para os abatedouros” (PIAIA, 1999, p. 18). Dessa forma, a navegação continuou tendo importância, mas ape- nas para a comunicação e o comércio do norte de Mato Grosso, sendo mantida, até 1930, em ritmo decrescente, em especial para a indústria saladeril. A estrada de ferro, portanto, atingiu os interesses do capital estrangeiro, já que as matérias-primas do sul passaram a ser escoadas diretamente para São Paulo, visando abastecer o mercado interno ou viabilizar as exportações pelo porto de Santos (FIGUEIREDO, 1994, p. 136). Com isso, Corumbá perdeu, para Campo Grande, sua condição de centro comercial da economia mato-grossense (BORGES, 2001, p. 112). A ferrovia também atraiu para a parte sul muitos migrantes oriundos de várias regiões brasileiras, bem como de outros países, cujo capital e mão de obra vitalizaram as atividades rurais e urbanas. Parte desse capital foi aplicada na pecuária, fortalecendo a atividade (SIQUEIRA, 2002, p. 118). Consequentemente, nas áreas próximas à localização dos trilhos da estrada de ferro, verificou-se a instalação de novas colonizações (BORGES, 2001, p. 113). Portanto, “[...] a pecuária favoreceu o desenvolvimento de toda a região sul do Estado, acelerou o progresso de Corumbá e engendrou, na região norte, condições que estimulariam seu desenvolvimento” (MENDONÇA, 1972, p. 86 apud PEREIRA, 1995, p. 78). 38 A agroindústria canavieira A cultura de cana-de-açúcar, juntamente com seu processo de industrialização, foi uma das primeiras e mais importantes atividades produtivas realizadas em Mato Grosso. Já na segunda década do século XVIII, mais precisamente em 1726, seu cultivo era realizado em um sítio denominado Chapada, então, como prática subsidiária à mineração. Os primeiros engenhos instalados no local, movidos por tração animal e/ou a água, fabricavam “potó”19, aguardente e rapadura, que se destinavam ao consumo pela população local, sobretudo pelos mineradores. Na época, a defesa da fronteira e a exploração do ouro consti- tuíam prioridades da metrópole, que chegou ao ponto de vetar essa produção e de ordenar a destruição dos engenhos. Todavia, a ativida- de foi mantida e a indústria açucareira continuou se desenvolvendo. Na década de 1730, havia cinco engenhos na região de Cuiabá e, em 1750, 16. Diferentemente do que ocorria no Nordeste e no Centro- -Sul, a produção não se destinava à exportação, pois havia imposições da metrópole, visando evitar a expansão da atividade. Além disso, a produtividade era baixa, em decorrência da utilização de técnicas ru- dimentares, havendo ainda a questão dos fretes de mercadorias, cujos
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