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PAIXÃO, Cristiano - ARQUEOLOGIA DE UMA DISTINÇÃO: O PÚBLICO E O PRIVADO NA EXPERIÊNCIA HISTÓRICA DO DIREITO

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PAIXÃO, Cristiano. “Arqueologia de uma distinção – o público e o privado na experiência histórica 
do direito”. In: OLIVEIRA PEREIRA, Claudia Fernanda (org.). O novo direito administrativo 
brasileiro. Belo Horizonte: Forum, 2003. 
 
 
Apresentação do problema 
 
 
 O presente ensaio propõe uma reconstrução, na experiência histórica do direito, da distinção 
público-privado[1]. A interconexão e a tensão existentes entre essas duas esferas – tema que inclui a 
discussão acerca do papel desempenhado pelo Estado na consolidação do direito e sociedade modernos – 
são elementos fundamentais para uma compreensão adequada do novo direito administrativo. 
 Porém, antes que se inicie a reflexão em torno do ponto central do artigo, faz-se necessária a 
explicitação de algumas observações de ordem teórico-metodológica. 
 O olhar voltado ao passado – preocupação comum a juristas e historiadores[2] – representa, mais 
do que um instrumento útil, uma verdadeira necessidade, quando se propõe o desafio de compreender a 
complexidade e multiplicidade das opções das sociedades atuais. Disso decorre a conclusão fundamental: 
só se justifica o estudo da história quando se manifesta a preocupação com o presente[3]. O historiador, na 
famosa advertência de Marc Bloch, não pratica sua atividade (métier) como um colecionador observa 
objetos antigos[4]. 
 Além disso, a reconstrução histórica terá de se assumir como uma realização parcial e renunciar a 
qualquer pretensão globalizante ou de síntese total. O tema aqui abordado assume contornos que propiciam 
investigação nos campos da antropologia filosófica, da história das estruturas políticas e sociais, da teoria 
política, da economia e da história das idéias. Assim, a elaboração do discurso histórico-teorético a seguir 
disposto tem como finalidade apresentar o contexto, o pano de fundo construído ao longo dos séculos e 
que informou a crescente tensão entre a esfera pública e o domínio privado desde o paradigma pré-moderno 
de direito (da Antigüidade ao período anterior à Revolução Francesa) até a contemporaneidade, momento 
em que desempenha um papel central. Não se pretende, evidentemente, efetuar uma reconstrução completa 
da distinção. Toda história é uma redução: “um século cabe numa página”[5]. 
 
Resgate da distinção ao longo da experiência do direito (I). Da Antigüidade às Luzes. 
 
 
 A distinção entre público e privado é tematizada pela primeira vez, como várias outras categorias 
que estariam na base das estruturas de sentido posteriormente adotadas no Ocidente, na Grécia antiga, em 
especial na Atenas democrática[6]. A crescente modificação nas estruturas sociais e políticas do mundo 
grego encontrou um ponto singular com a experiência desenvolvida na polis ateniense entre 510 e 323 
a.C., que consagrou a prática democrática nas deliberações políticas. É com essa experiência que se inicia 
a descrição da distinção público-privado. 
 A Grécia propiciou, como se sabe, o início de uma diferença fundamental para o desdobramento 
das estruturas políticas no Ocidente: a separação entre política, governo e religião. Destacando-se do 
contexto das monarquias até então hegemônicas na região do Mediterrâneo e do Oriente Próximo 
(Mesopotâmia, Egito, Fenícia, povos hebreus, Pérsia[7]), a civilização das poleis do período pós-homérico 
vai diferenciando cada vez mais domínios da experiência humana que permaneciam englobados, como as 
noções de política, governo e religião. Não por acaso, o primeiro direito antigo que dispensa o critério da 
revelação divina para sua justificação é o direito grego. Surge a idéia de responsabilidade política nas 
decisões que afetarão o destino da polis[8]. Inicia-se, então, a tipologia das formas de governo, que encontra 
sua expressão clássica na obra de Aristóteles[9]. 
 A novidade da distinção entre política, governo e religião está representada na abertura de um 
espaço para discussão e deliberação acerca dos destinos da polis. A fase definitiva da ruptura com as formas 
tradicionais de exercício do poder (de que são exemplos a monarquia, a aristocracia e a tirania) dá-se 
mediante a implementação, por Clístenes, do regime democrático em Atenas, a abolição do governo dos 
arcontes e a redivisão territorial das tribos[10]. 
E é paradoxal – para os modernos, mas de modo algum para os antigos – que essa libertação das 
formas tradicionais de exercício do poder, com a implementação do governo democrático (que era direto, 
e não representativo), ocorresse sob o signo da desigualdade no plano vertical (que coexistia, portanto, com 
a igualdade no plano horizontal da sociedade política). Com a experiência ateniense, consolida-se a 
diferenciação por estratos, que será paradigmática em todo o mundo antigo e continuará a inspirar a 
organização social nos períodos medieval e pré-moderno[11]. O que importa notar, nessa distinção de 
papéis sociais, é o fato de que apenas os cidadãos – homens adultos nascidos em Atenas, filhos de homens 
livres oriundos de famílias locais – participavam da esfera deliberativa. 
Já se pode antever, então, um primeiro aspecto da distinção público-privado[12]. 
Na mentalidade e na vida social atenienses, o privado é a dimensão da sobrevivência, da luta pela 
manutenção dos seres vivos e de suas famílias, da luta em face da escassez[13]. Nesse plano da existência, 
o homem não difere muito de outras espécies de seres vivos, que precisam recorrer à natureza para encontrar 
a subsistência. A casa é o lugar em que essa contínua luta e conservação da vida e saúde se manifesta. Daí 
a etimologia da expressão moderna economia (oikia + nomos, ou seja, a lei da casa). 
A partir desta delimitação do privado, como se desenvolve a experiência pública na Atenas 
clássica? 
A materialização da vida pública ocorre por intermédio da emancipação propiciada pelo exercício 
de todas as potencialidades do homem como cidadão. A ágora, local das discussões em torno das questões 
fundamentais da polis, é o espaço (não apenas no sentido físico) em que essa potencialidade poderá ser 
ativada. A formação dos homens públicos ocorrerá na academia, no liceu. Os rituais públicos de 
deliberação e julgamento trazem essa mesma dimensão emancipatória, reservada aos filhos da polis: sessões 
da Eclésia, da Heliéia ou da Bulé[14]. Nesses contextos de discussão, encontro e argumentação, o homem 
grego se vê livre das amarras (típicas da dimensão privada) que o transformavam num ser desprovido, ao 
menos em parte, de sua liberdade, e realiza aquilo que seria conhecido, no futuro, como o “ideal grego”, a 
conjunção de várias formas de sociabilidade numa polis democrática[15]. 
Não é necessário aprofundar a reflexão em torno do alcance parcial do regime democrático 
ateniense – trata-se de um lugar-comum. Apenas para registro, cabe notar que grande parcela da população 
estava excluída do espaço de deliberação, e os atenienses, em regra, eram bastante rigorosos em casos de 
concessão da cidadania a estrangeiros (que eram raros)[16]. O que interessa destacar, nesta etapa da 
descrição, é a clara e demarcada delimitação entre público e privado na experiência democrática ateniense, 
que permaneceu irrepetida no curso da história[17]. 
No período histórico que se convencionou designar como Antigüidade, as duas civilizações 
proeminentes – ou seja, culturas que, mesmo após o seu fim, exerceram decisiva influência sobre o 
Ocidente – foram Grécia e Roma. Há evidentes pontos de contato e circulação de idéias entre elas. Mas 
existem, também, diferenças marcantes. Uma delas, como será visto, diz respeito à organização política. 
O mundo romano não conheceu a experiênciademocrática. As tentativas de implementação de 
formas hegemonicamente populares de exercício do poder político na república romana, pelos irmãos 
Graco, foram severamente punidas por reações do patriciado, que detinha o poder político no Senado e 
concentrava as decisões fundamentais em suas mãos desde a quase lendária expulsão dos reis etruscos de 
Roma (usualmente fixada em 509 a.C.)[18]. Do mesmo modo, é evidente a incompatibilidade entre o 
regime democrático e o Império, que compreendia a centralização do poder político e a ausência de 
responsabilidade do Imperador (declarado legibus solutus pelo Senado). 
Consignada essa diferença fundamental, vale ressaltar um dado, extraído da experiência romana, 
que será relevante para a reconstrução da distinção público-privado: a universalidade do Império. Ao 
contrário do mundo grego, fraturado em estruturas autônomas e muitas vezes conflitantes entre si[19], a 
civilização romana consegue estabelecer-se como fonte única do poder político ao incorporar novos 
territórios. A conquista romana desenvolve-se sob duas grandes modalidades: nas localidades com cultura, 
memória e identidade estabelecidas e institucionalizadas (como, por exemplo, as cidades gregas, 
Mesopotâmia e Egito) há um processo de recepção e absorção da herança cultural; de outra parte, no que 
se refere às comunidades que, à época da dominação romana, ainda não haviam, por diversas razões, 
estabelecido uma memória escrita (como, por exemplo, os celtas e os germanos), há pura e simples 
anexação, com forte mobilização de prisioneiros que serão utilizados posteriormente como escravos ou 
soldados[20]. Isso permitiu a construção de um império com as condições ideais para impor seu direito a 
todos os confins (limes) de seu território. 
 Ainda que não seja possível, neste momento, ingressar na discussão em torno dos fatores históricos 
que conduziram ao lento declínio da civilização romana[21], o que importa frisar, aqui, é a dimensão 
universal que acabou assumindo o direito romano. Foi justamente esse caráter universal da experiência 
romana um dos aspectos que facilitou a propagação do cristianismo na Antigüidade tardia e possibilitou a 
lenta e fecunda inter-relação entre os mundos do Império e da Cristandade, combinação essa que alicerçou 
(junto com a contribuição germânica) a civilização medieval. 
 Com efeito, a Igreja Católica é a principal herdeira da universalidade do Império Romano. Na 
expressão translatio imperii, translatio studii está sintetizada a passagem da herança clássica à 
Cristandade[22]. Essa universalidade permitirá que o homem medieval encontre uma explicação global 
para sua presença no mundo, visão essa que contará, desde a primeira Idade Média[23], com a mediação 
da Igreja Católica[24]. 
 Na civilização do Ocidente medieval, será materializada a cosmovisão cristã num mundo acossado 
pela ameaça moura (a Sul e a Oeste) e pelas pretensões bizantinas, cada vez mais distintas da orientação da 
Igreja Romana, a Leste e Sudeste. Essa visão de mundo começou a ser forjada num período de ruína do 
Império Romano do Ocidente e de gradual crescimento da influência do Cristianismo (que ainda estava em 
busca de identidade, em meio a heresias e perseguições). 
 Qual será, então, a influência do estabelecimento dessa visão de mundo hegemônica, dessa unidade 
espiritual que domina o Ocidente medieval, na distinção público-privado? Para que essa resposta possa ser 
coerentemente construída, é necessário resgatar uma determinada expressão da mentalidade típica da 
civilização medieval: a idéia de que a vida humana (e a conseqüente posição dos homens na sociedade) 
constitui uma representação de uma divisão que tinha origem celeste. É a teoria das três ordens, que busca 
justificar a existência de estratos na sociedade com uma explicação sobrenatural[25]. Consoante expõe um 
texto católico do século XI, o rebanho dos homens seria uma reprodução da divisão, ordenada por Deus, 
entre os bois (aqueles que trabalham para alimentar os demais), as ovelhas (que fornecem a lã e o conforto 
para o espírito) e os cães (que protegem os outros membros do grupo). Transplantando-se essa 
representação para a sociedade medieval, pode-se encontrar as três ordens: os laboratores (servos), os 
oratores (clérigos) e os bellatores (cavaleiros)[26]. Trata-se, então, de uma sociedade trifuncional. 
 O que é interessante, nessa explicação, é a submissão da pessoa à ordem, ou seja, a diluição da idéia 
de indivíduo (que ainda não existia, no sentido moderno da expressão, no período medieval) numa camada 
da sociedade. Tal característica ajuda a compreender, inclusive, a tendência tardo-medieval de organização 
de grupos de artesãos em guildas, clubes, corporações de ofício. Fica explicitado, assim, o aspecto global 
da experiência social na Idade Média, em que cada etapa da vida revela a influência da visão de mundo 
cristã. Isso se reflete na celebração do contrato feudo-vassálico, cerimônia religiosa que marca o juramento 
de fidelidade de um vassalo (muitas vezes um cavaleiro) a seu suserano (em regra o senhor feudal). Era um 
momento solene, abençoado pelo clérigo local (normalmente sobre relíquias sagradas) e com evidentes 
conseqüências sociais (posição na hierarquia do domínio feudal – o vassalo poderia reproduzir a cerimônia 
com subvassalos), econômicas (a destinação de parte da produção agrícola ao senhor feudal) e militares (o 
juramento de fidelidade incluía a promessa de proteção contra invasores externos)[27]. 
Esse quadro sofreria modificações com o final da civilização medieval, trazido pela quebra da 
unidade espiritual do Ocidente (reformas religiosas que originam o surgimento de credos e igrejas 
protestantes), pela revolução científica (fim do modelo ptolomaico de cosmos e da hegemonia da física 
aristotélica, a partir da obra de Copérnico, Kepler, Galileu e Newton) e pelo advento do renascimento 
florentino (propositura de um novo humanismo, mediante apropriações e leituras originais da herança 
clássica)[28]. 
 Permanece, porém, mesmo com esse impulso de mudança – que se localiza entre os anos 1500-1700 
– a diferenciação por estratos, em que a noção de indivíduo não significa o exercício do livre-arbítrio (o 
que só seria viável com a Modernidade oitocentista). A figura do indivíduo, na acepção moderna, ainda não 
se havia configurado. Entretanto, podem ser observadas, nas lutas políticas e religiosas que marcam o 
cenário europeu nos séculos XVI e XVII, as origens da doutrina liberal que prevaleceria após a queda do 
Absolutismo, ao final do século XVIII. A própria teoria jurídica refletirá essa tendência, com o surgimento 
das doutrinas usualmente agrupadas sob a denominação jusnaturalismo racional. Com a quebra da unidade 
espiritual do Ocidente, era preciso deslocar para o exterior da doutrina cristã a justificação para a vigência 
do direito. E isso foi possível com a modificação empreendida por vários autores dos séculos XVI, XVII e 
XVIII que, com numerosas orientações metodológicas e diversas inspirações antropológico-filosóficas, 
concentrarão no indivíduo o centro de suas investigações. Começam a surgir, logo, os princípios gerais que 
informarão a natureza humana, na interpretação dos vários autores da tradição racionalista. Entre esses 
princípios podem ser encontrados: não causar dano a ninguém; agir de acordo com uma ética universal (ou 
universalizável); dar a cada um o que é seu; respeitar os contratos e os compromissos. Em todas as versões 
tratar-se-á de um direito natural secularizado, que dispensará a explicação divina para a presença do homem 
no mundo e seu posterior destino. Essa é a linha de pensamento que une,numa mesma corrente, autores 
como Grócio, Hobbes, Pufendorf, Thomasius, Locke e Wolff, entre vários outros[29]. 
 Paralelamente a essa formulação teórica dessacralizada – fruto da laicização e do progresso da 
técnica e da ciência –, permanecia, contudo, a organização política baseada na divisão social por estratos, 
como remanescente da experiência medieval. As “ordens” podiam agora ser chamadas “estados”, mas a 
estruturação social permanecia marcada pela distribuição desigual de poder e riqueza. As tensões nas 
sociedades européias aprofundavam-se, e isso pode ser notado pelas lutas confessionais e pelo combate ao 
absolutismo real. De início, a manifestação de crenças não-ortodoxas e religiões dissidentes no panorama 
europeu gerou uma série de lutas e conflitos armados que marcou, de modo traumático, a experiência social 
como um todo. Desde a repressão aos huguenotes franceses até a perseguição aos protestantes (e, 
posteriormente, aos católicos) na Inglaterra, passando por radicais experiências como a dos anabatistas em 
algumas regiões da Europa do Norte, ter-se-á materializado uma cisão sem precedentes na história. 
Além disso, uma outra arena de conflitos – o cenário político – revelará, no século XVII, o 
esgotamento da teoria política medieval. É o que se observa num decisivo momento histórico: o confronto, 
na Inglaterra seiscentista, entre a monarquia Stuart (Jaime I e Carlos I) e o Parlamento. Como se sabe, a 
crescente radicalização dos seguidores do monarca e dos membros do Parlamento conduziu o país à guerra 
civil, com a execução de Carlos I em 1649 e a instalação de um governo ditatorial[30]. A posterior 
restauração monárquica, ainda no século XVII, foi concluída com a passagem da soberania para o 
Parlamento[31]. 
 O movimentado século XVII inglês é objeto de vasta literatura no campo histórico[32]. Interessa 
aqui salientar, a partir dessa experiência histórica, a modificação política que repercutirá no mundo do 
direito. Na verdade, o século XVII explicita a crise de uma outra concepção medieval: a idéia de 
constituição mista. 
Cabe agora dedicar algumas linhas à noção de constituição mista, tal como desenvolvida na 
teoria política medieval. 
Observe-se a exata descrição de Maurizio Fioravanti: 
 
“A constituição mista serve [na Idade Média] para defender a natureza faticamente plural e 
composta da sociedade e dos poderes nela expressados; o que se teme, nesse modelo, é o 
nascimento de um poder público que venha romper esse equilíbrio, que se sinta legitimado 
para alimentar, desmesuradamente, pretensões de domínio”[33]. 
 
 
 Referindo-se especificamente aos séculos XVI e XVII, Fioravanti assinala que essa concepção de 
constituição mista perdura ao longo da experiência política européia, sofrendo alterações de grau – 
comunidades políticas em que uma maior parcela de liberdade e influência na deliberação política é 
reservada aos nobres, ou, em outra hipótese, reinos em que há uma esfera maior de poder concentrado no 
monarca – mas conservando, em sua estrutura, a idéia de organização política e social plural, com diversos 
ordenamentos e formas de vigência do direito, sem um “momento constitucional inicial” definido. A 
manutenção da constituição mista medieval é particularmente visível no parlamento inglês, “em que 
conviviam, inclusive fisicamente, os três elementos da constituição mista, a saber, o rei, os Lords como 
expressão do componente aristocrático e os Commons como expressão do componente democrático”[34]. 
 São exemplos paradigmáticos dessa idéia de constituição mista alguns documentos que pertencem 
à história das fontes do direito ocidental: 
 
(1) a Magna Carta expedida pelo Rei João, em 1215 (e várias vezes reeditada e confirmada, a partir de 
1225) como um compromisso para atender às crescentes reivindicações dos barões detentores da 
terra[35]; 
(2) as várias chartae libertatum que consagram algumas liberdades aos súditos do reino ou aos habitantes 
da cidade, como a Carta de Afonso IX de Leão (1188), a Bula Áurea húngara (1222), a Joyeuse Entrée 
de Brabante (1356) e outros privilégios concedidos por soberanos a determinadas cidades, 
especialmente nas regiões hoje correspondentes à Itália, Espanha, Sul da França e partes da Alemanha 
e da Suíça[36]. 
 
 Daí ser possível concluir que a expressão “constituição” utilizada nesta representação da 
“constituição mista” não guarda relação com o uso moderno do termo: não existe, na prática e na teoria 
política, até fins do século XVII, a consagração de um documento – que projete sua legitimidade na 
soberania popular – destinado a propiciar, na dicção comumente repetida, o “estatuto jurídico do político”. 
Essa é a principal crítica dirigida por Hegel à prática constitucional medieval, a partir de sua análise 
do panorama alemão do início do século XIX, consoante a síntese propiciada por Fioravanti: 
 
“Hegel lamentava que os alemães considerassem ´constituição´ o que era o resultado – 
adquirido essencialmente na prática – de uma série de contratos, pactos, atos de arbitragem, 
freqüentemente sancionados apenas do ponto de vista formal mediante sentenças dos 
tribunais. Os alemães estavam fortemente apegados a esse patrimônio consuetudinário, que 
consentia a cada território, a cada autoridade, a cada estamento obter seu próprio espaço, 
gozar de determinadas imunidades e liberdades, de determinados privilégios e direitos”[37]. 
 
 
A crítica hegeliana é especialmente importante para a reconstrução que aqui se apresenta, pois ela 
explicita a dificuldade em efetuar a distinção, tanto na Idade Média como no período imediatamente 
subseqüente (séculos XVI e XVII), entre público e privado. Percebe-se, logo, que a esfera pública não se 
faz presente de forma dissociada dos interesses e ordenamentos de feição privada. A própria distinção 
público-privado perde sua importância teórica e conceitual[38]. Assim, o que se torna visível, nesse cenário 
de pluralidade de ordenamentos, fontes e instituições que geram e aplicam o direito, é a inexistência de 
uma esfera pública apta a propiciar uma mínima separação entre a experiência política (numa perspectiva 
ampliada) e as diversas constelações de interesses – de natureza privada – protegidos por sofisticadas 
construções teóricas como a idéia de sociedade trifuncional e constituição mista, típicas da teoria política 
medieval, que mantêm sua força persuasiva mesmo nos séculos iniciais da Era Moderna. 
A partir dessa descrição, o que se percebe, no pano de fundo dos embates entre o Rei e o 
Parlamento na Inglaterra, é a dificuldade cada vez maior da nobreza de ocultar as assimetrias presentes na 
forma de diferenciação por estratos e a evidente crise da idéia de constituição mista[39]. As aspirações 
individuais – titularizadas pelas diversas forças políticas e sociais em ação, desde uma parcela da 
aristocracia descontente com os rumos adotados pela monarquia Stuart até a ascendente camada da gentry, 
pequena burguesia que começa a prosperar na economia inglesa, passando ainda por reivindicações de 
camponeses em torno da posse e cultivo da terra –, mostram-se incompatíveis com o rígido (e cada vez 
mais elaborado) regime de diferenciação por estratos. 
Para que surgisse uma nova configuração social – apta a ensejar uma nova ordem política – seria 
necessário, contudo, aguardar até o final do século XVIII. 
 
 
Resgate da distinção ao longo da experiência do direito (II). Do alvorecer da Modernidade até os 
dias atuais. 
 
 
 Nos últimos anos dos Setecentos, a sociedade ocidental havia passado por uma série de 
transformações tão significativa que a explicação da vigência dodireito com fundamento na teoria do 
jusnaturalismo racional começava a perder sua capacidade de esclarecimento e persuasão. O aumento do 
grau de complexidade das relações sociais, a aceleração do devir histórico (a chamada “Era das 
Revoluções”) e a modificação da semântica do tempo (a Modernidade, conceito reflexivo, volta-se para um 
futuro em aberto, impulsionado pela dinâmica da idéia de progresso[40]) ensejaram uma substancial 
alteração na vigência do direito, com a introdução de um movimento inteiramente novo em termos 
históricos – o constitucionalismo. 
 Duas aquisições evolutivas da sociedade manifestam-se no limiar do século XVIII: a diferenciação 
funcional e o surgimento das constituições escritas. Elas estão relacionadas entre si e, em última análise, 
condicionam-se reciprocamente. Convém, então, efetuar breve descrição histórico-teórica de cada um 
desses elementos, a partir da teoria luhmanniana da diferenciação dos sistemas sociais. 
 Por diferenciação funcional entende-se a fundamental modificação na estruturação da sociedade 
que possibilitou a superação da diferenciação por estratos (descrita no item anterior) pela organização da 
sociedade em sistemas funcionalmente especializados. Parte-se, aqui, do pressuposto de que as condições 
de comunicação na sociedade – compreendida como sistema global da comunicação – passaram a tematizar 
a existência de problemas determinados (domínios funcionais) em cuja solução se especializa cada 
subsistema. Evidentemente não é possível, nos estritos limites deste ensaio, ingressar na discussão sobre as 
condições de existência, manutenção e auto-reprodução dos sistemas sociais funcionalmente 
especializados[41]. O que se deve assinalar, no presente momento, é a modificação no princípio 
estruturador da sociedade: da distribuição desigual de poder e riqueza (o que pressupõe, naturalmente, o 
surgimento de estruturas de hierarquia na sociedade) à especialização funcional (que exigirá a coexistência 
simultânea de vários subsistemas numa sociedade descentrada). 
 É exatamente essa abertura para a atuação de domínios funcionais especializados que permitirá uma 
radical modificação na vigência do direito. Não será possível, a partir da diferenciação funcional, 
estabelecer as bases da cadeia normativa da sociedade com fundamento em doutrinas no direito natural 
(seja ele de ordem cósmica, moral, teológica ou racional-especulativa). A luta contra o Absolutismo – mote 
central das Revoluções Francesa e Americana – e a busca pela tolerância política e religiosa exigirão uma 
nova forma de estabelecimento e controle do poder. Essa forma – uma invenção do final do século XVIII 
– consolidou-se, na imensa maioria dos países ocidentais, por meio das constituições escritas. 
 Torna-se adequado, então, após fixadas as duas premissas fundamentais da passagem para a 
Modernidade – diferenciação funcional e edição de constituições escritas –, deixar registrado um primeiro 
aclaramento conceitual: é hora de expor (e distinguir) as noções de constitucionalismo e constituição 
escrita. 
 Na correta síntese de Michel Rosenfeld[42], pode-se dizer que qualquer definição aceitável da idéia 
de constitucionalismo terá de compreender: (1) o estabelecimento de limites ao poder do governo; (2) a 
adesão ao Estado de Direito[43] e (3) a proteção de direitos fundamentais. Trata-se, pois, de um movimento 
historicamente localizável: a esse respeito, é lícito, inclusive, falar numa espécie de “pré” ou “proto” 
constitucionalismo inglês, representado pela secular luta entre rei e barões (desde o início da conquista 
normanda) e, posteriormente, entre rei e Parlamento (especialmente no período da monarquia Stuart, já 
aludido), como uma etapa na tentativa histórica de estipulação de limites e freios ao poder político 
centralizado. O direito – no caso inglês, o common law – ocupou, em todo o processo, um papel central, 
como referência para fixação de parâmetros para a atuação do soberano. Entretanto, a concretização do 
movimento do constitucionalismo só foi possível no final do século XVIII, quando apresentaram-se 
condições para o preenchimento dos requisitos acima enumerados. 
 Isso permite que se passe à segunda parte da distinção. A forma que permitiu a vigência das 
premissas do constitucionalismo foi, na expressiva maioria dos países do Ocidente, a elaboração de 
constituições escritas[44], que concentraram em suas prescrições as opções fundamentais de cada sociedade 
política e buscaram prever meios e organizações para concretizar essas escolhas[45]. Os momentos de 
elaboração das primeiras constituições são conhecidos: 1787 nos Estados Unidos da América e 1791 na 
França. É importante mencionar, contudo, que a afirmação da supremacia das constituições escritas – e, por 
conseqüência, da subordinação de todo o demais direito às prescrições constitucionais – só foi concretizada 
com a decisão do caso Marbury v. Madison, proferida em 1803 pela Suprema Corte norte-americana[46]. 
 Esboçada, em rápidas linhas, a reconstrução histórica do surgimento do constitucionalismo e das 
constituições escritas, é chegado o momento de voltar os olhos ao tema central da presente investigação. 
Para que se possa resgatar as tensões, nuances e oscilações da distinção público-privado, ter-se-á de 
recorrer à classificação que compreenda, da melhor maneira possível, a complexidade das novas formas de 
organização social e política. Em outras palavras: para que seja aceitável e coerente o discurso em torno do 
tratamento das esferas do público e do privado da Modernidade até a contemporaneidade, será necessário 
inserir a descrição nos paradigmas[47] de Estado de Direito verificados ao longo da experiência histórica 
do Ocidente. 
 O primeiro paradigma que se identifica na experiência moderna é o do Estado Liberal. Aqui o 
Estado de Direito aparece moldado pelo constitucionalismo clássico, com enorme influência das conquistas 
decorrentes dos combates – típicos dos séculos XVII e XVIII – contra a intolerância política e religiosa. Os 
direitos previstos nas declarações constitucionais (exemplo: as dez primeiras emendas à Constituição norte-
americana, conhecidas como o Bill of Rights, inseridas em 1791) assumem a perspectiva liberal, no sentido 
de se caracterizarem como liberdades “negativas”, verdadeiras proteções contra o arbítrio estatal. Assim 
podem ser compreendidas disposições referentes à liberdade, propriedade e igualdade. O Estado, nesse 
contexto, assume função regulatória, reservando ao mercado a tarefa de promover a distribuição eqüânime 
de oportunidades e benefícios[48]. Estruturas do Antigo Regime ainda permeiam aspectos relevantes da 
vida social, e podem ser consideradas remanescentes da diferenciação por estratos: assim, não há inclusão 
de toda população adulta nos processos eleitorais e critérios de voto censitário se fazem presentes[49]. 
 É nesse panorama que se pode perceber uma nítida assimetria na relação público-privado. O 
domínio do privado, nesse cenário em que prevalece o liberalismo (político e econômico), é 
superdimensionado. A invenção moderna da figura do indivíduo – agora libertado das “ordens” ou 
“estados” que caracterizavam o Antigo Regime[50] – permite que a forma jurídica predominante seja a do 
contrato, que mantém a afirmação (mesmo que fictícia, no plano material) de igualdade entre as partes 
acordantes. Como uma decorrência natural da luta contra o Absolutismo – e também para uma justificação 
operativa acerca da posição de certas camadas superiores da sociedade –, o público, inteiramente associado 
ao Estado (observe-se que o século XIX é o período de afirmação da maioria dos Estados-Naçãona Europa) 
é visto com desconfiança, ou mesmo reserva. Daí a idéia das liberdades “negativas”, garantidas por um 
governo representativo eleito periodicamente (nas condições já aludidas), o que permite uma apropriação 
(ou, para alguns críticos, colonização) do público por uma determinada parte da sociedade (que continua, 
como no Antigo Regime, concentrar as oportunidades de distribuição de poder e riqueza). 
 É nessa quadra histórica que se inicia o interesse – ainda presente – de delimitar a divisão entre 
direito público e direito privado. Numa sociedade que estabelece, de forma explícita e propositiva, a 
limitação dos poderes do Estado, e que privilegia, como observado, a distribuição “natural” de 
oportunidades pela própria dinâmica social, será fundamental considerar o direito público como aquele 
repertório mínimo de disposições e instrumentos referentes ao governo representativo, permanecendo uma 
grande parcela do direito público regida por convenção (usos e costumes que permeiam a prática do sistema 
político, procedimentos que limitam a universalização da participação popular, formalismo cada vez mais 
exacerbado dos processos e organizações estatais)[51]. O direito privado, por seu turno, radicaliza a 
emancipação do indivíduo, fruto da Modernidade. O elemento central é o contrato, e são pressupostas as 
potencialidades e capacidades de todo e qualquer indivíduo de firmar pactos, ser proprietário de bens e ser 
regido por um sistema universal de leis gerais e abstratas[52]. Não se materializa, ainda, um direito 
administrativo independente, na acepção que seria adquirida no final do século XIX. Prevalecia, na doutrina 
do Estado Liberal, a teoria da irresponsabilidade do Estado[53]. 
 Ocorre, porém, que a modificação social que culminou com as Revoluções Francesa e Americana 
não representou apenas uma radical transformação no sistema político: a laicização da sociedade propiciou, 
junto com a ascensão econômica da burguesia, o nascimento de uma esfera pública independente, ancorada 
numa maior liberdade de imprensa, na reorganização do planejamento urbano de várias cidades importantes 
no século XVIII e na crescente possibilidade de criação de novas esferas públicas de deliberação (como os 
salões, os cafés e demais lugares de sociabilidade da cidade moderna)[54]. E esse aumento potencial nos 
canais de comunicação da sociedade não é (ao menos inteiramente) controlável pelo Estado ou por certas 
camadas da população. 
 Surgem, portanto, a partir da segunda metade do século XIX, manifestações de conflito e revolta 
por parte de setores atingidos pela crescente desigualdade material na distribuição de poder e riqueza. Esse 
processo é acelerado pela Revolução Industrial inglesa, que altera substancialmente o sistema econômico e 
explicita determinadas dificuldades de acesso – de enorme parcela da população – a bens de consumo e 
participação política. São bastante conhecidos os fatores de passagem que marcam a ruptura do paradigma 
liberal: a eclosão de movimentos revolucionários na Europa (a partir, principalmente, de 1848), o 
surgimento e crescimento de doutrinas de feição socialista ou anarquista (que tinham como ponto comum 
a forte rejeição ao Estado Liberal então vigente) e a organização de setores da sociedade em novos grupos 
de pressão (sujeitos coletivos de direito, como associações ou sindicatos profissionais). É desse período que 
datam as primeiras manifestações, já no campo da teoria da constituição, acerca do estrito formalismo em 
que vinha incorrendo o Estado Liberal. Recorde-se, quanto a esse ponto, o discurso de Lassalle em Berlim 
(1863), em que qualifica as constituições liberais como meras “folhas de papel”[55]. 
 Diante da pressão para modificações na estrutura da sociedade, duas alternativas principais se 
apresentaram: reforma ou revolução[56]. Prevaleceu, como se sabe, na Europa Ocidental, a via reformista. 
A reação do Estado às revoltas e conflitos sociais deu-se mediante uma mudança de paradigma: o 
surgimento do Estado Social[57]. Passam a integrar o rol das constituições escritas, além do núcleo 
essencial das cartas liberais, novos direitos (contemplando a atividade do homem como trabalhador, como 
ator social numa rede de relações econômicas) e novas formas de exercício (reconhecimento dos sujeitos 
coletivos de direito, novas competências estatais)[58]. 
A tônica do Estado Social é a idéia de compensação devida a uma grande camada de indivíduos 
diante da concentração de riqueza e poder em alguns setores da sociedade[59]. E pertencerá ao Estado a 
tarefa de prover essas compensações. Disso decorre o enorme crescimento dos órgãos e competências do 
Estado, que assume funções técnicas de aprimoramento da compensação e inclusão de setores da sociedade 
numa determinada rede de proteção. Naturalmente, quem propiciará essa rede é o próprio Estado. Novas 
demandas de compensação e inclusão não cessam de surgir, assim como novas organizações com funções 
técnicas cada vez mais especializadas no interior do Estado. É uma estrutura circular[60]. 
É possível antever, nessa perspectiva, a modificação que será notada na relação entre público e 
privado. Haverá, no paradigma do Estado Social, a hipertrofia do público, que passa a ser identificado ao 
Estado. Na verdade, o público esgota-se no Estado, um aparato administrativo-técnico dotado de inúmeras 
atribuições e com extensas ramificações em vários setores da sociedade. Ganha enorme força, nesse 
contexto, a tradicional concepção de cidadania como pertinência ao Estado[61]. O sistema político procura 
qualificar-se como centro da sociedade. Invertendo-se a polaridade verificada na práxis do Estado Liberal, 
a dimensão privada será vista com desconfiança no Estado Social, identificada com o egoísmo, com a 
própria negativa do exercício da vida pública (repita-se: aqui inteiramente associada ao Estado). 
Altera-se, de igual modo, a distinção existente entre direito público e direito privado. Com a 
premissa de materialização de direitos – reação ao exacerbado formalismo do paradigma liberal[62] – e a 
conseqüente transferência para o Estado das novas funções de inclusão e compensação, a delimitação entre 
direito público e privado deixa de ser ontológica para assumir uma mera feição didático-pedagógica. A 
rigor, todo direito é público no Estado Social[63]. Mantendo-se a dicotomia para fins didáticos, convém 
mencionar o advento de novas formas de juridicidade e a revisão dos fundamentos das disciplinas 
tradicionais. Verifica-se a tendência, em ambas as hipóteses, de confundir os domínios – anteriormente bem 
delimitados – do direito público e do direito privado[64]. O direito administrativo, como disciplina 
autônoma da teoria e da dogmática jurídicas, aparece no contexto do Estado Social. O célebre caso Blanco, 
ocorrido em Bordeaux no ano de 1873[65], inaugura a discussão em torno da responsabilidade estatal e 
reflete a amplificação do campo de atuação estatal no paradigma do Estado Social. 
A chamada crise do Estado Social é ainda um tema central na teoria política contemporânea. Deve-
se atentar, porém, para o fato de que suas dimensões, fatores e desdobramentos são muito mais profundos 
do que uma primeira análise pode perceber. Como é notório, houve a conscientização, ao longo da década 
de 1970, do crescimento do endividamento do setor público em várias economias do Ocidente, como 
decorrência do enorme volume de gastos ocasionado pelas múltiplas funções da máquina burocrático-
estatal. A esse contexto somou-se a crise do petróleo, desencadeada a partir do início dos anos setenta. 
Verificou-se, pois, a limitação das propostas do Estado Social. 
Entretanto, é fundamental assinalarque a crise do Estado Social não é exclusivamente fiscal ou 
administrativa[66]. Ela é, antes de tudo, uma crise de déficit de cidadania e de democracia. 
A crise de cidadania decorre da carência, gradativamente percebida, de participação efetiva do 
público nos processos de deliberação da sociedade política. A identificação do público com o estatal acabou 
por limitar a participação política ao voto. A isso se aduziu uma estrutura burocrática centralizada e 
distanciada da dinâmica vital da sociedade[67]. A associação entre público e estatal acarretou a construção 
de uma relação entre indivíduo e Estado que pode ser equiparada à relação travada entre uma instituição 
prestadora de serviços (e bens) e seus clientes. Como é sabido ao menos desde o início do século XX, o 
distanciamento, a impessoalidade e a hierarquização são atributos básicos do “tipo puro” de dominação que 
se consolidou no Ocidente desencantado[68]. 
A crise de democracia pode ser explicada, entre vários outros fatores, pela centralidade da presença 
da política na sociedade. O Estado Social passou, como exaustivamente descrito, a atrair para si a tarefa de 
prover compensação e inclusão. Isso impulsionou a amplificação de suas ramificações e órgãos 
especializados. O problema dessa concepção é que ela vai de encontro a uma das aquisições evolutivas 
fundamentais da Modernidade (já citada acima): a diferenciação funcional. Numa sociedade diferenciada 
por especialização de funções, não há o domínio de uma parcela da sociedade sobre a outra. A sociedade 
moderna é uma sociedade sem centro e sem vértice[69]. Seus domínios funcionais operam de modo 
independente, com códigos próprios: os sistemas são, entre si, sistema e ambiente. Quanto maior a 
diferenciação funcional, mais alto o grau de complexidade e maior o âmbito da comunicação social que o 
sistema pode suportar. Assim, numa sociedade centrada na política (que tem a função de produzir decisões 
coletivamente vinculantes), temas da comunicação social funcionalmente especializados como economia e 
educação passam a ter sua deliberação voltada para a política, o que pode acarretar um contexto de des-
diferenciação, ou seja, de predomínio de um dos sistemas sociais sobre os demais[70]. 
É com a crise do Estado Social que se viabiliza a construção – ainda em pleno andamento – de um 
novo paradigma: o Estado Democrático de Direito[71]. Ele decorre da constatação da crise do Estado 
Social e da emergência – a partir da complexidade das relações sociais – de novas manifestações de direitos. 
Desde manifestações ligadas à tutela do meio ambiente, até reivindicações de setores antes ausentes do 
processo de debate interno (minorias raciais, grupos ligados por vínculos de gênero ou orientação sexual), 
passando ainda pela crescente preocupação com lesões a direitos cuja titularidade é de difícil determinação 
(os chamados interesses difusos), setores das sociedades ocidentais, a partir do pós-guerra e especialmente 
da década de 1960, passam a questionar o papel e a racionalidade do Estado-interventor[72]. 
A ênfase conferida ao paradigma emergente concentra-se na idéia de cidadania, compreendida em 
sentido procedimental, de participação ativa[73]. Como seria de se esperar na mudança paradigmática, os 
direitos consagrados nos modelos anteriores de constitucionalismo são redimensionados[74]. Verificam-
se, no interior da sociedade, novas formas de associação: organizações não-governamentais, sociedades 
civis de interesse público, redes de serviços não-verticalizadas. 
A relação público-privado passa por nova transformação. Analisando-se retrospectivamente essa 
dicotomia nos dois paradigmas anteriores, percebe-se que, não obstante a oscilação de orientação entre 
público e privado (no Estado Liberal, o privado superdimensionado e o público reduzido a suas funções 
mínimas, e no Estado Social, uma inversão dos pólos), há uma linha de continuidade entre os dois modelos 
de constitucionalismo: ambos tendem a diluir o público no estatal[75]. Ocorre, porém, que, com a 
emergência dos movimentos sociais mencionados, não há mais como identificar o público com o Estado. 
Na verdade, as manifestações que surgem de forma difusa em setores da sociedade – relacionadas aos 
chamados “direitos de terceira geração” – veiculam reivindicações de direitos que não podem ser atendidos 
(mediante compensação) pelo Estado, que é, em grande parte das situações, responsável (por ação ou 
omissão no dever fiscalizador) pelos danos que ocasionam as próprias reivindicações (os exemplos mais 
evidentes concentram-se nas demandas relativas à tutela do meio ambiente, ao direito do consumidor, à 
defesa do patrimônio histórico, artístico, cultural e paisagístico e à atenção a pessoas portadoras de 
necessidades especiais). 
De outra parte, a esfera privada aparece revalorizada[76]. Tanto é assim que a proposta discursiva 
de Habermas procurará, na formulação teórica do Estado Democrático de Direito, resgatar as pretensões de 
autodeterminação, autonomia e liberdade, que estão na base de sua teoria do agir comunicativo e de sua 
proposta de releitura da racionalidade construída no Ocidente[77]. E, evidentemente, a efetividade dessas 
premissas depende da existência de uma esfera privada independente do poder administrativo[78]. 
Observa-se, pois, que as esferas do público e privado, tratadas, tanto no paradigma do Estado 
Liberal quanto no do Estado Social como opostas[79] (modificando-se apenas a direção da “seta 
valorativa”), passam, num cenário de construção do paradigma do Estado Democrático de Direito, a ser 
vistas como complementares, eqüiprimordiais. E é essa mesma relação de eqüiprimordialidade que norteará 
a redefinição da dicotomia direito público-direito privado. Numa sociedade complexa, algumas 
distinções conceituais tornam-se fluidas e variáveis. O direito privado passa a ter espaços – antes 
inteiramente preservados de qualquer disposição de ordem normativa – regulamentados em lei. Isso se torna 
visível especialmente no direito de família. E, da mesma forma, algumas das disciplinas antes classificadas 
como de direito público passam a assumir uma feição cada vez mais aberta à possibilidade de argumentação, 
à inserção de elementos ligados à iniciativa individual. Um exemplo ilustrativo são as normas que autorizam 
transação penal ou suspensão da punibilidade em face da admissão da prática do ilícito. 
Essa modificação de enfoque se reflete com especial relevo no direito administrativo. A 
redefinição do Estado não se reporta apenas ao tamanho de seu aparato; ela também pressupõe o 
questionamento do forte apelo hierárquico e verticalizante que norteia várias noções de direito 
administrativo desde sua sistematização doutrinária. Figuras jurídicas clássicas como a de 
“discricionariedade da Administração” ou a de “ato de império” passam a ser observadas, sob o ponto de 
vista de uma crítica “radicalmente” democrática, como esferas de atuação do poder administrativo que 
atuaram, por grande período de tempo, isentas de qualquer controle ou discussão por parte da sociedade, o 
que pode ser interpretado como decorrência da submissão do público ao estatal. 
Vive-se imerso na intensa dinâmica do tempo histórico presente. A emancipação de uma esfera 
pública independente dos comandos estatais e que viabilize a redefinição da relação entre a dimensão 
privada da existência e o aspecto público da organização social constitui o maior desafio a ser enfrentado 
por sociedades que se pretendam democráticas. A sobrevivência e a renovação do constitucionalismo, como 
construção social típica do mundo moderno, dependem, em grande parte, dessa relação complementar. E o 
direito administrativo, como ramo do conhecimento jurídico aptoa propiciar, em seu campo de 
abrangência, a mediação entre esses pólos, reveste-se de uma importância imensurável. 
Trata-se, enfim, de repensar o Estado, o direito, a constituição, a sociedade. Com os olhos voltados 
para a experiência presente. Encontra maior sentido e impacto, nesse momento, a exortação de Drummond: 
“O presente é tão grande, não nos afastemos. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens 
presentes, a vida presente”[80]. 
 
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[1] O autor registra seus agradecimentos a Menelick de Carvalho Netto, Alexandre Bernardino Costa, Paulo 
Sávio Peixoto Maia e Renato Bigliassi, que tiveram acesso ao manuscrito e contribuíram com valiosas 
sugestões para a versão final deste artigo. 
[2] Quando a história surge como disciplina acadêmica autônoma, no século XIX, ela adota e se inspira em 
procedimentos de argumentação e pesquisa já utilizados por juristas. Para uma melhor definição desses 
interessantes contatos entre a história e outros campos do conhecimento, cf. BANN, Stephen. As invenções 
da história – ensaios sobre a representação do passado. São Paulo: Unesp, 1994 (trad. de Flávia Villas-
Bôas), pp. 27-50. 
[3] Revela-se adequada, nesse contexto, a recomendação de Anthony Giddens: “Devemos ser cuidadosos 
com o modo de entender a historicidade. Ela pode ser definida como o uso do passado para ajudar a moldar 
o presente, mas não depende de um respeito pelo passado. Pelo contrário, historicidade significa o 
conhecimento sobre o passado como um meio de romper com ele – ou, ao menos, manter apenas o que 
pode ser justificado de uma maneira proba”. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991 
(trad. de Raul Fiker), p. 56. 
[4] Bloch narra um diálogo que manteve com Henri Pirenne, um dos “pais” da nova história. Quando ambos 
percorriam a cidade de Estocolmo, surgiu a dúvida: o que visitar primeiro? Construções novas ou partes 
históricas da cidade? Para surpresa de Bloch, Pirenne decidiu ir em primeiro lugar às edificações novas da 
cidade, e justificou sua resolução com a seguinte frase: “Se eu fosse um antiquário, preferiria ver as coisas 
velhas. Mas sou um historiador e por isso amo a vida”. Episódio narrado em BLOCH, Marc. Introducción 
a la historia. 1ª ed., 17ª reimpressão. México: Fondo de Cultura Económica, 1992, p. 38. 
[5] VEYNE, Paul. Como se escreve a história. 3ª ed. Brasília: EdUnB, 1995 (trad. de Alda Baltar e Maria 
Auxiliadora Kineipp), p. 11. 
[6] Adota-se, nesta parte da exposição, a delimitação proposta por Moses Finley para os vários estágios da 
experiência grega na Antigüidade: um período arcaico, que vai até 500 a.C., compreendendo a civilização 
cretense, a civilização micênica e os tempos homéricos, o período clássico (estabelecido entre o ano de 500 
a.C. e a morte de Alexandre, ocorrida em 323 a.C.) e período helenístico, ao qual se seguiu a dominação 
romana. Cf. FINLEY, Moses. “Introdução”. In: FINLEY (org.). O legado da Grécia: uma nova avaliação. 
Brasília: EdUnB, 1998 (trad. de Yvette V. Pinto de Almeida), p. 8. 
[7] Cf., para um melhor esclarecimento da inter-relação entre política, governo e religião na Mesopotâmia 
e Egito, ARAUJO PINTO, Cristiano Paixão. “Direito e sociedade no Oriente Antigo: Mesopotâmia e 
Egito”. In: WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Fundamentos de história do direito. 2ª ed., 2ª reimp. Belo 
Horizonte: Del Rey, 2002. 
[8] Cf. FINLEY, M. “Política”. In: FINLEY (org.). O legado da Grécia: uma nova avaliação, pp. 31-47. 
[9] Cf., para uma conhecida e criteriosa reconstrução da teoria, BOBBIO, Norberto. A teoria das formas 
de Governo. 6ª ed. Brasília: EdUnB, 1992 (trad. de Sérgio Bath). 
[10] Para uma criteriosa descrição do processo que conduziu à instalação e consolidação da democracia em 
Atenas, cf. MOSSÉ, Claude. Atenas – a história de uma democracia. 3ª ed. Brasília: EdUnB, 1997 (trad. 
de João Batista da Costa). Para demarcação de aspectos diferenciais em relação às concepções de 
democracia em diferentes épocas históricas, ver FINLEY, Moses. Democracia antiga e moderna. Rio de 
Janeiro: Graal, 1988(trad. de Waldéa Barcellos e Sandra Bedran). E, para uma inovadora análise da relação 
entre a prática e a teoria da democracia ateniense, cf. LORAUX, Nicole. Invenção de Atenas. Rio de 
Janeiro: Editora 34, 1994 (trad. de Lilian Valle). 
[11] Observadas, é claro, as inúmeras e relevantes particularidades históricas. O princípio estruturante da 
diferenciação por estratos consiste na desigualdade de distribuição de poder e riqueza entre os membros do 
grupo social. Cf. a clássica descrição de Niklas LUHMANN. Sociologia do direito (I). Rio de Janeiro: 
Tempo Brasileiro, 1983 (trad. de Gustavo Bayer) e a descrição das formas de diferenciação apresentada em 
ARAUJO PINTO, Cristiano Paixão. Modernidade, tempo e direito, pp. 161-197. 
[12] Adota-se, nesta parte, a clássica descrição empreendida por Hannah ARENDT. A condição humana. 
8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997 (trad. de Roberto Raposo), pp. 31-88. É fundamental, 
entretanto, ressaltar que a narrativa de Hannah Arendt não pode ser compreendida como um simples relato 
histórico da vida política e social em Atenas. Há sérias e ponderáveis restrições, por parte de historiadores 
e filósofos voltados à Antigüidade clássica, acerca da excessiva categorização e divisão concedidas ao 
público e ao privado por Hannah Arendt (divisão essa que é, em certa medida, carente de fontes históricas). 
O que viabiliza sua inclusão numa reconstrução histórico-teorética da distinção público/privado é, em 
primeiro lugar, o enorme alcance e influência da reflexão arendtiana ao longo do século XX e, em segundo 
lugar, a originalidade da bipartição entre as duas esferas da experiência social. Nesse contexto, as 
proposições de Arendt devem ser percebidas como “tipos-ideais”, quadros de referência aptos a demonstrar, 
antes de tudo, a preocupação (atual, portanto profundamente histórica) da teoria política ocidental em 
demarcar, com significante poder persuasivo, as dimensões do público e do privado. Para duas abordagens 
rigorosas da experiência política e econômica em Atenas, ver VEYNE, Paul. “Os gregos conheceram a 
democracia?”. In: Diógenes – Revista Internacional de Ciências Sociais. Nº 6. Brasília: EdUnB, 1984 
(trad. de Ana Maria Falcão) e CRESPO, Ricardo F. “La noción aristotélica de Oikonomiké”. In: Hýpnos. 
Nº 4. São Paulo: Editora da PUC-SP/Palas Atena, 1996-1998, pp. 139-148. 
[13] Recorde-se que, por questões ligadas às condições do solo (de baixa fertilidade e em grande parte 
dominada por rochas), a ameaça de fome foi uma constante em toda a experiência grega na Antigüidade, 
assim como foi baixa a expectativa de vida, inclusive para os padrões da época. Cf., para esses aspectos, 
FINLEY, Moses. “Introdução”, pp. 22-23 e LOPES, José Reinaldo Lima. O direito na história – lições 
introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000, pp. 33-34. 
[14] Órgãos encarregados, no período democrático, de resolver questões alusivas a política externa, 
julgamentos em determinados crimes e demais assuntos políticos. Eram compostos por cidadãos, por 
determinados lapsos de tempo, com direito a votação igualitária e com pagamento por comparecimento à 
sessão (mistoforia), como forma de evitar a concentração das deliberações por parte de famílias com maior 
poder aquisitivo. Para uma detalhada descrição dos procedimentos e composição desses órgãos 
assembleares, cf. MOSSÉ, Claude. O processo de Sócrates. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990 (trad. de 
Arnaldo Marques) e SOUZA, Raquel de. “O direito grego antigo”. In: WOLKMER, Antônio Carlos (org.). 
Fundamentos de história do direito. 2ª ed, 2ª reimp. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. 
[15] A seguinte passagem de Hannah Arendt parece sintetizar a linha de pensamento até aqui descrita: “O 
que todos os filósofos gregos tinham como certo, por mais que se opusessem à vida na polis, é que a 
liberdade situa-se exclusivamente na esfera política; que a necessidade é primordialmente um fenômeno 
pré-político, característico da organização do lar privado”. A condição humana, p. 40. 
[16] Mesmo alguns estrangeiros que colaboraram na restauração da democracia, após o turbulento período 
de governo dos trinta tiranos, não foram beneficiados com a concessão da cidadania ateniense. Cf. MOSSÉ, 
Claude. O processo de Sócrates, p. 45. 
[17] O desenvolvimento das estruturas políticas em Roma, como poder-se-á observar nas linhas que se 
seguem, não contemplou o regime democrático nos moldes atenienses, e o modelo moderno de democracia, 
forjado após a luta contra o Absolutismo, consagra a representação política, conceito inteiramente estranho 
à prática democrática em Atenas. 
[18] Ver, a esse respeito, ROULAND, Norbert. Roma, democracia impossível? – os agentes do poder 
na urbe romana. Brasília: UnB, 1997 (trad. de Ivo Martinazzo) e GORDON, Scott. Controlling the State 
– constitutionalism from ancient Athens to today. Cambridge, MA and London: Harvard University 
Press, 2002, pp. 86-115. 
[19] FINLEY, Moses. “Introdução”, pp. 13-14. 
[20] Para uma interessante descrição desse processo dúplice de conquista, cf. ANDERSON, Perry. 
Passagens da Antigüidade ao feudalismo. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1995 (trad. de Beatriz Sidou), 
pp. 55-64. 
[21] Cf., nesta matéria, a clássica e vigorosa descrição de GIBBON, Edward. Declínio e queda do Império 
Romano. Ed. abrev. São Paulo: Companhia das Letras, 1989 (trad. de José Paulo Paes). Para abordagens 
da segunda metade do século XX, voltadas a aspectos econômicos, cf. FINLEY, Moses. Aspectos da 
Antigüidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991, esp. pp. 177-186 e ANDERSON, Perry. Passagens da 
Antigüidade ao feudalismo, pp. 64-99. 
[22] Ver, a esse respeito, TARNAS, Richard. The passion of the western mind – understanding the 
ideas that have shaped our World View. London: Pimlico, 2000, pp. 87-93 e 98-119 e SCHMITT, Carl. 
Catolicismo romano e forma política. Belo Horizonte: Manuscrito inédito, 1998 (trad. de Menelick de 
Carvalho Netto). 
[23] Entende-se adequado, para o exercício de datação interna da era histórica que se convencionou chamar 
Idade Média, o critério adotado por Hilário Franco Júnior, que divide o horizonte temporal da Idade Média 
em quatro grandes períodos: (i) a Primeira Idade Média (início do século IV a meados do século VIII), 
marcada pela lenta transição do mundo antigo para a sociedade medieval; (ii) a Alta Idade Média (meados 
do século VIII ao século X), época do Império Carolíngio e sua aliança com a Cristandade, mas já 
caracterizada por fortes tendências descentralizantes e centrífugas; (iii) a Idade Média Central (séculos XI 
a XIII), período em que se consolida a formação social usualmente denominada “feudalismo”, em que há 
fragmentação do poder político na Europa ocidental e as economias se voltam para o interior de cada 
domínio senhorial, com relações próprias de vassalagem. É ainda nesse período de Idade Média Central 
que se opera o “Renascimento da Idade Média”, típico dos séculos XII e XIII, marcado pelo ressurgir das 
cidades, revitalização do comércio e da moeda e surgimento das universidades. Assim, pode-se dizer que 
no subperíodo intitulado Idade Média Central estão compreendidos tanto o feudalismo como o 
renascimento urbano e comercial; (iv) há, por fim, a Baixa Idade Média (situada entre o século XIV e 
meados do século XV), tempo de declínio da civilização medieval com a crise econômica global e o 
decréscimo populacional ocorridos no século XIV. FRANCO JR., Hilário. A Idade Média – nascimento 
do Ocidente. 1ª ed., 6ª reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 1999, pp. 11-15. 
[24] É fundamental observar, nesse contexto, que durante toda a Antigüidade o homem esteve envolto por 
uma cosmovisão, uma explicação abrangente acerca de sua presença no mundo, que pressupunha uma dadaidéia de natureza e de cosmos e que possuía fundo religioso e gnoseológico. Essa orientação pode ser 
encontrada na grande parte das correntes filosóficas gregas, desde os pré-socráticos até os filósofos 
clássicos, estóicos e neoplatônicos. Autores dessas últimas duas escolas mantiveram contato com o mundo 
romano e transplantaram para o novo ambiente a cosmovisão forjada na Grécia Antiga. Cícero é um autor 
representativo dessa comunicação, pois foi o responsável pela tradução do grande sistema de educação e 
formação do homem grego, a Paideia, transformada na Humanitas latina. Sua obra está repleta de 
influências de filósofos gregos. Ver TARNAS, Richard. The passion of the western mind, pp. 73-88. Ver, 
quanto à repercussão dessa concepção na filosofia do direito da Antigüidade, FRIEDRICH, Carl. 
Perspectiva histórica da filosofia do direito, pp. 43-51. 
[25] DUBY, Georges. As três ordens ou o imaginário do feudalismo. 2ª ed. Lisboa: Estampa, 1994 (trad. 
de Maria Helena Costa Dias). 
[26] Cf. LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente medieval (II). 2ª ed. Lisboa: Estampa, 1995 (trad. 
de Manuel Ruas), pp. 9-10. 
[27] LE GOFF, Jacques. “O ritual simbólico de vassalagem”. In: Para um novo conceito de Idade Média: 
tempo, trabalho e cultura no Ocidente. Lisboa: Estampa, 1993 (trad. de Maria Helena da Costa Dias), 
pp. 325-385. Para uma descrição, com fontes da época, de um contrato feudo-vassálico, e sua importância 
no direito medieval, cf. GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Fundação Calouste 
Gulbenkian, 1995 (trad. de A.M. Botelho Hespanha e I.M. Macaísta Malheiros), p. 193. 
[28] Cf., para uma primeira análise dos fatores e desdobramentos dessas importantes modificações 
históricas: BRONOWSKY, J. e MAZLISCH, B. A tradição intelectual do Ocidente. Lisboa: Edições 70, 
1988 (trad. de Joaquim João Braga Coelho Rosa). 
[29] Para uma visão geral, cf. FRIEDRICH, Carl. Perspectiva histórica da filosofia do direito, pp. 74-
127 e KAUFMANN, Arthur. “Teoría de la justicia. Un ensayo histórico-problemático”. In: Anales de la 
cátedra Francisco Suárez. Nº 25. Granada: Universidad de Granada, 1985. 
[30] Ver, para uma excelente descrição desses conflitos na cena política inglesa, bem como sua repercussão 
no desenvolvimento do common law, NÉBIAS BARRETO, Herman. A petition of right e o rule of law. 
Belo Horizonte, 2001. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas 
Gerais (inédito). 
[31] Momento em que são elaborados alguns dos mais importantes documentos do pré-constitucionalismo 
inglês: o Bill of Rights (1689), o Toleration Act (1689) e o Act of Settlement (1701). Um interessante 
desdobramento da modificação da cena política inglesa no século XVII é o fato de que naquela comunidade 
política, de modo contrário ao ocorrido na Europa Continental e nos Estados Unidos da América (como 
será visto no próximo tópico deste ensaio), não houve a promulgação de uma constituição escrita e 
rígida. Com a persistência, na Modernidade, da idéia de supremacia do Parlamento, não se estabeleceu um 
“momento constitucional” na Inglaterra, país que propiciou grande parte da experiência pré-constitucional 
no Ocidente. Para uma interessante abordagem da influência dos eventos do século XVII na Inglaterra na 
doutrina e prática do constitucionalismo moderno, cf., entre vários, GORDON, Scott. Controlling the 
State – constitutionalism from ancient Athens to today, especialmente pp. 287-294 e CAPPELLETTI, 
Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. Porto Alegre: 
Sergio Fabris, 1984 (trad. de Aroldo Plínio Gonçalves), pp. 57-63. 
[32] Cf., a esse respeito, BRIGGS, Asa. A social history of England, pp. 3ª ed. London: Penguin, 1999, 
pp. 143-173, RUSSELL, Conrad. The causes of the english civil war – the Ford lectures delivered in 
the University of Oxford (1987-1988). Oxford: Oxford University Press, 1990 e ASHLEY, Maurice. The 
english civil war. Gloucestershire: Sutton Publishing, 2001. 
[33] Constitución – de la Antigüedad a nuestros días. Madrid: Trotta, 2001 (trad. de Manuel Martínez 
Neira), p. 56. 
[34] Idem, ibidem. 
[35] Cf., em relação à gênese, conteúdo e repercussão da Magna Carta, entre muitos: HOLT, J.C. Magna 
Carta. 2ª ed. Cambridge: Press of the Syndicate of the University of Cambridge, 1994. 
[36] Cf. GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. pp. 423-424 e CAENEGEM, Raoul van. Uma 
introdução histórica ao direito privado. São Paulo: Martins Fontes, 1995 (trad. de Carlos Eduardo 
Machado), pp. 88-91. 
[37] Constitución – de la Antigüedad a nuestros días, p. 134. Para um aprofundamento da crítica, ver 
HEGEL, Georg Friedrich. Princípios da filosofia do direito. 4ª ed. Lisboa: Guimarães Editores, 1990 
(trad. de Orlando Vitorino), pp. 224-232. 
[38] Na feliz síntese de Menelick de Carvalho Netto: “O Direito e a organização política pré-modernos 
encontravam tradução, em última análise, em um amálgama normativo indiferenciado de religião, direito, 
moral, tradição e costumes transcendentalmente justificados e que essencialmente não se discerniam. O 
Direito é visto como a coisa devida a alguém, em razão de seu local de nascimento na hierarquia social tida 
como absoluta e divinizada nas sociedades de castas”. “A hermenêutica constitucional sob o paradigma do 
Estado Democrático de Direito”. In: Notícia do direito brasileiro. Nova série. Nº 6. Brasília: Faculdade 
de Direito da UnB, 2/1998, pp. 237-238. 
[39] Crise exemplificada na reflexão teórica de Thomas Hobbes. Uma de suas principais obras, o Leviathan, 
foi escrita em 1651, dois anos após a execução de Carlos I. Cf. GORDON, Scott. Controlling the State – 
constitutionalism from ancient Athens to today, pp. 24-28. 
[40] Para uma cartografia das modificações na semântica do tempo histórico na Modernidade, e suas inter-
relações com o sistema do direito, cf. ARAUJO PINTO, Cristiano Paixão. Modernidade, tempo e direito, 
pp. 239-264. 
[41] Para uma acurada descrição do processo de diferenciação, a referência fundamental é: LUHMANN, 
Niklas. The differentiation of society. New York: Columbia University Press, 1982 (trad. de Stephen 
Holmes e Charles Larmore). Podem ser consultadas, com proveito, as seguintes obras de Niklas 
LUHMANN: Sociologia do direito (I e II). Teoria politica nello Stato del benessere. 2ª ed. Milano: 
FrancoAngeli, 1987 (trad. de Raffaella Sutter). La differenziazione del diritto. Bologna: Il Mulino, 1990 
(trad. de Raffaele De Giorgi e Michele Silbernagl). Osservazioni sul moderno Roma: Armando Editore, 
1995 (trad. de Francesco Pistolato). Ver também: NAVAS, Alejandro. La teoria sociológica de Niklas 
Luhmann. Pamplona: Ed. Univ. de Navarra, 1989 e ARAUJO PINTO, Cristiano Paixão. Modernidade, 
tempo e direito, pp. 161-237. 
[42] “Modern constitutionalism as interplay between identity and diversity”. In: ROSENFELD, M. (ed.) 
Constitutionalism, identity, difference, and legitimacy – theoretical perspectives. Durham, NC and 
London: Duke University Press, 1998, p. 3. 
[43] Ainda segundo o pensamento de Rosenfeld, há adesão ao Estado de Direito quando, numa determinada 
organização política, (1) os cidadãos estejam sujeitos apenas a leis publicamente promulgadas, (2) a função 
legislativa seja minimamente separada da função judicial e (3) ninguém esteja acima da lei. “The rule of 
law, and the legitimacy of constitutional democracy”. Working Paper Series. Nº 36. New York: Cardozo 
Law School, março de 2001, p. 2. 
[44] As conhecidas exceções à regra são a Grã-Bretanha, a Nova Zelândia e Israel, que não adotam 
constituição escrita. Vale ponderar, contudo, a existência de importante movimento político na Grã-
Bretanha para adoção de uma carta constitucional no sentido formal. É

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