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Os Primeiros Reinos 
Germânicos: A União do 
Legado Romano à 
Tradição Germânica
1. OBJETIVOS
•	 Distinguir	 os	 processos	 históricos	 de	 formação	 dos	 pri-
meiros	reinos	germânicos.	
•	 Conhecer	 a	 organização	 político-administrativa	 dos	 visi-
godos,	lombardos	e	francos.	
•	 Identificar	os	processos	de	cristianização	dos	povos	ger-
mânicos.
2. CONTEÚDOS
•	 Instalação	germânica	no	Ocidente.	
•	 Fusão	entre	as	instituições	romanas	e	a	comunidade	ger-
mânica.	
•	 Disputas	políticas	entre	os	reinos	germânicos.	
•	 Papel	cristianizador	da	Igreja	episcopal.
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3. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO DA UNIDADE
Antes	de	 iniciar	o	estudo	desta	unidade,	é	 importante	que	
você	leia	as	orientações	a	seguir:
1)	 Para	 uma	 melhor	 compreensão	 desta	 unidade,	 tenha	
sempre	em	mente	que	a	fusão	entre	culturas	não	signifi-
ca	o	fim	destas.	Na	verdade,	corresponde	ao	nascimento	
de	uma	terceira	cultura,	que	traz	em	seu	seio	elementos	
importantes	de	suas	raízes.	Portanto,	temos	a	transcul-
turação	e	não	a	aculturação.	
2)	 Para	complementar	seus	estudos,	sugerimos	a	consulta	
à	obra:	ANDERSON,	P.	Passagens da Antigüidade ao Feu-
dalismo. São	Paulo:	Brasiliense,	1995.
3)	 Os	temas	relativos	ao	século	3º	foram	tratados	de	ma-
neira	mais	sistemática	na	Unidade	2.	Portanto,	se	con-
siderar	 necessário,	 retome	 os	 conteúdos	 estudados	 e	
confira	tais	informações.
4)	 Se	você	quiser	saber	mais	sobre	as	pesquisas	arqueoló-
gicas,	sugerimos	que	procure	nos	sites	de	busca	textos	
dos	arqueólogos	Patrick	Périn	e	Laure-Charlotte	Feffer.
5)	 Caso	 você	 tenha	 interesse	 em	 se	 aprofundar	 sobre	 o	
tema	 da	 Lei	 Sálica,	 encontrará	 uma	 tradução	 francesa	
de	J.	M.	Pardessus	sobre	essa	lei	no	site	disponível	em:	
<http://remacle.org/bloodwolf/loisalique/rable.htm>.	
Acesso	em:	25	jan.	2008.
6)	 As	 informações	 a	 seguir	 serão	 importantes	 para	 uma	
melhor	compreensão	do	conteúdo	que	será	trabalhado	
nesta	unidade.	Leia-as	atentamente	e	complemente	seu	
conhecimento.
•	 A	História Augusta é	o	 conjunto	de	biografias	dos	
imperadores	romanos,	de	Adriano	a	Numeriano.	Foi	
escrita	 provavelmente	 no	 final	 do	 século	 4º.	 Você	
encontra	a	 versão	 latina	e	 traduções	em	 inglês	no	
site. Disponível	 em: <http://www.livius.org/hi-hn/
ha/hist_aug.html>.	Acesso	em:	17	fev.	2011.	
87© Os Primeiros Reinos Germânicos: A União do Legado Romano à Tradição Germânica
•	 Os	 escotos	 e	 os	 pictos	 (pictos,	 em	 latim,	 significa	
“pintados”)	 eram	 tribos	 que	 habitavam,	 respecti-
vamente,	regiões	da	atual	 Irlanda	e	o	centro-norte	
da	Escócia.	Ambas	eram	inimigas	dos	bretões	e	de-
fendiam	a	não	anexação	de	seus	territórios	ao	 Im-
pério	Romano.	Saiba	mais	 informações	sobre	o	as-
sunto	acessando	o	site	disponível	em:	<http://www.
nucleohumanidades.ufma.br/pastas/CHR/2005_1/
adriana_zierer_v3_n1.pd>.	 Acesso	 em:	 17	 fev.	
2011.	
7)	 A	 seguir,	 você	 poderá	 travar	 um	 conhecimento	 prévio	
com	algumas	das	importantes	figuras	históricas	que	se-
rão	citadas	nesta	unidade:
Rômulo Augústulo
Rômulo Augústulo, também conhecido como o pequeno Au-
gústulo por ter assumido o Império ainda criança, é consi-
derado o último imperador romano (texto: disponível em: 
<http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/IRRumAug.
html>. Acesso em: 25 jan. 2008. Imagem disponível em: 
<http://www.historiaclasica.com/2007/07/romulo-augustulo-
-el-ltimo-emperador.html>. Acesso em: 17 fev. 2011).
Santo Ambrósio
Santo Ambrósio foi bispo de Milão entre 374 e 397. Sua obra 
principal De Fide ad Gratianum é composta por cinco livros 
destinados a esclarecer Graciano sobre a heresia ariana. 
Sua biografia está disponível no site: <http://brasiliavirtual.
info/tudo-sobre/ambrosio-de-milao>. Acesso em: 25 jan. 2008 
(imagem disponível em: <http://www.paulinas.org.br/diafeliz/
santo.aspx?Dia=07&Mes=12>. Acesso em: 17 fev. 2011).
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Teodorico
Teodorico foi um líder ostrogodo responsável pelo estabele-
cimento de seu povo no território italiano. Foi considerado o 
mais romanizado dos bárbaros. Seu reinado durou cerca de 
30 anos (493-526) (imagem disponível em: <http://www.tra-
sosmontes.com/forum/viewtopic.php?f=6&t=3754>. Acesso 
em: 17 fev. 2011).
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Conforme	estudamos	na	unidade	anterior,	há	inúmeros	pro-
cessos	sociais,	políticos,	religiosos	e	culturais	que	permitem	a	in-
serção	de	um	período	intermediário	entre	o	que	se	convencionou	
chamar	de	Antiguidade	e	o	que	chamamos	de	Idade	Média:	a	An-
tiguidade	Tardia.	
Esse	período,	como	afirma	Peter	Brown,	representaria	a	con-
tinuidade	das	estruturas	antigas	unida	à	 religiosidade	cristã.	Por	
isso,	mesmo	com	relação	à	Alta	Idade	Média	(século	7º	a	século	
10),	não	podemos	afirmar	que	os	referenciais	da	Antiguidade	ti-
vessem	sido	superados	e	alterados	por	completo.	Muito	do	legado	
imperial	romano	foi	mantido	ou	adaptado	à	realidade	dos	povos	
germânicos,	assim	como	elementos	germânicos	foram	assimilados	
pelos	romanos.
O	objetivo	desta	unidade	é	apresentar	o	processo	de	insta-
lação	dos	povos	germânicos	no	Ocidente,	reconhecendo	a	união	
de	sua	tradição	à	herança	político-cultural	deixada	pelos	romanos.	
Desde	já,	chamamos	sua	atenção	para	o	fato	de	que	as	entradas	
germânicas	 não	 foram	 sempre	 ofensivas,	 conforme	 é	 divulgado	
pela	historiografia	tradicional.	
5. A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO
A	história	da	entrada	e	permanência	dos	povos	germânicos	
no	Ocidente	é	muito	controversa.	Isso	se	deve	às	inúmeras	proble-
89© Os Primeiros Reinos Germânicos: A União do Legado Romano à Tradição Germânica
máticas	históricas	suscitadas	por	diferentes	correntes	historiográ-
ficas	a	respeito	da	inclusão	do	elemento	germânico	na	realidade	
sociocultural	do	Império	Romano	Tardo	Antigo.	
Dentre	essas	problemáticas,	temos	o	questionamento	sobre	
o	que	teria	provocado	a	“queda”	ou	a	“crise”	do	Império	Romano.	
Também	se	discute	sobre	quais	são	os	elementos	que	definem	a	
Alta	Idade	Média	como	período	diverso	da	Antiguidade	Tardia.	
Os	 textos	 presentes	 em	 livros	 didáticos	 do	 Ensino	 Médio	
apresentam	o	início	da	Idade	Média	como	o	momento	da	queda	
do	Império	Romano	provocada	pela	onda	de	invasões	bárbaras.	
Dessa	forma,	é	impossível	não	reconhecer	a	deposição	de	Rô-
mulo Augústulo	pelo	chefe	ostrogodo	Odoacro,	em	setembro	de	476,	
como	o	fato	que	decreta	oficialmente	o	fim	do	Império	Romano.	
Entretanto,	a	leitura	simplificada	desse	fato	esconde	debates	
ainda	sem	consenso	sobre	duas	questões.	A	primeira	questão	diz	
respeito	ao	que	teria	ocasionado	a	ruína	da	estrutura	imperial	no	
Ocidente	romano:	uma	crise	 interna	“natural”	arrastada	durante	
séculos	ou	a	pressão	germânica,	forte	o	suficiente	para	desmante-
lar	uma	estrutura	imperial	de	mais	de	cinco	séculos.	
A	segunda	questão	provém	da	primeira	e	trata	de	procurar	
os	motivos	que	levaram	os	povos	germânicos	a	pressionar	as	fron-
teiras	do	Império	Romano	do	Ocidente.	
Ferdinand	Lot	(1991)	e	Perry	Anderson	(1995)	são	alguns	dos	
historiadores	que	defendem	a	ideia	da	lenta	crise	interna	que	le-
vou	ao	desmoronamento	do	Império.	Segundo	Lot,	os	fatores	que	
explicam	essa	decadência	não	se	encontram	apenas	nas	invasões	
bárbaras.	A	queda	do	 Império	 foi	um	processo	 longo,	diante	do	
qual	as	 invasões	foram	apenas	um	agravante	final,	e	não	o	fator	
mais	importante.	
Desde	o	 século	3º,	a	 crise	era	 sentida	dentro	da	estrutura	
"decrépita"	 do	 Império.	 Vejamos	 alguns	 elementos	 importantes	
dessa	crise:
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•	 A	influência	crescente	do	exército	na	vida	política,	a	pon-
to	de	ser	determinante	na	sustentação	ou	na	deposição	
dos	imperadores.	
•	 O	enfraquecimento	do	Senado	em	sua	condição	de	insti-
tuiçãopública	deliberativa.	
•	 A	crise	econômica	provocada	pela	diminuição	da	arreca-
dação	de	impostos	e	pela	queda	da	produção	agrícola.
Tais	fatores	acarretaram,	também,	uma	desvalorização	mone-
tária,	a	ponto	de	o	povo	retomar	a	troca	de	bens	em	lugar	da	utiliza-
ção	da	moeda.
Anderson	segue	a	mesma	linha	de	Lot,	reconhecendo	no	sé-
culo	3º	o	início	da	queda	do	Império.	Segundo	ele,	com	o	fim	das	
guerras	de	expansão	imperial,	uma	consequente	crise	de	abasteci-
mento	de	mão	de	obra	escrava	se	estabeleceu	no	Império.	Essa	cri-
se	se	irradiou,	adensando	outros	elementos	como	a	crise	urbana,	a	
estagnação	demográfica	e	a	crise	de	produção	agrícola.	
Para	dar	conta	da	manutenção	à	estrutura	imperial,	foi	pre-
ciso	enrijecer	a	repressão	a	qualquer	tipo	de	contestação	civil,	o	
que	tornou	necessário	o	apoio	do	exército.	Em	consequência	dis-
so,	cresceram	os	 investimentos	no	setor	militar	e	o	aumento	da	
cobrança	de	impostos	junto	à	população.	
Observemos	 que,	 quando	 Anderson	 trata	 do	 aumento	 da	
pressão	germânica	 sobre	as	 fronteiras	do	 Império,	ele	descreve,	
inicialmente,	a	contaminação	dos	germanos	pelo	modo	de	vida	ro-
mano,	a	partir	da	incorporação	de	homens	oriundos	desses	povos	
à	estrutura	do	exército	imperial.	
Dessa	forma,	"o	perigo	vindo	das	fronteiras	germânicas	cres-
cia	à	medida	que	a	civilização	romana	gradualmente	as	alterava"	
(ANDERSON,	 1995,	 p.	 98).	 Para	 Anderson,	 o	 Império	 cavou	 sua	
própria	cova	ao	desintegrar	os	modelos	de	produção	comunitários	
das	florestas	germânicas,	contaminando-os	com	a	noção	de	pro-
priedade	e	com	os	lucros	advindos	das	trocas	comerciais. 
91© Os Primeiros Reinos Germânicos: A União do Legado Romano à Tradição Germânica
Com	um	posicionamento	 contrário	 ao	 dessas	 teses,	 o	 his-
toriador	André	Piganiol	 (1972)	defendeu	que	o	período	entre	os	
séculos	3º	e	5º	não	pode	ser	considerado	um	ciclo	de	decadência,	
uma	vez	que	então	se	desenvolveu	uma	nova	estrutura	imperial,	
marcada	pela	ideia	de	monarquia	sagrada	e	absoluta.	Além	disso,	
após	a	crise	do	século	3º,	houve,	durante	o	século	4º,	uma	recupe-
ração	monetária	e	demográfica	do	Império.	
Segundo	Silva	(2006,	p.	7),	a	 imagem	catastrófica	atribuída	
ao	Império	Romano	com	base	no	assassinato	do	Imperador	Alexan-
dre	Severo	(235	d.C.)	"é	o	fruto	de	documentos	da	época	romana	
cujo	ponto	de	vista	é	bastante	tendencioso".	É	o	caso	da	História 
Augusta,	obra	que	refletia	a	perspectiva	do	Senado	–	 instituição	
que	perdia	influência	sobre	o	Império.	
Através	da	releitura	das	fontes,	os	historiadores	têm	mostrado	que	
as	reformas	militares,	políticas	e	econômicas	puseram	fim	ao	pior	
da	crise	antes	mesmo	do	final	do	século	3	e	que,	do	ponto	de	vista	
da	ameaça	representada	pelos	bárbaros,	a	situação	nas	fronteiras	
se	restabeleceu	sob	o	 imperador	Aureliano,	nos	anos	270	(SILVA,	
2006,	p.	8).	
A	tese	sustentada	por	Piganiol	de	que,	entre	o	final	do	século	
4º	e	o	início	do	século	5º	houve	um	"assassinato"	do	Império,	pro-
movido	 pelas	 violentas	 invasões	 bárbaras,	 também	 guarda	 suas	
reservas.	
Há	uma	grande	polêmica	entre	os	historiadores	sobre	o	significado	
das	grandes	invasões.	Se,	por	um	lado,	há	aqueles	que	acreditam	
que	elas	resultaram	na	conquista	do	Império	Romano	do	Ocidente	
e	na	destruição	da	influência	romana	na	região,	por	outro	lado,	há	
aqueles	que	acreditam	que	as	tradições	e	as	práticas	políticas	do	
mundo	romano	sobreviveram	aos	povos	bárbaros	e	através	deles	
(SILVA,	2006,	p.	12).	
Efetivamente,	temos	entre	o	final	do	século	4º	e	o	início	do	
século	5º	um	crescente	deslocamento	de	povos	germânicos	em	di-
reção	às	fronteiras	do	Império.	Mas,	se	observarmos	o	movimento	
de	cada	povo,	perceberemos	que	esses	deslocamentos	ora	se	de-
ram	de	forma	violenta,	ora	de	forma	pacífica.	
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Em	vista	disso,	podemos	afirmar	que	muito	do	que	apren-
demos	no	Ensino	Médio	está	em	contradição	com	o	que	acaba-
mos	de	estudar.	Por	isso,	reafirmamos	sempre:	é	preciso	que	nos	
desvencilhemos	de	conhecimentos	difundidos	por	interpretações	
que	não	consideram	o	contexto	em	sua	totalidade,	bem	como	de	
afirmações	oriundas	do	senso	comum.
6. A INSTALAÇÃO GERMÂNICA NO OCIDENTE 
A	 entrada	 dos	 germanos	 no	 Império	 Romano	 ocorreu	 em	
dois	momentos:	entre	375	e	410,	e	de	411	a	470.	O	primeiro	mo-
mento	 (375-410)	 foi	 caracterizado	 tanto	por	deslocamentos	vio-
lentos	quanto	por	migrações	pacíficas,	muitas	vezes	marcadas	pelo	
pedido	de	asilo	ao	Império.	Inicialmente,	entraram	no	Império	os	
seguintes	povos:	alanos,	alamanos,	visigodos,	ostrogodos,	suevos,	
burgúndios,	francos	e	vândalos.	
Você	deve	estar	se	perguntando:	que	motivos	justificariam	a	
entrada	desses	povos	no	Império?	Os	motivos	são	inúmeros.	Se-
gundo	Anderson	(1995),	o	que	levou	os	povos	germânicos	a	pres-
sionar	e	invadir	as	fronteiras	do	Império	foi	a	ameaça	representada	
pela	aproximação	dos	hunos	–	nômades	da	Ásia	Central	que	dispu-
nham	de	fama	extremamente	amedrontadora.	
Já	Le	Goff	(2005)	chama	a	atenção	para	a	mudança	climática,	
"um	resfriamento	que,	da	Sibéria	à	Escandinávia,	teria	reduzido	as	
áreas	de	cultivo	e	de	criação	dos	povos	bárbaros	e	os	teria	posto	
em	movimento,	uns	 empurrando	os	outros,	 para	o	 sul	 e	para	o	
oeste,	até	os	confins	do	mundo	ocidental,	rumo	à	Bretanha,	à	Gá-
lia,	à	Espanha	e	à	Itália".	Além	disso,	ele	menciona	o	crescimento	
demográfico	dos	germanos	e	a	atração	que	os	ricos	territórios	im-
periais	despertavam	entre	eles.	
Ao	observar	a	Figura	1,	você	poderá	verificar	que	tanto	os	
ostrogodos	quanto	os	visigodos	entraram	no	Império	ao	fugir	dos	
hunos,	 entre	375	e	376.	Ambos	os	povos	 receberam	 refúgio	do	
imperador,	mas	a	cordialidade	entre	eles	não	durou	muito.	
93© Os Primeiros Reinos Germânicos: A União do Legado Romano à Tradição Germânica
Em	378,	os	visigodos	entraram	em	guerra	contra	o	exército	
romano.	Sob	a	liderança	do	rei	Alarico	(370-410),	os	visigodos	va-
garam	por	todo	o	Império	até	que	cercaram	e	saquearam	Roma,	
em	410.	Em	418,	o	imperador	Honorius	aceitou	fixá-los	na	região	
da	Aquitânia	 (atual	 sul	da	França)	na	condição	de	 federados,	ou	
seja,	de	aliados	do	 Império.	Nesse	momento,	nasceu	o	primeiro	
reino	bárbaro	do	Ocidente.	
Figura	1	Mapa dos deslocamentos germânicos entre 375 e 420.
Na	figura	anterior,	também	podemos	perceber	que,	no	início	
do	século	5º,	os	hunos	foram	os	responsáveis	por	impelir	os	alanos,	
os	vândalos,	os	burgúndios	e	os	suevos	em	direção	ao	Ocidente.	
Enquanto	burgúndios	e	alanos	se	instalaram	na	margem	esquerda	
do	Reno,	suevos	e	vândalos	atravessaram	os	Pirineus	e	atacaram	a	
Península	Ibérica.	Os	vândalos	atravessaram	o	estreito	de	Gibraltar	
e	após	terem	saqueado	Cartago,	instalaram-se	na	parte	oriental	da	
África.	 Eles	obtiveram	o	 controle	do	Mediterrâneo	Ocidental,	 ao	
ocupar	as	 Ilhas	Baleares,	a	Sardenha	a	Córsega	e	a	Sicília	 (SILVA,	
2006,	p.	12).	
© História Medieval I
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O	segundo	momento	das	invasões	(411-470)	é	marcado	pela	
entrada	dos	francos,	dos	anglo-saxões	e,	tardiamente,	dos	lombar-
dos.	De	acordo	com	Anderson,	essas	 incursões	 foram	diferentes	
das	primeiras:	antes	de	tudo,	representavam	uma	expansão	militar	
dos	domínios	originais	desses	povos,	respectivamente	localizados	
na	Bélgica,	na	costa	alemã	e	na	baixa	Áustria.	
Para	o	autor,	foi	nesse	momento	que	ocorreu	a	sedimenta-
ção	cultural,	responsável	por	alterações	significativas	na	cultura	do	
Ocidente:	as	mudanças	vão	desde	o	surgimento	de	um	novo	siste-
ma	agrário	até	a	incorporação	linguística	de	palavras	germânicas	
ao	vocabulário	latino.	
No	caso	específico	dos	francos,	Silva	(2006,	p.	18)	questiona	
a	visão	de	que	eles	tenham	levado	a	cabo	uma	oposição	radical	aos	
romanos.	Esse	autor	afirma	que	"os	francos	sálicos,	uma	vez	esta-
belecidos	nas	 terras	do	 Império,estiveram	entre	 seus	mais	 fiéis	
defensores,	mesmo	quando	para	tanto	devessem	combater	outros	
povos	de	origem	germânica".	
Essa	afirmação	baseia-se	nas	pesquisas	arqueológicas	mais	
recentes,	que	originaram	uma	hipótese	que	defende	que	os	francos	
não	germanizaram	a	Gália;	ao	contrário,	foram	progressivamente	
assimilados	no	interior	de	uma	população	bem	mais	numerosa.	
Os	anglo-saxões,	como	assinala	Balard	(2002),	auxiliaram	os	
bretões	a	combaterem	a	pirataria	escota	e	o	assalto	dos	pictos,	que	
desde	420	ameaçavam	os	territórios	romanizados	da	Grã-Bretanha.	
Como	 federados,	 tanto	 os	 anglos	 quanto	 os	 saxões	 contiveram	 a	
ameaça	marítima	sobre	a	ilha.	Diante	desse	quadro,	é	complicado	
defender	a	tese	do	caráter	militar	dessa	segunda	onda	de	desloca-
mentos.	
Ao	 que	 parece,	 o	 primeiro	 contato	 entre	 esses	 povos	 e	 o	
Ocidente	foi	marcado	muito	mais	pelo	estabelecimento	de	acor-
dos	e	parcerias	do	que	por	conflitos	militares	violentos.	Contudo,	
isso	não	significa	que	os	grupos	germânicos	permaneceram	nesta	
condição	de	parceiros	durante	todo	o	século	5º.	Segundo	Balard	
95© Os Primeiros Reinos Germânicos: A União do Legado Romano à Tradição Germânica
(2002),	entre	os	anos	de	450	e	455,	após	expulsarem	os	invasores,	
os	anglo-saxões	voltaram-se	contra	seus	hóspedes	bretões,	esta-
belecendo	um	processo	de	colonização	que	atingiu	boa	parte	da	
Grã-Bretanha.	
7. PRIMEIROS REINOS GERMÂNICOS 
Ao	observar	o	mapa	na	Figura	2,	referente	aos	reinos	germâ-
nicos	do	século	6º,	você	verificará	a	divisão	do	 Império	Romano	
do	Ocidente	em	vários	territórios	estruturados	de	acordo	com	os	
assentamentos	finais	dos	povos	germânicos.	No	entanto,	é	impor-
tante	 desmistificar	 esse	 recurso	 visual,	 afirmando	 a	 dificuldade	
que	os	primeiros	reinos	tiveram	para	desenvolver	um	domínio	ter-
ritorial	duradouro.	
No	final	do	século	6º,	a	maioria	daqueles	reinos,	excetuando-
se	o	reino	franco	e	o	reino	visigodo,	teve	seus	territórios	anexados	
ou	substituídos	por	outros	reinos	em	virtude	da	expansão	constan-
te	de	outros	povos	germânicos.	É	o	caso	dos	ostrogodos,	na	Itália,	
que	tiveram	seu	território	tomado	pelos	lombardos;	dos	alamanos	
e	burgúndios,	que	foram	submetidos	pelos	francos;	e	dos	visigodos,	
que	conquistaram	e	incorporaram	ao	seu	reino	o	território	suevo.
Figura	2	Mapa dos reinos germânicos.
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Ao	entrarem	no	Império,	os	germanos	constituíam,	essencial-
mente,	federações	de	tribos	relativamente	organizadas,	incapazes	
de	substituir	completamente	o	sistema	administrativo	romano.	A	
maioria	deles	permaneceu	vinculada	às	antigas	estruturas	do	Im-
pério	Romano,	mantendo	certo	dualismo	institucional.	
Isso	 significa	 que,	 tanto	 no	 campo	 político-administrativo	
quanto	 no	 campo	 social,	 a	 aristocracia	 romana	 e	 os	 germanos	
mantiveram	seus	modos	de	vida,	apesar	da	ocorrência	de	alguns	
sincretismos	importantes	entre	ambos.	
Essa	característica	dualista,	presente	durante	todo	o	século	
5º,	resultou	do	contato	entre	as	diferentes	concepções	políticas,	
econômicas,	sociais	e	culturais	dos	germanos	e	dos	romanizados.	
Os	primeiros	tiveram	preservado	o	seu	modo	de	vida	por	meio	do	
regime	de	hospitalidade,	que	previa	a	entrega	de	mais	ou	menos	
dois	terços	da	área	das	grandes	propriedades	romanas	aos	hóspe-
des	germânicos.	Estes	tiveram	total	independência	para	cuidar	de	
seus	sortes	(lotes	de	terras	destinado	ao	hóspede	germânico).
Do	ponto	de	vista	jurídico,	o	regime	de	hospitalidade	previa,	
em	 troca	 do	 serviço	militar	 prestado	 a	 Roma,	 que	 os	 germanos	
resguardassem	suas	leis	e	seus	próprios	chefes	ou	reis.	De	acordo	
com	Balard	(2002),	esse	regime	foi	praticado	tanto	por	visigodos	
quanto	por	burgúndios	e	ostrogodos.	Os	 francos	e	alamanos	 re-
presentaram	um	caso	à	parte,	pois	ocuparam	o	norte	da	Gália	–	
onde	se	encontravam	terras	vazias	e	abandonadas.
Códigos	jurídicos	diversos	subsistiram	normalmente	e	eram	
aplicados	a	cada	população:	os	visigodos	tinham	o	Código	de	Euri-
co;	os	burgúndios,	a	Lei	de	Gombette	(do	rei	Gondebaud);	os	fran-
cos,	a	Lei	Sálica	(Figura	3),	e	os	lombardos,	o	Édito	de	Rotário.	Esses	
códigos	foram	pronunciados	oralmente,	passando	a	ser	redigidos	
em	latim	com	a	estruturação	dos	primeiros	reinos	germânicos	no	
Ocidente.	
Os	códigos	continham	influências	e	elementos	do	código	im-
perial	de	Teodósio	II.	Ao	mesmo	tempo	que	as	leis	germânicas	ga-
nhavam	textos	escritos,	os	romanos	que	ainda	viviam	entre	esses	
97© Os Primeiros Reinos Germânicos: A União do Legado Romano à Tradição Germânica
povos	conservavam	seu	próprio	Direito.	
Figura	3	Fac-símile de uma página do manuscrito da lei sálica da Biblioteca Monástica de 
S. Gallo.
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98
Apesar	da	distinção	presente	em	quase	 todos	os	 reinos,	o	
convívio	entre	germanos	e	romanos	existiu	regularmente,	mesmo	
durante	os	momentos	mais	críticos	da	instalação	germânica.	Como	
os	germanos	preservaram	aspectos	da	estrutura	administrativa	ro-
mana	(tendo	inclusive	mantido,	muitas	vezes,	antigos	funcionários	
do	Império),	o	relacionamento	entre	eles	nunca	foi	completamen-
te	hostil.	
Dessa	forma,	em	grande	parte,	o	contato	entre	romanos	e	
germanos	 ocorreu	 em	proveito	 das	 estruturas	 imperiais.	 As	 pri-
meiras	monarquias	germânicas	repetiram	em	muitos	aspectos	as	
instituições	romanas,	que	permaneceram	intactas	mesmo	após	o	
desaparecimento	do	governo	central	no	Ocidente.	
Segundo	Balard	(2002,	p.	28),	os	documentos	oficiais	das	re-
alezas	germânicas	foram	redigidos	em	latim,	reproduzindo	as	fór-
mulas	romanas:
E	mesmo	se	as	moedas	visigodas	ou	francas	portam	a	imagem	do	
rei,	elas	são	cunhadas	com	o	peso,	o	título	e	as	inscrições	do	impé-
rio.	Na	Gália,	o	soberano	franco	é	o	sucessor	direto	do	fisco	roma-
no,	tornado	fisco	real.	
A	identificação	com	Roma	e	com	os	símbolos	 imperiais	ga-
rantiu	a	adesão	e	a	lealdade	das	elites	romanas	aos	reinos	recém-
formados,	 como	 no	 caso	 dos	 reinos	 de	 visigodos	 e	 francos.	 Em	
termos	institucionais,	a	novidade	implantada	pelos	germanos	en-
contrava-se	nas	formas	de	escolher	o	rei.	
Para	os	 francos,	a	hereditariedade	era	 fundamental	na	 su-
cessão	e,	quando	havia	mais	de	um	herdeiro,	o	reino	era	dividido	
entre	todos	os	filhos	do	rei.	Os	visigodos,	ao	contrário,	não	se	ape-
garam	ao	modelo	de	sucessão	hereditário.	Seus	príncipes	 tenta-
ram	consolidar	seu	poder	apoiando-se	sobre	os	concílios	que	eles	
mesmos	reuniam	em	Toledo	e	que	os	sustentavam	nos	processos	
legislativos.
Diferentemente	do	que	apresentam	as	 teses	 tradicionais	a	
respeito	da	privatização	do	poder	presente	nos	reinos	germânicos,	
99© Os Primeiros Reinos Germânicos: A União do Legado Romano à Tradição Germânica
subsistiu	entre	eles	uma	noção	de	poder	público	fundamental	para	
alicerçar	seus	reinos.	
Em	oposição	à	 ideia	de	que	os	deslocamentos	germânicos	
instituíram	 uma	 ordem	 política	 patrimonializada	 (privada),	 Silva	
(2006)	defende	que	a	ordem	política	presente	durante	o	Império	
manteve	o	caráter	público,	mesmo	depois	de	seu	fim,	por	meio	da	
universalização	do	 ideal	 salvífico	 cristão.	Ou	 seja,	o	processo	de	
conversão	dos	povos	germânicos	ao	cristianismo	contribuiu	para	
a	conservação	de	conceitos	e	práticas	próprias	da	rex publica	im-
perial.	
Eles	reconheciam	no	âmbito	público	(aquilo	que	é	visto	e	ou-
vido	por	 todos)	a	existência	de	uma	autoridade	responsável	por	
governar,	que	tivesse	o	objetivo	de	“promover	a	salvação”.	Nesse	
sentido,	os	reis	germânicos	não	foram	apenas	chefes	militares	do-
tados	do	poder	de	comandar	e	contrair	relações	em	âmbito	priva-
do:	seu	poder	foi	construído	com	base	na	capacidade	de	estruturar	
uma	autoridade	pública,	fundamentando	uma	ordem	e	uma	justi-
ça	comum	a	todos.	
No	entanto,	ao	mesmo	tempo	que	conservaramo	ideal	salvi-
fíco	cristão,	alguns	reinos	germânicos	convertidos	ao	cristianismo	
–	ostrogodos,	visigodos,	burgúndios,	vândalos	e	suevos	–	adota-
ram	a	doutrina	de	Arius,	condenada	pela	ortodoxia	católica	desde	
o	Concílio	de	Niceia,	no	ano	de	325.	
Mesmo	com	a	condenação	por	parte	de	alguns,	 como	é	o	
caso	de	Santo Ambrósio,	os	germanos	arianos	tentaram,	como	no	
caso	de	Teodorico,	estabelecer	uma	Igreja	ariana	em	pé	de	igual-
dade	com	a	Igreja	católica.	
De	acordo	com	Le	Goff	(2005,	p.	26),	"o	que	poderia	ter	sido	
um	laço	religioso,	veio	a	ser	um	motivo	de	discórdia	e	engendrou	
ásperas	 lutas	entre	bárbaros	arianos	e	romanos	católicos".	Além	
disso,	houve	discórdia	com	os	germanos	convertidos	ao	catolicis-
mo,	como	foi	o	caso	dos	francos.	
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100
Assim,	sob	o	reinado	de	Clovis	(481-511),	batizado	em	Reims	
em	498,	os	 francos	combateram	a	propagação	do	arianismo.	Os	
burgúndios	do	sul	da	Gália	foram	os	primeiros	a	sofrer	suas	incur-
sões	militares.	Diante	das	vitórias	de	Clóvis,	sua	fama	de	defensor	
da	ortodoxia	cristã	chegou	até	os	bispos	católicos	do	reino	visigo-
do,	 que	 recorreram	ao	 seu	 auxílio	 para	 expulsar	 os	 arianos	 que	
ocupavam	seus	territórios.	
8. TEXTO COMPLEMENTAR
Agora,	você	terá	a	oportunidade	de	ler	um	texto	da	historiadora	
Rossana	Alves	Baptista	Pinheiro	a	respeito	dos	suevos,	povo	germâni-
co	que	ocupou	o	território	da	Galécia	Medieval.	Boa	Leitura!
O reino dos Suevos (409-579) e as fontes escritas para seu 
estudo ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Situado entre o Rio Douro e o Rio Minho, o reino suevo experimentou um breve 
período de existência na Península Ibérica. Povos oriundos da Panônia, os sue-
vos chegaram à Península Ibérica em 409, juntamente com alanos e vândalos. 
Com a partilha do território peninsular em 411, coube a eles a Galécia, região 
do Noroeste Peninsular, cuja capital administrativa desde o Império Romano era 
Braga. Assim como sua fixação territorial dependeu da disputa com alanos, vân-
dalos e visigodos, sua história religiosa também foi marcada pela instabilidade. 
Segundo a narração do bispo da cidade de Chaves, Idácio, os suevos experi-
mentaram a conversão ao cristianismo em 448, quando seu rei Requiário, filho 
de Réquila, deixou de ser pagão e foi convertido pelas mãos do bispo Balcônio 
de Braga. Isto faria dos suevos os primeiros povos bárbaros situados em terras 
ocidentais a se converterem ao cristianismo. 
É curioso salientar que nem ao menos a adesão ao cristianismo niceno fez com 
que o bispo Idácio fosse simpático a estes que considerava bárbaros, cultural-
mente inferiores e repletos de vícios. Requiário, apesar de cristão, não era visto 
com bons olhos pelo bispo de Chaves, que nele acentuou a política ambiciosa 
de expansão territorial e ampliação de poderes na Península Ibérica. Com este 
propósito, Requiário teria chegado à Bética, atual Andaluzia, onde estabelecera 
alianças com visigodos e romanos. Todavia, Idácio diz que o rei suevo não man-
tinha sua palavra e descumpria sem pudor os acordos firmados. Após a morte de 
Requiário, Remismundo tornou-se rei e se converteu ao arianismo por obra do 
bispo visigodo Ájax. Esta conversão foi interpretada pelo historiador José Matto-
so como uma demonstração da influência dos visigodos sobre os suevos durante 
este período.
A Crônica de Idácio é o primeiro documento escrito que temos acerca da forma-
ção do reino suevo, que lhe foi quase contemporâneo, uma vez que o bispo de 
Chaves abarcou em sua obra desde a chegada dos suevos na Península até 
101© Os Primeiros Reinos Germânicos: A União do Legado Romano à Tradição Germânica
469. Com a conclusão da crônica e a morte do cronista, não teremos outros tes-
temunhos escritos acerca do reino suevo até meados do século VI. Os concílios 
hispânicos do momento serão reunidos do sul da Península até Toledo. Neste 
momento, suevos e visigodos dividiam o território ibérico, cabendo ainda aos 
suevos à Galécia e aos visigodos o restante dos territórios. Ambos eram arianos, 
e isto poderia explicar o porquê da inexistência de concílios no reino suevo até a 
chegada de Martinho de Braga, ou de Dume em 550. Este monge, consagrado 
bispo desempenhou um papel central na estruturação da Igreja e no fortaleci-
mento de uma monarquia pautada nos princípios cristãos definidos no concílio 
de Nicéia de 325 que combateu o arianismo, doutrina então professada pelos 
reis suevos. 
As razões de sua ida ainda são pouco evidentes aos historiadores que se debru-
çaram na compreensão deste momento da história da formação dos reinos bárba-
ros. O pouco que se sabe a seu respeito é proveniente da análise de seu epitáfio, 
dos escritos de Gregório de Tours, de Venâncio Fortunato, de Isidoro de Sevilha 
e do Breviário Bracarense do Cônego Soeiro. A partir da leitura dessas fontes, 
formaram-se duas correntes. A primeira foi unânime até cerca de 1950, e deter-
minava que o bispo havia nascido na Panônia, recebera sua formação monástica 
no Oriente e de lá teria se dirigido até a Galécia. Esta perspectiva reforçava, en-
tão, um Martinho comprometido com a conversão de seus conterrâneos a partir 
das determinações do Imperador Justiniano, que desejava reunificar o Império 
após a perda de territórios para os germanos. Esta tese foi questionada em 1963 
por Luís Ribeiro Soares, para quem nada assegurava com certeza que o bispo 
de Braga havia nascido na Panônia e formara-se no monasticismo oriental. Em 
contrapartida, o autor postulou a romanidade de Martinho de Braga ao dar uma 
nova interpretação ao seu epitáfio, visto em conjunto com as outras obras citadas 
acima e que, até então, não haviam sido levadas em consideração. Seguindo a 
perspectiva de Soares, em 1993 Arnaldo Monteiro Espírito Santo aceitou não 
só a romanidade de Martinho, como também sugeriu que este havia nascido na 
Gália e que, de lá, havia partido para a Galécia, na intenção de desempenhar um 
trabalho evangelizador junto os reis que ele sabia serem arianos.
A despeito das discussões em torno da biografia e das motivações de Martinho 
de Braga, seus escritos são um dos melhores e, quase os únicos testemunhos 
sobre o reino suevo no século VI. Sua obra mais conhecida é um sermão, escri-
to por volta de 579 e intitulado postumamente de A correção dos rústicos. Sua 
interpretação também não é passível de unanimidade, o que pode ser visto na 
discussão levada a cabo entre os historiadores Jean-Claude Schmitt e Dieter 
Harmening sobre a questão das superstições. Este sermão teria sido escrito em 
conformidade com as determinações do II Concílio de Braga de 572, reunido com 
a finalidade de erradicar o paganismo e qualquer tipo de dubiedade litúrgica, ca-
nônica ou doutrinal na Galécia. Nele, o bispo propõe-se apresentar a origem dos 
ídolos que enganam os homens ignorantes e os conduzem ao afastamento e es-
quecimento de Deus. Neste percurso, Martinho de Braga enumera uma série de 
práticas realizadas pelos homens em sua ignorância de Deus e é justamente na 
condenação destas práticas que os autores atribuem ao bispo ou uma vinculação 
ao modelo de Cesário de Arles, ou uma descrição fidedigna das superstições que 
pressionavam e faziam frente à expansão do cristianismo na Galécia.
Os autores que se dedicaram ao estudo dos escritos de Martinho de Braga afir-
mam que o bispo tinha um projeto cristianizador que abarcava o reino suevo 
como um todo, e para cada setor ele teria dedicado uma obra. Nesta perspectiva, 
sua Fórmula da Vida Virtuosa seria uma obra para a instrução da aristocracia 
© História Medieval I
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
102
sueva, os cânones dos dois concílios de Braga que ele promoveu seriam refe-
rentes ao disciplinamento do clero e o sermão atestaria uma preocupação com 
a cristianização das aldeias e com as regiões menos romanizadas da Galécia. 
Todavia,o que podemos perceber é que no interior de seus textos há um diálogo 
com todas as esferas da sociedade indistintamente. Esta constatação reforça o 
empenho do bispo em tornar o reino suevo cristão e, principalmente, aqueles 
vinculados ao poder, como era o caso da aristocracia e do clero. A partir daí, 
podemos começar a refletir a importância da adesão de uma religião nos jogos 
de poder do período. No caso do reino suevo, cuja existência conturbada vai até 
585, quando foi incorporado pelos visigodos, a cristianização pode ser pensada 
como recondução e rememoração dos postulados estabelecidos e reafirmados 
desde Nicéia. E, para acompanhar este percurso, os escritos de Martinho de Bra-
ga são, ainda hoje, um dos únicos testemunhos escritos deixados ao historiador 
(PINHEIRO, 2007, texto cedido pela autora). 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira,	a	seguir,	as	questões	propostas	para	verificar	o	seu	
desempenho	no	estudo	desta	unidade:
1)	 Após	o	estudo	desta	unidade,	é	possível	manter	a	explicação	taxativa	de	que	
o	declínio	do	Império	Romano	do	Ocidente	foi	causado	apenas	pelas	“inva-
sões”	bárbaras?	Justifique	sua	resposta.
2)	 Para	uma	melhor	compreensão	sobre	a	organização	política	administrativa	
dos	“bárbaros”,	elabore	um	quadro	em	que	esta	organização	fique	eviden-
ciada,	principalmente	em	relação	aos	germânicos,	lombardos	e	francos.
3)	 Você	é	capaz	de	apontar	os	elementos	essenciais	ao	processo	de	cristianiza-
ção	dos	povos	germânicos?	Reflita	e	faça	um	esquema	sobre	o	assunto,	para	
auxiliar	em	seus	estudos.
4)	 Entendendo	 por	aculturação	 o	 processo	 em	que	 uma	 cultura	 “apaga”	 os	
elementos	culturais	de	um	povo	subordinado,	você	diria	que	o	que	houve	
entre	as	 instituições	romanas	e	comunidades	germânicas	foi	um	processo	
de	aculturação?	Justifique	sua	resposta.
10. CONSIDERAÇÕES
Como	vimos	nesta	unidade,	a	fusão	de	elementos	germâni-
cos	à	cultura	romana	foi	uma	característica	constante	no	estabe-
lecimento	dos	reinos	que	substituíram	o	Império	Romano.	Muito	
dessa	fusão	deveu-se	à	 integração	militar	desses	povos,	à	enfra-
103© Os Primeiros Reinos Germânicos: A União do Legado Romano à Tradição Germânica
quecida	estrutura	imperial	do	século	4º,	e,	sobretudo,	à	sobrevi-
vência	e	ao	consequente	fortalecimento	de	uma	das	 instituições	
mais	representativas	da	tradição	latina:	a	Igreja.	
Após	ter	ajudado	e	sustentado	as	populações	durante	as	in-
vasões,	os	bispos	transformaram-se	em	verdadeiros	“chefes	tem-
porais”,	perpetuando	a	estrutura	da	cidade	romana.	Sua	influência	
foi	tamanha	que	os	reis	reclamavam	o	apoio	do	corpo	episcopal	
reunido	em	concílio	como	forma	de	legitimar	seu	governo.	Assim,	
a	Igreja	ganhava	progressivamente	novos	espaços	de	atuação	e	in-
tervenção.
Segundo	Banniard	(1980),	os	êxitos	da	Igreja	estão,	sem	dú-
vida,	relacionados	à	conversão	dos	germanos	ao	cristianismo,	es-
pecialmente	à	conversão	dos	francos	e	visigodos.	Entretanto,	por	
ser	 o	 centro	 de	 conservação	 da	 tradição	 antiga,	 principalmente	
escrita,	 a	 Igreja	 forneceu	 apoio	 intelectual	 aos	 reinos	 recém-or-
ganizados,	e	esse	apoio	 foi	 imprescindível	para	o	 fortalecimento	
desses	reinos.
Na	 próxima	 unidade,	 conheceremos	 a	 grandiosidade	 da	
união	entre	a	Igreja	católica	e	a	tradição	franca:	o	chamado	Império	
Carolíngio,	a	principal	organização	política	da	Alta	Idade	Média.
11. E-REFERÊNCIAS 
Figura 1 Mapa dos deslocamentos germânicos entre 375 e 420. Disponível	em:	<http://
www.denarii.com.br/wp-content/uploads/2011/01/barbaros_invasoes.jpg>.	 Acesso	
em:	17	fev.	2011.	
Figura 2 Mapa dos reinos germânicos. Disponível	 em:	 <http://www.ecunico.com.br/
eisohomem/daniel/barbaros_reinos.jpg>.	Acesso	em:	17	fev.	2011.
Figura 3 Fac-símile de uma página do manuscrito da lei sálica da Biblioteca Monástica 
de S. Gallo. Disponível	em:	<http://mek.oszk.hu/01200/01267/html/img/nagy/04-357.
jpg>.	Acesso	em:	25	jan.	2008.
12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
ANDERSON,	P.	Passagens da antiguidade ao feudalismo. São	Paulo:	Brasiliense,	1995.
BALARD,	M;	GENET,	J.;	ROUCHE,	M.	Le Moyen Age en Occident.	Paris:	Hachette,	2002.
© História Medieval I
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BANNIARD,	M.	A alta idade média ocidental.	Lisboa:	Europa-América,	1980.
LE	GOFF,	J.	A civilização do ocidente medieval. Bauru:	Edusc,	2005.
LOT,	F.	O fim do mundo antigo e o princípio da idade média.	Lisboa:	Edições	70,	1991.
PIGANIOL,	A.	L'empire chrétien.	Paris:	Presses	Universitaires	de	France,	1972.
PINHEIRO,	R.	A.	B.	O reino dos Suevos (409-579) e as fontes escritas para seu estudo.	
Texto	cedido	pela	autora.
SILVA,	M.	C.	da.	4 de Setembro de 476 - A	queda	de	Roma.	São	Paulo:	Companhia	Editora	
Nacional,	2006.

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