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Apostila Filosofia 1.pdf

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Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO 
Filosofia 
Prof. Irenio Silveira Chaves 
 
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO 
 
“É propriamente ter os olhos fechados, sem jamais tentar abri-los, viver sem filosofar; e o prazer 
de ver todas as coisas que a nossa visão descobre não é comparável à satisfação proporcionada 
pelo conhecimento daquelas que encontramos por meio da filosofia.” René Descartes. 
 
 
O que é Filosofia? 
 
Está aí algo difícil de se responder ou explicar. Esta 
pergunta jamais foi respondida adequadamente em 
toda a história do pensamento humano. A primeira 
tentativa foi dada pelos chamados pitagóricos, o grupo 
de pensadores gregos ligados ao matemático Pitágoras 
(no séc. VI a.C.). Eles se reuniam para degustar vinhos 
e praticar música, além de tratar de temas ligados à 
observação dos fenômenos naturais através dos 
números. 
Pitágoras foi o primeiro a usar a palavra “filósofo” 
para designar o que ele seus amigos faziam. Eles não 
foram os primeiros filósofos, pois a Filosofia já existia 
há algum tempo. A definição que formularam serviu 
para descrever o que se fazia por esses vários grupos 
que se formaram na Grécia antiga e que acabou se 
espalhando pelo Ocidente de um modo geral. A palavra 
vem da junção dos termos gregos filo (que quer dizer 
“amante” ou “amigo”) com sofos ou sofia (que significa 
sabedoria). Eles se diziam “amantes da sabedoria”. 
 
filo + sofos = filósofo => amante da sabedoria 
 
Posteriormente, Platão, que era do século V a.C. – 
um dos principais filósofos de todos os tempos –, 
afirmou: “A Filosofia é a alma pensando em si mesma”. 
Ele tinha a ideia de que havia duas instâncias que 
envolvem a natureza: uma, da ordem física, material; 
outra da ordem das ideias, acessada pelo pensamento. 
A palavra grega que usou para descrever aquilo que 
chamamos de alma é pisque, que deveria ser melhor 
traduzida como “mente”. Quando suas obras foram 
traduzidas para o latim, a palavra usada para “alma” foi 
ratio, que quer dizer “razão” ou “pensamento”. 
 
Psique em grego = alma ou mente 
Ratio em latim = razão ou pensamento 
 
Immanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII, 
disse que a Filosofia é o conhecimento que a razão 
adquire de si mesma para conhecer e agir com o fim de 
se alcançar a felicidade. Posteriormente, já no século 
XX (século passado, portanto), o filósofo alemão 
Martin Heidegger afirmou que a “Filosofia é o 
pensamento que se pensa”. Ou seja, a Filosofia põe o 
pensamento em questão, interessa a ela as 
possibilidades do pensamento e os caminhos que ele 
precisa percorrer para construir um raciocínio ou uma 
ideia. Outro filósofo importante pensador, o filósofo 
francês Gilles Deleuze firmou, em seu livro O que é 
Filosofia?: “filosofia é pensamento”. 
Isso nos remete àquilo que Antonio Gramsci, 
filósofo italiano que foi preso durante o fascismo da 
Segunda Guerra Mundial, afirmou: “todos os homens 
são filósofos” na medida em que, de algum modo, 
todas as pessoas, sem distinção, lidam e convivem com 
a Filosofia e a utilizam no seu cotidiano, mesmo que 
não deem conta disso. Se todas as pessoas pensam e a 
filosofia é pensamento, logo todas são filósofos. 
Não dá para saber com exatidão o que a Filosofia é, 
mas dá para se saber o que ela não é. A Filosofia não é: 
- Não é uma ciência. Ela não tem um objeto único de 
conhecimento. Sua preocupação é sempre com a 
totalidade. 
- Não é uma doutrina. Ela não se resume a uma 
definição ou a uma fórmula. Sua forma de construção 
é através do diálogo e do discurso. 
- Não é uma crença. Ela não é um conjunto de 
afirmações para se acreditar, como formulações de 
verdade. Suas considerações nascem da dúvida e 
abrem espaço para novas possibilidades do 
pensamento. 
- Não é uma explicação sobre a vida. Ela não é um 
recurso de autoajuda, embora suas reflexões se voltem 
para as experiências do cotidiano. 
- A Filosofia não é um conteúdo ou um saber a ser 
transmitido, mas uma relação com o pensamento. 
Filosofia é, de fato, uma atitude que corresponde à 
reflexão crítica da realidade. Ela envolve uma reflexão, 
que diz respeito ao modo como o pensamento se 
constrói através de idas e vindas. Tal como uma 
FILOSOFIA / Irenio Chaves 
 
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imagem refletida no espelho, uma ideia formulada é 
lançada ao outro que a remete de volta modificada, 
elabora, transformada. Ela envolve também uma 
crítica, que é a capacidade de pensar por si mesmo. É 
um engano pensar que criticar tem a ver com falar mal 
ou apontar defeitos das coisas. Na verdade, criticar 
tem a ver com a formulação de um juízo próprio sobre 
as coisas. E ela envolve também a realidade, que é a 
interpretação que fazemos do real. A realidade não 
corresponde ao real, visto que este está ali dado. A 
realidade é o modo como percebemos o real, de forma 
sempre atravessada pelos saberes, pelas influências e 
pelas imposições de nossas relações. Essas relações são 
sempre histórica, social e culturalmente construídas. 
Nietzsche, filósofo alemão do século XIX, entendia que 
por traz de uma realidade há sempre uma outra 
realidade que deve ser buscada, perseguida, 
compreendida e pensada. E é dessa “outra realidade” 
que a Filosofia está à procura. 
O esforço para a explicação da realidade pela 
Filosofia se baseia na capacidade intelectual do homem 
com base na razão. A reflexão filosófica, portanto, 
depende da capacidade de indagar, de questionar e de 
problematizar. Ela se dá a partir de algumas questões 
orientadoras: 
- O quê? Procura entender a natureza e a essência das 
coisas. 
- Como? Procura entender o modo como as coisas se 
originaram. 
- Para quê? Procura entender a finalidade e o propósito 
das coisas. 
Agora, chegou a hora de se perguntar: para que 
serve isso? 
 
Para que serve a Filosofia? 
 
Desde a sua origem, a Filosofia se apresenta com 
algumas características que a diferencia de outras 
formas de conhecimento, como a ciência e a religião. E 
isso se dá pelo fato de que, na abordagem filosófica, o 
problema é examinado em sua complexidade total. Na 
ciência, há uma tendência cada vez mais para a 
especialização e, na religião, a solução de um problema 
visa à experiência com o sagrado. A Filosofia quer 
superar a fragmentação do real enquanto que a ciência 
precisa reduzir seu objeto de estudo à menor unidade 
possível observável e a religião precisa vincular o saber 
a um conteúdo revelado. 
A Filosofia aborda a questão relativa à totalidade do 
objeto como reflexão crítica a respeitos dos 
fundamentos do seu conhecimento. Immanuel Kant 
considerava que “não se estuda filosofia. Filosofa-se”. 
A Filosofia não possui um conteúdo que lhe é próprio 
e, nessa medida, acaba se envolvendo com todos os 
conteúdos das demais formas de conhecimento. Dito 
de outro modo: filosofar é dar sentido à experiência. 
A atitude filosófica é sempre questionadora, 
problematizadora e investigativa. Isso quer dizer que 
ela não aceita qualquer afirmação como verdade sem 
antes investigar. 
Para Platão, essa atitude nasce da admiração ou do 
espanto, representado pela palavra pathos em grego. 
Entretanto, não estamos falando de uma atitude de 
surpresa ou de admiração diante daquilo que é 
fantástico, misterioso ou inexplicável. Segundo 
Aristóteles, filósofo grego do século IV a.C., “os homens 
começam e começaram sempre a filosofar movidos 
pelo espanto [...] Aquele que se coloca uma dificuldade 
e se espanta reconhece a sua própria ignorância [...] De 
sorte que, se filosofaram, foi para fugir da ignorância”. 
Esse espanto corresponde a perceber uma nova 
realidade dentro daquela já conhecida, muito mais 
ampla, complexa e profunda. 
A filósofa brasileira Marilena Chauí escreveu que 
essa atitude de admiração ou espanto é, na verdade, 
“tomarmos distância do nosso mundo costumeiro, 
através de nosso pensamento,olhando-o como se 
nunca o tivéssemos visto antes [...]”. Nesse sentido, a 
Filosofia não tem um sentido de utilidade, se julgarmos 
apenas pelos resultados ligados a uma mentalidade 
consumidora, em busca de realização pessoal ou de 
explicações provisórias para a vida. Mas, quando se 
leva em consideração o fato de que desejamos superar 
a ingenuidade e as ideias dominantes para se buscar 
um sentido de liberdade e de felicidade que seja válido 
para todos, “então podemos dizer que a Filosofia é o 
mais útil de todos os saberes de que os seres humanos 
são capazes”, conforme afirmou Marilena Chauí. 
 
Qual a origem da Filosofia? 
 
A Filosofia tem uma data de nascimento, um local 
de nascimento, um primeiro autor e um primeiro 
método. 
- Data de nascimento: Século VII a.C. 
- Local de nascimento: cidade de Mileto, na região 
Jônica da Grécia. 
- Primeiro autor: Tales. 
- O primeiro método filosófico: a cosmologia. 
Os primeiros filósofos se caracterizaram por uma 
abordagem sobre os fenômenos da natureza. Eles 
desenvolveram um método de investigação racional, 
que conhecemos como cosmologia, com o qual 
procuravam compreender a constituição do Universo. 
A palavra grega cosmos se refere ao modo como as 
coisas estão organizadas na Natureza. Eles queriam 
FILOSOFIA / Irenio Chaves 
 
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saber como seria possível o Universo ter surgido do 
caos ou, em outras palavras, como o mundo ordenado 
teve seu princípio. A pergunta pela causa primeira de 
todas as coisas, que em grego é arché, era o cerne da 
investigação da Filosofia. 
A cosmologia, portanto, é um método filosófico e 
científico que procurava investigar os fenômenos 
naturais a partir da observação dos próprios 
fenômenos para compreender a sua causalidade (lei de 
causa e efeito), a fim de encontrar a causa primeira de 
todas as coisas, que os gregos chamavam de arché ou 
princípio. 
 
 
Tales, através da cosmologia, defendeu a ideia de 
que tudo o que há na natureza depende da água. Sua 
teoria foi muito criticada à época, mas o fato é que 
ainda hoje a pesquisa sobre se há vida em outros 
planetas gira em torno da descoberta da água. 
A Filosofia surgiu primeiramente entre os gregos. 
Porém, é um pouco arriscado afirmar que a filosofia 
surgiu exclusivamente entre os gregos. Outras 
civilizações também formularam formas de pensar 
significativas, como os chineses, os babilônicos e 
também a tradição hebraica-judaica. Só que essas 
formas estavam vinculadas a um saber religioso. Os 
gregos, no entanto, reuniram num determinado 
momento uma série de fatores que contribuíram para 
a formação do que chamamos de atitude filosófica. 
Segundo Hegel, em sua Introdução à História da 
Filosofia, entende que os gregos desenvolveram uma 
forma de pensar aberta para o universal e a 
universalidade. Diz ele: “Chega a época para um povo, 
em que o espírito quer apreender o universal, e se 
empenha em pôr os objetos da natureza sob as 
determinações gerais do intelecto: de conhecer, por 
exemplo, as causas das coisas.” 
A civilização grega se constituiu através da migração 
de povos que se instalaram na península macedônica, 
desde antes do século XII a.C., a maioria vindos das 
regiões mais ao norte, implantando núcleos urbanos 
que promoveram a ocupação do território e a defesa 
contra invasores. Eles chamavam o conjunto de suas 
cidades de Hélade ou de helênicos. 
Num primeiro momento, a ocupação se deu na 
região que ficou conhecida como Ática (a atual 
península macedônica) e se baseou principalmente na 
habilidade da guerra, na atividade econômica da 
agricultura e no desenvolvimento da navegação. 
Posteriormente, principalmente após o século XI a.C., 
os gregos expandiram-se para as ilhas do Mar Egeu e 
para a Ásia Menor, que compreende a atual Turquia. 
Essa região é que ficou conhecida como Jônica, por ter 
sido ocupada anteriormente pelos Jonos. Nessa fase, 
desenvolveram a diplomacia e a habilidade do 
comércio entre os povos. 
* Veja o Anexo I. 
Podemos considerar alguns elementos históricos 
que contribuíram para que a civilização grega 
desenvolvesse a atitude filosófica: 
a) Sua organização política através da polis – as 
cidades-estados gregas – que possuíam organização 
própria e formas autônomas de segurança e 
subsistência. 
b) Sua organização econômico-financeira, com base na 
moeda e o comércio com outras nações. 
c) O intercâmbio cultural com outros povos, não só por 
meio da expansão territorial como também através das 
rotas comerciais. 
d) O desenvolvimento da arte e da literatura. 
A civilização grega experimentou uma expansão 
maior por volta do século IV a.C., com o império de 
Alexandre, o Grande, abrangendo desde a península 
itálica até a região persa (que hoje corresponde ao Irã) 
e o norte da África. Após a morte de Alexandre, porém, 
o império foi divido em quatro partes e caminhou para 
o seu declínio. 
Com o fortalecimento do poder de Roma, o império 
romano se apropriou do território grego e de sua 
cultura, por volta do século II a.C., adotando também a 
Filosofia. Isso fez com que a Filosofia se tornasse o 
modo de pensar característico do Ocidente. Desse 
modo, quando se fala de pensamento ocidental ou de 
cultura ocidental, se faz referência à Filosofia como sua 
base e fundamento. 
A Filosofia que se estuda no ambiente acadêmico, 
portanto, é grega e ocidental. Grega por ter se 
originado na Grécia e ocidental por ter se tornado o 
modo de pensar característico do Ocidente. A Filosofia 
está associada também à vida urbana, às relações 
políticas e às questões que emergem do diálogo entre 
aqueles que não se contentam com as explicações 
dadas pela tradição. 
FILOSOFIA / Irenio Chaves 
 
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A atitude filosófica: 
 
A atitude filosófica procura se posicionar frente 
àquilo que tem se apresentado como verdades de 
nossa vida cotidiana. Por essa razão, a Filosofia não 
aceita as ideias como verdadeiras sem antes pensá-las 
e questioná-las. Ela sempre indaga com o objetivo de 
encontrar o verdadeiro problema e investiga de forma 
racional sobre os assuntos de nosso cotidiano. 
O papel fundamental da Filosofia é problematizar, 
investigar de forma crítica o saber instituído. A atitude 
filosófica põe o pensamento em questão. Para isso, 
torna-se radical no sentido de busca os conceitos 
fundamentais usados em todos os campos do pensar e 
agir. Em sua atividade investigativa, o filósofo dispõe 
de um método claramente explicitado, sempre visando 
o todo, a totalidade. 
Essa maneira de investigar que é própria da Filosofia 
se opõe ao que podemos chamar de atitude mítica. Na 
Antiguidade, antes do estabelecimento da Filosofia 
enquanto saber racional, os mitos eram a principal 
forma de compreensão da realidade, da origem do 
universo e do funcionamento da natureza. O 
significado de mito vem do grego mythos, que quer 
dizer narrativa. Não se trata de uma mera mentira, 
ficção ou fantasia, principalmente se levarmos em 
consideração o fato de que as civilizações antigas não 
detinham as informações que possuímos nem os 
recursos de que dispomos hoje para conhecer. O mito, 
portanto, pode ser definido como um conjunto de 
narrativas ou de histórias contadas com o fim de servir 
de explicação para os fenômenos e até de alento para 
as pessoas. 
O que hoje conhecemos como mitologia grega diz 
respeito ao conjunto de narrativas que procurava dar 
um sentido aos fenômenos naturais e uma explicação 
para as características da condição humana. Isso incluía 
as cosmogonias, que eram as narrativas ligadas à 
origem dos fenômenos naturais. E incluía também as 
teogonias, que eram as narrativas ligadas à origem dos 
deuses. Essas narrativas foram registradas de forma 
poética de autores clássicos, como Homero (que 
escreveu as obras Ilíada e Odisseia) Hesíodo (autor de 
Teogonias), por voltado século IX a.C. 
A atitude mítica depende de três fatores: 
a) autoridade de quem fala; 
b) passividade; e a 
c) crença. 
O saber que se baseava no mito era transmitido 
pelos sofistas, que eram considerados os mestres na 
cultura grega. Os sofistas geralmente eram anciãos, 
governantes, senadores, magistrados ou sacerdotes 
que detinham para si o domínio sobre o saber 
tradicional. Os primeiros filósofos enfrentaram uma 
forte controvérsia com os sofistas em relação à busca 
da verdade. Enquanto os sofistas ensinavam que a 
verdade não é um direito dados aos homens, os 
filósofos afirmam que iriam persegui-la a qualquer 
custo. 
A atitude filosófica, embora não rejeite o mito, põe 
tais narrativas em questão e, a partir delas, desenvolve 
sua reflexão crítica. A Filosofia, desde seu começo, se 
ocupa mais do logos, que em grego corresponde a um 
discurso ou um modo de se referir a uma ideia sobre as 
coisas. A interrogação dos primeiros filósofos gregos 
acerca do princípio ou princípios da totalidade do real 
representa uma dupla característica da atitude 
filosófica, que são a radicalidade e a universalidade. 
 
Formas de conhecimento: 
 
A Filosofia iniciou-se com a preocupação com a 
origem ou a causa dos fenômenos naturais, mas pouco 
a pouco foi deslocando o centro de seu interesse para 
a indagação sobre o que conhecemos das coisas. De um 
modo geral, a preocupação com o conhecimento diz 
respeito ao modo como reproduzimos em nosso 
pensamento a realidade. Conhecer alguma coisa nada 
mais é que representar o que está no exterior do nosso 
pensamento, é estabelecer uma relação entre a pessoa 
que conhece e o objeto que passa a ser conhecido. 
Aristóteles classificou o conhecimento em 
diferentes tipos: 
- Theoria – o conhecimento teórico, que consiste 
basicamente na Filosofia. 
- Práxis – o saber sobre as relações sociais e 
econômicas que organizam a dinâmica da vida social, 
que envolve a política 
- Poiesis – o saber capaz de transformar as coisas, de 
dar um novo sentido para a realidade, que diz respeito 
à ciência. 
O conhecimento é, portanto, um processo que 
envolve uma relação entre aquele que conhece e o que 
é conhecido. No processo de conhecimento, quem 
conhece acaba por, de certo modo, apropriar-se do 
objeto do conhecimento transformando aquilo que 
conhece em um conceito, que é o que permite 
reconstituir o objeto na mente. O conceito, no entanto, 
não é o objeto real, mas apenas uma forma de 
conhecer (ou de apreender, ou de conceber, ou de 
conceituar) a realidade. O objeto real continua 
existindo como tal, independentemente do fato de o 
conhecermos ou não. 
Para que haja conhecimento é necessário que se 
estabeleça uma relação entre sujeito e objeto. A 
FILOSOFIA / Irenio Chaves 
 
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consciência humana nunca atua passivamente em todo 
o processo de conhecimento. Por isso podemos afirmar 
que a consciência se faz presente no conhecimento 
como reflexão. 
Existem diferentes formas de se conhecer. 
Costumamos classificá-las como: 
- Senso comum, também chamado de conhecimento 
vulgar: é o entendimento adquirido de forma 
espontânea que formam os valores, a moral e os 
costumes. 
- Conhecimento religioso: um modo de interpretação 
da realidade em que ocorre o apelo ao sagrado na 
medida em que fornece segurança e conforto ao 
homem. É o saber revelado a partir da experiência com 
o sagrado. 
- Conhecimento científico: é o conhecimento 
resultante da investigação objetiva de um fenômeno 
através de um método que envolve a formulação de 
hipóteses, a observação, a experimentação e uma 
proposta teórica. 
- Conhecimento filosófico: é o saber racional, que visa 
abarcar a totalidade das coisas. É o saber que pode ser 
indagado, duvidado e investigado. 
A maior parte do que conhecemos faz parte do 
senso comum, que é o modo de se conhecer em que 
não há o costume de verificar e checar as informações 
recebidas. Nesses saberes estão incluídos as crenças, 
os valores e os comportamentos que são repetidos 
pela maioria. O senso comum é um tipo de saber que 
exprime sentimentos e opiniões individuais de um 
determinado grupo, variando de indivíduo para 
indivíduo, conforme as condições em que se vive. É 
também o conhecimento que não percebe os fatos 
relacionados entre si, embora diferentes na aparência. 
Assim, as ideias desenvolvem-se independentemente 
umas das outras, opiniões contrárias são submetidas 
ao mesmo tempo; algo dito agora pode ser negado por 
outra coisa dita logo depois. É ainda o conhecimento 
que surge como se não obedecesse a nenhuma 
determinação da razão, que se faz por imitação e da 
associação por analogias. 
O conhecimento científico, por sua vez, procura ir 
além da simples investigação, razão pela qual se 
mostra bastante cuidadoso em relação aos critérios de 
verdade. A preocupação com os critérios de verdade se 
justifica porque a ciência se interessa, antes de tudo, 
em provar ou examinar a verdade dos fatos. A ciência 
não espera respostas definitivas, explicações 
absolutas. Ao contrário, constrói respostas para os 
fenômenos observados, mas respostas aproximadas, 
as quais podem ser corrigidas, modificadas ou 
substituídas. 
 
Filosofia e verdade: 
 
Quando tratamos da questão do 
conhecimento, deparamo-nos com a definição sobre o 
que é verdade. Nesse aspecto, é preciso salientar que 
o conceito de verdade sofreu modificações ao longo da 
história. Karl Jasper, filósofo alemão do começo do 
século XX, afirmou que a filosofia é a procura da 
verdade, não a sua posse. Para ele: “fazer Filosofia é 
estar a caminho; as perguntas em filosofia são mais 
essenciais que as respostas e cada resposta 
transforma-se em uma nova pergunta”. 
O que é a verdade? Veja alguns conceitos de 
verdade com a qual a Filosofia já lidou: 
- A verdade lógica é entendida como a coerência 
formal do pensamento consigo mesmo, segundo o 
princípio de não-contradição. 
- A verdade metafísica é entendida como adequação 
do pensar (o do dizer o que se exprime) ao ser 
(adequação do entendimento à realidade). 
- A verdade como certeza considera toda a ideia que se 
revele ao pensamento como claro e distinto. 
- A verdade como objetividade consiste na 
concordância do pensar com os objetos, os quais 
devem ser dados na experiência. 
- A verdade como correspondência afirma que o que é 
verdadeiro só pode ser através do acordo entre o 
pensamento e a realidade. 
- A verdade como totalidade, ou seja, um processo 
pelo qual o sujeito, mediante a reflexão sobre o objeto, 
se desenvolve, apropriando-se dele e fazendo dele o 
seu o seu próprio objeto. 
- A verdade como relatividade afirma que o sentido 
verdadeiro é subjetivo. 
Kant já dizia que “a verdade é um dever para com 
quem tem direito a ela”. Ele estava preocupado se a 
verdade pode ser compreendia como coerência ou 
como correspondência com o real. Na sua crítica à 
razão pura, vai compreender que “a verdade do objeto 
é sempre apreendida e substanciada através da 
verdade do juízo”, ou seja: a verdade é subjetiva. 
Nietzsche afirmou que “a verdade não significa 
necessariamente o contrário de um erro, mas 
somente, e em todos os casos mais decisivos, a posição 
ocupada por diferentes erros uns em relação aos 
outros”. Não passa de uma vontade de verdade. Por 
meio da linguagem, somos capazes de criar um mundo 
de ficções e de interpretações que são úteis para a 
afirmação de nossas relações, de nossa existência e até 
para o nosso fortalecimento. 
Dizer que a verdade não existe seria um exagero. 
Não só ela existe como também as pessoas estão à 
procura dela. Os gregos usavam a palavra aletheia para 
FILOSOFIA / Irenio Chaves 
 
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se referir a ela. Significa “não encoberta”, ou seja, ela 
se desvela, precisa estar desnuda. Mas isso não 
acontece de forma natural, exige uma transformaçãodo sujeito. Como afirmou René Descartes, “para 
pesquisar a verdade, é preciso duvidar, quanto seja 
possível, de todas as coisas, uma vez na vida”. 
A verdade se encontra num campo indeterminado 
entre o sujeito e o objeto; não pertence ao sujeito nem 
ao objeto, mas a uma instância mediadora que põe o 
sujeito e o objeto em relação. O discurso verdadeiro é 
aquele que traz à luz aquilo que está encoberto pelas 
imposições do saber, naquelas situações de confronto 
em que somos interpelados. A verdade não é algo em 
relação a alguma coisa, mas ao que se é diante de si 
mesmo. 
 
Campos de estudo da Filosofia: 
 
- A Metafísica – Disciplina filosófica que trata da causa 
primeira a partir de investigações que estão para além 
das explicações dadas pela ciência. Ela se interessa pela 
questão a respeito da essência do ser e das condições 
de existência no mundo. Desde a filosofia clássica, a 
metafísica se ocupou com os problemas centrais da 
Filosofia, como a as categorias ontológicas, o problema 
dos universais, a relação entre o necessário e o 
contingente. A partir de Kant, a metafísica passou a ser 
uma investigação a respeito das formas de se 
representar o mundo. 
- A Epistemologia – Estudo sobra as condições em que 
se dá o conhecimento científico, envolvendo os modos 
como ele se processa e a consistências de suas 
formulações teóricas. A reflexão filosófica se dá em 
torno das possibilidades de formulações hipotéticas, 
na definição de postulados, no emprego do método e 
na teoria presente nos diferentes saberes científicos. É, 
por assim dizer, uma teoria da ciência. 
- A Teoria do Conhecimento – Estudo acerca da 
natureza, dos processos e dos limites do conhecimento 
humano. Ocupa-se com as relações que se 
estabelecem entre sujeito e objeto. Parte do 
pressuposto de que o conhecimento é uma atividade 
do sujeito, que apreende o objeto como 
representação. 
- A Filosofia Analítica – Sua investigação se concentra 
na análise do significado dos enunciados, valorizando a 
clareza da argumentação e a lógica, envolvendo 
aspectos específicos acerca do mundo, da linguagem e 
da mente humana. Seu interesse está voltado para a 
análise de conceitos como uma forma de elucidar os 
conflitos de interpretação. 
- A Lógica – Disciplina filosófica que trata das formas do 
pensar, tendo em vista as operações que visam 
verificar o que é verdadeiro ou não. Examina o modo 
com que o raciocínio se dá, tendo em vista a relação 
entre as proposições, o equilíbrio na argumentação e a 
sua validade. 
- A Ética – Disciplina filosófica que estuda questões 
relativas à moral. É uma reflexão sobre o que orienta o 
comportamento humano, tendo em vista o conjunto 
de normas, valores e princípios que norteiam as 
relações com o outro. 
- A Estética – Disciplina filosófica que estuda a natureza 
do que é belo e que orienta a concepção do que é arte. 
De um modo geral, se discute aspectos ligados à 
percepção da beleza, as diferentes expressões 
artísticas, as formas de criação da obra de arte e a 
questão sobre matéria e forma no campo da arte. 
- A Filosofia Política – Campo de investigação filosófica 
sobre a arte de viver em sociedade. Deriva do termo 
grego politeia, que correspondia às atitudes relativas à 
vida na polis (cidade-estado). Trata, portanto, das 
relações entre o sujeito e a sociedade organizada (o 
Estado), os modos como as questões morais são 
tratadas pelo Estado, a natureza e as formas do 
exercício do poder, questões relativas à justiça, à 
liberdade e às relações econômicas nas esferas pública 
e privada. 
 
História e desenvolvimento da Filosofia: 
 
A Filosofia tem uma história, mas também está 
presente na história. Isso quer dizer que, nesses vinte 
e oito séculos de história, muita coisa aconteceu. Falar 
sobre a história e o desenvolvimento histórico da 
Filosofia implica conhecer a história do Ocidente 
Os historiadores têm dividido a história da Filosofia 
em quatro grandes períodos, que correspondem às 
idades da história em geral, que são: Antiga, Medieval, 
Moderna e Contemporânea. Sendo assim, temos os 
quatro períodos da Filosofia com suas principais 
características: 
- Filosofia Antiga – do século VII a.C. ao século V d.C.: 
A separação entre o pensamento racional e a 
mitologia, o estudo da natureza, da política, da ética e 
do ser humano. 
- Filosofia Medieval – do século V ao século XVI: A 
possibilidade ou não de conciliar a filosofia com a fé, 
tentativas de encontrar provas da existência de Deus e 
da imortalidade da alma, relações entre alma e corpo, 
verdade da razão e verdades da fé (dogmas). 
- Filosofia Moderna – do século XVII à primeira metade 
do século XIX: O ser humano como centro do 
entendimento, afirmação da razão suficiente e da 
capacidade de o homem construir seu próprio futuro. 
FILOSOFIA / Irenio Chaves 
 
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- Filosofia Contemporânea – da segunda metade do 
século XIX até hoje: Negação de um sentido à vida 
humana, crítica à sociedade capitalista, à vaidade de 
achar que tudo pode ser controlado pela nossa 
consciência e à moralidade hipócrita. A busca por uma 
solução de conciliação entre a liberdade individual e a 
vida em sociedade. 
Estes períodos, no entanto, também podem ser 
subdivididos em outros, que correspondem às 
principais tendências do pensamento e da reflexão 
filosófica. 
Períodos da história da Filosofia: 
I – Filosofia Antiga: 
- Período Pré-Socrático (Séc. VII a.C.-Séc. V a.C.) – 
Surgimento dos primeiros filósofos influenciados pela 
cosmologia. 
Principais pensadores: PARMÊNIDES e HERÁCLITO. 
- Período Clássico (Séc. V a.C.-Séc. IV a.C.) – a filosofia 
se volta para a preocupação com o conhecimento. 
Principais pensadores: SÓCRATES, PLATÃO e 
ARISTÓTELES. 
- Período greco-romano (Séc. IV a.C.-Séc. V d.C.)-– 
influenciado pelas ideias dos pensadores clássicos e 
marcado por correntes filosóficas como o estoicismo e 
o hedonismo. 
Principais pensadores: SÊNECA, EPICTETO, MARCO 
AURÉLIO e PLOTINO. 
- Período Patrístico (Séc. I d.C-Séc. V) – Aproximação 
entre o pensamento greco-romano e o pensamento 
judaico-cristão, através dos primeiros padres da igreja. 
Principais pensadores: CLEMENTE DE ROMA, IRINEU, 
ORÍGENES e AGOSTINHO. 
II – Filosofia Medieval: 
- Período Escolástico (Séc. V d.C.-Séc. XIV) – Dominado 
pelo pensamento cristão. 
Principais pensadores: AGOSTINHO e TOMÁS DE 
AQUINO. 
- Período Renascentista (Séc. XV-Séc. XVI) – Marcado 
pelo surgimento do Humanismo. 
Principais pensadores: THOMAS MORE, ERASMO e 
MAQUIAVEL. 
III – Filosofia Moderna: 
- Período Racionalista (Séc. XVII) – Mudança de 
paradigma da Modernidade: a ideia da razão 
suficiente. 
Principal pensador: RENÉ DESCARTES. 
- Período Iluminista (Séc. XVIII) – Pensamento crítico. 
Principal pensador: IMMANUEL KANT. 
- Período Idealista (início do Séc. XIX) – auge da 
Modernidade. 
Principal pensador: G. HEGEL. 
IV – Filosofia Contemporânea: 
- Período de Crítica à Racionalidade (segunda metade 
do Séc. XIX) – Críticas ao paradigma da Modernidade. 
Principais pensadores: MARX, FREUD e NIETZSCHE. 
- Período Fenomenológico-existencial (início do Séc. 
XX) – Surgimento do método da Fenomenologia e da 
corrente filosófica existencialista. 
Principais pensadores: EDMUND HUSSERL, MARTIN 
HEIDEGGER e MAURICE MERLEAU-PONTY. 
- Período Pós-Moderno (Após 1960) – Crítica ao 
projeto da Modernidade. 
Principal pensador: MICHEL FOUCAULT. 
* Veja o Anexo II. 
 
FILOSOFIA / Irenio Chaves 
 
8 
 
Anexo I: Origem do pensamento ocidental 
 
 
Século XII a.C. 
Século IX a.C. 
Polis – cidades-estados 
A Filosofia surgiu na 
cidade de Mileto, 
Grécia, no século VII 
a.C. 
Região Ática 
Região Jônica 
FILOSOFIA / Irenio Chaves 
 
9 
 
Anexo II: Desenvolvimento histórico da Filosofia: 
FILOSOFIA ANTIGA FILOSOFIA MEDIEVALFILOSOFIA MODERNA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA 
 
 
 
 
 
 
 
Séc. VII a.C. Séc. V d.C. Séc. XVII Séc. XXI Séc. XIX 
Ano 0 
Período Patrístico (Séc. I d.C-Séc. V) – Aproximação entre o pensamento 
greco-romano e o pensamento judaico-cristão, através dos primeiros padres 
da igreja. 
Principais pensadores: CLEMENTE DE ROMA, IRINEU, ORÍGENES, AGOSTINHO 
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Nascimento de Cristo 
FILOSOFIA / Irenio Chaves 
 
10 
 
Mito da Caverna 
 
SÓCRATES — Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à 
ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses 
homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoço acorrentadas, de modo que não podem mexer-se nem ver 
senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira 
acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina 
que ao longo dessa estrada está construída um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de 
títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas. 
Glauco — Estou vendo. 
Sócrates — Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, 
que o transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre 
esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio. 
Glauco — Um quadro estranho e estranhas prisioneiros. 
Sócrates — Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez 
visto, de si mesmos e dos seus companheiros, mais da que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que 
lhes fica defronte? 
Glauco — Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida? 
Sócrates — E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo? 
Glauco — Sem dúvida. 
Sócrates — Portanto, se pudessem se comunicar uns com as outros, não achas que tomariam por objetos reais 
as sombras que veriam? 
Glauco — É bem possível. 
Sócrates — E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre que um dos transportadores falasse, não 
julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles? 
Glauco — Sim, por Zeus! 
Sócrates — Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados. 
Glauco — Assim terá de ser. 
Sócrates — Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e 
curadas da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, 
a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentas sofrerá, e o 
deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os abjetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se 
alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para 
objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força 
de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçada e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais 
verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora? 
Glauco — Muito mais verdadeiras. 
Sócrates — E se a forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Nãodesviará ele a vista para 
voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram? 
Glauco — Com toda a certeza. 
Sócrates — E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o 
largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, 
quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhas ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora 
denominamos verdadeiras? 
Glauco — Não o conseguirá, pelo menos de início. 
Sócrates — Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por 
distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas 
águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar 
mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu da que, durante o dia, o Sol e a sua luz. 
Glauco — Sem dúvida. 
Sócrates — Por fim, suponho eu, será o Sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra 
coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal como é. 
Glauco — Necessariamente. 
FILOSOFIA / Irenio Chaves 
 
11 
 
Sócrates — Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que 
governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, 
na caverna. 
Glauco — É evidente que chegará a essa conclusão. 
Sócrates — Ora, lembrando-se da sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que aí 
foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram? 
Glauco — Sim, com certeza, Sócrates. 
Sócrates — E se então distribuíssem honras e louvares, se tivessem recompensas para aquele que se 
apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar 
em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que 
provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de 
Homero, não preferirá mil vezes ser um simples criado de charrua, a serviço de um pobre lavrador, e sofrer tudo no 
mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia? 
Glauco — Sou da tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira. 
Sócrates — Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: não ficará com 
os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol? 
Glauco — Por certo que sim. 
Sócrates— E se tiver de entrar de nova em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas 
correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que os seus olhos se tenham recomposto, 
pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, 
tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se a alguém tentar 
libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo? 
Glauco — Sem nenhuma dúvida. 
Sócrates — Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e 
comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. 
Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma 
para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha ideia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus 
sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a ideia do bem é a última a ser 
apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e 
belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz e o soberana da luz; no mundo inteligível, é ela 
que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida 
particular e na vida pública. 
Glauco — Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la. 
 
PLATÃO. A república. São Paulo: Nova Cultural. 2004. Livro VII, p. 225-228.

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