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MORAL E DIREITO Revista dos Tribunais | vol. 831/2005 | p. 727 - 740 | Jan / 2005 DTR\2005\132 Ricardo Rodrigues Gama Mestre em Direito. Professor Universitário. Advogado. Área do Direito: Fundamentos do Direito; Filosofia Sumário: 1.Introdução - 2.Definição de moral - 3.Natureza - 4.Características - 5.Elementos da moral - 6.Fontes - 7.Costumes - 8.Formação - 9.Espécies - 10.Imposição - 11.Finalidade - 12.Função - 13.Religião e moral - 14.Sociologia e moral - 15.Filosofia e moral - 16.Direito e moral - 17.Teorias - 18.Teoria dinâmica - 19.Diferenças entre a moral e o direito - 20.Relações entre o direito e a moral - 21.Bibliografia 1. Introdução Entre os gregos, até pela ausência de termo próprio para precisar sentido de direito, não havia uma preocupação expressa com a moral e o direito, já que os dois eram expressos numa noção de justiça. E nisso não foram seguidos pelos romanos, cujo legado foi separar o honesto do lícito. As diferentes correntes filosóficas podem até não admitir a existência da moral, enquanto outras se esforçam para explicitá-la a contento. Abaixo desta questão apresentada, outros debates filosóficos são travados em torno da moral, como o seu próprio valor, ao lado de seu conteúdo, sua natureza, sua finalidade... Evidentemente que não se pode esgotar o conhecimento em torno da moral, nem mesmo firmar postulados que podem ser facilmente corroídos por argumentações metódicas bem dispostas. Sob outro enfoque, não nos prenderemos a este ou aquele filósofo que trata da moral, como Sócrates, Platão, Aristóteles, Holbach, Voltaire, Kant, Max Weber, Nietzsche, P. Berger ou Kellner. A valoração do julgamento moralista apresenta-se também como questão insolúvel diante das diversas sociedades nas quais a moral vai servir como meio de evitar eventuais conflitos ou mesmo como uma das formas de controle social. Há ainda aqui um ponto de vista intermediário, daqueles que velam pelo fim das regras morais, como se dá entre os anarquistas e os marxistas, numa busca incessante de pôr fim aos meios de controle social. E isso tudo por acreditarem que o mundo seria mais bem governado pela razão humana ou por determinadas classes que pudessem representar a maioria. Quer-se aqui pôr abaixo qualquer tipo de repressão ou mecanismo determinante do escalonamento de classes sociais. Tomando as correntes filosóficas de linhas idealista, utilitarista e histórica, deixando de lado o radicalismo proposto pelo jusnaturalismo e pelo positivismo em eterna oposição, admitindo dessa forma a moral presente na filosofia numa tendência predominante e possibilitadora de debates mais profícuos, quer-se articular em torno de sua natureza e de sua mobilidade no conhecimento humano como um todo. 2. Definição de moral A definição pode ter dois pontos de partida: um decorrente dos elementos constitutivos e outro servido como produto de correntes filosóficas. Há que chamar a atenção para a definição elementar no tocante à visão interior da moral. No segundo caso, a moral é trabalhada num contexto, devendo ser afrontada com as idéias que sustentam a corrente, emergindo daí os contornos da moral. MORAL E DIREITO Página 1 Na sua obra A vontade de potência, sob a ótica do emotivismo ético, Nietzsche concebe a moral como um sistema de juízos de valor que está em relação com as condições de existência de um ser. Há que destacar aqui a valorização indicando a presença da filosofia, a preocupação com o indivíduo, acentuando a elevação dos sentimentos do homem na sua moralidade, deixando-se de lado o racionalismo. No inconsciente humano, Freud definiu a moral como um processo de interiorização das ordens paternas, ou mais precisamente internalização de ordens paternas na forma de demandas feitas pelo superego. 1Persiste aqui uma idéia clara de consciência responsável e livre avaliação dos padrões de conduta ditos morais. Em poucas palavras, a moral é o conjunto de regras de conduta do ser humano impostas pela sua consciência pessoal sem qualquer tipo de sanção externa. 2Há aqui o estabelecimento de relações entre o indivíduo e sua consciência, uma espécie de senso moral, desenvolvendo-se tais embates no íntimo de cada ser. À moral ficam reservados somente deveres a serem obedecidos pelo ser humano. Muitos são os deveres morais, como: a) expressar somente a verdade (não mentir nas oportunidades em que lhe for aberta tal possibilidade); com a ofensa a esta regra moral deste exemplo, extraem-se as principais características da moral, quais sejam ser ela interna (da consciência) e não contar com sanção; b) cumprir as promessas feitas livremente em qualquer ocasião; c) honrar os pais (não desonrar os pais dentro dos padrões estabelecidos pelo próprio núcleo familiar); d) agir corajosamente (não agir com covardia). 3. Natureza A moral protagoniza diversos impasses na filosofia do direito enquanto parte dela, 3uma vez que há dificuldades até em precisar a sua real natureza, o seu distanciamento do direito, os seus contatos com a justiça, a estruturação da ordem moral... Ao lidar com as espécies de moral, logo se constata a divergência em sua natureza. É que, a grosso modo, ela se apresenta como religiosa, individualista, social 4e jamais jurídica, ou melhor, a moral faria parte da religião, da filosofia e da sociologia. Reforçando a idéia, é como se tivéssemos regras morais decorrentes da crença religiosa, da reflexão filosófica e do padrão de conduta social. Se se admitir a dimensão religiosa e sociológica da moral, até como pré-requisito, faz-se necessária a adoção de uma consciência coletiva da moral, chamada de crença moral ou consciência social. O teólogo e o sociólogo encontram fortes resistências para manter separada a moral da religião, ocorrendo o mesmo com a sociologia. Em primeira mão, o pecado não pode ser confundido com o dever moral, já que se volta somente à relação para com a divindade; além do que a divindade dita as regras na religião, ou mesmo a instituição igreja trata de formulá-las, enquanto a consciência individual tira o aproveitamento da convivência na formulação de regras morais. Na sociologia, os usos sociais, como a cortesia, são decorrências de convenções sociais destituídas de significação moral em sentido estrito. 5 A reprimenda da conduta moral não ocorre no meio social ou entre os indivíduos, como se dá com a conduta anti-social, ou em planos transcendentes, como acontece com a conduta religiosa reprovável. 6 4. Características A apresentação das características da moral tem por objetivo estabelecer melhores critérios para diferenciá-la de outros ramos e sub-ramos do conhecimento, frisando-se que tal distinção se dará em itens adiante. Vejamos as características da moral: a) padrão de conduta: não se trata de princípios ou sugestões de maneiras de as pessoas se conduzirem, como querem alguns estudiosos acerca do tema, mas regras MORAL E DIREITO Página 2 comungadas por todos num determinado contexto; b) racionalidade: a moral é inerente ao homem por ele ser um ente racional, isto é, capaz de avaliar a situação perante o bem e o mal, a honestidade e o desonestidade, a justiça e a injustiça. Não basta aqui dizer que a moral constitui um produto da razão, pois há necessidade de pessoa racional para compreender a natureza do ato que pratica, daí não serem as regras morais impostas aos débeis e alienados mentais; c) interioridade: as regras morais são conservadas no interior de cada pessoa, isso sem prejuízo da captação externa de onde elas provêm. Com isso, não se quer dizer que cada pessoa estabelece suas regras morais, mas que elas são mantidas no interior de cada uma; d) universalidade: em proporções consideráveis, as regras morais vigoram na maioria dos países do mundo. No caso da proibição de mentir ou de desonrar os pais, tais regras morais existem, valem e têm eficácia em qualquer lugar do mundo; e) auto-imposição: a pessoamesma é quem se cobra o comportamento moral adequado, o que pode se chamar de submissão à própria consciência. No cotidiano de cada pessoa, diante de tantos objetivos a serem atingidos, como as diversas formas de felicidade, de vitória e de sentir prazer, funciona como obrigação todos à observação das regras, chamando já a atenção para o feixe de regras morais, éticas, jurídicas, religiosas, sociais... Assim, muitas são as exigências determinadas por diferentes regras, daí não ser demais elevar a vigilância comportamental antes de tomar qualquer tipo de decisão. 5. Elementos da moral Partindo das definições apresentadas de moral, extrai-se a visão de seu elaborador, ou seja, o enfoque dispensado ao tema. Avançando um pouco mais, tratando-se de definir, os elementos emergem principalmente dos estudos feitos em torno da moral. Na visão da psicanálise de Émile Durkheim, a moral conta com três elementos: a) imperatividade; b) relação da moral com determinado grupo social; c) autodeterminação do homem. 7Ao precisar os elementos, nota-se a preocupação de Durkheim com a formação do caráter da pessoa humana, para a mente da qual o dever moral funciona como um imperativo, apesar de ela contar com o livre-arbítrio em suas atividades. Para nós, a moral conta com os seguintes elementos: 1.º o padrão de conduta: trata-se da regra que se deve seguir; 2.º senso moral: longe de ser um espírito moral, o senso mostra-se como um pouco mais do que a intenção, mais do que a aceitação de uma opinião, e isso se deve ao fato de esse senso ser tomado como a assimilação de um dever de agir ou de se abster; 3.º valoração: entre as reflexões em torno do bem e do mal, a conduta foi avaliada e daí foram geradas as obrigações morais. Nas relações interpessoais, o homem segue regras que estão nele mesmo, avaliadas e ponderadas pelo seu senso moral, em outros termos, o homem estabelece um sistema de autoconduta contínua ou padrões de conduta subjetivos. 6. Fontes A confusão estabelecida pelos gregos em torno da moral e do direito geraram efeitos sobre as fontes dessas duas ramificações do saber, não faltando defensores em prol da unificação de fontes. De certa maneira, há que ressaltar o fato de a maioria das regras morais já se apresentar formada e conhecida no meio social. Tomando as regras morais como uma realidade inafastável de cada ser humano que vive em sociedade, questiona-se sobre o mecanismo no qual elas foram geradas. Será que o homem seria capaz de gerar regras continuamente a partir de seu senso moral? Trata-se de regras sociais tomadas como morais por causarem uma reflexão em cada ser humano? Melhor MORAL E DIREITO Página 3 tomar tais regras como o fruto do embate entre o bem e o mal nos contornos da filosofia. 7. Costumes A transferência das regras morais de geração para geração não pode ser confundida com os costumes, os quais consistem em reiteração de uma mesma conduta por determinado tempo. O costume apresenta-se como uma das fontes de regras jurídicas, daí não se poder olvidar que ele consiste numa das bases do direito; aliás, nos primórdios, pela intensa aceitação das regras consuetudinárias, chegou até a ser designado como o mais puro direito, o chamado direito consuetudinário. Ainda hoje, de forma bem genérica, pode-se dizer que a norma jurídica reconhece a força dos costumes, tomando alguns deles como direito; trata-se aqui dos chamados bons costumes, como se dá no art. 187 do CC/2002 (LGL\2002\400). Retomando, regra moral não requer repetição para se firmar, ao contrário, o ditame moral deve ser evitado ao máximo por qualquer pessoa. 8. Formação A identificação de todo o mecanismo envolvido na formação das regras morais vai afastar muitas confusões da moral com o sentimento, o pensamento, a alma e até a atuação do meio sobre o indivíduo. Trabalham-se as idéias de bem e mal morais, resultando na regra cercada de virtude e apoiada com sentimento de estimação por todo o grupo. 8A especulação filosófica em torno do bem e do mal é baseada na valoração deles perante as ocorrências diárias da vida dos homens, estabelecendo padrões de conduta valorados como positivos, ou seja, sugestões de condutas humanas a serem observadas por cada um do grupo. Há um sacrifício do interesse individual em favor do coletivo, numa perspectiva de bem-estar do homem consigo mesmo. As regras morais sofrem um processo de formação no meio social, com base em idéias e convivência entre os homens, mas nem por isso podem ser colocadas numa redoma pertencente à sociologia ou trancadas em raciocínios metódicos. Numa outra fase, qual seja a da aplicação da regra moral, o sofrimento gerado pela infringência da regra moral não pode transformá-la toda em sentimento, ainda que seja o mais nobre ou o mais intolerável deles. 9. Espécies Admitindo que as regras morais possam variar em razão da localidade, a moral apresenta-se como universal num extremo de abrangência de todos os povos da terra, e como relativa pelo fato de atuar somente sobre determinada região do globo terrestre. Ainda, faz-se necessário acusar a corrente filosófica que toma todas as regras morais como universais devido à validade delas em todas as sociedades. Algumas regras morais são passíveis de alteração, isso em decorrência das percebidas movimentações no tempo e no espaço; daí surgir a classificação da moral em estática e dinâmica. Na dinamicidade das relações entre os homens, considerados aqui todos os fatores que nelas baixam suas influências, os ditames da moral podem ceder e, dessa forma, comportar certas flexibilizações, ou mesmo serem mudados. Na moral estática, isolada da mobilidade social das normas, as regras não passam por quaisquer transformações, ainda que sejam parciais. Acerca da possibilidade de as regras morais romperem contenções e pertencerem também a outras áreas do conhecimento, elas podem ser contidas ou compartilhadas. As regras morais contidas pertencem somente à moral, enquanto as compartilhadas pertencem à moral e a outras áreas. É que existem umas normas que pertencem ao direito e à moral, ou à moral e à sociologia. 10. Imposição MORAL E DIREITO Página 4 As obrigações morais são impostas pela consciência de cada ser humano e isso se dá pelo fato de o homem sentir que sua conduta imoral funciona como obstáculo para se atingir a felicidade. 9Desenvolve-se um mecanismo pessoal para evitar a prática de atitudes tidas como imorais. Na razão humana está a chave de tudo, uma vez que a felicidade emerge da conduta honrosa. 11. Finalidade As regras morais não contam somente com finalidades exteriores ao praticante da conduta, mas também com fortes influências sobre ele. Então, desde logo, com relação ao transgressor da regra moral, há que se apresentar a finalidade interna e a externa. Internamente, a imoralidade torna ilegítimo o prazer rendido da prática do ato, não havendo glória em vitória com trapaças, em felicidade obtidas com a desgraça alheia, em prazer resultante de sofrimento de outrem, em atingir estágios de riquezas por meios desonestos. Seguindo os padrões morais, a boa formação do indivíduo estará assegurada. No geral, o êxito reclama sempre uma justificativa, não podendo jamais resultar de comportamentos imprudentes, improváveis, impudicos ou repugnantes. Tratando-se da finalidade externa da moral, visa-se a harmonia no convívio social, proporcionando a paz e a segurança reclamadas por todos que convivem em sociedade. Não que se espere que todos respeitem as regras morais para se atingir um ideal de paz e segurança, pois, diante de tantas ofensas às tais regras a evolução da vida em sociedade, permite-se há muito tempo níveis medianos de paz e de segurança. 12. Função A questão da serventia das regras morais já foi muito debatida no direito, na religião e em muitos outros ramos do saber. Mas, de forma bastante simplista, pode-se afirmar que duas são as principais funções da moral.A primeira e mais importante é servir de controle social, encarregando-se de conter os comportamentos maléficos para todo o grupo. Em segundo plano, voltada para a individualidade, as regras morais servem para reforçar a estrutura emocional da pessoa humana. 13. Religião e moral A conduta religiosa transcende ao homem e à sociedade, alcançando um plano sobrenatural, já que tem por objetivo atingir a eternidade e transpor as limitações da vida humana. Por trabalhar com a noção do bem e do mal, isso em seu estado natural, alguns confundem a moral com a religião. Tal entendimento equivocado pode ser afastado com esclarecimentos em torno do bem moral e do bem religioso. No bem da moral, a atividade geradora da regra moral confronta-se com o mal, gerando o dever moral, enquanto na religião o bem assume sua forma dinâmica, qual seja aquela em que se impõe ao servo de Deus a prática do bem. Contextualiza-se o homem desonesto na moral, ficando para a religião o homem pecador. 14. Sociologia e moral As regras sociais de conduta não se confundem com as regras morais, podendo o assunto ser iniciado com o desfazimento de alguns equívocos em torno de terminologia. Existe uma idéia de moral social que dita algumas condutas, compreendidas como a padronização de comportamentos previamente aprovados pela coletividade. 10 Claramente, há aqui uma equiparação da moral social com a consciência social. Preferimos neste ponto dizer que a consciência social ou coletiva é que determina as condutas sociais, afastando-as da chamada moral social e, ao mesmo tempo, evitando confusões de conteúdo com a moral individual (ou simplesmente moral). Em termos estritamente sociológicos, combate-se o ato anti-social com a consciência social, preferindo alguns até empregar noções de degradação ou mesmo chamar a atenção para a condenação social de determinadas condutas. Deveras, é de se concluir pela existência MORAL E DIREITO Página 5 de normas sociais, 11mas não que elas sejam simplesmente compreendidas como morais. Ao lado de cada norma, expressando sua faceta coercitiva, subsiste um controle social como mantenedor da obediência a tais preceitos. De forma sociológica, o ato social pode ser controlado pelo poder, pela autoridade, pelo juízo da maioria, pela expectativa dos outros... 12Observa-se que aquele que tem sua atitude reprovada pela sociedade, em termos de coercibilidade, sofre pressão para se conformar com a repreensão, isto é, a pressão dos demais membros da sociedade vai convencer o desregrado do malefício de sua conduta. 13 A sanção social pode ser positiva ou negativa, e, na segunda, encontra-se uma espécie de castigo imposto pelo grupo, como vaia, multa, suspensão; positivamente, a sanção pode se manifestar por meio de aplausos, promoção, medalha, honraria, diploma, admiração, elogios... 14No caso de falta de urbanidade no tratamento das pessoas com quem se relaciona, há uma expressa ofensa de um uso social por aquele que faltou com a civilidade. Além do próprio ofensor, outras pessoas e instituições vão qualificar tal atitude como contrária às regras sociais. Ainda que o ofensor assim não entenda, o grupo vai repugnar tal comportamento pelo protesto de cada um de seus membros ou pela instituição familiar, escolar, religiosa... A concordância com a exigência da sociedade aqui fica patenteada quando o ofensor se conscientiza do julgamento condenatório de sua atitude. A conformação do agressor exterioriza a consciência individual, ficando a consciência coletiva representada pelo juízo dos membros do grupo social. 15. Filosofia e moral Com certo puritanismo, a moral deve ser tomada como regras de conduta situadas na filosofia, ou seja, a natureza da moral é filosófica. É certo que o indivíduo nasce sem nenhuma noção das regras morais, adquirindo-as com a convivência, mas, depois disso, fica estabelecida a autonomia da moral no que diz respeito à consciência exclusivamente interna. De forma mais incisiva, a moral faz parte da filosofia do direito enquanto baixa regras de conduta na tentativa de padronizar determinados comportamentos e serve de subsídio para o direito com tais investidas. 16. Direito e moral O direito e a moral contam com alguns pontos em comum. Com mais precisão, eles têm em comum serem regras de conduta e persistir neles a obrigatoriedade no cumprimento de tais determinações, mas, por sua vez, estão distantes de ser confundidos pelas demais características de cada qual. Ao lado disso, há regras morais que são tomadas como regras jurídicas também, como no dever moral de expressar somente a verdade, a pessoa que mentir perante o juiz ou tribunal, invadindo tal ato a esfera jurídica, comete o crime de falso testemunho. Neste tópico, subsiste o maior interesse da moral com relação ao direito; daí a razão da apresentação de algumas definições de direito com fundo moral. Em suas lições de filosofia, Antonio Serbati Rosmini 15definia o direito como "o determinado pela faculdade de praticar aquilo que nos apraz, protegido pela lei moral". Para Max Ernst Mayer, o direito era "a ciência da retidão moral segundo os princípios racionais". Mas os romanos já traziam algumas noções do distanciamento que existia entre o direito e a moral, dizendo Justiniano que "o honesto está para a moral assim como o lícito está para o direito". Na Idade Média, o direito e a moral eram confundidos continuamente, isso até como decorrência de outras confusões religiosas, políticas e sociais. Reinava uma unidade entre o comportamento moral e o jurídico. Cumpre observar que, desde o início, das investidas sobre essas subáreas do conhecimento, constatou-se o tamanho avantajado da moral sobre o direito, em outras palavras, a moral apresentou-se mais vasta do que o direito já no início das investigações. MORAL E DIREITO Página 6 17. Teorias O momento do despertar com campos visuais determinadores de critérios para identificar as condutas morais e as jurídicas não está tão distante. Reinava no passado o desinteresse em desenvolver investigações filosóficas sobre tais temas. Em termos quantitativos, há muitas teorias envolvidas com os temas; daí optarmos pelas seis mais gerais e conhecidas, somada ao nosso ensaio sobre o assunto (7.ª Teoria). No afã de identificar as relações entre a moral e o direito, bem como descrever a ausência de tais contatos, alguns teóricos promoveram tais demonstrações com o emprego de operações matemáticas, com considerações sobre o estar contido, conter ou isolar; daí as teorias passaram a contar com figuras geométricas para ser representada, frisando que elas foram criadas pelos próprios teorizadores para melhor explicar seus posicionamentos, e é certo que isso tem facilitado bastante a compreensão. 1. Teoria da Indiferença: nos primórdios, não havia a necessidade de se apregoar a comunicabilidade ou mesmo a incomunicabilidade entre a moral e o direito, pois, considerado aqui somente o estágio inicial da sociedade, a indiferença com relação às normas jurídicas e às regras morais não deixava que elas passassem de formas de controle social. Com a formulação dos primeiros postulados, alimentada pela contrariedade à citada indiferença, não mais se refere ao período em que a situação podia ser representada por uma única figura geométrica, com mais precisão, tratava-se de uma esfera preenchida indistintamente com regras morais e normas jurídicas. MORAL DIREITO 2. Teoria do Moralismo Jurídico: para Viktor Cathrein, o direito consiste na "totalidade das regras éticas naturais que se referem à vida social humana e prescrevem seja dado a cada um o que é seu". 16Identifica-se aqui o conteúdo moral com o conteúdo jurídico, ou seja, o que é ético deve ser tomado como jurídico; com mais precisão, o direito seria formado por regras da moral. A representação geométrica seria a mesma apresentada para a teoria anterior, qual seja uma única esfera contendo a moral e o direito.MORAL DIREITO 3. Teoria dos Círculos Concêntricos: o inglês Jeremy Bentham defende, em An introduction to the principles of moral and legislation, 17que o direito está completamente contido na moral, expressando a menor abrangência do direito, a inexistência de choque entre a norma jurídica e a regra moral e, por fim, a subordinação do direito à moral. Numa representação geométrica, traçou um círculo maior representando a moral e outro menor referindo-se ao direito, sendo o círculo menor posicionado no interior do maior. MORAL DIREITO 4. Teoria da Comunicabilidade ou dos Círculos Secantes: o francês Claude Du Pasquieur MORAL E DIREITO Página 7 apregoou que a moral e o direito contam com muitas regras próprias e algumas outras em comum. Trata-se de regras morais e jurídicas num mesmo contexto, regras morais isoladas e regras do direito isoladas. A representação geométrica aqui se deu também com dois círculos com pequenas regiões interpenetrantes entre eles. MORAL DIREITO 5. Teoria do Mínimo Ético: o alemão Georg Jellinek defendeu o direito como um mínimo de regras morais, podendo ser representado como um pequeno círculo de direito num círculo maior da moral. Tal posicionamento encontrou muita resistência até porque aceitava a moral dominando o direito, pois a pretensão de quantificar o direito não teria suporte que merecesse credibilidade; por sua vez, é cediço que as regras morais são em número bem maior do que as normas jurídicas. MORAL DIREITO 6. Teoria da Separação dos Círculos: o alemão Hans Kelsen, como principal mentor da escola positivista, tratou de afastar o direito da moral, não admitindo qualquer tipo de contato entre os dois sub-ramos do conhecimento. Dá-se aqui uma supervalorização do direito. Na representação geométrica, têm-se dois círculos independentes, ou seja, sem ponto de contato algum. 7. Teoria Dinâmica: em tantos anos estudando para desvendar pelo menos os mistérios que cercavam a moral e o direito, abriu-nos a oportunidade de contribuir com uma teoria mista ou intermediária, isso pelo fato de nos valermos de postulados já estabelecidos por outras teorias. Entre muitos debates e tantas reflexões, elaboramos uma teoria que tem por base contrapor a forma estática presente em todas as teorias apresentadas por grandes nomes da ciência do direito. 18. Teoria dinâmica No começo dos estudos, sem falsa modéstia, não tínhamos a pretensão de inovar em região tão revisitada do conhecimento humano, como se dá com a moral e o direito, mas como o espaço se tornou propício para formular uma teoria que refletisse mais a realidade e, dessa forma, facilitasse a compreensão de assunto tão importante, resolvemos daí fazê-lo. Antes de mais nada, tomando por base o que já disse no tópico anterior, vamos defender aqui nossos posicionamentos para sedimentar a base da teoria que se quer aqui assentar. De forma ordenada, comecemos a firmar alguns pré-conceitos acerca da moral e do direito: 1.º há comunicação entre as regras morais e as normas jurídicas, a qual é marcada por diversos laços; 2.º as regras morais apresentam-se em maior número do que as normas jurídicas; 3.º como conseqüência da desproporcional quantidade de uma e de outra, as regras morais servem de subsídio para as normas do direito; 4.º entrada e saída de regras morais e normas jurídicas: longe de ser estática, a moral e o direito mantêm contínuas relações, verificando-se a transferência de regras ou de normas. Verdadeiramente, a intensidade em tal relacionamento permite que alguns padrões de conduta habitem os dois ramos, sejam retidos num dos ramos, passem de um ramo para outro e, de certa forma, sejam contrários. Em busca da identificação do conteúdo da moral e do direito, alguns exemplos vão trazer o perfil de cada padrão de conduta: a) a dívida de jogo constitui um ilícito e um ganho desonesto (padrão de conduta comum à MORAL E DIREITO Página 8 moral e ao direito); b) a proibição da utilização de provas obtidas por meios ilícitos apresenta-se como norma jurídica pura (padrão de conduta só do direito); c) a descriminalização apresenta-se como o caso mais comum de passagem da conduta do direito para a moral; o caminho pode ser inverso, dando-se a criminalização de conduta pertencente à moral. Geometricamente, podem a moral e o direito ser representados por dois círculos, um maior representando a moral e outro menor figurando como o direito, com uma região em comum variável pela transformação das regras morais em normas jurídicas e vice-versa. 19. Diferenças entre a moral e o direito Em virtude de restrições das teorias filosóficas mais radicais, as diferenças entre a moral e o direito devem ser apresentadas num ambiente neutro, mas sem que isso importe em rigoroso afastamento da possibilidade de elas serem assimiláveis pelas principais correntes: a) a motivação da desobediência da regra moral é interna, partindo do próprio indivíduo, enquanto a ilicitude do ato se mostra como externo, isto é, decorrente da norma jurídica: 18além dos casos da norma jurídica, frise-se que o pecado e o ato anti-social decorrem dos ditames da divindade na religião e das práticas sociais na sociologia. Daí Thomasius 19dizer que a moral tratava do foro íntimo do ser humano, enquanto o direito deveria ser tomado como foro externo; b) o direito tem suas regras bem definidas, contrapondo a moral com regras difusas: enquanto as regras morais, apesar de provirem de várias outras áreas do conhecimento humano, não são facilmente reunidas, as normas jurídicas são geralmente escritas. Na religião, o padrão de conduta decorre já de documentos escritos, como a Bíblia, o Alcorão..., enquanto as regras estritamente sociais são geradas pelo convívio; c) há coercibilidade no direito, não havendo como obrigar a pessoa a cumprir a regra moral: o direito apresenta-se como obrigatório, enquanto a moral mostra-se recomendável. Avançando sobre a religião e a sociologia, constata-se que o pecado torna instável a relação com a divindade, podendo afastar o pecador do reino dos céus; já a regra social é imposta por mecanismo externo da simples pressão dos demais membros do grupo; d) a sanção só se faz presente no direito, sendo ela prevista previamente pelo preceito normativo, o que não se dá com a moral, haja vista a presença de simples constrangimento psíquico em caso de desobediência. Conclusivamente, em dizeres simples, não se pode negar a existência de uma certa relação do direito com a moral e é de se constatar avanços e retrocessos nas diferentes nações do mundo. 20. Relações entre o direito e a moral Há que se ter em mente que nem a moral e muito menos o direito podem ser mantidos numa redoma em completo isolamento, em franca limitação ou extinção de suas relações com os demais ramos do conhecimento humano. A sociologia soma todos os meios de controle social e tem suas próprias regras de conduta, mantendo intensa relação com a moral. Seja entre os cristãos, judeus ou muçulmanos, as relações religiosas fazem-se mais intensas, aproveitando as regras religiosas gravadas por Deus ou gerando diferentes regras promovidas de forma aleatória pelos próprios dirigentes da religião como instituição. Por fim, a vida em sociedade anima a ocorrência de transformações, como a conversão MORAL E DIREITO Página 9 de regras morais em normas jurídicas, como se ocorresse a moralização do direito, sem que essas normas deixem de ser consideradas regras morais. Em sentido contrário, algumas normas deixam o mundo jurídico para se converterem em regras morais, como o adultério que deixou de ser crime em muitos países da Europa; no Brasil, a tendência é que ele seja também descriminalizado num futuro próximo, já que o adultério continua a figurar como crime no art. 240 do CP (LGL\1940\2) brasileiro. As regras morais e as normas jurídicas mantêm movimentos constantes, atribuindo maior ou menor interessea este ou àquele padrão de conduta, revelando com clareza a dinamicidade com que devem ser tratadas. 21. Bibliografia ALMEIDA, Guilherme Assis de; CHRISTMANN, Martha Ochsenhofer. Ética e direito: uma perspectiva integrada. São Paulo: Atlas, 2002. ARRUDA JÚNIOR, Edmundo L. de. Introdução à sociologia jurídica alternativa. São Paulo: Acadêmica, 1993. BARROS, Wellington Pacheco. Dimensões do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celes Cordeiro Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: UnB, 1997. BORGES, Arnaldo. Origens da filosofia do direito. Porto Alegre: Fabris, 1999. BREÑA, Daniel Kuri. La filosofia del derecho en la antigüedad cristiana: una curva del pensamiento filosófico. 3. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1968. CASTRO, Celso Antonio Pinheiro de. Sociologia e direito. 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(11) Sebastião Vila Nova. Introdução à sociologia, p. 40-43; Ely Chinoy. Sociedade: uma introdução à sociologia, p. 625; Celso Antonio Pinheiro de Castro. Sociologia e direito, p. 65-72; M. B. L. Della Torre. O homem e a sociedade, p. 118; Florestan Fernandes. Fundamentos empíricos da explicação sociológica, p. 84-95. (12) Ely Chinoy. Op. cit., p. 626. (13) Idem, ibidem, p. 627. (14) M. B. L. Della Torre. Op. cit., p. 119. MORAL E DIREITO Página 12 (15) Filósofo, teólogo e sacerdote italiano que viveu entre 1797 a 1855. (16) Apud Miguel Reale. Op. cit., p. 483. (17) Hugo de Brito Machado. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. (18) Miguel Reale. Lições preliminares de direito, p. 48-49; Tercio Sampaio Ferraz Junior. Introdução ao estudo do direito, p. 357; Flamarion Tavares Leite. O conceito de direito em Kant, p. 51; Vicente Ráo. Op. cit., p. 40-41. (19) Isso na obra Fundamenta Juris Naturae et Gentium, com data de 1705. MORAL E DIREITO Página 13
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