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ILUMINISMO E DIREITO PENAL - ARNO DAL RI

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Iluminismo 
e 
Direito Penal
Arno Dal Ri Júnior
Alexandre Ribas de Paulo
Alexander de Castro
Ricardo Sontag
Florianópolis
2 0 0 9
Iluminismo e Direito Penal
© Fundaçao José Arthur Boiteux
EDITORA FUNDAÇÃO BOITEUX
Conselho Editorial Prof. Aires José Rover
 Prof. Arno Dal Ri Júnior
 Prof. Carlos Araujo Leonetti
 Prof. Orides Mezzaroba 
Secretária Executiva Thálita Cardoso de Moura
Capa, projeto gráfi co STUDIO S Diagramação & Arte Visual
e diagramação (48) 3025-3070 studios@studios.com.br
Imagem da Capa Detalhe de “L’Accademia dei pugni” (1766), Antonio Perego,
 óleo sobre tela (52 x 37 cm), 1766, coleção privada
Revisão Marco Beck
Impressão Nova Letra Gráfi ca e Editora
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 Site: www.funjab.ufsc.br
Catalogação na publicação por: Aline Cipriano Aquini CRB-14/961
Ficha Catalográfi ca
D15r Dal Ri Júnior, Arno. 
 Iluminismo e direito penal/ Arno Dal Ri Júnior... [et al.]. – Florianó-
 polis: Fundação Boiteux, 2009.
 208 p. 
 
 Inclui bibliografi a
 ISBN: 978-85-7840-013-2.
 1. Iluminismo – aspectos jurídicos. 2. Filosofi a moderna -Séc. XVIII. 
 4. Filosofi a do direito. Direito penal – fi losofi a. 2. Direitos fundamentais. 
 I. Paulo, Alexandre Ribas de II. Castro Alexander de. III. Sontag, Ricardo. 
 IV. Título. 
CDDir. 340
Sumário
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 9
CAPÍTULO 1
Cesare Beccaria e o Direito Penal do absolutismo esclarecido:
O reformismo habsbúrgico e o iluminismo na lombardia austríaca
Alexander de Castro
Introdução.............................................................................................. 15
1. Iluminismo e absolutismo no século XVIII .................................... 18
2. O Iluminismo milanês e o reformismo habsbúrgico na 
Lombardia .......................................................................................... 27
3. O Legislador e o absolutismo esclarecido de Helvétius a 
Beccaria ............................................................................................... 37
4. O utilitarismo em Dei delitti e delle pene: o rei-legislador e a 
efi cácia do direito penal .................................................................... 55
Conclusão .............................................................................................. 62
Referências bibliográfi cas .................................................................. 63
CAPÍTULO 2
Lei penal e exemplaridade econômica: A execução das penas 
como extensão dos enunciados legislativos em Jeremy Bentham
Ricardo Sontag
Introdução: O problema penal em Jeremy Bentham ...................... 69
1. O soberano, a ordem e o direito penal ........................................... 76
2. A dupla face da lei penal .................................................................. 78
3. Exemplaridade econômica ............................................................... 83
4. A prisão como pena .......................................................................... 95
Considerações fi nais: declinações benthaminianas do 
iluminismo penal ................................................................................ 105
Referências bibliográfi cas ................................................................ 110
CAPÍTULO 3
A construção do crime contra a autoridade do Estado 
no discurso iluminista
Arno Dal Ri Júnior
Introdução............................................................................................ 117
1. Contestações Iluministas: Montesquieu, Beccaria, Marat ......... 118
2. O Despotismo da Liberdade .......................................................... 136
Considerações fi nais .......................................................................... 148
Referências bibliográfi cas ................................................................ 149
CAPÍTULO 4
O discurso jurídico-penal iluminista no direito criminal 
do império brasileiro
Alexandre Ribas de Paulo
Introdução............................................................................................ 155
1. Matrizes discursivas do Direito Estatal Moderno ...................... 156
2. O surgimento do Iluminismo e o contexto político do 
século XVIII ...................................................................................... 160
3. Período Humanitário do Direito Penal e os postulados de 
Cesare Beccaria ................................................................................ 164
4. O direito penal no Brasil ................................................................. 174
4.1. O Direito Penal no Brasil Colônia .......................................... 174
4.2. A cultura jurídica brasileira e o Código Criminal do 
 Império ...................................................................................... 179
4.3. O Período Regencial e o Código de Processo Criminal do
 Império ....................................................................................... 191
Referências bibliográfi cas ................................................................ 202
Introdução 
A modernidade ocidental é, em muitos aspectos, tributária do discurso iluminista do século XVIII. O direito penal, longe de 
constituir qualquer exceção, esteve no centro do debate iluminista. 
Com a presente obra intentamos resgatar este importante capítulo da 
história das idéias fi losófi cas que tanto marcaram a cultura jurídica 
moderna. A importância do Iluminismo para a formação do direito 
penal moderno é sufi cientemente reconhecida em todos os manuais 
e tratados de direito penal escritos no Brasil. Tal reconhecimento, 
porém, nem sempre é acompanhado do aprofundamento histórico-
jurídico necessário para a compreensão tanto da centralidade do 
problema penal no século XVIII quanto para uma avaliação mais 
criteriosa das rupturas e continuidades existentes entre o Iluminismo 
jurídico-penal e os outros momentos, anteriores e posteriores, da 
cultura jurídico-penal ocidental. Desta maneira, ao contrário da busca 
pela origem tranqüilizadora que perpassa as introduções históricas 
de tantos livros didáticos de direito penal, o objetivo dos textos que 
compõem este livro é problematizar esta origem, bem como perceber 
as especifi cidades históricas de tal discurso. Para executar essa tarefa 
selecionamos alguns dentre os pontos da história do Iluminismo 
jurídico-penal que consideramos de especial interesse para o leitor 
brasileiro. Assim, começamos com Cesare Beccaria, passamos por seu 
“discípulo” Jeremy Bentham, pela questão dos crimes políticos entre 
o Iluminismo e a Revolução Francesa, chegando às reverberações do 
Iluminismo no direito penal brasileiro do princípio do século XIX.
O capítulo de abertura da obra, Cesare Beccaria e o direito penal 
do absolutismo esclarecido, trata do jurista e fi lósofo que mais profun-
damente marcou os debates da Ilustração sobre o tema do direito 
penal. Procurou-se analisar as relações de sua principal obra, Dos 
delitos e das penas, com a fi losofi a iluminista, por um lado, e com a 
formação do absolutismo esclarecido na Lombardia austríaca, por 
outro. Considerado o marco principal da fundação do direito penal 
ILUMINISMO E DIREITO PENAL
10 | Introdução
moderno, o livro foi escrito sob forte infl uência do Iluminismo fran-
cês, num contexto em que seu autor e todo o grupo de fi lósofos a que 
pertencia aproximava-se dos projetos reformistasda coroa da Áustria 
em seu domínio italiano. O tratamento da questão penal dado por 
Beccaria é estudado, assim, em conexão com a análise do projeto de 
reformas da dinastia habsbúrgica na Lombardia e do papel que, nesse 
processo, coube aos intelectuais iluministas e à própria fi losofi a do 
Iluminismo. Ao fi m procurou-se ressaltar os fundamentos teóricos de 
índole utilitarista que, infl uenciados pelo fi lósofo francês Helvétius, 
inspiraram a obra de Beccaria, tentando-se traçar ainda algumas 
conexões entre ela e as necessidades do reformismo austríaco.
Na seqüência, com o capítulo intitulado Lei penal e exempla-
ridade econômica, aborda-se as conhecidas concepções de pena de 
Jeremy Bentham a partir do cruzamento entre direito penal e teoria 
da legislação. A partir disso, a análise se concentra nas penas como 
extensões dos enunciados legislativos e revisa as relações entre as 
concepções de Bentham e a tradição penal iluminista. Tomando 
como porta de entrada a teoria da legislação foi possível relativi-
zar a excessiva vinculação da teoria da pena benthaminiana com 
as chamadas sociedades de vigilância do século XIX (tal como se de-
preenderia da obra de Foucault), pois a necessidade de enquadrar 
tanto o panopticon como os outros tipos de prisão no esquema da 
pena-representação denuncia uma vinculação maior de Bentham 
com a tradição jurídico-penal iluminista.
No capítulo A construção do crime contra a autoridade do Estado 
no discurso iluminista percorre-se o itinerário do tratamento dado 
aos crimes políticos dentro do discurso jurídico-penal iluminista. 
Iniciando com a análise da questão do crimen laesae maiestatis nas 
obras de Montesquieu, Beccaria e Marat, e fi nalizando com a análi-
se da formação do crime de lèse-république, procura-se demonstrar 
como Robespierre, Danton, Saint-Just e Couthon, bradando contra 
os inimigos da République, articularam uma espécie de transfi guração 
onde grande parte dos elementos que compunham o núcleo da noção 
de crimen laesae maiestatis migrou para os novos e modernos crimes 
contra a segurança do Estado. Procura-se demonstrar, assim, que, muito 
embora embasado pelas críticas feitas pelos autores do apogeu do 
Iluminismo jurídico-penal, o regime revolucionário foi guiado pelo 
Arno Dal Ri Júnior • Alexandre Ribas de Paulo • Alexander de Castro • Ricardo Sontag
Introdução | 11
espírito e os métodos de um feroz direito penal político que domi-
naria todo o conjunto da atividade repressiva, tornando difi cílimo 
demarcar com nitidez a linha que separava as ações estritamente 
jurídico-penais daquelas que diziam respeito aos delitos políticos.
Por fi m, com o capítulo intitulado O discurso jurídico-penal 
iluminista no direito criminal do Império brasileiro, tentou-se verifi car, 
de maneira sintética, alguns refl exos do saber iluminista na cultura 
jurídico-penal brasileira no tempo do Império. O texto inicia com o 
contexto histórico europeu do século XVIII, onde se dissemina o pen-
samento jurídico-político iluminista de Cesare Bonesana, o marquês 
de Beccaria, e chega ao contexto histórico, político e jurídico-penal 
brasileiro pré e pós-Independência, para que se possa compreender 
como foram sendo estruturadas as instituições burocráticas ofi ciais 
no Brasil. Procurou-se analisar a conjugação da reprodução do dis-
curso jurídico iluminista do século XVIII com práticas jurídico-penais 
marcadas pelo clientelismo, pela manutenção de privilégios às elites 
tradicionais e pela imposição de respeito às autoridades legalmente 
investidas pelo Poder soberano.
A obra que agora apresentamos é o resultado parcial de algu-
mas pesquisas individuais realizadas dentro do Grupo de Pesquisa em 
História da Cultura Jurídica (Ius Commune) da Universidade Federal 
de Santa Catarina, mais exatamente dentro do módulo sobre Ilumi-
nismo e Direito Penal. Coordenado pelo Prof. Dr. Arno Dal Ri Júnior, 
este grupo de pesquisas tem se esforçado para ajudar a desenvolver 
e consolidar o estudo da história do direito no Brasil, procurando 
travar um intenso debate com o que de melhor vem sendo produzido 
na Europa e América Latina, e buscando ainda abrir novas linhas de 
pesquisa e perspectivas de abordagem. As pesquisas do grupo têm 
sido conduzidas com base na idéia de que a história do direito deve 
agir como uma espécie de consciência crítica do jurista, não apenas fa-
zendo uma crítica externa ao direito, mas, sobretudo, desmitifi cando 
para ele próprio seu imaginário. Dessa maneira busca-se problema-
tizar as experiências jurídicas ocidentais como fenômenos culturais 
historicamente localizados, apartando-se tanto das abordagens que 
alçam a experiência jurídica a uma dimensão atemporal quanto das 
que a reduzem a refl exos automáticos das formações sociais.
ILUMINISMO E DIREITO PENAL
12 | Introdução
Em tal empreitada contamos com a colaboração de inúmeros 
outros pesquisadores de renomadas instituições nacionais e inter-
nacionais, aos quais devemos muitos agradecimentos. Dentre eles 
destacamos, na pessoa do Prof. Dr. Paolo Grossi, a Escola de Floren-
ça. Agradecemos ainda a todos os professores e alunos do Grupo 
de Pesquisas em História da Cultura Jurídica que de alguma maneira 
contribuíram para a realização desta obra.
Os autores
Junho de 2008
CAPÍTULO 1
Cesare Beccaria e o Direito Penal 
do absolutismo esclarecido:
O reformismo habsbúrgico e o 
iluminismo na lombardia austríaca
Alexander de Castro
Mestre em Direito pelo Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC (CPGD/UFSC). 
Pesquisador do Grupo de Pesquisas em História da Cultura Jurídica da UFSC.
Professor de Direito Penal da UFSC
INTRODUÇÃO
A obra Dei delitti e delle pene, de Cesare Beccaria, é geralmente lem-brada pelos especialistas em direito penal de todo o Ocidente 
como um dos marcos fundadores da modernidade de sua ciência. 
Produzida no âmbito da cultura iluminista, ela marcou a inserção, 
no saber jurídico-penal, dos princípios racionalistas que caracteriza-
vam a fi losofi a iluminista e que seriam os pilares para a construção 
de toda a arquitetura política moderna. A magnitude de tal feito 
transformou seu autor no iluminista italiano mais conhecido fora 
da Itália. A reconhecida importância de Beccaria para a história das 
idéias jurídicas contrasta, entretanto, com a carência de bibliografi a 
monográfi ca em língua portuguesa sobre ele, tanto no Brasil quanto 
em Portugal, e com a falta, durante longo tempo, de uma boa e fi el 
tradução para o vernáculo de sua principal obra.1
Cesare Beccaria escreveu Dei delitti e delle pene entre o fi nal de 
1763 e o princípio de 1764, publicando-a nos primeiros meses desse 
ano. Ele residia em Milão, centro da Lombardia, uma região que, 
desde a guerra da sucessão espanhola, fazia parte dos domínios da 
monarquia austríaca. O jovem marquês contava então apenas 26 
anos e fazia parte de um grupo de jovens intelectuais que lia entu-
siasticamente os autores do Iluminismo francês e que, escrevendo a 
partir de suas idéias, fi xaria defi nitivamente a fi losofi a iluminista na 
Lombardia austríaca. Ao mesmo tempo a coroa austríaca, em meio 
a seu projeto político autocrático, implementava em seus domínios 
1 Consultamos inúmeras traduções para o português feitas no Brasil e em Portugal, e todas 
apresentam problemas relevantes. As mais antigas, em especial, continham erros e dis-
torções consideráveis, como a curiosa tradução do nome Farinaccio (conforme o original) 
por Francisco, a fusão de capítulos, a supressão de palavras e a inexplicável mudança da 
ordem dos parágrafos (que em alguns casos afeta consideravelmente a estrutura da obra). 
Recomendamos, no entanto, a tradução feita por José Cretella Júnior e Agnes Cretella: 
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. rev. e atualiz. Trad. José Cretella Júnior e 
Agnes Cretella. São Paulo: Revistados Tribunais, 1997. Em Portugal, uma tradução menos 
equivocada é a de José de Faria Costa: BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. 
José de Faria Costa revista por Primola Vingiano. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1998.
CESARE BECCARIA E O DIREITO PENAL DO ABSOLUTISMO ESCLARECIDO...
16 | Capítulo 1
um potente programa de reformas que tendia à racionalização da 
administração e à maximização da efi ciência administrativa e que, 
na medida em que se chocava frontalmente com interesses nobiliár-
quicos, acabaria exercendo na Lombardia um papel modernizador. 
O progressivo sucesso de tal projeto, aliado à ausência de quaisquer 
outras tendências sufi cientemente fortes que elaborassem as pressões 
por mudanças sob formas mais ousadas (como no caso da Inglaterra 
do século XVII), canalizou os interesses progressistas mais conseqüen-
tes para o lado do projeto do absolutismo austríaco. O Iluminismo 
lombardo não seria uma exceção.
Na Alemanha, e em especial na Prússia, a fi losofi a do Ilu-
minismo nasce e se desenvolve muito próxima ao absolutismo e à 
refl exão pró-absolutista. Na França, diferentemente, o Iluminismo 
teve sempre uma relação ambivalente com o absolutismo, em parte 
causada pela própria indisposição da coroa francesa em imple-
mentar um programa de reformas que atacasse decisivamente os 
poderes estamentais e ao mesmo tempo incorporasse as tendên-
cias modernizadoras que provinham de determinados setores da 
sociedade. Tal ambivalência do Iluminismo francês em relação ao 
absolutismo aparece nas páginas de alguns dos grandes autores 
franceses das décadas de 50, 60 e 70 do século XVIII, onde o fl erte 
com o absolutismo – baseado na esperança de que a coroa pudesse 
aprofundar seu papel modernizador, atacando com mais fi rmeza 
o poder nobiliárquico e realizando as reformas desejadas, tal como 
acontecia na Prússia com Frederico II – dividia espaço com o eco das 
idéias liberais da Inglaterra que, nas penas dos iluministas franceses, 
davam origem a concepções políticas de orientação republicana e, 
por vezes, até democrática. O Iluminismo lombardo desenvolve-
se tendo como referência e inspiração os autores franceses, mas na 
construção de seu Iluminismo os intelectuais da Lombardia con-
frontavam-se com uma situação política e social consideravelmente 
diferente da francesa. O fato de a coroa austríaca ter incorporado em 
seu projeto absolutista um programa de reformas que romperia o 
poder patrício, fomentaria o desenvolvimento econômico e moder-
nizaria as instituições fez com que as tendências pró-absolutistas do 
Iluminismo lombardo, que estavam presentes já em suas matrizes 
francesas, se desenvolvessem com toda força.
Alexander de Castro
Capítulo 1 | 17
Nos escritos dos autores iluministas despontava, com relativa 
importância, a chamada questão penal2 como um capítulo dentro da 
construção teórica do Estado moderno. A obra Dei delitti e delle pene 
foi certamente a mais signifi cativa dentre as que, no seio da fi losofi a 
das Luzes, ocuparam-se com o direito penal, vindo a marcar boa parte 
do debate sobre o tema. Na época de sua publicação, a dinastia habs-
búrgica preparava-se, depois de breve interrupção, para aprofundar 
decisivamente sua política de reformas na Lombardia – uma política 
que, ao fi m do governo de José II, criaria ali outro mundo. Escrita na 
juventude do fi lósofo – num período em que o grupo dos jovens ilu-
ministas de Milão, reunido na chamada Società dei Pugni, lutava para 
afi rmar-se no cenário político, inserindo-se, com seu periódico Il Caffè, 
nos debates públicos mais importantes da época, ao mesmo tempo em 
que se encantava com os novos horizontes trazidos pelo reformismo 
habsbúrgico – Dei delitti e delle pene retrataria com profundidade os 
planos e esperanças que orientaram a formação do Iluminismo na 
Lombardia. O projeto de sistema penal elaborado por Beccaria pode 
revelar muito sobre como a empreitada política do absolutismo tar-
dio do século XVIII era vista pelo Iluminismo, sobre os desafi os que 
a formação desse absolutismo teria de enfrentar e, principalmente, 
sobre o papel do direito penal na dinâmica institucional do século 
XVIII. Além de tudo isso, Dei delitti e delle pene marcou a inserção do 
Iluminismo lombardo no mapa da cultura ilustrada da Europa do 
século XVIII, fazendo com que toda ela voltasse um pouco de sua 
atenção para o que escreviam os jovens patrícios de Milão.
De tal maneira, analisaremos a obra Dei delitti e delle pene, de 
Cesare Beccaria, tentando entender o signifi cado de seu sistema penal 
no contexto marcado pela implementação, na Lombardia, das refor-
mas conduzidas pela coroa austríaca, pelo conseqüente confronto 
entre o poder patrício e os representantes do absolutismo habsbúrgico 
e pela progressiva aproximação entre os intelectuais iluministas e 
2 “Forse in nessun periodo come nella seconda metà del XVIII secolo è stato intensamente 
dibattuto il problema penale. Per ‘problema penale’ si intende un complesso di problemi 
tra loro conessi, di cui è diffi cile presentare una lista completa” (TARELLO, Giovanni. Il 
“problema penale” nel secolo XVIII. In: TARELLO, Giovanni (org.). Materiali per una storia 
della cultura giuridica. Vol. V. Genova: Il Mulino, 1975, p. 15).
CESARE BECCARIA E O DIREITO PENAL DO ABSOLUTISMO ESCLARECIDO...
18 | Capítulo 1
a coroa austríaca. As conseqüências desse conjunto de fenômenos 
permitirão aprofundar nossos conhecimentos sobre o nascimento 
do direito penal moderno, sobre o Iluminismo, sobre o absolutismo 
e sobre o fenômeno chamado de absolutismo esclarecido.3
O trabalho está dividido em quatro etapas. Primeiramente 
analisaremos as relações entre Iluminismo e absolutismo e o lugar 
do absolutismo esclarecido dentro do cenário político moderno. Em 
seguida trataremos da implementação do projeto de reformas pro-
movido pela coroa austríaca e por seus representantes na Lombardia, 
e do papel que coube, nesse processo, aos intelectuais iluministas. 
Posteriormente estudaremos a infl uência do fi lósofo francês Helvétius 
em Beccaria e o papel político que o Legislador adquire na obra de 
ambos. Por fi m tentaremos estabelecer algumas conexões entre certos 
aspectos da obra Dei delitti e delle pene e a dinâmica institucional do 
absolutismo do século XVIII.
1. Iluminismo e absolutismo no século XVIII
O Iluminismo do século XVIII é apresentado geralmente como 
a fi losofi a que preparou a Revolução Francesa e a tomada do poder 
pela burguesia. De tal forma, o Iluminismo teria um estreito víncu-
lo com o Liberalismo e seria, por princípio, oposto ao absolutismo 
monárquico. Não obstante a evidência dos vínculos entre a fi losofi a 
do Iluminismo e a Revolução Francesa – e, portanto, entre o discurso 
3 A carência de estudos, na América Latina, sobre as conexões políticas concretas em meio às 
quais a obra de Beccaria foi produzida leva inúmeros autores a deixar de lado sua relação 
com o absolutismo e a estabelecer exagerados vínculos com o liberalismo político. Mencio-
namos, a título de exemplo, um caso ilustre, mais exatamente o do criminalista argentino 
Eugenio Raul Zaffaroni, certamente um dos maiores juristas da América Latina. Em obra 
didática dedicada ao direito penal brasileiro (escrita em parceria com o colega brasileiro José 
Henrique Pierangeli), ele apresenta o autor com as seguintes palavras: “Beccaria nasceu em 
Milão, em 1738, e morreu na mesma cidade, em 1794. Pode ser considerado como o autor 
a quem coube a fortuna de lançar as bases do direito penal contemporâneo, posto que é 
em função de sua crítica que a legislação penal européia começa a limpar-se, um pouco, de 
seu banho constante de sangue e tortura”. Depois de assim fi xar a importância de Beccaria 
para a história do direito penal, Zaffaroni afi rma o seguinte: “Seu pensamento pertence 
mais ao pensamento revolucionárioque ao despotismo ilustrado, visto que pertencia ao 
círculo revolucionário, em que sobressaíam os irmãos Verri, em Milão” (ZAFFARONI, 
Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. V. 1: parte 
geral. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 234).
Alexander de Castro
Capítulo 1 | 19
iluminista e o discurso do liberalismo –, tal esquema está longe de 
constituir um modelo de interpretação universalmente válido. E se 
mesmo na França – onde o específi co desenvolvimento econômico 
e institucional pôde colocar Liberalismo e Iluminismo lado a lado – 
as relações entre o absolutismo e o discurso iluminista apresentam 
sinuosidades ao longo do desenvolvimento de todo o processo, muito 
mais complexa é a relação da fi losofi a das Luzes e de seus portadores 
com os monarcas absolutistas nos Estados onde o atraso econômico 
e institucional tornava anacrônica a recepção das idéias liberais.4
O discurso iluminista do século XVIII tem como marca princi-
pal a defesa da causa da emancipação humana pelo uso da razão. A 
fórmula célebre de Kant sapere aude (ousai saber), o apelo à autono-
mia do sujeito a partir das suas potencialidades racionais e o uso da 
ciência na dissolução da imagem mística e encantada do mundo são 
o que melhor caracteriza o pensamento das Luzes. No plano político, 
a reivindicação da emancipação pela razão fez com que o Iluminismo 
ganhasse uma tonalidade fortemente crítica que, em suas formas 
extremadas, assumiu um caráter contestatório consideravelmente 
subversivo em relação aos poderes constituídos. E quanto mais nos 
aproximamos dos grandes centros econômicos europeus, onde as 
pressões dos interessados em uma economia racional de mercado se 
confrontavam de forma cada vez mais irresolúvel com instituições 
burocráticas arcaicas, maiores eram os radicalismos conseqüentes 
do Iluminismo em seu combate ao Antigo Regime. Já onde o quadro 
político-social não se caracterizava por uma tensão tão acirrada colo-
cada sobre estas bases, a pressão por mudanças institucionais pôde 
tomar o caminho de uma conciliação de interesses e se transformar 
em um moderado discurso reformista.
De outro lado, este discurso reformista teve seus caminhos 
facilitados na medida em que a reforma institucional era, para os 
4 ASTUTI, Guido. O absolutismo esclarecido em Itália e o estado de polícia. Trad. António 
Manuel Hespanha. In: HESPANHA, António Manuel (org.). Poder e instituições na Europa 
do Antigo Regime. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1984, p. 254. Nesta obra, Astuti analisa as 
relações entre Iluminismo e absolutismo no caso italiano dentro do contexto do Estado 
de Polícia. Percebendo bem que a afi nidade entre Iluminismo e liberalismo não é infl exí-
vel e deve necessariamente ser revista em determinadas circunstâncias. Achamos muito 
problemáticos, entretanto, alguns de seus posicionamentos.
CESARE BECCARIA E O DIREITO PENAL DO ABSOLUTISMO ESCLARECIDO...
20 | Capítulo 1
Estados economicamente periféricos da Europa da metade do século 
XVIII – como Prússia, Áustria e Portugal –, uma necessidade impos-
tergável. Assim, paralela ao discurso reformista de origem fi losófi ca, 
houve uma tendência à racionalização instrumental das instituições 
administrativas que se guiava exclusivamente por considerações 
pragmáticas. Ambas as pressões por racionalização caminharam 
para uma confl uência e o discurso fi losófi co reformador do Ilumi-
nismo se conciliou com as pretensões dos monarcas absolutistas no 
sentido de uma centralização e modernização funcional no plano 
político-institucional. A progressiva fusão dessas duas tendências 
que apontavam para a racionalização nos permite falar na formação 
de um absolutismo esclarecido nestes Estados europeus.
Na França, o absolutismo monárquico encontra-se consolidado 
já na segunda metade do século XVII, num processo iniciado no go-
verno de Richelieu e relativamente estabilizado com Luís XIV. Este 
absolutismo não implicava a eliminação completa do conjunto dos 
poderes intermediários da nobreza que inclusive constituiriam, no 
século seguinte, um dos pilares da teoria política de Montesquieu.5 
Mas o desenvolvimento econômico obtido pela França com o comér-
cio e com as manufaturas gerava os recursos necessários para que se 
sustentasse o exército e a estrutura administrativa da coroa, possibi-
litando que o Estado francês se estabelecesse como potência dentro 
do cenário político internacional mesmo sem alcançar um grau maior 
de centralização administrativa. De tal forma, a eliminação destes 
poderes intermediários, embora fosse um desejo contínuo da coroa, 
não era, entretanto, uma necessidade tão proeminente. O discurso 
iluminista francês não deixara de fazer críticas ao poder político da 
nobreza, mas a insensibilidade ou inaptidão da coroa francesa para 
atender a determinadas demandas, conjugada com a existência de 
uma alta burguesia com poder político e social, somadas ao exem-
plo da Inglaterra, de onde vinha boa parte dos modelos fi losófi cos 
dos intelectuais franceses, fez com que o Iluminismo francês fosse 
5 Vale ressaltar que os poderes intermediários do Antigo Regime não se resumem, evidente-
mente, aos poderes senhoriais nobiliárquicos. Sobre isso, ver: OESTREICH, G. Problemas 
estruturais do absolutismo europeu. Trad. António Manuel Hespanha. In: HESPANHA, 
António Manuel (org.). Poder e instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa: Calouste 
Gulbenkian, 1984, p.187.
Alexander de Castro
Capítulo 1 | 21
perdendo a fé no absolutismo e começasse a caminhar em direção a 
valores liberais que preparariam a Revolução de 1789.6
Em Portugal, na Prússia e na Áustria, por exemplo, onde a 
situação econômica era muito mais incômoda, os monarcas sentiram 
a necessidade, em meados do século XVIII, de impor à sociedade a 
disciplina social necessária à promoção de uma política de potência 
– o que evidentemente implicava o incentivo e mesmo o impulso a 
atividades econômicas internas, de onde se retirariam recursos para 
a organização da burocracia centralizada e do exército profi ssional 
permanente. Na Prússia, o absolutismo começa a chegar a seu auge 
apenas entre os anos 30 e 40 do século XVIII, enquanto na Áustria e 
em Portugal isso aconteceu apenas ao longo da segunda metade do 
século XVIII – com certo atraso, portanto, em relação a França e, sobre-
tudo nos últimos dois casos, em concomitância à recepção das idéias 
do Iluminismo. Esta circunstância parece ter imposto um signifi cado 
diverso ao absolutismo e à sua relação com a fi losofi a das Luzes.
A eliminação do conjunto dos poderes intermediários autô-
nomos em favor da construção de meios administrativos que pos-
sibilitassem ao monarca a consecução das suas tarefas de reforma 
e modernização será desejada por ele e por todos os interessados 
no desenvolvimento das atividades econômicas.7 Assim, a racio-
nalização da administração pública e o bem-estar social produzido 
por este processo (identifi cado geralmente com a produção de bens 
materiais) permitirão ao discurso iluminista se conciliar com esta 
demanda que vem do trono, mas também de setores sociais politi-
camente inferiores do Antigo Regime. As esperanças de burgueses e 
setores intelectuais relativas à implementação de reformas acabam 
recaindo sobre a fi gura do príncipe e este, por sua vez, começa a 
perceber nesse apoio uma base importante para a consolidação e 
extensão de seu domínio no plano interno (dissolvendo os poderes 
intermediários que o obstaculizavam) e para o desenvolvimento 
6 ASTUTI, Guido. op. cit. pp. 260-1. Astuti enxerga bem a ausência de uma política re-
formadora na França e sua relação com a Revolução, mas falha, em nossa opinião, ao 
determinar suas causas.
7 FRIGO, Daniela. Principe, giudici, giustizia: mutamenti dottrinali e vicende istituzionali fra 
sei e settecento.In: COLAO, F.; BERLINGER, L. (org.) Iluminismo e dottrine penali. Milano: 
Giuffrè, 1990, p. 18.
CESARE BECCARIA E O DIREITO PENAL DO ABSOLUTISMO ESCLARECIDO...
22 | Capítulo 1
de reformas destinadas a promover o fortalecimento institucional 
do Estado com relação a seus concorrentes externos. Neste con-
texto, o príncipe deve quase que necessariamente aparecer como 
o sujeito das reformas institucionais a quem incumbe reorganizar 
a sociedade de forma racional, orientando-a para a consecução 
do bem-estar dos súditos.8 É precisamente assim que a literatura 
política começa a encará-lo. Nessa conciliação entre o Iluminismo 
e o absolutismo, os ideais liberais, que tanta afi nidade tinham 
com o discurso iluminista da autonomia individual fundada na 
racionalidade, acabam fi cando em segundo plano.
A conciliação entre os interesses do soberano e de setores 
sociais politicamente inferiores começa a aparecer como uma 
conciliação teórica entre o interesse social e o interesse do próprio 
monarca. Surgem, então, os temas da felicidade pública e do bem-
estar geral. As novas funções dadas ao soberano fazem com que a 
imagem do príncipe, em meados do século XVIII, comece a mudar. 
A antiga imagem, correspondente à estrutura das monarquias me-
dievais, de um soberano que deve apenas zelar pela manutenção 
da ordem social, de uma ordem sagrada dada de antemão a qual 
ele não pode mudar de maneira alguma, a imagem de um príncipe 
que, estando no topo da ordem social, deve limitar-se apenas a ze-
lar pela harmonia das ordens de poder inferiores sem, no entanto, 
interferir em suas autonomias,9 passa a dar lugar à imagem de um 
príncipe que deve agir sobre a sociedade governando-a efetivamen-
te, administrando-a, mudando-a quando necessário, criando leis 
para ela e em tudo a submetendo a desígnios utilitaristas.10 Este 
esquema político em que, dada a situação de atraso econômico e 
institucional, as esperanças de reforma e modernização são deposi-
tados sobre o soberano e em que ele se transforma, assim, no agente 
do aperfeiçoamento social, encontra seu auge justamente na cultura 
iluminística. O Iluminismo dará um novo impulso à idéia de que 
8 FRIGO, Daniela. op. cit., p. 20.
9 HESPANHA, António Manuel. Para uma teoria da história institucional do Antigo Regime. 
In: HESPANHA, António Manuel (org.). Poder e instituições na Europa do Antigo Regime. 
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1984, p. 66.
10 FRIGO, Daniela. op. cit., pp. 13-8; SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. A polícia e o rei-
legislador. In: História do direito brasileiro: Leituras da ordem jurídica nacional. São Paulo: 
Atlas, 2003, p. 97-8.
Alexander de Castro
Capítulo 1 | 23
o monarca, concentrando em suas mãos o poder, deve usá-lo na 
realização das mudanças que promovam o bem-estar geral. Não é 
difícil entender as razões para isso. O culto às capacidades racionais 
do ser humano e, portanto, à capacidade humana de, pela razão, 
melhorar suas condições de vida, bem como o culto ao progresso 
que daí advém, são características centrais do Iluminismo.
As novas tarefas confi adas ao príncipe fazem com que seja 
necessário dar-lhe também instrumentos hábeis a realizá-las: o 
direito será um dos principais. De tal maneira, o processo de for-
mação do absolutismo monárquico foi acompanhado pela luta, nem 
sempre bem-sucedida, para impor a legislação real como a única 
ou, ao menos, como a principal fonte do direito, à qual todas as 
outras deveriam submeter-se. A idéia de que o direito, sob a forma 
de legislação, deveria ser utilizado pelo soberano para conduzir a 
sociedade em direção aos objetivos almejados dá origem ao que 
podemos chamar de um uso instrumental do direito. De novo, é no 
seio do Iluminismo que a visão do direito enquanto instrumento 
de organização e direcionamento social será fortalecida e elabora-
da de maneira sistemática. E, por evidente, as teorias iluministas 
que faziam da legislação um instrumento de racionalização social 
através do qual se poderia moldar e aperfeiçoar a sociedade teriam 
um cenário extremamente favorável na identifi cação do Iluminismo 
com governos centralizados que utilizavam a legislação para impor 
determinados caminhos ao conjunto social.
Tal teoria, na sua origem francesa, era parte de uma polêmica 
contra a teoria dos climas de Montesquieu, pois apresentava as leis 
como verdadeira causa das virtudes e vícios humanos, pondo de 
lado as determinações climáticas. Assim, se a legislação é a respon-
sável pela formação dos cidadãos, bem como de toda a dinâmica 
social, então o legislador se transforma no artífi ce da sociedade e é 
sobre ele que recai a responsabilidade de aperfeiçoá-la. E, como 
essas teses são acompanhadas da defesa da supremacia do poder 
monárquico sobre os poderes intermediários, esse legislador de-
positário das esperanças de modernização acaba sendo o próprio 
monarca. Temos aí, então, a formação da imagem de um rei-legislador 
a quem incumbe a tarefa de racionalizar a organização social e de 
CESARE BECCARIA E O DIREITO PENAL DO ABSOLUTISMO ESCLARECIDO...
24 | Capítulo 1
promover o progresso e o aperfeiçoamento da sociedade.11 Mas, 
se essa imagem do monarca absoluto enquanto rei-legislador apa-
rece já nos projetos do Iluminismo francês (sobretudo na obra de 
Helvétius), será apenas nos absolutismos tardios do século XVIII, 
dentro da tentativa de fortalecimento estatal em uma situação de 
atraso econômico e institucional, que encontraremos os espécimes 
que mais se aproximarão desse modelo teórico.12
11 Daniela Frigo refere-se à formação da imagem de um “príncipe-legislador” (Cf. FRIGO, 
Daniela. op. cit., p. 7). No Iluminismo francês, a imagem do rei-legislador encontrará sua 
expressão mais forte na obra de Helvétius, como veremos mais à frente. Todavia, podemos 
encontrar em Voltaire alguns elementos que apontam para ela. Ao tecer críticas à obra Do 
espírito das leis, de Montesquieu, Voltaire também criticaria a teoria dos climas para colocar 
em seu lugar a infl uência do governo, da religião e da educação. Em seus Comentários sobre 
algumas máximas principais de ‘O espírito das leis’, ele afi rma: “Convenhamos pois em que, se 
o clima faz os homens loiros ou morenos, é o governo que lhes faz as virtudes e os vícios. 
Confessemos que um rei verdadeiramente bom é o mais belo presente que o céu pode oferecer 
à terra” (VOLTAIRE, François-Marie. Comentários sobre algumas máximas principais de ‘O 
espírito das leis’. In: Comentários políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 81). E mais à 
frente: “Montesquieu, para explicar o poder do clima, nos diz que ele fez gelar uma língua 
de carneiro e que as papilas nervosas dessa língua se manifestaram visivelmente quando 
ela foi descongelada. Mas uma língua de carneiro jamais explicará por que a querela do 
Império e do sacerdócio escandalizou e ensangüentou a Europa durante mais de seiscentos 
anos. Ela não explicará os horrores da rosa vermelha e da rosa branca, nem dessa multidão 
de cabeças coroadas que na Inglaterra tombaram sobre o cadafalso. O governo, a religião, a 
educação produzem tudo entre os infelizes mortais que rastejam, sofrem e raciocinam neste 
globo” (VOLTAIRE, François-Marie. Comentários... p. 82). Falta, nos trechos citados, uma 
referência expressa à legislação. Todavia, o que está em questão aqui, como também na obra 
de Helvétius, é a substituição de um esquema de determinação natural (vinda dos climas) 
por outro em que os fatos humanos são conseqüência de determinações sociais e, portanto, 
da organização social. A referência, no fi nal do primeiro trecho, ao “rei verdadeiramente 
bom”, feita depois de Voltaire dizer que as virtudes e os vícios são produtos do governo, 
nos permite ver claramente que papel ele esperava que fosse cumprido pelo monarca.
12 A imagem do rei-legislador é identifi cada em Portugal por Seelaenderno período do 
governo do Marquês de Pombal (Cf. SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. A polícia e o 
rei-legislador...). O contexto em que o aumento da atividade legislativa se deu em Portugal 
é marcado por uma situação de letargia e crise econômicas. Em face dessa situação era 
imperioso que a coroa assumisse função mais ativa para viabilizar a superação das adversi-
dades. A conseqüência é que ela acaba, através da legislação, assumindo um papel diretivo 
em face da sociedade, buscando organizá-la de um modo que produza a prosperidade e 
o fortalecimento do reino. Nas palavras do autor: “Na segunda metade do século XVIII 
verifi cou-se uma conjunção de ameaças externas com desequilíbrios na balança comercial, 
enquanto graves crises afetavam setores-chave da economia (ouro, vinhos, produtos colo-
niais). Tal que por sua vez demandava novas soluções. Nesse contexto precisava a Coroa 
não só enfrentar de forma decidida as adversidades, mas também atuar de modo distinto 
do usual, impondo-se novas tarefas ou utilizando de modo mais intenso os mecanismos 
preexistentes de controle e intervenção na vida social. Tais metas e tarefas eram numerosas 
e variadas. Observando o princípio – então largamente aceito – da interdependência entre 
o tamanho da população, o progresso das atividades econômicas, o grau de prosperidade 
do país e seu poderio como partícipe do jogo político internacional, o governo português 
Alexander de Castro
Capítulo 1 | 25
A imposição das leis da coroa como a principal das fontes do 
direito, à qual todas as outras deveriam submeter-se, tinha como 
principal obstáculo as resistências da categoria dos juristas práticos, e 
em especial dos juízes.13 Muitas das instituições judiciárias do Antigo 
Regime europeu possuíam autonomia em face do poder real e cons-
tituíam muitas vezes centros de poder nobiliárquico. Essas institui-
ções, dentre as quais podemos lembrar os Parlements da França, eram 
compostas por cargos suscetíveis de apropriação privada e que faziam 
parte, portanto, dos privilégios comprados ou herdados. Assim, elas 
possuíam autonomia face ao poder central e, conseqüentemente, 
acabariam sendo forças centrífugas que atuariam contrariamente ao 
processo de centralização institucional do absolutismo.14
preocupou-se em remover obstáculos ao crescimento populacional, passando também a 
fomentar mais a agricultura e as manufaturas” (SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. 
A polícia... p. 99). E mais à frente: “Papel de relevo coube aqui à legislação real, que clara-
mente assumiu à época uma função diretiva: através de mais e mais normas tentou-se guiar 
e determinar o comportamento dos indivíduos, instituições e grupos sociais, fazendo-os 
contribuir de forma mais efetiva para a prosperidade e fortalecimento do reino” (SEELA-
ENDER, Airton Cerqueira-Leite. A polícia... p. 104).
13 Nas palavras de Tarello: “La prevalenza di um particolare gruppo di norme, cioè quelle 
volute e create direttamente dal monarca, su tutte le altre, passava invece non solo per 
l’accentramento della giurisdizione, ma anche per un saldo dominio del monarca sulla 
corporazione dei giudici” (TARELLO, Giovanni. Storia... p. 57).
14 Sobre os Parlements, Tarello teceu as seguintes observações: “La situazione giudiziaria 
francese, come si avrà occasione di accennare, è estramamente complessa. I grandi tribu-
nali territoriali, chiamati Parlements cioè Parlamenti, non erano, in origine, di creazione 
regia e non erano affatto suscettibili di facile e semplice subordinazione da parte del 
monarca, né potevano con facilità essere sottordinati a un tribunale centrale dato che, 
ciascuno, giudicava in base a diritto sostanziale diverso (le diverse coutumes). I secoli XVII 
e XVIII videro tentativi del monarca di subordinare i Parlements, e un’accanita resistenza 
dei Parlements che molte volte si sarebbe tradotta, nel secolo XVIII, nella disapplicazione 
o nella ritardata applicazione della legislazione generale nuova. L’accentramento della 
giurisdizione, generalmente parlando, non avvenne perciò tanto a favore di un tribunale 
centrale (il Parlement di Parigi), quanto a favore dei diversi Parlements, che erosero le altre 
giurisdizioni con competenza territoriale, e divennero autorevolissimi, ciascuno nella sua 
sfera: autorevolezza cui corrispose una remora all’unifi cazione del diritto anche se, formal-
mente, tutti i Parlements erano ritenuti giudicare nel nome del sovrano. Si trattò sempre 
di un accentramento molto relativo; le vecchie giurisdizioni restarono, sia pure talvolta 
con competenza piú limitata e gerarchicamente subordinata; e i confl itti continuarono” 
(TARELLO, Giovanni. Storia... p. 57). Na tentativa de bloqueio do voluntarismo legislativo 
real, um expediente extremamente útil foi o recurso à doutrina das leis fundamentais. O 
Parlement de Paris, o principal tribunal francês do Antigo Regime, utilizou-se da lei sálica 
(tida então como a lei fundamental do reino francês) para se insurgir contra atos legislativos 
da coroa francesa. A situação é mencionada por Seelaender: “Veiculando a idéia de que 
o poder real tinha por fundamento uma lei positiva que simultaneamente o limitava, o 
conceito de loi fondamentale logo foi assimilado pela linguagem técnica dos juristas em um 
período no qual membros do principal tribunal francês – o Parlement de Paris – estavam 
CESARE BECCARIA E O DIREITO PENAL DO ABSOLUTISMO ESCLARECIDO...
26 | Capítulo 1
Há outro elemento por enquanto não sufi cientemente analisado 
pela historiografi a especializada. Este projeto político de moderni-
zação pelo alto demandaria funcionários que, além de fi éis, fossem 
também competentes o sufi ciente para servir ao soberano em tão 
ousada empreitada. Face à escassez de recursos humanos com com-
petência necessária para a tarefa, o soberano não pôde desprezar o 
apoio das camadas intelectuais inspiradas na fi losofi a do Iluminismo. 
Assim, elas acabaram constituindo uma fonte de recursos humanos 
para a composição do quadro administrativo real. De tal forma, além 
da mera afi nidade teórica, os membros dessas camadas intelectuais 
teriam forte interesse prático-pessoal para se posicionar em favor do 
absolutismo. Essa circunstância aprofunda a coalizão de interesses 
entre o soberano e os intelectuais iluministas. A fusão dos ideais 
iluministas e da proposta absolutista leva a duas conseqüências im-
portantes. A primeira é que, graças à infl uência exercida pela fi losofi a 
das Luzes, a proposta absolutista tem seus horizontes abertos e passa 
a incorporar uma série de outros elementos além daqueles ligados de 
forma evidente e imediata com o fortalecimento monárquico. Destarte, 
além das questões relativas à modernização econômica e ao aumento 
da efi ciência do aparato administrativo, o programa de reformas do 
soberano começa a atingir também outras áreas – a exemplo do sistema 
penal e da instrução – e, na medida em que demonstram uma relação 
(ainda que menos imediata) com os interesses da centralização e do 
fortalecimento estatal, acabam sendo incorporadas ao conjunto do 
reformismo absolutista. Podemos dizer que, graças ao Iluminismo, o 
reformismo absolutista é ampliado e acaba absorvendo uma série de 
conteúdos que ultrapassam o imediatamente necessário à viabilização 
da proposta absolutista, reforçando seu caráter modernizante.
preocupados em fi xar defi nitivamente as regras de transmissão da Coroa e quais leis eram 
imutáveis ou passíveis de alteração pela vontade real. Em 1583, o Parlement já lastreava 
nas leis fundamentais sua recusa em registrar um edito real; após a morte de Henrique 
III (1589), fazia o mesmo para declarar ‘nulos’ todos os ‘tratados feitos ou por fazer [...] 
para o restabelecimento’ como monarca ‘de um príncipe ou de uma princesa estrangeira’” 
(SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. Notas sobre a constituição do direito público 
na Idade Moderna:a doutrina das leis fundamentais. In: Seqüência: estudos jurídicos e 
políticos. Florianópolis: Boiteux, 1980 – Semestral, p. 200). Como lembra o autor, muito 
embora o recurso a leis fundamentais tenha sido um útil instrumento para interesses no-
biliárquicos, ele não deixou de assumir também uma veste pró-absolutista. De qualquer 
forma, o discurso iluminista não deixaria de atacar esse que foi muitas vezes um óbice à 
execução das tarefas modernizadoras e racionalizadoras do trono.
Alexander de Castro
Capítulo 1 | 27
Por outro lado, a fusão da proposta absolutista e da fi losofi a 
iluminista leva à atrofi a dos ideais democráticos e liberais desta últi-
ma. A dedicação à causa da emancipação humana é um componente 
essencial do Iluminismo. Essa emancipação, que pode aparecer sob 
várias formas (tais como a emancipação das forças da natureza, do 
jugo de tradições irracionais ou da própria ignorância), assume, 
na esfera política, a forma de ideais democráticos, republicanos ou 
liberais. A idéia de que a racionalidade individual é fonte de uma 
autonomia igualmente individual possui evidentes conexões com 
essas tendências políticas, mas na fusão entre Iluminismo e absolu-
tismo elas terão de fi car em segundo plano. Ante a necessidade de 
apoiar o poder monárquico absolutístico para conseguir um avanço 
em relação ao poder tradicional dos estamentos, os representantes 
do Iluminismo daqueles Estados onde se desenvolveu o absolutismo 
tardio do século XVIII acabarão deixando de lado as propensões po-
líticas que, sob a marcante infl uência de Locke, apareciam na refl exão 
política francesa do século XVIII. O Iluminismo que se desenvolve 
no contexto do absolutismo tardio constitui certamente um projeto 
de modernização, mas uma modernização autocrática marcada por 
considerável descuido em relação àqueles valores humanistas que 
justifi cariam o projeto da modernidade. As condições históricas 
específi cas a que nos referimos deram espaço para que o aspecto 
instrumental da fi losofi a das Luzes se desenvolvesse sem a contra-
posição daqueles valores que faziam do ser humano uma fi nalidade 
em si mesmo. É interessante notar que justamente a Áustria, onde o 
absolutismo absorveu com mais vigor as tendências reformadoras 
e exerceu, mais que em qualquer outro lugar, um papel moderniza-
dor, iria, no século XIX, liderar a Santa Aliança e colocar toda a sua 
maquinaria burocrática e militar na defesa dos ideais tradicionais e 
reacionários tão combatidos pelo Iluminismo.
2. O Iluminismo milanês e o reformismo habsbúr-
gico na Lombardia
A tarefa de modernização institucional começou a ser executada 
pelo absolutismo austríaco depois da guerra de sucessão austríaca, 
já no reinado de Maria Teresa, graças ao impacto da disputa pela 
CESARE BECCARIA E O DIREITO PENAL DO ABSOLUTISMO ESCLARECIDO...
28 | Capítulo 1
Silésia.15 A Lombardia, que era possessão da Áustria desde a guerra 
de sucessão espanhola, seria alvo, a partir de então, de um programa 
de reformas. A primeira etapa do reformismo lombardo transcorreu 
entre os anos de 1749 e 1760 e foi levada a cabo, inicialmente, por 
Gian Luca Pallavicini e, depois, por Beltrame Cristiani e Pompeo 
Neri.16 Essa etapa se encerraria, entretanto, no ano de 1757, com a 
partida de Neri para a Toscana. Com as atenções de Viena concentra-
das na Guerra dos Sete Anos (1756-1763) o empenho reformador na 
Lombardia sofrerá uma interrupção. A segunda fase do reformismo 
lombardo começa em 1760, depois da chegada, no ano anterior, do 
conde Carlo di Firmian, novo plenipotenciário dos Habsburgs.
Quando, a partir de 1763, Carlo di Firmian e Kaunitz resol-
veram, por fi m, acelerar o reformismo habsbúrgico na Lombardia, 
reanimando-o do abalo sofrido pela Guerra dos Sete Anos e pela 
contra-ofensiva patrícia e eclesiástica que marcou seu período de 
adormecimento, Milão já possuía um novo círculo de intelectuais 
que se candidatava ao protagonismo cultural dos próximos anos. 
Esse grupo reunia-se em torno de Pietro Verri e era composto por 
jovens, quase todos patrícios, dentre os quais podemos lembrar 
Alessandro Verri (irmão de Pietro), Alfonso Longo, Giambattista 
Biffi , Pietro Secco Comneno, Giuseppe Visconti, Sebastiano Franci, 
Luigi Lambertenghi e Paolo Frisi. É nesse grupo que se encontra 
também Cesare Beccaria. Sob a liderança de Pietro Verri, esses 
jovens formaram a chamada Società dei Pugni, destinada a ser uma 
associação para o livre pensamento e a livre discussão, sem estatuto 
ou mesmo um programa defi nido, e voltada a combater o atraso e 
o imobilismo da sociedade.17 O novo grupo de jovens intelectuais 
inspirava-se entusiasticamente nas idéias do Iluminismo francês 
e assim, acompanhando o espírito dessa fi losofi a, reivindicava re-
15 A forma como os métodos administrativos do absolutismo prussiano foram construídos no 
âmbito da refl exão cameralística e, em especial, da ciência de polícia, causaram profundas 
impressões no governo austríaco de Maria Teresa quando aplicados na Silésia, região 
que foi alvo de disputas entre Prússia e Áustria ao longo do século XVIII. Ver: SCHIERA, 
Pierangelo. Dall’arte di governo alle scienze dello stato: il cameralismo e l’assolutismo tedesco. 
Milano: Giuffrè, 1968, p. 228.
16 WOOLF, Stuart J.; CARACCIOLO, Alberto; BADALONI, Nicola; VENTURI, Franco. Storia 
d’Italia. Vol. 3. Dal primo settecento all’unità. Torino: Giulio Einaudi, 1978, p. 85-6.
17 CONSOLI, Domenico. Dall’arcadia all’illuminismo. Bologna: Universale Cappelli, 1972, p. 126.
Alexander de Castro
Capítulo 1 | 29
formas que modernizassem a sociedade, rompessem as estruturas 
tradicionais que impediam o progresso e reorganizassem, por fi m, 
o conjunto social segundo os parâmetros da razão.18
Nos anos 60 do século XVIII temos, portanto, na Lombardia 
austríaca, a insurgência de duas tendências reformadoras que bus-
cavam a racionalização das instituições e da sociedade. A primeira 
partia da dinastia da Áustria, a casa de Habsburg, e era represen-
tada em Milão por Carlo di Firmian. O contexto de nascimento do 
reformismo austríaco, produto da inspiração do modelo prussiano 
baseado na Polizeiwissenschaft (Ciência da Polícia), permite ver clara-
mente os objetivos a que visava. A racionalização social e institu-
cional deveria servir, sobretudo, ao fortalecimento do poder real, à 
consolidação do absolutismo e ao acúmulo de forças que garantissem 
uma posição vantajosa em relação aos confl itos externos. Por outro 
lado, na vizinha França, a década de 1750 tinha consolidado de uma 
vez por todas a nova fi losofi a das Luzes. Podemos dizer, portanto, 
que ela marca defi nitivamente a ascensão dos philosophes na França. 
Teríamos, então, um novo grupo social cada vez mais infl uente e 
que acreditava poder reavaliar todas as crenças e condições da vida 
humana a partir da razão, removendo o que atrapalhasse a realização 
das potencialidades humanas e promovendo, assim, o progresso. A 
força das idéias francesas garantiria sua difusão em toda a Europa e 
na década de 1760 elas já se faziam presentes em grande parte dela. 
A instauração defi nitiva da fi losofi a das Luzes na Lombardia, com 
o grupo de jovens fi lósofos da Società dei Pugni, traria consigo outra 
tendência que, ao lado da que partia da dinastia austríaca, apontava 
para as reformas sociais e para a racionalização.
A questão econômica torna-se, desde logo, o ponto central do 
interesse dos jovens fi lósofos. Antes do início da publicação de Il Caffè, 
o grupo da Società dei Pugni já havia debutado no mundo das letras 
ao intervir na questão da moeda de Milão.19 Depois das intervenções 
18 WOOLF, Stuart J.; CARACCIOLO, Alberto; BADALONI, Nicola; VENTURI, Franco. Op. 
cit., p. 86-7.
19 A intervenção se deu com Beccaria através da obra Del disordine e de’ rimedi delle monete 
nello stato di Milano. In: BECCARIA,Cesare. Opere. Sergio Romagnoli (a cura di). Firenze: 
Sansoni, 1958. Na seqüência desenvolveu-se um acalorado debate, colocando a Società 
dei Pugni contra o marquês Carpani. CAPRA, Carlo. I progressi della ragione. Vita di Pietro 
Verri. Bologna: Il Mulino, 2002, p. 184-6.
CESARE BECCARIA E O DIREITO PENAL DO ABSOLUTISMO ESCLARECIDO...
30 | Capítulo 1
nessa discussão, os temas econômicos reapareceriam em inúmeras 
outras obras.20 Outra característica interessante dos escritos dos 
jovens membros da Società dei Pugni é a postura antinobiliárquica. 
Ambas as questões articulam-se, entretanto, no problema maior do 
reformismo habsbúrgico em Milão.
Em princípio, as idéias econômicas dos fi lósofos da Società 
dei Pugni favoreciam os setores produtores emergentes, como o 
dos proprietários de terras, que tentavam aproveitá-las utilizando 
métodos modernos voltados à produção para o mercado, e o dos 
empreendedores, que haviam instalado as primeiras manufaturas 
da Lombardia naquela mesma época. Inspirando-se na literatura 
iluminista fi siocrática, que na década de 1760 já alcançara enorme 
popularidade, eles reivindicariam a eliminação dos vínculos feudais 
sobre a terra – que impediam seu uso econômico mais racional e efi -
ciente –, a eliminação das corporações que impediam a existência do 
livre-mercado, o aperfeiçoamento do sistema fi scal e administrativo 
em geral, e a eliminação da proibição de exercício do comércio para 
os nobres.21 Como já dissemos, a questão econômica era também 
importantíssima para a política de fortalecimento do poder real. A 
óbvia relação entre a situação fi nanceira de um Estado e sua condi-
ção na política internacional faria com que a monarquia austríaca 
buscasse por todas as formas aumentar suas fontes de renda. A 
dinamização da economia, portanto, deveria necessariamente fazer 
parte da política de fortalecimento do poder monárquico, pois per-
mitiria que se extraíssem, pela tributação, os recursos necessários 
ao fortalecimento tanto da burocracia quanto do exército real. Essa 
dinamização econômica seria feita com o estímulo à produção e ao 
comércio interno e, assim, favorecia justamente os setores produtivos 
emergentes sufocados pelas estruturas feudais e corporativas. Assim, 
20 Ver, a título de exemplo, as seguintes obras dos iluministas lombardos: BECCARIA, 
Cesare. Elementi di economia publica. In: BECCARIA, Cesare. Opere. Sergio Romagnoli 
(a cura di). Firenze: Sansoni, 1958; CARLI, Gianrinaldo. Del libero commercio de’ grani. 
In: VENTURI, Franco. Illuministi italiani. Tomo III, Riformatori lombardi, piemontesi e 
toscani. Milano: Riccardo Riccardi; LONGO, Alfonso. Istituzioni economico politiche. In: 
VENTURI, Franco. Illuministi italiani. Tomo III, Riformatori lombardi, piemontesi e toscani. 
Milano: Riccardo Riccardi; VERRI, Pietro. Considerazioni sul commercio dello stato di Milano. 
Milano: Università Luigi Bocconi, 1939.
21 BECCARIA, Cesare. Elementi di economia publica... ; LONGO, Alfonso. Istituzioni economico...
Alexander de Castro
Capítulo 1 | 31
as reformas executadas na Lombardia pela coroa austríaca estariam, 
em boa medida, de acordo com aquilo que era proposto pelo círculo 
dos intelectuais que escreviam em Il Caffè.
Graças à questão econômica, a característica luta dos monarcas 
contra os estamentos ganha novo componente: agora eles não são 
apenas os rivais da coroa na luta pelo poder dentro do Estado, eles 
são também aqueles que impedem a aplicação de uma política mais 
racional, voltada para o desenvolvimento econômico e o conseqüen-
te fortalecimento institucional – o que afeta a luta política face aos 
concorrentes externos. O poder político e os privilégios nobiliárqui-
cos, especialmente patrícios, que caracterizavam a estrutura política 
milanesa eram óbices para o programa econômico modernizador 
e dinamizador que necessariamente deveria fazer parte do projeto 
absolutista da monarquia austríaca – e, assim, o avanço do reformis-
mo habsbúrgico na esfera econômica implicaria necessariamente o 
declínio do patriciado milanês.22 Além do declínio do poder político 
patrício, as reformas econômicas ainda conduziam à ascensão de no-
vos grupos sociais. Podemos dizer, destarte, que a questão econômica 
não muda apenas o sentido da luta interna pelo poder político entre 
o monarca e os estamentos, ela também altera sua dinâmica, pois o 
papel negativo que a aristocracia acabaria adquirindo em relação ao 
desenvolvimento econômico (que, é claro, não interessava apenas à 
coroa, mas ao próprio conjunto social, de forma geral) contribuiria 
decisivamente para eliminar a hegemonia social da aristocracia. Além 
disso, o sucesso das reformas econômicas, ao promover a ascensão 
de novos grupos sociais, criaria uma enorme base social de apoio ao 
monarca.23 Ante os benefícios sociais mais ou menos gerais advindos 
da política de fortalecimento econômico, a nobreza – e o patriciado em 
particular – cairá em progressivo e crescente descrédito face ao con-
junto social.24 A partir de então, difi cilmente ela conseguirá mobilizar 
22 CARPANETTO, Dino; RICUPERATI, Giuseppe. L’Italia del settecento: crisi, trasformazioni, 
lumi. Roma-Bari: Laterza, 1994, p. 198.
23 SCHOBER, Richard. Gli effetti delle riforme di Maria Teresa sulla Lombardia. In: MAD-
DALENA, Aldo De; ROTELLI, Ettore; BARBARISI, Gennaro (org.). Economia, istituzioni, 
cultura in Lombardia nell’età di Maria Teresa. Volume secondo: Cultura e Società. Bologna: 
Il Mulino, 1982, p. 201-2.
24 GORANI, Giuseppe. Il vero dispotismo. In: VENTURI, Franco. Illuministi italiani. Tomo 
III, Riformatori lombardi, piemontesi e toscani. Milano: Riccardo Riccardi.
CESARE BECCARIA E O DIREITO PENAL DO ABSOLUTISMO ESCLARECIDO...
32 | Capítulo 1
as massas, sejam urbanas ou camponesas, em rebeliões contra o poder 
real, tal como as que marcaram o século XVII por toda a Europa.
A percepção, por parte dos jovens fi lósofos, de que o monarca 
era a única força que, naquele contexto, realmente poderia realizar as 
reformas necessárias e implementar um processo de desenvolvimento 
econômico nos termos propostos levou-os defi nitivamente para o 
lado do absolutismo. A questão econômica – ou, mais exatamente, a 
mesma posição em relação aos problemas econômicos – propiciava a 
aproximação entre os fi lósofos do círculo do Il Caffè e o absolutismo 
austríaco. Na medida em que os estamentos, com seus privilégios, 
impediam o desenvolvimento econômico e a implementação de 
reformas de interesse geral, eles eram retratados nos escritos dos 
jovens iluministas lombardos como o verdadeiro poder despótico 
contra o qual se deveria lutar e contra o qual o soberano já estava 
efetivamente lutando.25 Podemos dizer, assim, que a identifi cação 
dos jovens fi lósofos iluministas da Lombardia com o absolutismo 
baseava-se, ao menos em princípio, na posição comum em relação à 
questão econômica e na postura antinobiliárquica.
O absolutismo esclarecido é a fusão da tendência moderniza-
dora e racionalizadora que vinha da fi losofi a iluminista com aquela 
outra tendência, também modernizadora e racionalizadora, que partia 
das dinastias reinantes em cada Estado. A articulação entre as duas 
propostas reformadoras e a formação, a partir delas, de uma única 
tendência reformista que articulava os desígnios centralizadores 
dos monarcas, em sua luta pelo poder contra adversários internos e 
externos, com o anseio fi losófi co por reformas que melhorassem as 
condições de vida e promovessem o progresso humano, implicava 
necessariamente a articulação entre os portadores dessa fi losofi a, os 
fi lósofos iluministas, e o projeto político absolutista em uma espécie 
de aliança, ainda que tácita, entre eles e a coroa. Para que isso fosse 
possível era necessário que os próprios sujeitos da fi losofi a iluminista 
aderissem ao projeto absolutista da casada Áustria e que sua colabo-
ração fosse aceita – isto é, que exercessem alguma infl uência sobre os 
25 GORANI, Giuseppe. Il vero dispotismo... ; CAPPIELLO, Ida. L’idea di stato nell’Illuminismo 
lombardo. In: MADDALENA, Aldo De; ROTELLI, Ettore; BARBARISI, Gennaro (org.). 
Economia, istituzioni, cultura in Lombardia nell’età di Maria Teresa. Volume secondo: Cultura 
e Società. Bologna: Il Mulino, 1982, p. 972-3.
Alexander de Castro
Capítulo 1 | 33
caminhos trilhados pela coroa em sua luta pela centralização política 
e no que foi feito por ela com o poder concentrado em suas mãos.26
Como visto, os fi lósofos da Società dei Pugni contribuíram 
decisivamente, com sua defesa da necessidade de reformas que mo-
dernizassem a Lombardia, para reformular a imagem do monarca 
em sua empreitada absolutista. Mas para que a fusão da fi losofi a 
iluminista com a proposta absolutista realmente se realizasse – isto 
é, para que as duas tendências que buscavam, por motivos próprios, 
a racionalização institucional e social convergissem e formassem uma 
só tendência reformadora – era necessário que os fi lósofos fossem 
incorporados, de alguma forma, ao projeto político monárquico e 
passassem a exercer, com suas idéias, alguma infl uência importante. 
As características singularizadoras do contexto em que esse absolu-
tismo tardio se desenvolvia determinavam suas necessidades que, 
antes de qualquer coisa, diziam respeito ao aumento de efi ciência da 
máquina burocrática e ao desenvolvimento econômico necessário 
para o fortalecimento institucional. Por um lado isso demandava, 
de Viena, uma política reformadora dirigida à modernização insti-
tucional e à racionalização burocrática das instituições. Por outro, 
era necessário implementar políticas que rompessem os entraves 
à dinamização da economia. Tudo isso determinaria o tipo de co-
laboração e de colaboradores demandados por Viena. Para que tal 
projeto fosse viável era necessário, sobretudo, contar com um qua-
dro administrativo que, além de fi el à coroa, fosse sufi cientemente 
competente para realizar as tarefas necessárias. A identifi cação entre 
a proposta absolutista e as reivindicações dos jovens fi lósofos do Il 
Caffè – baseadas, sobretudo, na questão econômica (isto é, na idêntica 
postura pró-desenvolvimentista) e na questão nobiliárquica (isto é, 
na postura antinobiliárquica e, principalmente, antipatrícia), além da 
notória capacidade intelectual daqueles jovens polemistas que, com 
seu jornal e suas obras individuais, opinavam sobre todas as questões 
importantes da política e da economia milanesas – não permitiria que 
fossem ignorados por muito tempo pelos representantes da coroa 
austríaca. A absorção dos iluministas milaneses nos quadros funcio-
26 BARBARISI, Gennaro. L’elogio di Maria Teresa di Paolo Frisi. In MADDALENA, Aldo De; 
ROTELLI, Ettore; BARBARISI, Gennaro (org.). Economia, istituzioni, cultura in Lombardia nell’età 
di Maria Teresa. Volume secondo: Cultura e Società. Bologna: Il Mulino, 1982, p. 352.
CESARE BECCARIA E O DIREITO PENAL DO ABSOLUTISMO ESCLARECIDO...
34 | Capítulo 1
nais da coroa, em sua empreitada absolutista, completa o processo de 
formação do absolutismo esclarecido na Lombardia austríaca.27
A fusão das duas tendências modernizadoras – a representada 
pela fi losofi a iluminista e a do absolutismo tardio – não confi gu-
rava, entretanto, um encontro perfeito. As urgentes necessidades 
que atingiam com toda força o projeto de poder das dinastias que 
se confrontavam, de tempos em tempos, no cenário político inter-
nacional e que, em meio a uma economia capitalista cada vez mais 
desenvolvida, miravam-se no exemplo de potências como a França e a 
Inglaterra, obrigavam-nas a um agressivo programa de racionalização 
social que deveria tornar mais efi ciente a administração do Estado, 
fomentar o desenvolvimento econômico e submeter os estamentos 
e os poderes políticos autônomos. O Iluminismo, por outro lado, era 
uma corrente fi losófi ca que fundava na racionalidade humana um 
projeto de emancipação; uma emancipação da tradição, dos dogmas 
religiosos, das forças da natureza, mas uma emancipação também do 
poder político ilegítimo, assim considerado aquele que não se base-
ava na autonomia humana individual, inerente à idéia de que cada 
ser humano é um ser racional. A poderosa infl uência do liberal John 
Locke na formação do ideário iluminista, tão perceptível quando se 
vasculham os textos da fi losofi a francesa do século XVIII, não poderia 
não ter deixado marcas profundas. Portanto, se bem analisarmos, 
apesar da convergência verifi cada entre ambos, constataremos que 
Iluminismo e absolutismo possuíam interesses específi cos quando 
consideramos um em relação ao outro. Não havendo, destarte, uma 
coalizão perfeita no compromisso entre o absolutismo e a fi losofi a 
iluminista, o lugar central, o lugar de comando, caberia certamente 
ao absolutismo. A racionalidade das Luzes fi cava, de certa forma, 
subordinada à racionalidade do acúmulo de poder. É claro que algo 
do espírito original do Iluminismo deveria perder-se.
A fi losofi a do século XX nos ensina que o projeto da moderni-
dade, do qual o Iluminismo é o principal representante, ancorava-se 
em uma racionalidade instrumental, que apontava para a domina-
ção, e em uma racionalidade comunicativa, que apontava para a 
emancipação – ou em um pilar regulatório e outro emancipatório, 
27 CAPPIELLO, Ida. L’idea di stato..., p. 969.
Alexander de Castro
Capítulo 1 | 35
se preferirmos.28 Quando olhamos para as idéias que fervilhavam 
nas obras dos autores do século XVIII vemos que as duas coisas, 
dominação e emancipação, estavam profundamente imbricadas. 
Segundo a crítica fi losófi ca contemporânea, os problemas da moder-
nidade teriam começado quando o aspecto instrumental colonizou 
o comunicativo-emancipatório. O fato de os ideais democráticos e 
republicanos do Iluminismo ter sido relegados a segundo plano, 
na sua fusão com o absolutismo, talvez seja um indício de que, 
efetivamente, na aliança da fi losofi a das Luzes com aquelas formas 
políticas autocráticas, o elemento instrumental de sua racionalidade 
tenha sido isolado e alçado ao primeiro plano.
A absorção dos intelectuais do Iluminismo lombardo no projeto 
político do absolutismo habsbúrgico, na condição de funcionários da 
coroa, colocou a capacidade intelectual daqueles jovens intelectuais 
a serviço do planejamento das estratégias da ascensão da autocracia 
régia contra a pluralidade de poderes políticos que caracterizava a 
sociedade do Antigo Regime. Nesse processo, o intelectual iluminista, 
assim absorvido e transformado em funcionário administrativo da co-
roa, tem seu papel redefi nido: agora ele não é mais o conselheiro do rei 
que pensa globalmente a sociedade, não apenas ajudando-o a alcançar 
as metas estipuladas, mas interferindo também na defi nição das pró-
prias metas; agora ele é o técnico em problemas jurídicos, econômicos 
ou cameralísticos que articula os meios necessários para alcançar os 
fi ns determinados pelo monarca e seus altos ministros.29 É claro que 
aquela imagem de conselheiro do rei, ao menos na Lombardia, nunca 
correspondeu propriamente à realidade, mas era a maneira como os 
iluministas lombardos compreendiam, em princípio, seu papel dentro 
do projeto modernizador e reformador do absolutismo habsbúrgi-
co. A subordinação do intelectual iluminista ao projeto autocrático 
do absolutismo tardio é a subordinação do próprio Iluminismo aos 
28 Estamos nos referindo aqui, evidentemente, às idéias de Jürgen Habermas e Boaventura 
de Sousa Santos, respectivamente.
29 As Consulte amministrative de Beccaria são um eloqüente exemplo do tipo de trabalho 
intelectual que se esperava de um funcionário josefi no (BECCARIA, Cesare. Consulte 
amministrative. In: BECCARIA, Cesare. Opere. SergioRomagnoli (a cura di). Firenze: 
Sansoni, 1958). Sobre o tema, ver: CAPRA, Carlo. Il gruppo del “Caffè” e le riforme. In: 
FERRONE, Vincenzo; FRANCIONI, Gianni (org.). Cesare Beccaria: la pratica dei lumi. Atti 
del Convegno. Firenze: Leo S. Olschki, 2000, p. 66.
CESARE BECCARIA E O DIREITO PENAL DO ABSOLUTISMO ESCLARECIDO...
36 | Capítulo 1
desígnios da pura acumulação do poder, à lógica de uma espécie de 
nova razão de Estado.30 Podemos nos perguntar, certamente, se isso 
ainda tem alguma coisa a ver com Iluminismo ou se estamos em uma 
zona na qual o que se vê é apenas a projeção das sombras criadas por 
suas Luzes. Esse pode ser, no entanto, um falso problema, pois, de 
qualquer maneira, a sombra sempre tem alguma coisa a ver com a 
luz que a tornou possível. Cesare Beccaria talvez tenha representado 
justamente o caso mais extremo desse fenômeno.31
A história do Iluminismo lombardo guarda, entretanto, um 
momento de singular brilhantismo para a cultura italiana do século 
XVIII. Um momento em que, em Paris, capital mundial da fi losofi a 
das Luzes, falava-se com curiosidade e entusiasmo dos progressos da 
École di Milan. O ponto-chave desse momento, seu fato propulsor, foi 
a publicação da obra Dei delitti e delle pene, de Cesare Beccaria. Graças 
a essa obra, a cosmopolita república das letras da Europa tomou co-
nhecimento da existência dos jovens patrícios milaneses. A partir de 
então Beccaria seria, perante a Europa, a fi gura central do Iluminismo 
na Lombardia, o grande representante das Luzes em Milão, o que lhe 
renderia enorme inveja e profundo rancor da parte de Pietro Verri. 
Veremos então Beccaria trocar correspondência com alguns ilustres 
nomes da Ilustração francesa, ser recebido em Paris como celebridade 
pelo círculo dos philosophes, ser convidado por Catarina II, soberana da 
Rússia, para escrever o código penal de seu império. Veremos também 
Voltaire, o arrogante líder do partido dos philosophes franceses, que era 
bajulado por uma infi nidade de jovens escritores que acorriam a Paris 
buscando fazer carreira no mundo intelectual, pedir humildemente a 
Beccaria alguns conselhos jurídicos referentes aos célebres processos 
em que se envolveu nas décadas de 1760 e 1770.32
Nesse momento de brilho do Iluminismo lombardo, protagoni-
zado justamente por Beccaria, aquele que mais do que qualquer outro 
simbolizaria seu declínio, não haveria nada que indicasse os destinos 
30 FRIGO, Daniela. op. cit.
31 CAPRA, Carlo. Il gruppo..., p. 68; ZORZI, Renzo. Cesare Beccaria. Il drama della giustizia. 
Milano: Bollati Borighieri, 1996.
32 Veja-se, a esse respeito, a carta de Voltaire a Beccaria contida em: VOLTAIRE. Comentários 
políticos. Trad. Antonio de Pádua Danesi, revisão Cláudia Berliner. São Paulo: Martins 
Fontes, 2001.
Alexander de Castro
Capítulo 1 | 37
da cultura iluminista em Milão? Não haveria nada que antecipasse a 
triste decadência dos valores liberais, republicanos e democráticos, 
tão profundamente ligados ao código genético do Iluminismo, e a 
ascensão exclusivista de uma racionalidade instrumental soberana e 
autocrática? São precisamente essas as perguntas a que tentaremos res-
ponder, analisando alguns aspectos da obra Dei delitti e delle pene.
3. O Legislador e o absolutismo esclarecido de Hel-
vétius a Beccaria
Quando se lê as primeiras páginas de Dei delitti e delle pene, a 
atenção de qualquer conhecedor da história do pensamento político 
é imediatamente atraída para as idéias contratualistas que Beccaria 
utiliza ao fundamentar a estrutura política em que inscreve seu 
sistema penal.33 Essas idéias apresentam uma enorme proximidade 
com o contratualismo inglês (de Hobbes e de Locke), o que leva 
muitos estudiosos a buscar nesses autores possíveis infl uências. O 
fato de o contratualismo ser tão profundamente ligado à imagem 
de Jean-Jacques Rousseau levou mais de um analista a afi rmar, ao 
contrário, que a verdadeira raiz das idéias políticas de nosso autor 
foi o polêmico genebrino.34
Quanto à afi rmação de que o contratualismo de Beccaria se 
inspirava em Hobbes, pois ele partia da hipótese de uma guerra de 
todos contra todos, devemos objetar que, ainda que parta da idéia de 
um estado de guerra original, o contrato social visa sacrifi car apenas 
uma parcela da liberdade para proteger o restante.35 Temos muito 
33 Vejamos algumas passagens onde desponta o contratualismo de Beccaria: “La prima 
conseguenza di questi principii è che le sole leggi possono decretar le pene su i delitti, e 
quest’autorità non può risedere che presso il legislatore, che rappresenta tutta la società 
unita per un contratto sociale” (BECCARIA, Cesare. Dei delitti e delle pene. Itália: Garzanti, 
1987, p.13.). Ainda: “La seconda conseguenza è che se ogni membro particolare è legato 
alla società, questa è parimente legata con ogni membro particolare per un contratto che 
di sua natura obbliga le due parti” (BECCARIA, Cesare. Dei delitti... p. 13.). E ainda: “Le 
leggi sono le condizioni, colle quali uomini indipendenti ed isolati si unirono in società, 
stanchi di vivere in un continuo stato di guerra e di godere una libertà resa inutile dall’in-
certezza di conservala. Essi ne sacrifi carono una parte per goderne il restante con sicurezza 
e tranquillità” (BECCARIA, Cesare. Dei delitti... p.10).
34 VENTURI, Franco. Utopia e riforma nell’Illuminismo. Torino: Einaudi, 1989.
35 Além disso, o próprio Beccaria afi rma que seu modelo contratualista não é de tipo hob-
CESARE BECCARIA E O DIREITO PENAL DO ABSOLUTISMO ESCLARECIDO...
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mais um esquema de pensamento de índole liberal. Mas antes de 
afi rmarmos, então, que se trata de um modelo inspirado em Locke, 
devemos lembrar que dois obstáculos nos impedem de traçar um 
paralelo perfeito entre os dois autores: o primeiro é que, em Locke, 
não há propriamente uma contradição entre a liberdade do Estado 
de natureza e a do estado social, pois o que se concede é apenas o 
direito de aplicar as sanções às violações do direito natural; o segundo 
são as críticas que Beccaria faz ao direito de propriedade, que fun-
damenta toda a arquitetura política de Locke. A afi rmação, já muito 
repetida, de que Beccaria partiria do contratualismo de Rousseau 
é, acreditamos, desprovida de fundamento, entre outros motivos 
pelo fato de Beccaria trabalhar com a idéia de representação política, 
condenada por Rousseau.
O problema não-resolvido da origem das idéias contratualis-
tas de Beccaria é complementado por outro. Há muito se percebeu 
que, no sistema de Dei delitti e delle pene, a argumentação de Beccaria 
muitas vezes vale-se de idéias de índole utilitarista. O utilitarismo, 
como sabem os leitores de Bentham, era profundamente hostil às 
idéias de contrato social e de direito natural.36 De tal maneira, como 
seria possível a Beccaria compatibilizar as duas ordens de idéias? Será 
que ele não tinha consciência da profunda incompatibilidade entre 
ambas ou será que, sendo consciente dela, resolveu comprometer a 
solidez de seu edifício teórico compondo um ecletismo conveniente, 
mas absurdo? A investigação da origem das idéias utilitaristas de 
Beccaria pode ajudar a resolver este emaranhado de questões.
A origem das idéias utilitaristas de Beccaria está na poderosa 
infl uência exercida por Claude-Adrien Helvétius – um fi lósofo hoje 
besiano: “Sarebbe un errore a chi, parlando di stato di guerra prima dello stato di società, 
lo prendesse nel senso hobbesiano, cioè di nessun dovere e di nessuna obbligazione an-
teriore, in vece di prederlo per un fatto nato dalla corruzione della natura umana e dalla 
mancanza di una sanzione espressa. Sarebbe un errore l’imputare a delitto ad uno scrittore, 
che considera le emanazioni del patto sociali, di non ammetterle prima del patto istesso” 
(BECCARIA, Cesare. Dei delitti... p.5).
36 Ver: SONTAG, Ricardo.

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