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AMORIM NETO, Octavio (2006). Presidencialismo e governabilidade nas Américas. Rio de Janeiro: FGV

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"
I '"-",,
-
<o<; •••,
.' ,20 Presidencialismo e go v er nabil id ade nas Américas
-decisórias dos presidentes, formação ministerial e suas conseqüências políticas
e econõmicas. Mais precisamente, o objetivo central desta pesquisa é empreen-
de uma análise sistemática, teórica e empírica, do uso que fazem os presiden-
tes s seus poderes constitucionais e partidários para implementar seus obje-
tivO? p ogramáticos e verificar ,como os diferentes aspectos .dosl~binetes ~f~-_
taÍn 'a su durabilidade, a estabilidade ministerial e o déficit fiscal. Além disso, à
luz dos acH dos empíricos aqui feitos, far-se-ão ilações a res{eito de se e como
pode ou deve er reformado o presidencialismo nas Américas.
O livro estã voltado, acima de tudo, para a América Latina, mas também
inclui dados relati os-a presidências norte-americanas. Valer-se-á também das
experiências mundi is com o parlamentarismo lo semipresidencialismo em
busca de ilustrações e referentes comparativo . E como a maioria dos países
latino-americanos tem st temas multipartid 'rios, a formação de governos de
coalizão e seu impacto sob' e o process;o decisório serão, necessariamente, um
dos principais temas aqui tratados.
Em suma, o livro procur respo' der às seguintes questões:
o Quais são os principais objetivo dos presidentes?
O Por meio de quais estratégias <íl:ecis'rias os presidentes tentam alcançar seus
objetivos?
•O Qual a relação entre a es I atégia decisó .a escolhida pelo presidente e a for-
mação do seu gabinet :
. O Há um nexo entre, R r um "lado, a composiçã do gabinete e, por outro, a sua
durabilidade e a esíabilídade ministerial?
\
: O Existe algu~a) lação entre a composição dos g binetes presidenciais e o
, déficit fiscal/,,_ .
O O presiden .alismo precisa ser reformado nas América ]
As róximas seções procuram mostrar que, para respo der às questões
acima, , preciso, antes, definir os regimes presidencialistas e o poderes dos
k presi entes, identificar os seus objetivos e a importãncia dos gabí etes para a
co secução destes. A penúltima seção trata da importância de estu ar a rela-
ão entre tipos de gabinete e o déficit fiscal, e a última descreve o desehho e os
métodos da pesquisa aqui empreendida, oferecendo também um breve sumário
dos próximos capítulos.
A rl D I\.\'\ fi fT Ô
Presidencialismo e governabilidade NIIJ 1I1'Jt1'( I {/J ~ 21
A definição de presidencialismo e dos poderes presidenciais
Na segunda metade dos anos 1980, a ciência política redescobriu a ques- /
tão clássica a respeito de qual seria o melhor sistema de governo. O ponto de (
partida foi um manuscrito de Juan Linz , "Democracy, presidential or
-parliarnentary: does it make a âifference?" , de 1987, que só viria a adquirir sua
forma final e ser publicado em 1994.8 Esse texto desencadeou um extenso e
intenso debate, cuja principal preocupação, como já dito anteriormente, tem
sido saber qual o sistema de governo mais favorável à consolidação democráti-
ca. Entre os participantes de tal debate, cinco autores preocuparam-se especi-
almente com a definição precisa do presidencialismo em oposição ao parla-
mentarismo, nomeadamente, Líjphart; Linz; Sartori; e Shugart e Carey?
Como ponto de partida, tome-se Línz.'? Segundo o conhecido politólogo
espanhol radicado nos EUA, o que caracteriza o parlamentarismo é simplesmen-
te o fato de o governo derivar a sua autoridade da confiança do Parlamento, única
instituiçâo detentora da legitimidade democrática dentro da ordem política. Po-
rém, três são as características principais do presidencialismo:
o o presidente é escolhido diretarnente pelo corpo de eleitores para um manda-
to fixo;
O o presidente não é dependente do voto de confiança dos representantes do
A bléi < 1-povo na ssem ela; :<
O o presidente reivindica 'para si uma legitimidade democrática superior à da
A bléi / "'-ssem ela .
Há um problema com a definição oferecida por Linz: ela combina traços
formais, a primeira e a segunda características, com um dado substantivo, a "
reivindicação pelo chefe de governo de uma legitimidade democrática superior."
à da legislatura. Tal reivindicação é uma alternativa política à disposição dos
presidentes, mas não uma característica universal do presidencialismo. Portan- .::,
to, a terceira característica é desnecessária.
Passando a Lijphart, II este se vale de critérios dicotgmicos para estabele-
cer os elementos essenciais do presidencialismo e do parlamentarismo, isto é,
SLinz, 1994.
9 Lijphart, 1992; Linz, 1994; Sartori, 1997; e Shugart e Carey, 1992.
IOlinz,1994.
II Lijphart, 1992.
;
, "-, . ,~
:
2322 Presidencialismo e governabilidade nas Américas Presidencialismo e governabilidade
Já Shugart e Carey'" procuram refinar as definições dadas por Linz e;::.!
Lijphart no sentido de identificar os atributos relativos às regras formais dos v,~'I
sistemas de governo. De acordo com aqueles autores, a singularidade do presi-X I::,
dencialismo puro reside na separação das fontes de origem e sobrevivência do~~~: 3
Executivo e da Assembléia, enquanto no parlamentarismo, estas fontes se con-~'< ..:.-;
,~.fundem. Em decorrência disso, quatro são as características que definem o pre- .
sidencialismo puro e garantem que as fontes de origem e sobrevivência do Exe-
cutivo e da Assembléia sejam distintas.
os traços distintivos de ambos são definidos em termos de oposições mutua-
mente excludentes. Esses elementos são:
o no presidencialismo, o chefe de governo é eleito para um mandato fixo e
constitucionalIflente estabelecido, não podendo ser, sob condições normais,
destituído pelo corpo legislativo. Já no parlamentarismo, o chefe de governo
depend_e da confiança do corpo legislativo e pode ser afastado por um voto
de desconfiança ou censura;
O no presidencialismo. o chefe de governo é eleito diretamente pelo corpo de
eleitores, enquanto, no parlamentarismo, aquele é selecionado pelo corpo
legislativo;
O no presidencialismo. o Executivo é composto apenas por um~ pessoa, en-
quanto, no parlamentarismo, o primeiro-ministro e o gabinete formam um
corpo executivo coletivo, cujo processo de tomada de decisão tem G caráter
de colegiatura.
O A eleição popular do chefe do Executivo.
O Os termos dos mandatos do chefe do Executivo e da Assembléia são fixos e
não são dependentes de mútua confiança.
o O chefe do Executivo eleito nomeia e dirige a composição do governo.
o O presidente tem poderes legislativos outorgados pela Constituição.
A definição de presidencialismo dada por Shugart e Carey combina os
elementos mais salientes das definições oferecidas ror Um e Líjphart, contem-
plando diretarnente a preocupação do primeiro com a eleição direta do chefe
de governo e seu mandato fixo e indiretamente a ênfase lijphartiana no Execu- .
tivo uni pessoal.
O que diferencia a definição de Shugart e Carey é a quarta característica.
A sua razão de ser reside na crítica segundo a qual definir o presidencialismo
com base exclusiva na separação de poderes não é uma opção corre ta porque
as prerrogativas exercidas pela Assembléia e pelo Executivo não são, de. fato,
inteiramente separadas. Por exemplo, os poderes de veto e de decreto constitu-
em prerrogativas que dão ao presidente a oportunidade de interferir na função
precípua da Assembléia, isto é, a legiferante, assim como a eventual exigência
de consentimento senatorial para a nomeação de ministros e embaixadores
confere a algumas assembléias o poder de intervir em assuntos .da alçada do
Executivo. Shugart e Carey estão, pois, a atentar para o fato de o presídencialís- "
mo se basear, acima de tudo, no sistema de freios e contrapesosríimarranjo ,;'
que visa a interdependência dos poderes e não a sua comple/<tSeparação.15 _ _ ~-:
A definição de presidencialismo de Lijphart é praticamente idêntica à de
Linz no que concerne aos dois primeiros elementos. Porém, o terceiro enfatiza
a naturezado processo decisório dentro do Executivo. Dele, Lijphart deriva a
proposição de que a concentração de Poder Executivo nas mãos do presidente
não favorece a formação de governos de coalizão, os quais implicam necessa-
. 'riamente a partilha do poder. Contudo, essa proposição não tem respaldo
empírico. Além de várias constituições presidencialistas estipularem regras de
decisão coletiva (como se verá a seguir), o capítulo 2 deste livro e alguns traba-
lhos recentes" mostram que os gabinetes de coalizão são relativamente Ire-
qüentes sob as democracias presidencialis~as. Portanto, se há governos de coa-
lizão com razoável frequência, então, o Executivo uni pessoal não é um elemen-
to distintivo do presidencialismo. Ainda assim, talvez o ponto principal de
Lijphart seja, como quer Sartori.':' o controle vertical que o presidente exerce
sobre o Poder Executivo, ao contrário dos primeiros-ministros, que têm um
controle horizontal.
12 Altman, 2001; Cheibub, 2l\!2; Cheibub e Limongi, 2002; Cheibub, Przeworski e Saiegh, 2004; e
Deheza, 1997.
13Sartori, 1997.
14 Shugane Carej; 1992.
15 Ibici, p, 18.
- s-
~ ., /.
I.
1, 24 Presidencialismo e governabilidade nas Américas
Porém, como bem lembra Sartori," a quarta característica de Shugart e
'; Carey é desnecessária porque está implícita na terceira. Esta afirma, essencial-
mente, que o presidente possui importantes poderes constitucionais. Indicar
, .. quais são eles não é um critério definidor do sistema presidencialista. Ademais,
21: ~. '- suponhamos uma Constituição que contivesse as três primeiras características
apontadas por Shugan e Carey, mas não concedesse nenhu~ poderlegislatíyo ...
._ ao presidente. Ainda assim, tal Constituição seria presidencialista. Portanto,
- c_ neste livro, a definição de presidencialismo a ser adotada será aquela contida
. nas três primeiras características enumeradas por Shugart e Carey, com as quais
.~concorda Sartori'" e que são muito semelhantes aos três elementos essenciais
de Líjphart."
A terceira característica apontada por Shugart e Carey - referente aos
poderes de nomeação e direção do governo - confere ao presidente um amplo
Controle sobre o aparato burocrático do Estado. Tais poderes estabelecem uma
relação hierárquica entre o chefe do Executivo e o gabinete. Como afirma
Sartori.'? "a linha de autoridade [entre o presidente e o seu gabinete) é clara-
mente definida de cima para baixo". Nesse sentido, não deve surpreender o fato
de, çm várias Constituições presidencialistas, os membros do gabinete serem,-- •..."""
defifiidos apenas como assessores do presidente ou como chefes de ministérios
ou agências públicas.
Algumas Constituições, porém, determinam que todos ou alguns atos do
presidente tenham a contra-assinatura de um membro do gabinete. Outras es-
tabelecem alguma. forma de decisão colegíada-dentro do Poder Executivo. Por
exemplo, o art. 190 da extinta Constituição vene:uelana de 1961 rezava que o
presidente deveria exercer o poder de declarar o estado de emergência dentro
do Conselho de Ministros (o gabinete). O art.o 147 da Constituição da Costa
Rica estipula que o presidente e o gabinete devem exercer conjuntamente os
16 Sartori, 1997:97, nota 4.
17 Sanori, 1997:84.
18 Cintra (2004), em seu estudo sobre sistemas de governo, também concorda que essas três caracterís-
ticas são elementos definidores do presidencialismo, mas adiciona uma quarta: neste tipo de Executivo,
o presidente é, ao mesmo tempo, chefe de governo e chefe de Estado. Sem dúvida, esse quarto elemento
foi, historicamente, um diferencíador clássico entre o presidencialísmo e o parlamentarismo. É impor-
tante lembrar, contudo, que, sob a Constituição de 1994 da África do Sul, que é parlamentarista, o
primeiro-ministro (chefe de governo) também exerce as funções de chefe de Estado.
19Sartori, 1997:84.
Presidencialismo e governabilidade 25
poderes, entre outros, de declarar o estado de emergência e de nomear e remo-
ver embaixadores. Já a Constituição de El Salvador afirma, em seu art. 167, que
o presidente deve obter o apoio de todos os ministros para pedir poderes de
emergência. Por último, as Constituições peruanas de 1979 e 1993 pontificam
que o presidente deve conquistar o voto favorável da maioria dos membros do
gabinete para emitir um decreto e declarar o estado de exceção .
Os artigos constitucionais acima citados mostram, primeiramente, que,
do ponto de vista exclusivamente formal, Lijphart estaria, aparentemente, erra-
do ao supor que a ausência de regras de decisão colegiada seja uma caracterís-
tica definidora e universal do presidencialismo. Contudo, do ponto de vista
substantivo, o fato de o presidente poder demitir seus ministros ad nutum signifi-
ca que esses mesmos artigos podem ser transformados em letra morta a qualquer .,
instante. Nesse sentido, é o poder de demissão ministerial do presidente que,
verticaliza a sua relação com os membros do gabinete, como quer Sartori. -,
-,
Cabe notar que o poder irrestrito de demissão dos ministros é uma COO5- ~
tante universal dos regimes presidencialistas. Mas observa-se alguma variação
nos poderes formais de nomeação. zo Por exemplo, nos EUA, co~o é bem sabi-
do, o presidente tem que obter o consentimento de 2/3 do Senado-para nomear
os chamados secretários de Estado (os equivalentes norte-americanos aos mi-
nistros de outros países). Mas, do ponto de vista substantivo, o chamado con-
sentimento senatorial pouco afeta a capacidade do chefe do Executivo de con-
seguir o gabinete que deseja, como bem mostram os estudos sobre o assunte."
Em suma, os poderes de demissão e-nomeação ministerial no presidencialismo ~
são sempre extensos e quase sempre absolutos.
No que tange aos poderes legislativos dos presidentes, porém, verifica-se
uma impressionante variação. Carey e Shugart" identificam dois tipos de po-
deres legislativos: os reativos e os proativos. Os reativos são aqueles" [... ) po-
deres com os quais o Executivo pode sustentar o status quo mesmo diante de
uma legislatura com preferências distintas". O veto presidencial é um poder
reativo por excelência, cuja extensão depende das maidhas exigidas para se
derrubar um veto e de se o chefe do Executivo tem a capacidade apenas de
f· ].. ' /. _
I LI <: < ~ ~I "i /: f ri' )' -
20 Shugart e Carey, 1992.
21 Benett, 1996; FennoJr., 1959; e Fiorina, 1996.
" C",\h"g,n, 19985
26 Presidencialismo e governabilidade nas Américas
vetar leis inteiras ou partes delas também. No Brasil, o presidente possui o veto
parcial e o total, mas uma maioria absoluta do Congresso pode derrubá-los. Já
nos EUA, o presidente conta apenas com o veto total, mas a Constituição esti-
pula que uma ma~ria de 2J3 é necessária para sobrestar um veto.
Os poderes proativos são aqueles "[ ... ] que permitem ao Executivo efetu-
ar mudanças no status qua que a legislatura não teria iniciado por conta pró-
pria"." A medida provisória dos presidentes brasileiros é o melhor exemplo de
um poder proativo. Na América Latina, contam ainda com prerrogativas cons-
titucionais semelhantes à medida provisória os presidentes da Argentina (a par-
tir de 1994), Peru e Equador. A maioria das Constituições, porém, dá ao chefe
do Executivo somente a faculdade de baixar decretos administrativos. Estes
permitem que o presidente regule e interprete as leis existentes e que emita
instruções à administração pública. Os decretos administrativos são, portanto,
~ um tipo inferior de .poder legislativo, pois, por meio deles, os presidentes só
r / podem alterar as políticas governamentais dentro dos limites estipulados por
c.~ uma lei já em vigor.
No que toca aos propósitos deste iivro, como mostrará o capítulo 2, a
importância dos poderes legislativos reside no fato de que afetam as estratégias
decisórias dos presidentes e o desenho dos seus gabinetes.
Os objetivos dos presidentes
Qual ~ o objetivo políticoessencial perseguido pelos presidentes? Para a
- ciência política contemporânea, três são os principais objetivos dos partidos
políticos nas modernas d~m6cracias: a busca de votos, de cargos e a consecu-
çâo de fins programáticos ou ideológicos." Pode-se afirmar que tais objetivos
também constituem as motivações fundamentais dos presidentes democrati-
camente eleitos?
Se à contexto ernpírico são as democracias presidencialistas do conti-
nente americano, então, pode-se descartar o objetivo eleitoral. Isso porque os
presidentes do continente ou são proibidos de se reeleger ou podem reeleger-se
depois de cumpridofs) um ou dois mandato(s) por outroís) presidente(s) ou
23 Carey e Shugart, 1998:5.
,24 Müller e Strern, 1999; e Strern, 1990b.
. "",'
Presidencialismo e governabilidade
27
podem reeleger-se consecutivamente apenas uma vez 25 É 'b . .
d d . o VIOque os preSI- 1
entes que po em reeleger-se têm objetivos eleitorais Porém com ' d :
reel . , o so po em
eger-se uma vez, esse objetivo só funciona no primeiro mandat d d
que id o, e mo oos presi entes, por conta de alguma cláusula da não-real . _ _.
. d eiçao, se veem
pressiona os a operar sob um curto horizonte de tempo Isso e'um c . d
. rorte m utor
para que concentrem seus recursos e energias na implementaça-o d d .'
apressa a as
suas metas programáticas. Portanto, é plausível supor que os presid _
f t . resi entes sao '
or emente motivados por um desejo de vou/ai r conc/ure, como quer Linz 26
valendo-se de um termo cunhado por Albert Hirschman. '
Entretanto, em um Estado. democrático, a implementação de qual uer
ato governamental deverá ser efetuada de acordo com o império da lei A q
t- I a ei. ques-
ao que se co oca, então, é saber 'por que meios legais o president
satísf desci d - e procura
azer seu esejo e vouloir conclure. O meio mais comum' I . d. . e pe o enVIO e
projetes de lei para o Poder Legislativo. Porém os chefes de E .
e bé ,xecutIVO possu-
m tam e~ prerrogativas que lhes permitem tomar decisões unilateralmen-
te, como e o r;;;<:n dos decretos presid __ '.' r -
•.. - ~ . ~~. <- V" ! !uellualS com torça de lei d r1d _. ei e os poueres
, ~ emergencía, Um dos problemas fundamentais que este livro tenta resolver
e Justamente saber por qual estratégia decisória optam os presidentes e
que o fazem. por
. Convém notar que não é trivial afirmar que o principal obietivo d
sIdent 'd J os pre-
es e a consecução e suas metas programáticas. Tal obietivo m/ if
se m' J arn esta-
, ormente, em SIstemas políticos em que o presidente é o . . I
de . , ". prmClpa agente
noCI;on~, como e o cas~ dos regimes presidencialistas do continente america-
. ,orem, em outras epocas e lugares, os presidentes podem exercer outros
papels. Por exemplo, durante o século XIX, o presidente dos EUA . d'~;'
tudo o amanu d d era, acima e '-'.;:
W' . ense e uma po erosa legislatura, conformando um sistema que
oodrow WIlson definiu como "governo congressual" 27 N . .
sid '. da A . . os regimes semlpre-
enClaIS a Austna, Islândia e Irlanda o ident ' . . - .- .. ' .., presI ente e por muitos considerado -
um chefe de Estado cerimoníal," enquanto o papel constit
f cional do presiden-te rances é o de árbitro do governo.
-:.:.
. ,
2S C
'6 arey, 2003:125.
- linz 1994
27 ' •
, Wilson, 2002 (1900).
-Blijphan, 1999.
, ' \' I'
-: I,'. • 28
, I'
I •
Presidencialismo e governabilidade nas Américas
Pode-se também sustentar que um outro importante objetivo presidenci-
al é controlar o aparato burocrático do Poder Executivo. Não à toa, os presi-
dentes gastam uma boa parte do seu tempo, especialmente durante as transi-
ções presidenciais, tentando encontrar as pessoas certas para os cargos certos.
Neste sentido, Moe e Caldwell'" sustentam que a principal força que move o
comportamento dos presidentes americanos é que .eles sejam "Í ••• ] vistos lide-.
rando e governando efetivamente [... 1, e isto os leva a querer um sistema buro-
crático unificado, coordenado e centralmente dirigido que eles possam contro-
lar de cima para baixo". Segundo essa visão, os presidentes procuram, acima de
tudo, maximizar seu poder burocrático.
Aquela força que move os presidentes americanos também se aplica aos
presidentes latino-americanos. Além disso, o fato de as burocracias latino-ame-
ricanas, em geral, serem ocupadas, como quer Riggs.?? por servidores públicos
com estabilidade empregatícia, mas com baixa qualificação profissional, ou por
políticos (definidos como servidores públicos sem qualificação profissional),
torna o controle do aparelho administrativo do Poder Executivo uma questão
ainda mais decisiva para os presidentes. Aquele tipo de servidor público cons-
titui':um grande desafio para a capacidade do presidente de governar efetiva-
mente porque podem ter sido nomeados por partidos e ex-presidentes que es-
tejam na oposição ao atual chefe do Executivo (os políticos são nomeados por
este, de modo que não constituem um problema). Conseqüentemente, os servi-
dores estáveis e sem qualificação, além de reduzirem a capacidade gerencial do
Estado, podem ter interesses e agendas políticas distintos dos do titular da
presidência. Neste sentido, para os presidentes latino-americanos, controlar a
burocracia do Poder Executivo significa, acima de tudo, contrapor-se ao poder
desses servidores.
O poder de nomeação para postos ministeriais é um recurso fundamental
à disposição dos presidentes para que possam realizar os objetivos já mencio-
nados, isto é, a consecução do seu programa legislativo e o controle do aparato
burocrático. Por exemplo, para aprovar projetos de lei, os presidentes deverão,
de alguma maneira, negociar com os partidos legislativos, o que, em geral, toma
a forma da nomeação de políticos para cargos ministeriais. Mas, para controlar
29Mn~ p Caldwell. 1994:175-176.
'. iüggs, 1994. /
Presidencialismo e governabilidade 29.
.
eficientemente a burocracia de cima para baixo, o chefe do Executivo deverá
encontrar indivíduos que lhe sejam de confiança. Todavia, pode haver urna rela-
ção do tipo "cobertor curto" entre os dois objetivos. Por um lado, membros de
partidos alçados a postos ministeriais têm, freqüentemente, suas próprias agendas
e interesses, que podem conflitar com as do presidente. Nesse caso, tais minis-
tros podem seriamente enfraquecer o controle que o presidente exerce sobre a
burocracia do Poder Executivo. Por outro, se o presidente nomear apenas mi-
nistros que lhe são de confiança, ele poderá privar o gabinete do capital político
necessário para lidar eficazmente com à legislatura e os partidos políticos.
Esse dilema difere daquele analisado por Geddes." De acordo com esta =:
autora, existe, na América Latina, urna relação negativa entre e~tratégias presi-
denciais de sobrevivência política e a capacidade do Estado. Baixa estabilidade
institucional e escasso apoio político, somados a ameaças de golpes de Estado,
levam os presidentes a sobrepolitizar a burocracia em um esforço desesperado
de ampliar sua sustentação política e garantir sua permanência no poder. Isso,
yor~ua vez, causa a depauperação da capacidade administrativa ou gerencial
do Estado. O dilema identificado por Geddes viceja em um ambiente de grande
instabilidade democrática e é, em última instância, dado pela estratégia de so-
brevivência dos presidentes, enquanto o dilema postulado no parágrafo ante-
rior supõe maior estabilidade institucional e é gerado pela estratégia legislativa
do presidente. Ademais, o dilema de Geddes diz mais respeito ao instável ambi-
ente institucional das democracias latino-americanas no período de 1950 a 1980,
enquanto o outro dilema tem mais a ver com a situação relativamente mais está-
vel das democracias latino-americanas nas duas últimas décadas do século XX.
Em suma, os principais objetivos perseguidos pelos presidentes quando
formam seus gabinetes são dois: (1) a implementaçãodo seu programa de go-
verno ou a tradução de suas preferências políticas em decisões de governo; e
(2) maximizar o controle sobre a burocracia do Poder Executivo. Porém, o
segundo está claramente subordinado ao primeiro, porque, afinal de contas, os
presidentes querem controlar a burocracia estatal para poderem justamente
realizar seu programa de governo. "
Assim, no modelo de decisão presidencial desenvolvido no capítulo 2, o
chefe do Executivo procura maximizar exclusivamente a consecução de seus
31Geddes, 1994.
Presidencialismo e governabilidade nas Américas Presidencialismo e governabilidade
:.... ,.:..
.' ~' objetivos programáticos OU, dito de forma mais precisa, procura maximizar a
~ ~ 'c" tradução de suas preferências em políticas governamentais por meio de legisla-
. ção. Isso, sem dúvida, é uma simplificação da realidade. Entretanto, jamais al-
'.;' ,; gum presidente privou-se de aprovar novas leis. E se, por um lado, é uma sim-
plificação da realidat!e limitar os presidentes a traduzirem suas preferências em
" ' políticas governamentais, por outro, revela o aspecto mais sistemático da ação
~ presidencial. .
Finalmente, este livro supõe que os presidentes agem racionalmente ao
escolher as ações que maximizam a consecução dos seus objetivos programáticos,
~.no sentido de que optam pela ação que lhes proporcione a maior utilidade espe-
rada. Há um grande debate na ciência política a respeito do mérito de análises
." >baseadas na teoria da escolha racional." Não se pretende aqui entrar em tal
debate, Porém, a favor da aplicação dessa teoria aos presidentes, vale lembrar
as palavras de Tsebelis." "[",] a escolha racional é uma melhor abordagem
- para situações em que a identidade e os objetivos dos atores são estabelecidos
\~.
e as regras de interação são precisas para e conhecidas pelos agentes em
interação". As condições idmtifir"d:ls por Tsebelis são plenamente satisfeitas
pelo presente estudo. Afinal de contas, é bastante plausível supor que os presi-
dentes sabem o que querem, conhecem as regras do jogo político e as preferên-
cias dos partidos, sendo também capazes de antecipar os resultados de suas
estratégias decisórias e nomeações ministeriais.
tendo, por isso, ido à Europa na capacidade de enviado especial do presidente
nos anos críticos da I Guerra Mundial. House logo se tornou a mais influente
voz na formulação da política externa dos EUA, chegando mesmo a negociar
diretamente com os ministros das Relações Exteriores das potências européias
em nome de Wilson, o que resultou no quase completo alheamento do então
secretário de Estado, Robert Lansing, de algumas das principais decisões relati-
vas à guerra e à paz."
Paralelamente à sua capacidade de se aconselhar com quem desejam, os '"
presidentes também podem lotar o palácio presidencial de assessores diretos, o
que, por sua vez, permite ao chefe de governo facilmente contornar seus minis-' .:
tros. Por fim, os presidentes podem negar a estes a autoridade para nomear os \
titulares dos escalões inferiores de suas pastas, reduzindo, assim, a possibilida- ;:: "
. de de virem os ministros a organizar as burocracias que chefiam de acordo com ': '.>
suas preferências. '
. .Em~uma, em um regime presidenci~lista, não se pode dar por certo que
o rmrnstro nomeado pelo chefe do Executivo determma a política que seu mi-
nistério implementa, ao contrário elo que se dá nos regimes parlamentares,
segundo a leitura de Laver e Schofield." Além disso, dado que o presidente tem
sempre a opçãb de contornar politicamente seus ministros, o papel efetivo des-
tes pode mud~r ao longo do mandato presidencial ao sabor de uma série de
fatores, que vão desde as circunstâncias políticas do presidente, passando pelas
relações Executivo-Legislatívo, até à relação pessoal do presidente com os mi-
nistros. Vale a pena contar dois casos.
O primeiro tem como protagonista o presidente Richard Nixon. Durante
a campanha presidencial de 1968, o candidato republicano exaltou as virtudes
de um gabinete forte e prometeu consignar a este maiores responsabilidades do
que o fizeram~n Kennedy e Lyndon johnson." E, de fato, Nixon cumpriu a
sua promessa; vmdo a formar um governo de tal forma que pudesse se valer de
seus secretários para gerir os temas domésticos e econõrnicos. Todavia, essa
estratégia, por uma série de razões, fracassou. Segundo" Warshaw,
Os gabinetes presidenciais
Por que os gabinetes presidenciais são importantes?
Apesar de sua digna posição de jure como principais assessores do presi-
dente, o papel de facto dos ministros nos regimes presidencialistas pode variar
muito. Isso porque o chefe do Executivo é livre para se aconselhar com quem
.quiser e para seguir ou não os conselhos que recebe, mesmo que venha a se
opor às preferências do ministro formalmente encarregado da questão em jogo,
Um caso clássico é a relação do presidente norte-americano Woodrow
Wilson (1913-21) com o coronel House. Este era um amigo íntimo de Wilson,
Richard Nixon, inquestionavelmente, acreditou que havia cuidadosamente
planejado a estrutura organizacional do seu sistema decisório para asse-
~:Sobre a relação deWilson com House, ver o excelente trabalho de George e George (1956).
laver e Shepsle 1996. .
36 '
Warshaw, 1996:39.
32 Para um texto crítico da teoria da escolha racional, ver, entre outros, Green e Shapiro (1994).
33 Tsebelis, 1990:32.
\
:-
".
31
..
, .'
34 Presidencialismo e governabilidade nas Américas
dício O presidente não utilizar os titulares destas (os ministros) para importan-
tes fins políticos. De fato, como demonstra Zucco Jr.,42 o tamanho do Estado
tem um considerável impacto sobre a formação dos gabinetes presidenciais.
Segundo esse au tor, quanto maior o Estado, tal qual medido pelo peso~s~
timento público e ~as companhias estatais no total de investimento na econo-
mia, mais os partidos tendem a ter um comportamento regido pela busca de \\
cargos no Executivo, comportamento inferido pelo grau de consistência ideo-
lógica dos gabinetes presidenciais.
Outro fator a determinar os incentivos que têm partidos e políticos, na
.América Latina, para participar do Executivo, está relacionado à capacidade
técnica das legislaturas. Ao contrário da norte-americana, as legislaturas ao sul
do Rio Grande não têm um quadro de assessores em quantidade suficiente para
oferecer aos parlamentares capacidade de avaliação técnica das políticas gover-
namentais de boa qualidade. Tal característica, certamente, confere ao Execu-
tivo uma grande influência na formulação de programas e leis, aumentando a
atratívidade do gabinete não apenas para atores políticos com objetivos
clientelístícos, mas também para aqueles com motivações programãticas."
Por último, outra diferença relevante entre a América Latina e os EUA
com relação à formação ministerial é que, neste país, os congressistas nornea-
dospara o gabinete têm que renunciar ao seu cargo parlamentar para que pos-
samassumir um posto no Executivo. Essa regra diminui não apenas o interesse
- dos deputados e senadores por posições ministeriais, mas também o peso que o
. presidente consigna aos atores legislativos ao formar seu gabinete. Na América
Latina, ao contrário, os legisladores chamados a servir no gabinete devem ape-
nas pedir licença do seu cargo eletivo. Durante seu período como ministro,
. suas cadeiras no Congresso são provisoriamente ocupadas por seus suplentes.c.
No Brasil, a regra da suplência é aplicada de maneira tão frouxa que se chega ao
ponto de ministros renunciarem a seus cargos por apenas um dia para que
_possam voltar ao Congresso e votar alguma matéria decisiva para o governo.
No dia seguinte à votação, são renomeados para sua pasta ministerial. Ou seja,
o fato de os deputados e senadores latino-americanos terem a opção de "estar"
ministro sem perder sua cadeira parlamentar realça a atratividade dos postos
42 ZuccoJr., 2003.
43 Para uma reflexão a respeito deste tema voltada para o caso brasileiro, ver Santos (2003).
Presidencialismo e governabilidade
ministeriais para o presidente e para a classe política, tornando as nomeaçõe~::,
ministeriais mais efetivas como mecanismo de obtenção de apoio legislativo,~:
principalmente nos países com sistemas multipartidários. <' <
Paradoxalmente, como mostra o capítulo 2, outra diferença entre os ga- ~.
binetes norte-americanos e os latino-americanos é que aqueles são exclusiva-
mente compostos por ministros filiados a um partido. Conquanto Argentina,
Costa Rica e Uruguai também tenham altas percentagens de ministros partidá-
rios, o fato é que só nos EUA esta percentagem é de 100%, ou seja, os gabinetes
norte-americanos são plenamente partidarizados, mas não são um instrumento
tão eficaz de obtenção de apoio legíslativo para o presidente quanto seus
congêneres latino-americanos. Do qualquer modo, tal diferença torna ainda
mais relevante a inclusão de gabinetes norte-americanos e latino-americanos
na amostra analisada no capítulo 2, uma vez que gera maior variação na variá-
vel dependente e confere maior rõbustez às variáveis explicativas.
De qualquer modo, os postos ministeriais são um dos mais poderosos
instrumentos que possuem os presidentes para irnplernentar taticamentr- a sua
estratégia decisória. A questão é, então, que estratégias estão disponíveis ao
chefe do Executivo. No capítulo 2, ver-se-a que essas são essencialmente duas:
ou uma estratégia que se vale preponderantemente de projetos de lei ou uma _
baseada em prerrogativas unilaterais do Executivo. Cada uma leva diretamente _ ~'
a uma nítida prescrição do tipo de gabinete que o presidente irá nomear: se ele .
decidiu usar principalmente os projetos de lei, então, deverá formar um gover- ~
no de maioria e, correspondentemente, nomear políticos partidários para seu I ~ .
gabinete, distribuindo as pastas em base proporcional ao tamanho dos seus .~~'.
parceiros de coalizão. Se tiver decidido utilizar principalmente prerrogativas' ~
do Executivo, então, ele pode preencher o seu gabinete com asseclas, tecnocratas .
e outros - que, se não ajudam a construir maiorias legislativas, servem, entre-
tanto, a outros propósitos, tais como trazer experiência técnica para o governo
ou estabelecer laços diretos com grupos de interesse, por exemplo.
Assim, de um lado, encontra-se o presidente, procurando ou apoio ,.
legislativo ou competência técnica ou confiança política ou laços com grupos
Sociaispara implementar seu programa de governo. Do outro, estão partidos e
OUtrosatores políticos em busca de recursos clientelísticos e voz na formula-
ção das políticas governamentais. Essa é matéria-prima da qual se fazem os
gabinetes presjdenciais,
. ,
.1
32 Presidencialismo e governabilidade nas Américas
gurar O sucesso de um Governo de Gabinete. Mas a estrutura não funcio-
nou. Em novembro de 1969, há apenas dez meses no cargo, Nixon come-
çou a desmantelar a estrutura que criara e a transferir o poder decisório
do Gabinete para a Casa Branca.P
o segundo caso deu-se sob o presidente uruguaio Luis Alberto Lacalle
(1990-95), o qual ganhou a presidência nas eleições gerais de 1989. Porém, seu
partido, o Nacional, conquistou apenas 30% das cadeiras da Câmara Baixa.
Antecipando esse resultado, Lacalle declarou várias vezes, durante a campa-
nha, que, uma vez no poder, procuraria formar uma "coalícíon à la europea"
para contar com uma maioria parlamentar." Lacalle, de fato, cumpriu suas
promessas de campanha e formou um gabinete de coalizão, batizado de Primei-
ra Coincidência, entre seu partido e o Colorado, que detinha a maior bancada
parlamentar. Além disso, o novo presidente afirmou gostar que o gabinete ope-
rasse como um colegiado, devendo os ministros se comprometerem com a so-
Íuçàn dos problemas nacionais, e não apenas com os das suas respectivas pas-
tas." Entretanto, como mostra Mancebo, na hora de governar, o presidente
Optou por um caminho distinto:
Na prática, lacalle assumiu um papel proeminente no processo decisório
durante a Primeira Coincidência, e transformou a presidência no centro
decisório do governo, deixando sua marca em todas as decisões. [... J o
Presidente optou por lidar com assuntos de Estado por meio de uma
abordagem pessoal, recorrendo aos seus contatos pessoais no país e, além
disso, tinha uma forte inclinação a decidir sozinho, apoiado na legitimi-
dade da sua liderança."
É interessante notar que a inclinação a decidir sozinho que tinha lacalle
se refletiu claramente na composição do seu gabinete: a alocação dos postos
ministeriais aos partidos representados no Executivo seguiu um padrão que se
desviava, em grau considerável, da norma da proporcionalidade, típica das
"coaliciones à la europea".
37 Warsha\v,1996:51.
38 Mancebo, 1993:35.
39 Ibid., 1993:36.
40 Ibid.
..
<. ,. .
Presidencialismo e governabilidade
Ou seja, no primeiro caso, o presidente Nixon arrependeu-se de ter dado
tanto poder aos membros do seu gabinete, o que o levou a concentrar a tomada
de decisões na Casa Branca. No segundo, o presidente Lacalle simplesmente
optou por agir sozinho, não tendo dado nem autoridade suficiente ao seu gabi-
nete, nem o montado, de modo a .governar "à la europea", Ambos os casos
mostram como a posição dos integrantes de um gabinete presidencial pode ser
enfraquecida pelo chefe do Executivo. Este fato, contudo, não deve surpreen-
der ninguém, dada a estrutura institucional do presidencialismo. ? caso ,e ,
lacaIIe sugere também um nexo entre a est:atégia decisória do preslden.te e \
composição do gabinete, um ponto que sera bastante explorado nos capítulos \
seguintes.
A questão que se coloca, então, é saber que incentivos partidos e políti-
cos têm para integrar um gabinete presidencial, cujo chefe tem o poder _
formal- de compô-lo e usá-lo com considerável margem de manobra. Uma
comparação entre a América Latina e os EUA pode nos ajudar na resposta.
Vários estudiosos da presidência norte-americana" sustentam que, com
o engrandecimento desta no período posterior à IIGuerra, a assessoria da Casa .;l
Branca foi fortalecida no interior do Poder Executivo em detrimento do gabine-
te. O menor papel decisório deste está certamente relacionado ao seu baixo
valor como moeda política, principalmente no que toca à formação das maio-
rias legislativas. Por que, afinal, um político de peso ou um líder partidário
aceitaria participar de um gabinete fraco? Outro fator que pode ser arrolado
para explicar a baixa atratividade do gabinete para a elite partidária e legislativa
norte-americana é a alta qualidade da assessoria legislativa à disposição dos
congressistas, a qual permite que estes formulem políticas sem ter que recorrer
à burocracia do Executivo. ,
No que concerne aos países latino-americanos, não há evidências siste-
máticas acerca do poder dos palácios presidenciais com relação aos gabinetes.
É plausível supor haver sempre importantes assessores lotados no palácio pre-
sidencial. Porém, é muito difícil que a assessoria dos pal;cios presidenciais te~ ~.~
nha se sobreposto ao gabinete da mesma maneira em que se deu nos EUA. Ha
algumas razôes para tanto.
Em primeiro lugar, dado o enorme papel econõmico desempenhado pelo
Estado na América Latina, Com suas gigantescas burocracias, seria um desper-
41 Por exemplo, Burke (1992); Moe (1985); pfiffner (1986); Warshaw (1996); Wyszomirski (1989).
_ .. ,,-
v", "" .,\ 36 Presidencialismo e governabilidade nas Américas
Por último, os gabinetes presidenciais devem ser vistos como uma cole-
ção de ministros que pode adquirir os mais diversos formatos e composições,
de acordo com os incentivos e restrições que enfrentam os presidentes. Por
isso, este livro enfatizará dimensões dos gabinetes às quais prestam pouca aten-
ção os estudiosos de gabinetes de regimes parlamentaristas, como, por exem-
plo, a percentagemde ministros com filiação partidária e a taxa agregada de
proporcionalidade da alocação de pastas ministeriais aos partidos.
Gabinetes presidenciais e o déficit fiscal
relação entre os diversos atributos políticos dos governos democr '6-
cos e su s decisões de .política econ~mi~a é u~ dos temas c~nsagr~dos 7.:'mais
relevante da extensa lIteratura de ciencia política e economia política referen-
te às democ cias estáveis do Primeiro Mundo. Como a grande mai<yIa destas
tem um sisterri de governo parlamentarista, existe naturalmente ufna grande
carência de trabal s sobre o tema que tenham regimes presideneíalistas como
referente empírico. ma das contribuições que este livro proclra trazer é aju-
dar a suprir tal carênci . Assim, no capitulo 4. verificar-s -!Í. ~ relação entre
aigurnas características do gabinetes pr~sidenciais e um Zs pilares do desem-
penho macroeconômico, o dê .cit fiscal.
Por que tratar do déficit . cal? Ora, a polítje a fiscal ou orçamentária é •
uma das decisões mais importante de qualqu 7 governo. Além disso, é uma
das áreas decisórias na qual a margem e - obra d'os governos é considerá-
vel. Por exemplo, as ahquotas tributárias eça fundamental da receita do Esta-
do, são calibradas quase anualmente em qua e todos os países. A questão que,
então, se coloca o estudioso das dtcisões dos overnos democráticos é J se-
guinte: que atributos políticos d stes governos afe] m suas decisões de tributa-
ção e gasto? Outra pergun : que tipos de governo ão mais propensos a ter
déficit fiscal?
Como já dito a teriormente, pouco ainda se sabe a respeito dos regimes
presidencialistas ara que se tenham respostas seguras sobre a uelas questões
e out~as. mais.le ativas ao nexo entre atributos políticos do governo e política
economIca É o que nos diz a literatura de economia política dos países desen-
volvido majoritariamente parlamentaristas a respeito da política fiscal? Um
.>' [dos s s principais achados indica que governos de coalizão enfrentam maiores
J\" l'iculdades na geração de disciplina fiscal do que os unipartidários. Aí está
/
Presidencialismo e governabilidade
37
uma excelente hipótese para se iniciar um estudo do impacto de atributos go-
rnamentais sobre decisões e desempenho macroeconõmicos nos países pre-
si ncialistas do continente americano. Dito de outra forma, a hipótes sugere
que a características políticas dos gabinetes afetam o comportamen o fiscal.
Saber s e em que medida essa afirmação é verdadeira para os regi.
dencialisj é o objetivo do capítulo 4.
o desenho da esquisa e a rnetodologia empregada
Para responde às questões enunciadas no começo este capítulo, este
livro emprega duas abordagens teóricas - dedutiva e in tiva - e dois méto-
dos empíricos - a anális econornétrica de amostras ltinacionais e estudos
de caso nacional.
No capítulo 2, utiliza-s uma abordagem de tiva, calcada na teoria da
escolha racional, para derivar m conjunto de hipóteses acerca da relação
entre, de um lado, as preferência dos preside es e os incentivos institucio-
nais e as condições económicas que nfrcntarrí e, de outro, as suas estratégias
decisórias e a composição do ?abinet . AS)1ipóteses, por sua vez, são testa-
das por meio da análise economévica d uma amostra de 106 gabinetes del3,
países das Américas.
Os capítulos 3_e_4 adotam pma persp tiva teórica indutiva para desen- _
volver hipóteses a respeito dos detjI~'lÍnantes a durabilidade dos gabinete~/
da estabilidade ministerial (capítulo 3) e do im,pacto dos gabinetes e ,rros
fatores sobre o déficit fiscal (c .~tulo 4). O método empírico utilizado nesses
capítulos é igual ao do capítjr o 2. /
Os capítulos 5 e 6 sã6estudos de caso do Brasil da Ven~ela, respecti-
vamente. Neles, procur -se verificar se é verdadeira um proposição central do
capítulo 2: governO~ajoritários estão associados a um estratégia decisória
centrada no uso d(projetos de lei, enquanto governos mtnoritários refletem
uma estratégi~CiSÓria baseada predominantemente n(jrec rso a prerroga~i-
vas legislat~s do presidente. Essa proposição não pôde ser te ta da por meio
de métodos econométricos devido à falta de dados para a maioria dos países
estuda ts.
O último capítulo, além de resumir e conectar todos os achados dos capí-
tu os anteriores, volta ao velho debate acerca da reforma do presidencialismo
na América Latina. À luz dos achados empíricos do livro, procurar-se-a avaliar

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