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UNIDADE I (parte 1) FONSECA, Marcelo Ricardo. Introdução teórica à história do direito (INTRODUÇÃO)

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INTRODUÇÃO: PENSAR O FAZER PARANÃO FAZER SEM PENSAR1 
 
“não fosse isso 
e era menos 
não fosse tanto 
e era quase”. 
Paulo Leminski 
 
1.1. Por quê História do Direito? 
Iniciar esse livro com essa pergunta pode parecer um absurdo. Eventualmente pode-se 
ter a impressão que a disciplina sobre a qual tudo o que será escrito a partir daqui (a 
história do direito) necessite de uma justificativa para sua existência, uma desculpa para 
ser estudada. Que tipo de conhecimento precisa justificar-se antes de ser estudado? A 
importância de um determinado ramo do saber não deve se impor por si só, sem que 
haja a necessidade de maiores explicações? 
Em parte essa pergunta é absurda e em parte não é. 
É absurda, de um lado, porque a história do direito não deveria justificar-se como 
disciplina (como a filosofia do direito ou a sociologia do direto, por exemplo, também 
não necessitam). Ela é dotada de uma especificidade dentro desse saber maior - que é o 
saber jurídico - que desvela aquilo que no fenômeno jurídico antes estava encoberto 
(velado), como também formula perguntas (e também fornece algumas respostas) que 
são próprias das suas estratégias teóricas de abordagem. A ênfase que damos na 
formulação de novas perguntas é deliberadamente maior que no oferecimento de 
respostas, pois um saber tanto é mais instigante quanto mais tenha capacidade de 
formular questões novas, às vezes inusitadas e surpreendentes, diante de uma realidade 
que às vezes é sempre batida por um mesmo tipo de olhar. A história do direito, sem 
dúvida alguma, tem um olhar muito próprio, muito específico e também muito 
penetrante, que não se confunde com o olhar filosófico, sociológico ou com o olhar das 
disciplinas dogmáticas - embora com elas (e também com outras disciplinas) se cruze 
constantemente. 
Deve-se desde logo dizer ainda que a história do direito também é uma abordagem 
teórica que se localiza dentro dos limites da disciplina da história (enquanto saber geral 
que é cultivado de modo "científico" a partir do século XIX, mas que tem suas raízes no 
grego Heródoto). Não se pode fazer história do direito sem prestar atenção nas 
contribuições, nas pesquisas, nas abordagens e nas metodologias específicas que os 
historiadores "gerais" utilizam - às vezes com um refinamento exemplar - dentro das 
suas subáreas específicas. Afinal, se o direito está presente na sociedade e se ele é 
histórico, não se pode desprender sua análise no passado da análise da própria sociedade 
 
1 O presente excerto foi extraído da Introdução da obra: Introdução teórica à História do Direito, de 
autoria de Marcelo Ricardo Fonseca, e tem por escopo auxiliar os acadêmicos no acompanhamento das 
aulas da disciplina de História do Direito. 
onde ele se insere e onde ele dialoga com a política, com a cultura, com a economia, 
com a sociedade, etc.. 
Mas aquela pergunta (pra quê história do direito?), se assenta, em parte, em premissas 
que nada têm de absurdo. Em primeiro lugar porque todas as disciplinas - de modo 
explícito ou não - têm seus estatutos e credenciais "científicos" vinculados com 
vicissitudes que são eminentemente históricas e, portanto, ligadas a uma provisoriedade 
e a uma "mundanidade". Não há nenhuma razão supra-histórica que, de um modo 
metafísico, imponha um determinado ramo do saber como o "privilegiado" em um 
espaço e em um tempo. Nenhum saber se impõe por si mesmo, pois, afinal, os saberes 
também fazem parte do jogo de forças que compõe o mundo histórico em que vivemos. 
Isso vale para as ciências em geral e para o conhecimento jurídico em particular. 
Ninguém melhor do que o próprio historiador pode perceber como o privilégio que em 
determinada época se dá a uma dada abordagem ou a uma determinada "ciência" (ou a 
um ramo seu) é ligado a práticas, a lutas, a interesses, e, enfim, a fatores eminentemente 
históricos (portanto mundanamente provisórios) que nada têm a ver com a imposição 
"em si" de alguma idéia intrinsecamente ligada à essência dessa "ciência". Isso 
implicaria em ver atuando na história algo que está fora dessa mesma história. Por isso, 
fazer a pergunta "por quê história do direito" é de certo modo entrar no palco histórico 
das vicissitudes que elegem privilégios e preferências ao mesmo tempo em que definem 
exclusões e desprezos nos ramos do saber. 
Em segundo lugar aquela pergunta não é de todo despropositada porque que os juristas 
em geral - e os juristas brasileiros em particular - realmente não estão acostumados a 
olhar para o fenômeno jurídico como algo a ser compreendido em perspectiva temporal. 
O passado não é visto como algo que tenha tanto a ensinar ao presente, ao menos ao 
presente jurídico. O senso comum dos juristas (fala-se evidentemente de uma maneira 
generalizadora) gosta de pensar que o direito atual, o direito moderno, é o ápice de todas 
as elaborações jurídicas de todas as civilizações precedentes, já que é a única ungida 
com a água benta da "racionalidade". O direito moderno freqüentemente é visto como o 
resultado final de uma evolução histórica onde tudo aquilo que era bom no passado vai 
sendo sabiamente assimilado e decantado, de modo a transformar o nosso direito 
vigente na mais sofisticada e elaborada maneira de abordar o fenômeno jurídico. 
E, geralmente, quando se fala de algo bom no passado, pensa-se no direito romano e nos 
seus respectivos institutos jurídicos que tanto legaram ao nosso direito moderno 
(especialmente ao direito privado moderno). Geralmente, porém, pensa-se no direito 
romano como algo que contém em si mesmo um núcleo precioso, de juridicidade 
"pura", e que poderia ser aplicada diretamente (ou após algumas poucas mediações) na 
nossa realidade moderna. Evidentemente que esse modo de observar o direito romano 
(muito difundido o Brasil) ignora o modo como ele foi filtrado e recepcionado pelo 
direito moderno, a ponto de muitas vezes transformá-lo e diluí-lo nesse mesmo direito 
moderno. Como diz Paolo Cappellini, não se deve olhar a relação do direito romano 
com o direito moderno somente em termos de uma forçada continuidade, mas sobretudo 
deve-se olhá-la nas cesuras, nas rupturas e nas mudanças de rota, pois, afinal, os juristas 
europeus olhavam em direção à antiguidade, mas com olhos de ‘modernos'[1]. E se 
assim o fizermos - isto é, historicizando o direito romano - certamente ele se apresentará 
com maior riqueza, com uma instigante força crítica e relativizadora (o que só se pode 
fazer, todavia, a partir da análise das características da sociedade romana que acolhe o 
seu magnífico direito), e não será somente um saber passado que só serve para ser 
observado na medida em que se pode ser espelhado e refletido nos institutos jurídicos 
vigentes, buscando justificar, dessa forma nem sempre convincente, a sua atual 
existência. De fato, infelizmente o direito romano (que é uma disciplina importantíssima 
na formação do jurista, e que desafortunadamente vem sendo crescentemente 
desvalorizada na formação dos jovens bacharéis) é muitas vezes ensinado como se fosse 
um complemento ao estudo do direito privado vigente, uma espécie de demonstração de 
como o direito atual, afinal de contas, soube aproveitar muito bem o velho legado latino. 
Dessa forma, se excetuarmos esse aproveitamento duvidoso que se faz do direito 
romano, pouca coisa sobra de todo o passado histórico no trabalho intelectual que fazem 
os juristas na compreensão do direito. Geralmente a idade média é solenemente 
desprezada como o "período negro" da história do ocidente - e que nada tem a nos 
ensinar de útil - e toda a conflitualidade que caracteriza a modernidade desde seus 
primórdios é vista como um processo raso e tranqüilo em que a razão vai se impondo 
até chegar placidamente na sofisticação da elaboração jurídica moderna. E isso pra não 
falar do modo como se ignoramas especificidades da história brasileira (iniciada por 
um processo de conquista e de exploração, pela eliminação dos índios e pela mancha da 
escravidão, que deixou mais sinais nas nossas instituições e em nosso direito do que se 
pode inicialmente suspeitar) na compreensão do direito. 
Certamente existem razões históricas para isso (que o presente trabalho, todavia, não 
tem a intenção de enfrentar). De todo modo, esse cenário demonstra como é necessário 
perquirir as razões da presença ou da ausência da história do direito como saber no 
ensino jurídico. Mas convém desde logo avançar na direção da complexidade que um 
questionamento sobre a história do direito pode suscitar. 
1.2. Uma primeira aproximação ao conteúdo da História do Direito 
Em geral, a ‘história do direito' é tomada como um conjunto de saberes com uma 
compleição bem definida e definível, como algo dado, como algo que talvez nem 
mereça uma discussão sob um crivo teórico-metodológico. Enfim, pode-se pensar que 
quando falamos de História do Direito já sabemos do que se trata. 
De fato, o nosso senso comum teórico[2] costuma definir rapidamente o que significa 
esta disciplina da seguinte forma: se não for uma ciência, um saber (no sentido de "a 
disciplina da história do direito", ou "a história do direito ensina que...") certamente que 
ela vai significar o objeto deste saber, que é precisamente o passado jurídico. Ou, em 
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outros termos: neste segundo sentido, a história do direito seria o conjunto de eventos e 
fatos que compõe o passado jurídico da humanidade, reconstituídos através de 
procedimentos controlados (se não mesmo objetivos), hauridos do ramo das ciências 
humanas (em verdade teoricamente muito tumultuoso) que é a "ciência da história". A 
história do direito seria assim definida rápida e tranqüilamente, pois parece haver pouco 
a ser discutido ante a certeza de que a história do direito é, por um lado, o ramo do 
conhecimento que se ocupa do passado jurídico, e, por outro, ela é, afinal, o conjunto 
dos eventos que compõe este passado. 
Uma reflexão mais detida, todavia, demonstraria que as coisas não se passam bem 
assim. Um filósofo "idealista" diria que os fatos e eventos não têm uma materialidade 
exterior ao pensamento, mas que existem somente idéias destes fatos. Tudo o que 
temos, para esta forma de analisar o mundo, não passaria de um conjunto de concepções 
mentais. A partir deste tipo de reflexão, poderíamos então dizer que o passado do direito 
(entendido como o conjunto de eventos concretos e materiais) não existe; o que existem 
são somente idéias ou representações sobre eles. A história do direito, assim, não 
existiria; haveria apenas elaborações subjetivas sobre o passado do direito, tornadas 
possíveis através da consciência. 
Por outro lado, se pensarmos no conceito de história do direito como saber (e não como 
objeto deste saber), e se o saber histórico, como dito acima, fosse "o conjunto de fatos" 
do passado humano, haveria ainda outra possibilidade teórica - sem precisar sermos 
necessariamente idealistas - que consistiria simplesmente em duvidar dos critérios 
tradicionais de escolha dos "fatos" que compõem o saber histórico jurídico. Sim, pois se 
o saber histórico é a recolha de alguns eventos do passado humano, e, afinal de contas, a 
cada minuto ocorrem simultaneamente milhões de fatos de ordem e natureza variadas, 
devemos perguntar que critérios justificam a escolha de alguns eventos para 
ingressarem na galeria da história, e não de outros. Quais os meios de julgar que alguns 
fatos são "históricos" (ou ao menos dignos de registro histórico) e outros não? 
Se não nos contentarmos com a fácil resposta (que será adiante analisada) de que são 
dignos de registro os "grandes" eventos, nomes e datas (no caso da história do direito, 
os grandes eventos legislativos e as grandes escolas jurídicas), percebemos que a 
resposta ao questionamento do significado da história do direito fica ainda mais difícil. 
E tudo isto para não falarmos na possibilidade de simplesmente proscrever os fatos da 
ciência da história (que seriam, nas palavras de Fernand Braudel, uma mera "agitação de 
superfície (...) de oscilações breves, rápidas e nervosas"[3]), substituindo-os, como 
fizeram Lucien Febvre e Marc Bloch (como também, a rigor, boa parte da historiografia 
francesa educada pela Escola dos "Annales"[4]) pelas análises estruturais de longa 
duração, onde os eventos perdem importância e dignidade. Afinal, para esta importante 
corrente de historiografia francesa, o nível factual é o mais pobre dentro da análise 
histórica, devendo ser privilegiadas as visões problematizantes em termos de conjuntura 
e estrutura. 
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Resposta segundanull
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Até aqui se pode notar como aquela conclusão trivial de que a história do direito seria, 
afinal, a simples "reconstituição dos fatos jurídicos do passado" pode ser severamente 
questionada e duvidada por vários ângulos. Uma definição ou explicação rápida da 
história do direito se torna, como se pode ver, algo tremendamente problemático: afinal, 
não há um único caminho para o conhecimento histórico (como não pode haver um 
único caminho para o saber). 
1.3. Pensar a História do Direito: a questão do método 
Tudo isso demonstra que pensar História do Direito implica necessariamente em uma 
série de interações teórico-metodológicas que a primeira interpretação ingênua passa 
por cima. Não há aproximação a um objeto do saber sem o uso de um instrumental 
teórico-metodológico. Michel Löwy[5] faz a esse respeito uma metáfora interessante: 
comparar a atividade de um cientista com a atividade de um pintor. O pintor, que tem 
diante de si uma paisagem a ser retratada, seria o cientista, que também tem o seu objeto 
(a sua paisagem) a considerar. A paisagem para o pintor seria, pois, o correspondente do 
objeto para o cientista. Mas fundamental para o cientista é também um belvedere, um 
observatório, de onde ele possa vislumbrar a paisagem de um modo mais inspirador 
(quiçá mais abrangente) para retratar em seu quadro. Não é possível pintar um quadro 
de uma paisagem sem que o pintor se coloque em uma determinada altura e em uma 
perspectiva, que constituirão o observatório de onde a paisagem será retratada. Pois 
bem: esse observatório corresponde à teoria do cientista, pois sem um determinado 
ponto de observação (com uma altura e perspectiva dadas) o seu objeto não poderá ser 
alcançado. Não existe ciência sem uma estratégia teórica que busque alcançá-lo. Assim 
como para o pintor existem vários observatórios possíveis (e é justo pensar que em 
alguns desses observatórios a paisagem se mostrará mais do que em outros), para o 
cientista existem diversas teorias possíveis, que levarão a diferentes níveis de 
desvelamento de seu objeto[6]. 
Se o cientista (pintor), diante de seu objeto (paisagem), necessita de uma teoria 
(observatório) sem o qual seu trabalho não pode se desenvolver, há que se colocar 
logicamente a conclusão de que a escolha da teoria irá implicar não só na escolha de um 
determinado caminho, mas também no atingimento de um resultado diverso. 
Por isso, ao pensar a história do direito devemos antes de tudo colocar a questão 
teórico-metodológica dessa disciplina. Como qualquer ramo do saber, não se pode fazer 
história do direito sem disciplina teórica, sem um questionamento de fundamentos e de 
métodos. Nesse mesmo sentido Hespanha sentia que "se pode afirmar que a tarefa 
historiográfica não pode decorrer sem a adesãoa um modelo explicativo prévio que 
permita seleccionar as questões relevantes e relacioná-las entre si, adoptar as estratégias 
de pesquisa adequadas, estabelecer ligações entre os factos apurados pela investigação 
empírica." [7] 
Se assim não fazemos a apropriação teórica será intuitiva, logo irrefletida e, portanto, 
prenhe de conseqüências teóricas e práticas indesejadas. Organizar os instrumentos 
teóricos da História do Direito significa portanto capacitar todo aquele que ingressa nos 
limites dessa disciplina com algum instrumental que de algum modo permita um melhor 
manejo com esse saber específico. Pietro Costa, com razão, adverte que se a pesquisa 
histórica quer ser um verdadeiro e próprio ato de intelecção, ela deve servir-se de uma 
linguagem (aliás, de linguagens) adequadas e rigorosas, de procedimentos controláveis, 
onde o ‘senso comum' cede seu lugar ao exercício da razão crítica: a pesquisa histórica 
tende à teoria no método e no resultado, assim como a teoria se torna real na reflexão 
historicamente fundada[8]. 
Diante desta situação, de fato parece-nos que uma das primeiras tarefas é justamente 
rediscutir os pressupostos teóricos e metodológicos desta disciplina, de modo a 
capacitá-la a enfrentar discussões históricas relevantes, alterando o foco onde 
tradicionalmente os holofotes teóricos se dirigem. Afinal, nas palavras de Hespanha, a 
"adopção pela historiografia jurídica de um modelo metodológico cientificamente 
fundado representa, por sua vez, a aquisição de um novo sentido para esta disciplina no 
quadro das disciplinas sociais e jurídicas - não um sentido apologético, não um sentido 
mistificador, mas um sentido libertador".[9] 
1.4. Teoria e metodologia: esclarecimentos necessários 
Desde logo convém esclarecer que método e teoria não são a mesma coisa. A 
metodologia na História do Direito, ou a metodologia na ciência de um modo geral, diz 
respeito aos passos a serem dados pelo cientista no processo de constituição do seu 
saber. Metodologia dentro da história, assim, pode ser exemplificada com o modo de 
selecionar as fontes, o modo de abordá-las e lê-las, o modo de classificá-las e organizá-
las e, enfim, a partir de tudo isso, o modo de descrevê-las. A metodologia é uma espécie 
de passo a passo, é o caminho que se faz para ter um resultado de conhecimento. Já a 
teoria é a chave conceitual, a ferramenta que o teórico utiliza para tratar determinado 
tema na ciência em geral (e na História ou Direito em particular). 
É certo que essa distinção é um tanto artificial porque não se pode operar uma 
metodologia sem o uso de uma certa teoria, como também não se pode manejar uma 
teoria sem o uso de uma certa metodologia. Há que se perceber que na prática o manejar 
teórico e o manejar metodológico se confundem um pouco - embora permaneçam sendo 
conceitualmente diferentes. 
Dada essa diferenciação, esclarece-se desde logo que esse livro dará um privilégio à 
teoria, mais do que à metodologia. A intenção é formular um discurso que contribua 
mais para a reflexão e compreensão teórica que à operacionalização metodológica 
(embora, como se disse, às vezes isso possa se confundir até mesmo nos argumentos 
que possamos desfiar mais adiante). 
Finalmente, quanto a esse particular uma outra observação é obrigatória: a discussão 
pura e simples de teoria e de metodologia, quando for completamente desvinculada dos 
propósitos do ramo do saber em questão (no nosso caso, da história do direito), pode se 
tornar uma discussão até certo ponto estéril. Afinal, tanto a teoria quanto a metodologia 
servem para operacionalizar um saber que não deve se esgotar nem na teoria e nem na 
metodologia. O que se pretende, enfim, é que seja feita uma história do direito bem 
informada (ou ao menos autoconsciente) nos seus limites teórico-metodológicos. 
Todavia, de outro lado, não podemos perder de vista o fato de que a abordagem do saber 
específico (no caso, a ‘história do direito') não pode ser separada da discussão teórica e 
metodológica que a envolve, senão de modo fictício. A diferença entre o ‘objeto' do 
saber e o modo como ele é apreendido é uma distinção retórica, eis que o modo como se 
apreende o objeto constitui, em certa medida, esse mesmo objeto. Abordar o objeto é 
em certo sentido construir esse objeto. Noutras palavras, discutir história do direito é, 
em cada passo e a cada momento, discutir também seus limites e possibilidades do 
ponto de vista teórico e metodológico. 
1.5. Definindo os caminhos a serem percorridos 
Feitas todas essas ressalvas e tomadas todas as precauções, pode-se agora anunciar o 
caminho escolhido nesse pequeno livro para guiar o leitor nessa problematização teórica 
da história. Esclarece-se desde logo que não se fará uma "história da história" (projeto 
tão amplo quanto infactível), mas sim um recorte muito limitado e demarcado. 
Deixaremos de lado uma certa "trajetória" que habitualmente se faz, que começa na 
antiguidade com Heródoto (c. 485 - c. 424 a.c.) - considerado o "pai da história", passa 
por Tucídides (c. 460 - c. 400 a.c.), Políbio (c. 200 - c. 125 a. c.), Tito Lívio (59 a.c. - 17 
d.c.) e Tácito (c. 58 - c. 120 d.c.), passa pela Idade Média de Gregório de Tours (530-
594), de Joaquim de Fiori (1132-1202), percorre as eras do Renascimento e da 
Ilustração de C. Salutati (1330-1406), L. Bruni (c. 1370-1444), Maquiavel (1469-1527), 
G. Vico (1668-1744), Voltaire (1694-1778), Montesquieu (1689-1755), Rousseau 
(1712-1778) e Bonnot de Mably (1709-1785), até chegar ao ‘pensamento histórico da 
Revolução Francesa', como Condorcet (1743- 1794), Destut de Tracy (1754-1836), 
Augustin Thierry (1795-1856), François Guizot (1787-1874) e Thiers (1797-1877)[10]. 
Certamente essa é uma trajetória importante na compreensão de como foram se 
conformando os modos de se fazer história e constituíram antecedentes fundamentais 
daquilo que, depois, viria a ser colocado dentro da "ciência da história". Embora a 
reflexão sobre o significado da história, sobretudo nos autores anteriores ao século XIX, 
seja muitas vezes bastante diversa daquela que se conformou a partir dali, todas essas 
referências são importantes para alguém que busca uma compreensão completa da 
constituição da história como ramo do saber. Todavia, esse caminho não será trilhado 
aqui. Opta-se, apenas, por um recorte que toma como ponto de partida o momento em 
que se começou, justamente, a acreditar que se estava fazendo "ciência" da história, ou 
seja, a partir do momento em que voltar ao passado deixava de ser, no discurso dos 
historiadores, algo que fosse a busca do "exemplo" dos antepassados e passava a ser a 
"descrição objetiva", com enquadramento científico, do que já aconteceu. Esse é um 
momento em que o estudo do passado efetivamente se profissionaliza, passa a ocupar 
um lugar de dignidade em universidades, passa a revestir-se (como se verá a seguir), 
junto com outras jovens ciências sociais, de uma aura "científica" capaz de atingir uma 
"verdade" do mesmo modo como o faziam as já estabelecidas "ciências naturais". É 
também o momento em que se começa a refletir como nunca sobre o próprio ato de 
fazer história - ou seja, começa a existir um discurso teórico e metodológico sobre a 
disciplina. Estamos já, enfim, no século XIX, período cujas características epistêmicas 
serão justamente chamadas de "Era da História"[11]. 
Dentro desse terreno, optamos por abordar em primeiro lugar o "positivismo" no 
conhecimento histórico (sobretudo aquele oitocentista, e cientes, antes de tudo, que o 
próprio termo "positivismo" pode aqui dar margens a controvérsias). Trata-se daquilo 
que também é conhecido por "história tradicional" ou "história rankeana" (em alusão ao 
maior epígono dessa "escola", o alemão Leopold von Ranke), e que deve, ao nosso 
juízo, constituir o primeiro passo desse nosso percurso não só por constituir a primeira 
formulação"científica" da história (nos moldes em que o século XIX definiu a 
"ciência"), numa tentativa efetiva de buscar "objetividade" e dignidade teórica ao estudo 
do passado, mas também por ser a forma de encarar a disciplina da história que 
impregnou de modo radical a cultura no Brasil e, de modo particular, impregnou a visão 
que os juristas tinham (e têm) da história. Voltar a atenção a esse modo particular de se 
conceber a história é, portanto, de certo modo, um acerto de contas com nossa própria 
consciência geral e, precisamente está aí a maior justificativa para que neles 
enfoquemos nossa atenção. 
A seguir nos ocuparemos das duas "escolas" historiográficas que, no consenso de 
praticamente todos os estudiosos, constituem aquelas que maiores marcas deixaram no 
trabalho acadêmico dos historiadores ao longo do século XX: em primeiro lugar a 
"Escola de annales", ou escola francesa, e em segundo lugar o marxismo, ou 
materialismo histórico. É certo que enquanto a primeira foi um movimento acadêmico e 
puramente historiográfico, o segundo foi algo mais amplo, que invadiu os campos de 
discussão filosófica, econômica e, sobretudo, política. Ambas, todavia, trouxeram um 
cabedal de questões ao historiador que não pode, de nenhum modo, ser hoje descartado. 
No que diz respeito ao marxismo, embora seja um tanto artificial "separá-lo" em 
diversas "contribuições" disciplinares (pois não se entende que o marxismo seja 
"cindível", pois dessa forma essa abordagem perde um tanto sua força argumentativa), o 
que se tentará fazer aqui é centrar o foco, ciente do risco de reducionismos, sobre a 
contribuição que essa corrente trouxe para a história (o núcleo daquilo que ficou 
conhecido como "materialismo histórico"), pois mesmo qualquer olhar ideologicamente 
desapaixonado deverá reconhecer, se tiver uma pitada de honestidade intelectual, que 
essa abordagem em muito enriqueceu o olhar que a disciplina histórica pode dar ao 
passado. 
Finalmente, outras duas abordagens (já não tão consensuais entre os historiadores, mas, 
ao nosso ver, extremamente ricas de desdobramentos para a história, e em particular 
para a história do direito) serão também discutidas: trata-se de algumas das 
contribuições específicas para o conhecimento histórico que nos foram dadas pelos 
filósofos Walter Benjamin e Michel Foucault. Não se trata de nenhuma nova 
"interpretação" do pensamento desses autores e nem mesmo de uma ‘síntese' de suas 
reflexões (o que seria demasiadamente pretensioso), mas pura e simplesmente um 
recorte de algumas questões (que entendemos sejam relevantes) que são, a nosso ver, 
centrais para aqueles que se ocupam de olhar para o passado humano (incluídos, pois, 
aqueles que olham para o passado do direito humano). Àqueles que acusarem essas 
específicas abordagens de serem "excessivamente filosóficas" para o campo dos 
historiadores, eu responderia de antemão que a história será tanto mais capacitada 
metodologicamente quanto mais capaz for de dialogar com outras ciências sociais e com 
a filosofia (contribuições essas que, aliás, estão contidas nos programas da "escola de 
Annales" e da historiografia marxista). E aqueles que acusarem essas abordagens de 
uma certa "arbitrariedade", eu posso me render, dando a mão à palmatória, 
obtemperando, porém, que toda construção teórica carrega consigo, em certa medida, 
algo de arbitrário e de pessoal. 
-------------------------------------------------------------------------------- 
[1] CAPPELLINI, Paolo. Dal diritto romano al diritto moderno, "in" SCHIAVONE, 
Aldo (a cura di). Diritto romano privato: um profilo storico. Torino: Einaudi, 2003, 
págs. 454 e segs. Nessa perspectiva que enquadra historicamente o direito romano, veja-
se também SCHIAVONE, Aldo (a cura di). Linne di storia del pensiero giuridico 
romano. Torino: Giappichelli, 1994. 
[2] FONSECA, Ricardo Marcelo. A história no direito e a verdade no processo: o 
argumento de Michel Foucault, "in" Gênesis: revista de direito processual civil. 
Curitiba, Gênesis editora, número 17, julho/setembro, ano 2000, págs. 570/583. 
[3] BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história, págs. 112/119, apud BOURDÉ, Guy 
e MARTIN, Hervé. As Escolas Históricas. S/l: Publicações Europa América, s/d, pág. 
131. 
[4] Exemplar nessa tentativa de fazer uma história que tem um "horror ao evento" que 
culmine numa "história sem homens" é o texto-manifesto de LE ROY LADURIE, E. Le 
territoire de l'historien. Paris: Gallimard, 1973. 
[5] LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchausen: 
marxismo e positivismo na teoria do conhecimento. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 1994. 
[6] O uso dessa metáfora evidentemente não faz com que desconsideremos toda a 
essencial postura teórica do paradigma hermenêutico segundo o qual a operação 
cognitiva deve superar o dualismo sujeito-objeto (próprio do paradigma epistêmico) em 
direção a uma relação sujeito-sujeito, ou, dito de outro modo, à evidência segundo a 
qual o ato de conhecer não é apenas debruçar-se sobre um objeto que se coloca em uma 
natureza inerte, pronto para ser colhido por um sujeito altivo, dominador e racional, mas 
sim uma operação onde que se dá no mundo da linguagem, onde a interpretação e 
criação do saber têm um papel central. Vide a propósito VATTIMO, Gianni. Oltre l' 
interpretazione: Il significato dell'ermeneutica per la filosofia. Roma/Bari: Laterza, 1994 
e também LUDWIG, Celso. Gadamer: a racionalidade hermenêutica - contraponto à 
modernidade "in" FONSECA, Ricardo Marcelo (org). Crítica da modernidade: diálogos 
com o direito. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, págs. 145 e segs. 
[7] HESPANHA. António M. A história do direito na história social. Lisboa: livros 
horizonte, 1978, pág. 16. 
[8] COSTA, Pietro. Iurisdictio: semantica del potere politico nella repubblica medievale 
(110-1433). Milano: Giuffrè, 2002, p. 7. (Ristampa). "Se la ricerca storica vuole essere 
un vero e proprio atto di intellezione, essa deve servirsi di un linguaggio (anzi di 
linguaggi) aggiornati e rigorosi, di procedimenti controlabili, dove il ‘senso comune' 
cede il posto all'esercizio della ragione critica: la ricerca storica tende alla teoria nel 
metodo e nel risultato, così come la teoria diventa reale nella riflessione storicamente 
fondata". 
[9] HESPANHA, António M. A história do direito na história social, págs. 16/17. 
[10] Vide FONTANA, Josep. História: análise do passado e projeto social. Trad. Luiz 
Roncari. Bauru: EDUSC, 1998, págs. 15/115. 
[11] FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Trad. Selma Tannus Muchail. 6ª. 
ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992, págs. 231 e segs 
 
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	outros termos: neste segundo sentido, a história do direito seria o conjunto de eventos efatos que compõe o passado jurídico da humanidade

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