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FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA LÍNGUA PORTUGUESA I Geisa Magela Veloso Rose Mary Ribeiro PEDAGOGIA 5º PERÍODO FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA LÍNGUA PORTUGUESA I Geisa Magela Veloso Rose Mary Ribeiro Montes Claros - MG, 2011Montes Claros - MG, 2011 Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES 2011 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Maria Ivete Soares de Almeida DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Giulliano Vieira Mota CONSELHO EDITORIAL Maria Cleonice Souto de Freitas Rosivaldo Antônio Gonçalves Sílvio Fernando Guimarães de Carvalho Wanderlino Arruda REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Patrícia Goulart Tondinele REVISÃO TÉCNICA Josiane Santos Brant PROJETO GRÁFICO Alcino Franco de Moura Júnior Andréia Santos Dias EDITORAÇÃO E PRODUÇÃO Andréia Santos Dias Débora Tôrres Corrêa Lafetá de Almeida Diego Wander Pereira Nobre Jéssica Luiza de Albuquerque Karina Carvalho de Almeida Rogério Santos Brant Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Diretor de Educação a Distância - DED - CAPES Celso José da Costa Governador do Estado de Minas Gerais Antônio Augusto Junho Anastasia Vice-Governador do Estado de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Nárcio Rodrigues Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela Vice-Reitora da Unimontes Maria Ivete Soares de Almeida Pró-Reitora de Ensino Anete Marília Pereira Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Chefe do Departamento de Educação Maria Cristina Freire Barbosa Chefe do Departamento de Estágios e Práticas Escolares Dayse Magna Santos Moura Chefe do Departamento de Métodos e Técnicas Educacionais Francely Aparecida dos Santos Coordenadora do Curso de Pedagogia a Distância Maria Auxiliadora Amaral Silveira Gomes AUTORES Geisa Magela Veloso É graduada em Pedagogia, pela FUNM, atual Unimontes (1982-1985). Tem especialização lato sensu em Literatura Infantil e Juvenil pela PUC-MG (1992-1994); é Mestre em Educação pela UFMG (2000-2001) e Doutora em Educação pela UFMG (2004-2008). Exerceu atividade profissional como supervisora pedagógica na rede municipal de ensino de Montes Claros (1985- 2004) e como professora do Curso de Magistério/ nível médio (1986, 1992-1997). Desde 1998 é professora da Unimontes, com pesquisa e docência no campo de Educação e Linguagem. municipal de ensino de Montes Claros-MG. Rose Mary Ribeiro É graduada em Pedagogia pela FUNN, atual UNIMONTE (1082-1986). É mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília (2003- 2004). É professora da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES, desde 1999, com ênfase em Gestão e Políticas Públicas, Didática, Fundamentos e Metodologia da Educação Infantil, Iniciação Científica, Metodologia da Pesquisa e Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa. Exerce, desde 1991, o cargo de Supervisora Pedagógica na rede SUMÁRIO Apresentação ..............................................................................................................................09 Unidade 1: Concepções de linguagem e objetivos do ensino de português na escola .................. 13 1.1 Objetivos do Ensino de Português .................................................................................... 13 1.2 Concepções de Linguagem .............................................................................................. 15 1.3 Referências ..................................................................................................................... 18 Unidade 2: Leitura como prática social ....................................................................................... 19 2.1 A prática da leitura e sua inserção no cotidiano. ............................................................. 19 2.2 Concepções de leitura .................................................................................................... 23 2.3 Leitura como decifração e como produção de sentidos. .................................................. 26 2.4 Leitura e escrita como práticas sociais e instrumentos de cidadania ................................. 27 2.5 Leitura como instrumento de mediação e como habilidade a ser desenvolvida na escola . 31 2.6 O texto como objeto de ensino na escola. ...................................................................... 33 2.7 Metodologia de leitura na escola. .................................................................................... 35 2.8 Referências ..................................................................................................................... 62 Unidade 3: A produção escrita como prática na sala de aula ...................................................... 65 3.1 A escrita como interação entre sujeitos sociais ................................................................. 65 3.2 o texto como objeto de estudo e análise linguística ......................................................... 78 3.3 Processo de produção do texto escrito ............................................................................ 85 3.4 Textos e portadores de textos .......................................................................................... 88 3.5 A intertextualidade .......................................................................................................... 96 3.6 Referências ..................................................................................................................... 99 Unidade 4: A linguagem oral na sala de aula .............................................................................. 101 4.1 A Fala na Sala de Aula ..................................................................................................... 102 4.2 Variação Linguística e o Ensino da Oralidade na Escola .................................................... 105 4.3 O Trabalho com a Oralidade na Sala de Aula .................................................................. 112 4.4 Referências ..................................................................................................................... 116 Unidade 5: O ensino de gramática na escola .............................................................................. 117 5.1 Concepções de Gramática. .............................................................................................. 118 5.2 O ensino de gramática na escola. .................................................................................... 120 5.3 Como deve se estruturar o ensino de gramática na escola? ............................................. 124 5.4 A ortografia como objeto de ensino nos anos iniciais do Ensino Fundamental .................. 130 5.5 O ensino da pontuação na escola .................................................................................... 135 5.6 Referências ..................................................................................................................... 139 Resumo ......................................................................................................................................141 Referências básicas, complementarese suplementares ................................................................ 147 Atividades de aprendizagem - AA ............................................................................................... 153 9 APRESENTAÇÃO Caro(a) estudante; Com a disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino de Português I você iniciará uma nova etapa de estudos, que consideramos importantíssima para sua formação profissional. Na disciplina você compreenderá os sentidos e os objetivos para se ensinar leitura, escrita, linguagem oral e conhecimentos linguísticos na escola, também se apropriando de fundamentos que lhe permitirão a construção de uma prática pedagógica consistente e produtiva. Esperamos que compreenda o aprender a ler e escrever como processo complexo, que se inicia antes da escolarização formal, mas tem a escola como instância responsável pela aquisição e desenvolvimento de competências para uso social da leitura e da escrita. No entanto, o exercício da cidadania também pressupõe o desenvolvimento da linguagem oral e a aquisição das normas e convenções da língua padrão, adequando a linguagem às diferentes situações sociais. Nesse sentido, apresentamos os principais objetivos dessa disciplina: • Refletir acerca das finalidades do ensino da língua portuguesa e compreender que as concepções de linguagem assumidas pelos professores têm implicações pedagógicas no ensino realizado na sala de aula; • Discutir a necessidade de adequação da linguagem oral e escrita à função comunicativa, ao interlocutor, ao gênero textual, ao suporte e à situação de interlocução; • Reconhecer a necessidade de contato do aluno com diferentes gêneros textuais, instituindo o texto como matéria-prima para o trabalho com a língua portuguesa; • Compreender a linguagem oral como objeto de ensino, identificando as características da oralidade em situações formais e informais de uso da linguagem; • Compreender que a leitura é um processo de construção de sentidos pelos leitores, que colocam em jogo os seus conhecimentos prévios na relação com o texto e o autor; • Compreender o ensino de gramática como estudo da estrutura dos textos, considerando pontuação e ortografia como elementos facilitadores da leitura, devendo se constituir como objeto de ensino na escola; 10 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período 10 • Reconhecer a necessidade de favorecer o contato do aluno com diferentes tipos de texto, enquanto condição para o domínio da leitura e da escrita e aquisição de competência no uso da língua; • Dar novo significado à produção de textos, compreendendo a necessidade de adequação da linguagem (oral e escrita) aos diferentes interlocutores e situações de interação social. Para atingir os objetivos propostos, os conteúdos de ensino foram distribuídos em 5 unidades de estudo. Na primeira, denominada “concepções de linguagem e objetivos do ensino de Português na escola”, discutiremos as finalidades de se ensinar Português para falantes nativos dessa língua, abordando o modo como as concepções de linguagem adotadas pelo professor interferem no planejamento e organização das atividades didáticas destinadas ao ensino. Na segunda unidade, denominada “Leitura como prática social”, será abordada a leitura e o seu ensino, discutindo o conceito, o valor da leitura, a necessidade de se desenvolver estratégias didáticas para seu ensino. Na terceira unidade, denominada “A produção escrita como prática na sala de aula”, discutiremos os sentidos assumidos pela escrita na escola, analisando a importância de um ensino contextualizado em situações reais de uso da linguagem, não apenas para expressar ideias, pensamentos, opiniões, mas para interagir com o outro. Na quarta unidade, denominada “A linguagem oral na sala de aula”, abordaremos a importância do trabalho com a oralidade, de forma que a escola possa ampliar a capacidade expressiva dos alunos, levando- os a perceberem a necessidade de adequação da linguagem oral aos interlocutores e à situação de comunicação. Na quinta unidade, denominada “O ensino de gramática na escola”, discutiremos o trabalho com conhecimentos linguísticos, apontando a importância de uma abordagem reflexiva de ensino, também destacando a necessidade de valorizar a linguagem dos alunos e utilizar diferentes textos, orais e escritos, como base para o ensino desses conteúdos. Com o estudo esperamos que você possa compreender os fundamentos e os objetivos de se ensinar português na escola, de forma a ser capaz de realizar uma prática pedagógica consistente para ensino da leitura, escrita, oralidade e conhecimentos linguísticos. Também esperamos que possa fazer escolhas relativas ao material didático a ser utilizado em sala de aula, como também de propor estratégias didáticas que sejam capazes de alfabetizar letrando. E se você já for professor(a), esperamos que possa avaliar criticamente a sua ação pedagógica e implementar modificações necessárias ao ensino, de forma que seus alunos possam ter na leitura e na escrita um instrumento importante para o exercício da cidadania e para sua realização pessoal. Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes 11 Desejamos que você tenha sucesso na aprendizagem dos conteúdos previstos para mais essa etapa! As autoras. 13 UNIDADE 1 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E OBJETIVOS DO ENSINO DE PORTUGUÊS NA ESCOLA Introdução Caro(a) estudante; A educação está na pauta de discussões e integra as preocupações de diferentes países, que compreendem as habilidades de ler e escrever como fator de desenvolvimento cognitivo, econômico, político e cultural dos indivíduos e das sociedades. No Brasil, os debates das últimas décadas têm apontado a necessidade de se construir padrões de qualidade. Isso porque os dados estatísticos revelam uma quase universalização do acesso ao Ensino Fundamental, mas a escola ainda não produziu o acesso ao conhecimento e a inserção dos alunos no mundo da cultura historicamente produzida. Ou seja, a democratização do acesso à escola não se efetivou como garantia de ensino de qualidade para todos e tem gerado um quadro de exclusão, tão perverso e preocupante quanto a falta de vagas. E nessas discussões, o ensino de Língua Portuguesa na escola tem ocupado grande centralidade, posto que a aprendizagem da leitura e da escrita é compreendida como elemento essencial ao desenvolvimento escolar e condição para acessar o mundo da cultura. Por isso é necessário que a escola construa condições para ensinar a ler e a escrever e garantir ao aluno o uso eficaz da linguagem. Uma vez que o ensino dessas habilidades foi atribuído à escola, a ampliação das demandas por leitura e escrita tem ampliado a responsabilidade dos professores. Assim, entendemos ser necessário um esforço de revisão das práticas tradicionais de alfabetização inicial e de ensino da Língua Portuguesa, a partir da apropriação dos conhecimentos produzidos. E repensar as questões envolvidas no ensino e na aprendizagem da língua precisa alicerçar-se na compreensão das concepções de linguagem e dos objetivos que orientam o seu ensino. Dessa forma, o objetivo dessa primeira unidade de estudo é refletir acerca das finalidades do ensino da língua portuguesa e compreender que as concepções de linguagem assumidas pelos professores têm implicações pedagógicas no ensino realizado na sala de aula. 1.1 OBJETIVOS DO ENSINO DE PORTUGUÊS Ao discutir os motivos para se ensinar Português na escola é importante destacar que, ao iniciarem o Ensino Fundamental, com 5/6 anos de idade, as crianças já são usuárias da língua portuguesa. Ou seja, conforme Travaglia (1996, p. 17), nossos alunos são falantes nativos de Português – aprenderam a utilizar a língua por estarem imersos em comunidades14 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período de falantes, sendo capazes de lidar com a linguagem oral nas situações cotidianas em que dela se faz uso. Nessa direção, o autor pergunta: “para que se dá aulas de Português a falantes nativos de Português?” . Para responder a essa pergunta nos reportamos a Travaglia (1996), que apresenta quatro respostas para a questão. Na primeira o autor aponta que ensinar Português se justifica fundamentalmente pelo objetivo de “desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua” (1996, p. 17), enquanto falantes, ouvintes, leitores e escritores, de forma que possam empregar adequadamente a língua nas mais diferentes situações de comunicação. Na ampliação da competência comunicativa o autor considera que os usuários devem apresentar uma série de capacidades, dentre elas: produzir sequências linguísticas que se fundamentem nas regras próprias da língua, produzir e compreender diferentes tipos de textos, avaliar a boa formação de um texto dado, modificar textos e avaliar a adequação dessas modificações, saber dizer a que tipo pertence um texto (romance, notícia, receita, etc). Enfim, é importante saber usar adequadamente a língua oral ou escrita nas mais diferentes situações comunicativas. Na segunda resposta, Travaglia (1996) discute a responsabilidade da escola em ensinar a forma escrita da língua e levar o aluno a dominar a norma culta ou língua padrão. Nesse sentido, o autor destaca que, ao iniciarem o ensino fundamental os alunos já dominam a norma coloquial da língua em sua modalidade oral. No entanto, é importante dominar a norma culta da língua e a sua forma escrita, de forma que os alunos possam utilizar essa modalidade da língua nas situações de interação em que for necessário. O autor considera que esse segundo objetivo seja menos importante que o primeiro, pois o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos inclui o uso da língua escrita e da norma padrão nas situações de maior grau de formalidade ou que se exigir a atividade de escrita ou leitura de textos. Na terceira resposta apresentada, Travaglia (1996) discute o ensino que leve a compreender como a língua funciona, de forma a se saber, por exemplo, que correr é um verbo, que bola seja um substantivo. Já na quarta resposta o autor propõe o ensino da teoria gramatical e da metalinguagem, de forma ser possível desenvolver habilidades de observação e de argumentação acerca da linguagem. Ao também perguntar-se sobre a importância de se ensinar Português para pessoas falantes que são falantes nativas do português, Cagliari (1997) considera que, ao desenvolver o seu trabalho pedagógico a escola deva considerar que o objetivo mais geral desse ensino deve ser o de mostrar aos alunos como a linguagem funciona, compreender os seus usos, ampliando ao máximo as habilidades de uso da linguagem escrita e oral, nas diferentes situações de vida. Nesse sentido, o autor considera que a escola não deve se apegar ao ensino da gramática normativa, sendo Você já pensou sobre os motivos de se ensinar Português para pessoas que são falantes nativos da língua? Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes 15 necessário que os alunos desenvolvam competências para usar a linguagem em diferentes situações sociocomunicativas mediadas pela fala, leitura e escrita. Por isso é importante que a escola se abra para a pluralidade da linguagem, favorecendo o contato dos alunos com diversos gêneros textuais, participando de práticas diversificadas de leitura, escrita e uso da oralidade, em diferentes situações comunicativas. Prezado(a) estudante, como se pode perceber pelas concepções acima explicitadas, tanto Travaglia (1996) como Cagliari (1997) consideram que, mais importante do que focalizar o ensino de gramática e memorizar regras e convenções, ao ensinar Português nos anos iniciais do ensino fundamental se deve focalizar a compreensão sobre a linguagem. Ou seja, o que importa é que os alunos aprendam a usar a linguagem oral, a leitura e a escrita, de forma a ampliar sua competência comunicativa e a utilizar a língua para resolver questões e problemas, estabelecendo relações de interlocução com diferentes sujeitos, nas diversificadas situações cotidianas. 1.2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM Ao discutir os objetivos do ensino de Português na escola, Travaglia (1996) confere atenção para as concepções de linguagem dos professores, posto que o modo como eles concebem a natureza da linguagem interfere no modo como planejam e executam as atividades de ensino. Nesse sentido o autor aponta 3 possibilidades distintas de se conceber a linguagem. São elas: linguagem como expressão de pensamento, linguagem como instrumento de comunicação, linguagem como processo de interação. Na primeira concepção, em que se compreende a linguagem como expressão de pensamento, Travaglia (1996) destaca que a ideia subjacente é de que a expressão se constrói no interior da mente, sendo a linguagem utilizada para a externalizar esse pensamento. Nesse sentido, acredita-se que as pessoas não se expressam bem porque não pensam. Essa concepção não considera que a linguagem seja afetada pelas situações comunicativas e pelas pessoas envolvidas nessas situações. Portanto, por considerar a linguagem como processo individual de expressão de pensamento, os defensores dessa concepção consideram que o modo como o texto é constituído não depende de quem fala, da situação de fala e dos objetivos de uso dessa fala. Nessa direção, Geraldi aponta que essa concepção de linguagem orientou os estudos tradicionais e, na concepção do autor, “se concebermos a linguagem como tal, somos levados a afirmações – correntes – de que pessoas que não conseguem expressar não pensam” (2003, p. 41). Na segunda concepção, em que se considera a linguagem como instrumento de comunicação, a língua é vista como um código, ou seja, é compreendida “como um conjunto de signos que se combinam segundo regras, e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um 16 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período emissor a um receptor” (TRAVAGLIA, 1996, p. 22). Ou seja, se o falante tem em mente uma mensagem que deseja transmitir a um ouvinte, ele a codifica, a remete por meio de um canal, cabendo aos recebedores a sua decodificação. Por focalizar os aspectos formais da linguagem, essa concepção levou a um ensino da língua que desconsidera as funções da linguagem e os sujeitos envolvidos no processo de comunicação. Ao discutir essa questão e apontar as limitações dessa concepção de linguagem, Geraldi afirma que “nos livros didáticos essa é a concepção confessada nas instruções ao professor, nas introduções, nos títulos, embora em geral seja abandonada nos exercícios gramaticais”(2003, p. 41). Por fim, na terceira concepção, se compreende a linguagem como processo de interação. Conforme destaca Travaglia (1996), essa concepção se organiza pela lógica de que os sujeitos não usam a linguagem apenas para externalizar pensamento ou para transmitir uma mensagem. Mais do que isso, ao utilizar a linguagem, as pessoas atuam sobre o interlocutor. A linguagem é, pois, um lugar de interação humana, em que os falantes ou escritores produzem efeitos sobre seus interlocutores, que, por sua vez, também reagem aos conteúdos que recebem, não são passivos nos processos de comunicação e interação pela linguagem. Ao considerar a linguagem como lugar de interação humana, Geraldi (2003), afirma que, por meio da linguagem o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria executar de outra forma, constituindo vínculos e estabelecendo compromissos que não preexistiam à fala. Para exemplificar, vejamos um exemplo de uso da linguagem como interação humana e não como mera transmissão de informações. È fim de tarde, você estána sala com sua irmã assistindo ao noticiário, que apresenta a previsão do tempo e da indicação de forte chuva para o início da noite. Você se recorda que há roupas secando no quintal de sua casa, mas não quer ir fazer essa tarefa, e diz: “é preciso recolher as roupas antes que chova!”. Diante de sua fala há muitas possibilidades de resposta da sua irmã: se levantar e ir recolher as roupas; não dar ouvidos ao que você disse e permanecer à frente da TV; mandar que você vá realizar a tarefa; convidá-la para recolher as roupas juntas, etc. Ou seja, nessa situação em específico, como interlocutora, você não pediu ou ordenou nada, apenas sugeriu e esperava que sua irmã reagisse e executasse uma tarefa. Por sua vez, diante da sugestão, sua irmã pode reagir de diferentes maneiras, porque ela também é interlocutora, é sujeito, e como sujeito também não recebe passivamente as informações e mensagem vindas das outras pessoas. A resposta a ser dada dependerá muito do lugar social que vocês ocupam: se você é a irmã mais velha, se você é a pessoa que trabalha e sustenta a casa, ou outra circunstância. Isso significa que, nas situações de interlocução há uma série de elementos em jogo e esses elementos definem o modo como as pessoas envolvidas aceitam as regras e estabelecem relações. Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes 17 Você mesmo, prezado (a) acadêmico (a), ao ler esse texto está envolvido em um jogo social que tem a linguagem como elemento estruturante. Você está estabelecendo interação conosco, as autoras desse material didático, e o modo como aceita as ideias que apresentamos são estabelecidas a partir de elementos dessa relação. E você não está meramente recebendo informações, mas agindo por meio da linguagem, confirmando conteúdos que já sabia, se apropriando de novos conhecimentos, refletindo sobre as novas questões apresentadas, se recordando de suas práticas de uso da língua e do tempo em que era estudante na Educação Básica, dentre outras operações. Como você pode perceber os processos educativos não são estáticos, mas estabelecidos nesse jogo social, sendo a linguagem um importante elemento mediador. Os processos educativos estão em permanente movimento e, na medida em que vão sendo produzidos novos conhecimentos, vão sendo reformuladas as concepções de linguagem e também a proposta de ensino de Português na escola. Por isso é importante que os professores considerem esses conhecimentos que vão sendo produzidos. Em relação à abordagem didática da língua portuguesa é importante considerar que as concepções de linguagem como expressão de pensamento ou como instrumento de comunicação são compreensões que não explicam adequadamente a complexidade dos processos comunicativos. Nessa discussão, é mais adequado que a escola oriente suas ações pedagógicas a partir da compreensão de que a linguagem seja processo de interação social, de forma a poder contribuir com a ampliação de sua competência comunicativa dos alunos. Ou seja, é fundamental que os professores considerem o aluno como sujeito ativo nos processos de comunicação em que está inserido e desenvolva atividades de ensino que favoreçam a ampliação de sua capacidade de utilizar a linguagem oral ou escrita. Ao ouvir e falar, ao ler e escrever um texto, o aluno não é um mero emissor ou receptor de informações, mas um interlocutor, que produz sentidos para o que ouve e lê, concorda ou discorda das informações que recebe, reage aos conteúdos, se apropria de conhecimentos, produz seus próprios discursos. Enfim, o aluno realiza uma série de operações com a linguagem e, na condição de sujeito, utiliza a linguagem para estabelecer relações com o outro. A partir dessa compreensão da linguagem como processo de interação, apresentamos os conteúdos de ensino de Português nas próximas 4 unidades de estudo, que abordam os conteúdos de leitura, escrita, linguagem oral e conhecimentos gramaticais. Para efeitos didáticos e visando melhor compreensão, os conteúdos foram divididos e apresentados separadamente, mas se apresentam interligados na sala de aula. 18 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione, 1997.187p. GERALDI, João Wanderley (org). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 3 ed, 2003. TRAVAGLIA, Luiz Carlos Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. São Paulo: Cortez. 1996. 245p. 19 Introdução Caro (a) estudante; Nessa unidade você irá aprofundar estudos e discussões sobre a leitura, uma importante ferramenta de inserção social e cidadania. Você irá perceber que leitura e escrita são práticas sociais imbricadas. Ou seja, a escrita e a leitura são faces de uma mesma realidade, pois os textos são escritos para serem lidos, enquanto que o ato de ler favorece o desenvolvimento das habilidades de processamento do texto, compreensão e produção de sentidos pelos sujeitos. Você irá perceber ainda que, apesar de sua aprendizagem ocorrer no espaço da escola, a leitura não se constitui como mero objeto escolar, mas como prática social, importante na vida cotidiana dos alunos. Esperamos que possa adentrar nessa temática e ampliar conhecimentos que lhe permitam a construção de uma prática de ensino adequada às demandas cotidianas que a sociedade apresenta aos alunos. Nesse sentido, são objetivos dessa unidade: •Construir conceito de leitura que ultrapasse o processo de decifração dos textos e se fundamente na construção de sentidos e no diálogo autor-texto-leitor; •Reconhecer a necessidade de desenvolver estratégias para leitura de diferentes gêneros textuais; •Compreender que a leitura é um processo de construção de sentidos, em que os leitores colocam em jogo os seus conhecimentos prévios para estabelecerem diálogo com o texto e o autor; •Compreender que diferentes gêneros textuais exigem estratégias diferenciadas de leitura; •Reconhecer a natureza não polissêmica dos textos informativos, que se contrapõe a uma maior liberdade na construção de sentidos nos textos literários. Visando atingir os objetivos propostos a presente unidade de estudo se organiza em diferentes seções, que precisam ser compreendidas em sua globalidade. 2.1 A PRÁTICA DA LEITURA E SUA INSERÇÃO NO COTIDIANO. Na escola, a linguagem escrita ocupa lugar de destaque, não apenas porque ensinar a ler e escrever seja uma de suas primeiras e mais importantes tarefas, mas porque o uso da leitura e da escrita é uma UNIDADE 2 LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL 20 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período habilidade importante para se fazer frente a diferentes demandas sociais. Afinal, em nosso cotidiano, utilizamos a leitura com diferentes finalidades: para localizar um endereço, operar um terminal eletrônico no banco, escolher o ônibus que nos levará ao destino correto, e uma série de outras atividades que tem a escrita como referência. Em nosso trabalho, nas atividades de estudo, pesquisa e lazer, somos chamados a ler diferentes portadores e gêneros textuais, como textos informativos, artigos científicos, livros técnicos, romances, poemas e muitos outros textos. A tarefa de registrar as atividades que demandam por leitura e escrita parece quase impossível, não é? O mundo parece se mover pelo texto escrito. Você já parou para pensar como se sente uma criança que frequenta a escola e não aprende a ler e escrever? O texto abaixo foi produzido por um aluno do 6º ano de escolaridade, em que são explicitadas concepções e percepções relativas às funções da leitura e da escrita e o papel atribuído ao ato de ler. É evidente que produção textual de um aluno de 10 anos ainda não é possível perceber todas as possibilidades de leitura e as limitações que cotidianamentea sociedade letrada impõe aos analfabetos. Mas o aluno percebe a leitura de placas para locomover-se no espaço urbano, a leitura de bulas e manuais de instrução para orientar-se quanto ao uso de medicamentos e de equipamentos, a leitura como qualificação para sua inserção no mercado de trabalho, passando por outras diferentes situações práticas do dia-a-dia. Ainda é interessante destacar que o aluno não descarta a possibilidade de fruição da cultura, que pode se processar pela leitura de um livro. E você? Já imaginou como seria a sua vida se não soubesse ler e escrever? Essa importância atribuída à leitura pode ser percebida em um simples andar pela cidade. Uma vez que vivemos em uma cidade Você já parou para pensar a quantidade de operações de leitura e escrita que realizamos no nosso dia-a-dia? Registre as atividades que você não poderia executar sem a leitura e a escrita. Como seria minha vida se eu não soubesse ler nem escrever Se eu não soubesse ler nem escrever eu não saberia quanto cada nota de dinheiro vale, eu não iria à escola, eu não saberia me orientar pela cidade, eu não poderia ler um livro. Eu não ia saber tomar um remédio. Quando eu crescer eu não arranjaria trabalho, eu não saberia ler o manual de instruções de um eletrodoméstico, eu não saberia mexer no caixa eletrônico. Eu não poderia fazer muitíssimas coisas e minha vida seria horrível. (Pedro, 10 anos, março de 2005) FONTE: Arquivo pessoal da professora Geisa Magela Veloso Você já pensou na quantidade de tarefas que não seria capaz de resolver sem a leitura e a escrita? Agora, registre seus sentimentos em relação a essas impossibilidades. Como seria sua vida se você não soubesse ler e escrever? Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes 21 grafocêntrica somos, a todo o momento, bombardeados com uma grande quantidade de textos, muitos deles essenciais ao nosso deslocamento nesse espaço. Se você se observar a imagem abaixo, irá perceber indicações importantes para o cidadão que mora na cidade: localização de museu e escola, indicação de velocidade, nome de ruas e outras informações que facilitam o deslocamento e normatizam o fluxo de carros e pessoas nas ruas. Figura 1: Espaço urbano. Fonte:http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1§ion =Geral&newsID=a2926452.xml. http://cn2012.wordpress.com/2010/08/13/existe- -em-ilheus-um-codigo-de-postura. Acessadas em 10 de janeiro de 2011 A imagem acima nos mostra alguns usos específicos da leitura, mais voltados para os deslocamentos no espaço urbano, mas não são apenas esses os usos correntes, pois recebemos informações escritas em folders, cartazes, out door e uma série de outros portadores textuais. Por essa importância da leitura e da escrita na sociedade em que vivemos não podemos cruzar os braços diante dos alarmantes índices de analfabetismo no Brasil. Como futuros pedagogos e professores, somos peças-chave do processo educativo e não podemos permitir que a escola continue a fabricar analfabetos funcionais. Mas você deve estar se perguntando: o que é analfabeto funcional? Para entender o conceito vamos considerar as respostas anteriormente produzidas por você, de forma a poder aprofundar nossa compreensão acerca da leitura e da escrita, que não se constituem como meros aprendizados escolares, mas como práticas sociais amplamente presentes no nosso cotidiano. Precisamos considerar que, na perspectiva do letramento, ser alfabetizado implica em poder ler e escrever e utilizar esse conhecimento na realização de inúmeras tarefas – da simples operação de anotar um número de telefone numa agenda até a escrita de uma tese de doutorado; da leitura de um panfleto de propaganda à leitura de um livro de Guimarães Rosa. Ou seja, ler e escrever são práticas sociais, que interferem na vida dos sujeitos, no cotidiano de suas ações e relações com a sociedade. Ou seja, as pessoas verdadeiramente alfabetizadas podem desenvolver habilidades letradas, sendo capazes de usar socialmente essas habilidades na realização de inúmeras tarefas cotidianas, como também na construção de novos conhecimentos. 22 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Ao discutir as relações entre analfabetismo, sociedade e cultura, Soares (1998; 2004), considera que as habilidades de leitura e escrita não podem ser dissociadas de seus usos sociais, e que a questão é pensada em termos das condições necessárias para que o sujeito funcione adequadamente em um determinado contexto social. Daí surgiu a expressão “alfabetização funcional”, que indica o conjunto de habilidades e conhecimentos que tornam a pessoa capaz de participar das atividades de leitura e escrita necessárias em sua cultura e em seu grupo. Conforme Soares (1998), a ênfase na funcionalidade do aprendizado da leitura e da escrita influenciou a definição de alfabetismo proposta pela Unesco que, para efeitos de padronização internacional, trabalha com os conceitos de alfabetizado e analfabeto e, a partir de 1978, inclui o conceito de “alfabetizado funcional”, como aquele que aprendeu a ler e escrever e é capaz de utilizar essas habilidades na realização de inúmeras tarefas. A partir dessas definições, podemos concluir que “analfabeto funcional” é o sujeito que, mesmo tendo participado dos processos sistemáticos de alfabetização, não domina as habilidades e conhecimentos necessários para fazer frente às diferentes situações mediadas pela leitura e pela escrita. Ou seja, são pessoas que, mesmo alfabetizadas não sabem utilizar funcionalmente a leitura e a escrita em situações sociais de uso. Isso significa dizer que muitos de nossos alunos são analfabetos funcionais, porque estão na escola, participaram das atividades que visavam a sua alfabetização, aprenderam a reconhecer as letras e sílabas, sabem decodificar o texto impresso. No entanto, não dominam habilidades de leitura necessárias para fazerem frente às demandas sociais por ler e escrever, não resolvem as questões e problemas que envolvem leitura e escrita. Figura 2:Charge - Analfabetismo funcional? NUNCA MAIS!!! Fonte: http://universidadesnagrua.blogspot.com/2008/07/o-famoso-tcc-no- -unicesp_08.html, acessado em 30 de setembro de 2010. Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes 23 Agora que você já sabe o que é analfabetismo funcional, podemos discutir o modo como esse fenômeno se apresenta entre nós. São alarmantes os índices de analfabetismo funcional no Brasil, como também são muito baixos os desempenhos em leitura apresentados pelos alunos brasileiros. Dados do Programa Internacional de avaliação de Alunos – PISA indicam que entre os 32 países submetidos ao exame, para medir a capacidade de leitura dos alunos na faixa dos 15 anos, o Brasil ocupou o último lugar no ranking. Já o Indicador de Analfabetismo Funcional – INAF, produzido por pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa, indica que, apesar da quase universalização do ensino fundamental e do aumento dos anos de escolaridade da população brasileira, a porcentagem de analfabetos funcionais é inaceitável. Em 2001, na faixa etária entre de 15 a 64 anos, 9% dos brasileiros são “analfabetos absolutos”; no nível rudimentar, temos 31%; no nível básico, temos 34% e apenas 26% conseguem o nível pleno. Em outras palavras, esses índices indicam que um percentual significativo dos brasileiros não domina habilidades básicas de leitura e de escrita, não apresentando, portanto, condições para o exercício pleno da cidadania (RIBEIRO, 2004) Ainda por uma análise desses dados estatísticos, podemos afirmar que menos de 1/3 da população está qualificada para uso eficiente da leitura, apresentando condições para compreender os textos lidos, refletir sobre seu conteúdo, posicionar-sediante das ideias veiculadas, ampliar sua leitura de mundo e exercer plenamente seus direitos como cidadãos. 2.2 CONCEPÇÕES DE LEITURA A palavra leitura integra o nosso vocabulário e o ler está presente em diferentes situações cotidianas. Mas afinal, como podemos conceituar leitura? Registre o que você entende por leitura. Você encontrou dificuldade para elaborar um conceito para leitura? Apesar de ser palavra integrante do nosso vocabulário, apresentar um conceito não é uma tarefa tão simples assim. E não é somente você a se deparar com a dificuldade conceitual. Leitura é processo complexo, para o qual diferentes autores têm produzido diferentes abordagens e conceituações. Vejamos as ideias de alguns desses autores. Na concepção de Cagliari (1997), a leitura é atividade fundamental para formação dos alunos, pois tudo que se ensina na escola está ligado à leitura e dela depende para se desenvolver. Em seus estudos, o autor constatou que grande parte das dificuldades de aprendizagem que os alunos encontram é decorrente dos problemas de leitura. Em matemática, por exemplo, é comum que um aluno apresente dificuldade em resolver uma situação problema. No entanto, a dificuldade pode não se localizar na 24 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período operação ou no raciocínio lógico-matemático, mas na incapacidade de ler o texto, compreender os dados do problema e decidir sobre as operações que precisa realizar para encontrar a solução. Ao propor uma definição para leitura, Solè (1998) afirma que a leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto, que é realizada com um determinado objetivo e visa à produção de sentidos. Ao discutir o conceito, Jolibert e Sraiki (2008) não separam leitura de escrita e entendem que a atividade deve ser compreendida por duas perspectivas: leitura como prática presente na vida cotidiana e leitura como atividade intelectual. As autoras entendem que, como prática presente na vida cotidiana, de imediato a leitura significa construir sentidos para um texto e compreendê-lo, sendo que os sentidos produzidos resultam de uma relação singular entre o leitor e o texto. Ainda conforme as autoras, “ler é se engajar num processo dinâmico de construção cognitiva, ligado à necessidade de agir, no qual a afetividade e as relações sociais exercem simultaneamente o papel de motores que estimulam e exigem” (JOLIBERT e SRAIKI, 2008, p. 54). Isso significa dizer que, na vida cotidiana, a leitura é realizada com alguma finalidade, ocorre entre destinatários reais e em contextos de utilização do texto para a resolução de alguma questão ou em função de necessidades e desejos do leitor. Ao compreender a leitura como atividade intelectual, Jolibert e Saraiki (2008) consideram que esta é uma atividade de resolução de problema, pois o leitor utiliza sua inteligência para processar um conjunto complexo de informações (letras, palavras, atibutos gramaticais, tipo de texto, léxico, etc), para elaborar um conjunto coerente, que tenha sentido e responda às suas finalidades de leituta. Em suas discussões, Koch e Elias (2009) apontam que as concepções de leitura variam a partir do foco definido pelo sujeito. Ao considerar a concepção de língua como expressão de pensamento o sujeito coloca foco no autor e a leitura irá se constituir como atividade em que o leitor busca captar suas ideias e intenções. Nessa abordagem, o autor é considerado como senhor absoluto do seu dizer, cabendo ao leitor um papel passivo de apenas captar suas ideias no texto. Por essa abordagem não são levadas em conta as experiências e conhecimentos do leitor. Ao considerar a concepção de língua como código, como mero instrumento de comunicação, Koch e Elias (2009) consideram que o foco de discussão é colocado no texto, que é visto como produto da codificação feita por um emissor, que precisa ser decodificada pelo receptor da mensagem. Nesse abordagem, a leitura é uma atividades que exige que o leitor focalize o texto para localizar o que foi dito. Se na concepçaão anterior, ao leitor cabia encontrar as intenções pretendidas pelo autor, nesta concepção, cabe-lhe o reconhecimento dos sentidos das palavras e estruturas do texto. Nos dois casos, o leitor é passivo e realiza a leitura como atividade de reconhecimento e de reprodução de ideias. Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes 25 Diferentemente dessas concepções, as autoras consideram que, ao tomar a lìngua como processo de interação social, é colocado foco na interação autor-texto-leitor, sendo que os leitores são compreendidos como sujeitos ativos, que dialogam com o texto e com o autor na produção de sentidos. Nessa abordagem, a leitura é uma atividade interativa complexa de produção de sentidos, que se realiza com base nos elementos linguísticos presentes no texto e na sua organização, leva em conta as experiências e o conhecimento do código linguístico do leitor. Veja um exemplo: Figura 3: Mafalda Fonte http://1.bp.blogspot.com/_Mi-HY0SRXbs/SehfoFX27pI/AAAAAAAAWG0/xe- TUnbsJoik/s1600-h/mafa3.jpg.. Acessado em 11 de agosto de 2010 Se anteriormente você já leu outras tirinhas de Quino, certamente pôde antecipar alguns sentidos possíveis, por saber que a Mafalda é uma personagem crítica e que tem uma percepção humorada, irônica e um tanto pessimista da realidade. Na tirinha acima, os sentidos não estão dados no texto, mas precisam ser construídos pelo leitor. Para compreender esse texto o leitor necessita dialogar com as informações apresentadas, lançar mão de conhecimentos sobre as dificuldades em se produzir um acordo sobre o desarmamento nuclear, sobre os interesses econòmicos e políticos relacionados à questão nuclear. Somente a partir desses conhecimentos é possível entender porque Mafalda diz que Genebra não é a capital da Suiça, mas a capital do fracasso. Enfim, leitura é mesmo um conceito complexo, em que diferentes pesquisadores conferem destaque para diferentes aspectos da leitura. No entanto, essas discussões apresentam pontos convergentes. Ao fazer esse levantamento você deve ter percebido que todos os autores conferem grande importância para o aprendizado da leitura, que deve merecer toda atenção da escola. Os autores também destacam a necessidade de que a escola ensine leitura a partir de um conceito mais amplo, pois a leitura não pode ser compreendida como mera decifração, mas como processo em que o leitor interage com o autor e o texto, visando a compreensão e a produção de sentidos. Você conseguiu perceber as convergências presentes nessas ideias e concepções sobre leitura produzidas no campo acadêmico? Registre os pontos comuns que localizou nos conceitos dos autores. 26 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período 2.3 LEITURA COMO DECIFRAÇÃO E COMO PRODUÇÃO DE SENTIDOS. Cagliari (1997) entende que a leitura seja uma prática que implica em decifração, pois pressupõe que o leitor se aproprie de convenções do sistema de escrita, entenda o que é um texto, para que serve, como funciona, o que é ortografia, etc. No entanto, a leitura também exige que se compreendam as ideias apresentadas. O autor entende que, ao ler o leitor deverá em primeiro lugar decifrar a escrita, ou seja, entender a linguagem encontrada para decodificar o texto, de forma a poder refletir sobre as ideias lidas e formar o próprio conhecimento a respeito do que leu. É evidente que, ao discutir essa relação entre decifração e produção de sentidos, o autor não está propondo etapas para o processo inicial de aprendizado da leitura, em que primeiro se aprende a decifrar para depois aprender a compreender o que se leu. A defesa realizada pelo autor é de que aprender a decifrar faz parte do processo aprender a ler. Isso porque a leitura, na sua essência, é uma atividade individualem que o leitor processa o texto, mas o seu objetivo é a produção de sentidos. Nessa mesma direção, Tolchinsky (2001) considera que aprender a ler é aprender a interpretar as mensagens inscritas nos textos. Ou seja, ao ler olhamos para marcas pretas no papel e ao escrever deixamos nossas marcas no papel. Mas só sabemos ler e escrever quando compreendemos o que as marcas significam, não o que elas são. Sobre a questão, Soares (2004) aponta ler e escrever seja atividade complexa, que apresenta duplo significado em nossa língua: é processo de codificação/decodificação da língua, mas também é compreensão/ expressão de significados. Ao discutir o ensino da leitura e as dificuldades do leitor, Chartier, Clesse e Hébrard (1996) também abordam a relação entre decifração e compreensão. Para os autores, “a incapacidade de dominar o código alfabético impede de ler, impedindo de chegar na mensagem e de identificar seus termos” (CHARTIER, CLESSE e HÉBRARD 1996, p. 114). No entanto, os autores também compreendem que saber decifrar os textos não fornece a chave de todos os textos escritos. Se considerarmos que ler não seja apenas decifrar o texto, perceberemos o lugar da compreensão e da inferência como condições inerentes à leitura. Nessa direção, Chartier, Clesse e Hébrard (1996) afirmam que a leitura é a atividade escolar que tem a compreensão como finalidade própria. Os autores consideram que quase tudo que se faz na aula exige um esforço de compreensão: quando o aluno realiza atividades para aprender uma lição de história, para escrever um resumo ou resolver um problema, ele estará colocando em jogo uma capacidade de compreensão. No entanto, nessas situações escolares em que se deve ler para realizar uma Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes 27 tarefa, a compreensao do texto não é o fim pretendido, mas o meio para realizar outras tarefas de aprendizagem (CHARTIER, CLESSE e HÉBRARD, 1996). 2.4 LEITURA E ESCRITA COMO PRÁTICAS SOCIAIS E INSTRUMENTOS DE CIDADANIA Ao discutir a aprendizagem da leitura por uma perspectiva histórica, Graff (1997) afirma que, para o mundo ocidental, a cultura escrita encontra-se relacionada à crença de que a capacidade de ler e escrever promove mudanças significativas, de natureza cognitiva, política, econômica e cultural, para as pessoas e para as sociedades que se apropriaram dessa tecnologia. Conforme o autor, durante o século XIX e primeiras décadas do século XX, em todo o mundo, foram disseminadas representações diversas em torno da instrução e da educação e da necessidade de ensinar a leitura e a escrita. De um lado, o ideal iluminista e liberal foi amplamente difundido e estabelecia uma correlação positiva da educação e a alfabetização com a construção da nacionalidade, o avanço econômico e tecnológico, a civilidade, a moralidade, o desenvolvimento cultural, o progresso e a prosperidade individual e social. Por outro lado, o analfabetismo encontrava-se associado à corrupção, à criminalidade, à vadiagem, à doença, ao atraso e uma série de outros fatores negativos. Cook-Gumperz (1991) pondera que, nos primórdios dos tempos modernos, o saber ler e escrever passou a ser considerado como virtude, e destaca que, colado a essa ideia de modernização, “igualmente, é bem aceito que a alfabetização exerce um papel primordial na melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, grupos sociais e até mesmo das sociedades como um todo”. (COOK-GUMPERZ. 1991. p.27). Graff (1997) considera que, até a década de 1960, o sentido e lugar da leitura e da escrita, na compreensão acadêmica e popular, eram simples e seguros, com uma história tipicamente concebida em termos de mudanças operadas nos indivíduos, nas sociedades e nos Estados. Compreendida mais como variável independente do que como um fator dependente, o aprendizado das habilidades de ler e escrever encontrava- se ancorado na crença em seu poder transformador. Ou seja, no conjunto complexo de fatores que estabeleciam a distinção entre indivíduos e sociedades avançadas, modernas e desenvolvidas e as sociedades menos desenvolvidas no mundo, a educação e a capacidade de ler e escrever se destacavam. Por este viés, em nossa sociedade, as pessoas e grupos sociais que têm seus processos de interação baseados na oralidade encontram-se numa posição secundária, uma vez que o saber ler e escrever assumiu uma grande centralidade. A escrita e a leitura ocupam uma posição diferenciada em relação a outros processos comunicativos e, ao mesmo tempo, também 28 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período confere distinção para indivíduos e grupos sociais que aprenderam a usar leitura e escrita para realizar as tarefas que as demandam. Tal distinção encontra-se associada à ideia de que o domínio da leitura e da escrita tem amplas e significativas implicações – econômicas, sociais, políticas, culturais. Assim, aquele que sabe ler assume status diferenciado, sendo produzido um entendimento de que aquele que se apropria desta tecnologia, torna- se beneficiário de recursos capazes de promover a sua inserção social de forma diferenciada. Por essa crença no poder transformador da leitura e da escrita, diferentes sociedades produziram o ler e o escrever como bandeira de luta, como um direito de todos os cidadãos e condição para o progresso. Apesar de considerarmos que a mera aprendizagem da leitura não seja condição suficiente para a promoção de mudanças significativas na vida das pessoas, é certo que sem essa aprendizagem as transformações são mais difíceis. Isso significa que é necessário compreender adequadamente o suposto poder atribuído à leitura e à escrita, mas também é necessário considerando o mito produzido em torno das habilidades de ler e escrever. Sobre essa questão, vale destacar que, nas décadas de 1960- 70, foram realizadas apostas e depositadas esperanças na educação e na aprendizagem da leitura e na escrita, consideradas como elementos corretores das desigualdades sociais. Enguita (1998, p.20) compreende que essa promessa cumpriu-se apenas parcialmente, pois a educação permitiu que importantes minorias, ainda que individualmente, saíssem da marginalização e da pobreza. O autor entende ainda que, se é que podemos dizer que a educação não seja espe- cialmente eficaz para abrir portas, temos que acrescentar, como regra, que sua falta sim, pode fechá-las, especialmen- te para aqueles que não possuem outros recursos para abri- -las (ENGUITA, 1998, p.20). No contexto de poder dessa aprendizagem escolar é importante que as sociedades contemporâneas garantam condições efetivas para que todos os cidadãos possam desenvolver as habilidades de leitura e escrita, como condição de efetivação de direitos sociais e cidadania. Procurando compreender o fenômeno da leitura e da escrita vale destacar as ideias de Denny (1997), ao lembrar que os efeitos da cultura escrita são, com frequência, mal interpretados e exagerados. Os estudos contemporâneos apontam que a leitura e a escrita, por si mesmas, não provocam mudanças significativas na vida dos sujeitos e grupos sociais, o ato de ler e escrever é fundamental para as pessoas e a sociedade, apresentando-se positivamente associado ao progresso e ao desenvolvimento. Para que o domínio da leitura e da escrita seja capaz Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes 29 de produzir consequências para os indivíduos e grupos sociais, o modo como estes se apropriam desta tecnologia e as práticas sociais em que se envolvem tornam-se fundamentais. É neste contexto que, influenciado pelas discussões acerca da especificidade das práticas letradas e do poder da escrita que, alfabetização e letramento ganham centralidade no Brasil. Conforme Soares (1998), o letramento pode ser compreendido como o “resultado da açãode ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita.” (SOARES, 1998, p.18). Por esta via, tornou-se necessária a distinção entre o indivíduo alfabetizado, aquele que sabe ler e escrever, e o indivíduo letrado, aquele que se encontra imerso em práticas sociais de leitura e escrita e sabe utilizar essas habilidades para responder adequadamente às demandas sociais. Ainda neste mesmo contexto a discussão acerca do papel da escola também ganhou espaço. Leitura e escrita são práticas culturais, que sofrem influência dos processos de mediação desenvolvidos no ambiente escolar. Por serem habilidades normalmente adquiridas pela via da escolarização tornou-se estreita a vinculação entre escola, alfabetização e letramento. Vamos refletir um pouco sobre a questão? Veja abaixo o que Magda Soares fala sobre essa relação entre escola e aprendizado da leitura. de certa forma, a escola autonomiza as atividades de leitu- ra e de escrita em relação às circunstâncias e usos sociais, criando seus próprios e peculiares eventos de letramento e suas próprias e peculiares práticas de letramento. (SOARES, 2004, p. 93). Ou seja, em função das demandas sociais, determinadas práticas presentes na vida das pessoas são apropriadas pelos professores, que simulam situações sociais mediadas pela palavra escrita. Isso significa dizer que as práticas escolares não são práticas reais de uso da leitura e escrita, mas práticas escolares que se aproximam das situações reais de uso e visam desenvolver competências e habilidades demandadas pela sociedade. Assim, são produzidas e desenvolvidas atividades pelas quais os aprendizes colocam em jogo seus conhecimentos, exercitam habilidades e ampliam possibilidades de utilização da leitura e da escrita. Por estarem em permanente processo de mudança, as sociedades sempre apresentam novas demandas por leitura e escrita. Nesse contexto, novas demandas sociais exigem de seus usuários a ampliação de competências e habilidades de uso dessa tecnologia e supõem novas estratégias escolares para seu ensino. O vínculo entre alfabetização e escolarização, mais que o vínculo entre letramento e escolarização, é considerado natural e inquestionável: tanto para o senso comum quanto mesmo para a área da educação, é na escola que se ensina e que se aprende a tecnologia da escrita. O processo de escolarização é visto não só como um componente essencial da escolarização inicial como, mais que isso, esta é mesmo comumente confundida com aquele: a concepção corrente é que a criança vai para a escola “para aprender a ler e a escrever”. (SOARES, 2004, p. 93 – ênfases no original). 30 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Na visão de Kleiman (1995), enquanto principal agência do letramento, a escola preocupa-se com apenas um tipo de letramento – aquele que se relaciona com as competências de alfabetização dos seus alunos. Ao centrar o foco no processo individual de aquisição do código a escola deixa de considerar o seu uso social da leitura e da escrita. Ao discutir o letramento, é preciso considerar que à leitura podem ser associadas múltiplas finalidades, em que ler pode se constituir como instrumento de sobrevivência e trabalho, mas também como ampliação cultural e busca de conhecimentos, como processo de integração e participação social. A leitura pode, ainda, se tornar uma possibilidade de entretenimento, uma prática desinteressada, em que o leitor não se orienta por finalidades imediatistas, mas busca no livro o espaço do prazer e da fruição estética. Prezado(a) acadêmico (a), como você pode ver, letramento não é apenas um nova expressão que passou a integrar o vocabulário das ciências humanas, mas se apresenta como processo que pode contribuir com a ampliação dos horizontes culturais dos sujeitos que, imersos no universo letrado, tornam usuários da leitura e da escrita. Pode, ainda, contribuir para se desenvolver no leitor o senso crítico em relação ao que vê, ouve e lê. Neste sentido, torna-se necessário que se discutam os processos de formação de leitores, que não sejam cerceados por uma leitura apenas funcional, mas que constituam habilidades para uma real e ampla inserção no mundo letrado. A charge abaixo ilustra bem o fenômeno da exclusão de parcelas significativas da população brasileira, que ainda não conquistou o acesso à leitura e à escrita. A charge também ilustra a naturalização dessa exclusão. FIGURA 5: Charge - Analfabetismo funcional Fonte: http://tertulino.blogspot.com/2009_11_08_archive.html, acessado em 20 de outu- bro de 2010. Leia o livro Uma historinha sem 1 sentido, uma obra literária produzida para o público infantil, em que Ziraldo, de forma bastante humorada nos fala da importância da leitura e da falta que essa tecnologia pode fazer para o analfabeto. A obra tem a marca de Ziraldo e de seu filho Antônio Pinto, que é autor das ilustrações. O texto é inteligente e divertido, a linguagem é polissêmica e intertextual, as ilustrações completam o sentido das palavras e dialogam com as histórias em quadrinhos. . Você vai adorar a história! Figura 4: Livro “Uma historinha sem 1 sentido” Fonte: ZIRALDO. Uma histori- nha sem 1 sentido. Ilustrações de Antônio Pinto. São Paulo: Melhoramentos, 2005 Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes 31 2.5 LEITURA COMO INSTRUMENTO DE MEDIAÇÃO E COMO HABILIDADE A SER DESENVOLVIDA NA ESCOLA Por compreenderem a leitura como processo complexo, que não é aprendido de forma espontânea pelos alunos, Chartier, Clesse e Hébrard (1996) entendem a necessidade de estabelecer a distinçao entre 2 tipos de atividades que ocorrem na escola: 1) leitura como ferramenta para resolver alguma questão de aprendizagem; 2) atividade de leitura para desenvolvimento de novas habilidades de ler. Isso significa que propor atividades que exigem que os alunos façam uso das habilidades de leitura é diferente da proposição de atividades cuja finalidade seja a compreensão do texto e o trabalho com o sentido. Em outras palavaras, é importante pensar que a leitura na escola se apresenta por dois eixos: 1) leitura como instrumento de mediação; 2) leitura como conteúdo de ensino. Ou seja, na primeira dimensão, a leitura é ferramenta por meio do qual o aluno lê para acessar conhecimentos ou realizar uma série de atividades que demandam por essa habilidade. Já na segunda dimensão, a leitura se apresenta como conteúdo de ensino das aulas de Português. Aprender a ler demanda pela atividade de ensino, de forma que o aluno se aproprie de estratégias e técnicas para o processamento dos textos. Ou seja, não basta apresentar o texto, mandar ler e esperar que os alunos desenvolvam por si mesmos a capacidade de compreensão. É preciso ensinar a ler, propor atividades que favoreçam o desenvolvimento da capacidade de compreensão dos diferentes tipos de textos. Para Chartier, Clesse e Hébrard (1996), no ciclo de aprendizagens fundamentais, os professores não podem considerar a leitura e a escrita como habilidades já adquiridas, mas como algo que precisa ser desenvolvido. Assim, as situações escolares devem ser construídas com a finalidade de facilitar essas aprendizagens, abordando de forma progressiva os obstáculos que se interpõem ao processo de compreensão de textos. Se ler é compreender, Chartier, Clesse e Hébrard (1996) afirmam que tudo que for obstáculo à compreensão poderá contribuir para o fracasso na leitura. Nessa direção, consideram que a compreensão dos textos começa antes da leitura. Para compreender um texto é necessário dispor de conhecimentos relativos ao seu conteúdo, ao seu modo de comunicação e, na medida em que instauramas vivências e experiências com textos, os leitores vão construindo condições necessárias para tomarem consciência dos usos da escrita. Por isso é importante socializar informações sobre situações diversificadas de vida dos alunos, também adquirir familiaridade com o mundo das palavras e sobre os suportes textuais. Isabel Solé (1998) considera que os alunos acreditam na importância da leitura quando percebem que o seu professor valoriza o ato de ler, que se envolve com os textos e os aprecia. Por isso, a escola deve estabelecer circuitos de leitura, em que todos leem e partilham experiências com os textos. 32 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Solé (1998) ainda considera que a leitura não deve ser vista como atividade competitiva, baseada em prêmios e castigos, pois a competitividade pode prejudicar os sentimentos de competência dos alunos que possuem dificuldade. Como Chartier, Clesse e Hébrard (1996), Solé (1998) também acredita que a leitura deve ser tratada como conjunto de estratégias que precisa ser ensinado, também considerando que a compreensão se inicia antes de começar a ler. Nessa direção, a autora destaca alguns elementos importantes que precisam ser considerados antes de se propor a leitura de um texto: motivar para ler, conhecer os objetivos da leitura, ativar os conhecimentos prévios, estabelecer previsões sobre o texto, promover perguntas dos alunos sobre os textos. Para Isabel Solé (1998), nenhuma tarefa de leitura deve ser iniciada se a criança não se encontrar motivada para ela e sem que perceba o sentido para tal atividade. Isso porque, ler é mais do que possuir estratégias e técnicas de decifração dos textos, é uma atividade voluntária e prazerosa, por isso é importante estar motivado para ler. Ainda conforme a autora, a motivação para leitura é fator importante e está relacionada às relações afetivas que os alunos travam com a língua escrita. A motivação deve ser trabalhada pelo professor, que deve: escolher textos adequados; planejar a tarefa de leitura; tomar decisões de ajuda anteriores ao ato de ler; evitar concorrências entre as crianças; promover contextos reais de uso da leitura, que desenvolvam o gosto por ler e permitam que o leitor possa avançar em seu próprio ritmo e desenvolver as suas estratégias de leitura. O material de leitura deve oferecer certos desafios para os alunos, daí ser importante que os textos não sejam conhecidos, apesar de sua temática ser familiar. O professor também deve pensar a complexidade que é a leitura e oferecer ajuda adequada para o aluno superar os desafios do ato de ler. Solé (1998) compreende que a leitura apresenta diferentes finalidades, o que provoca a necessidade de articular diferentes situações de leitura e textos adequados para esses objetivos. A autora considera que os objetivos de leitura determinam a forma como o leitor se situa perante o texto, controla a consecução dos objetivos e compreende as ideias inscritas nas palavras. Koch e Elias (2009) posicionam-se de forma semelhante ao destacarem que a constante interação entre o conteúdo do texto e o leitor é regulada pela intenção do leitor ao empreender a atividade de leitura. Ou seja, na vida social, os leitores sempre têm objetivos para suas leituras e são eles que norteiam o modo de ler: em maior ou menor tempo, com mais atenção ou menos, com maior ou menor interação, etc. Os objetivos de leitura podem ser muito variados, sendo que, para a autora, os mais comuns são: 1) Ler para obter uma informação precisa, como o fazemos ao consultar um endereço no catálogo; 2) Ler Você já pensou nos objetivos que orientam suas práticas de leitura? Nesse exato momento, você está lendo com uma finalidade específica, que exige determinadas habilidades e que chamamos de leitura para aprendizagem. Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes 33 para aprender; 3) Ler para revisar um escrito próprio e fazer correções necessárias; 4) Ler por prazer e entretenimento; 5) Ler para comunicar um texto a um auditório; 6) Ler para praticar a leitura em voz alta; 7) Ler para verificar o que e compreendeu. Por essa variedade de objetivos é importante considerar a necessidade de ensino das estratégias de leitura. Bons leitores não leem todos os textos da mesma maneira, sendo que a utilização de diferentes estratégias de leitura é um indicador da competência leitora. Ainda considerando Solé (1998), antes de propor a leitura de um texto, é importante ativar conhecimentos prévios dos alunos sobre o texto que será lido. Isso porque, conhecer de antemão o conteúdo contribui para a compreensão do texto a ser lido. Por isso, antes de ler o professor pode incentivar os alunos a exporem o que sabem sobre o tema, de forma a socializar ideias e facilitar a compreensão. No entanto, pode ser que o aluno não possua conhecimentos prévios exigidos para abordar o texto e ocorrer que elabore interpretações que não coincidam com as intenções pretendidas pelo autor. Por também compreender que a leitura é um processo de interação autor-texto-leitor, Koch e Elias (2009) também consideram a importância da ativação de conhecimentos prévios na leitura. Isso porque, se por um lado a leitura depende da materialidade linguística do texto, por outro lado, os conhecimentos do leitor se constituem como condição para a produção de sentidos e para se estabelecer a interação. Ainda como atividade que antecede a leitura, é importante que o aluno possa estabelecer previsões sobre o que será lido. Ou seja, a partir de diferentes pistas, o aluno poderá tentar adivinhar o conteúdo da história, sendo que o ato de ler possa se constituir como processo para confirmação de inferências estabelecidas pelos alunos. Em síntese, para ler, a criança deve conhecer os objetivos da leitura, sentir que pode realizar a tarefa, saber que poderá contar com ajuda, considerar interessante o que deve fazer. 2.6 O TEXTO COMO OBJETO DE ENSINO NA ESCOLA. Como discutimos até agora, a língua é instrumento de interação, sendo que, ler e escrever não são atividades de simples codificação e decodificação, mas práticas sociais imbuídas de significado. Daí que o trabalho com textos passa a ser o eixo norteador do trabalho de ensino de português. Nessa direção, o PCN de Língua Portuguesa propõe que o trabalho com leitura e escrita contemple a diversidade de textos que circulam socialmente, destacando que a importância atribuída aos usos da linguagem é determinada historicamente, segundo as demandas sociais de cada momento. 34 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Atualmente, é facilmente perceptível que foram ampliadas as demandas por leitura e escrita diferentes, sendo que as exigências são superiores as demandas de bem pouco tempo atrás. E nos Parâmetros Curriculares Nacionais/ PCN de Língua Portuguesa está explícita a responsabilidade da escola, como espaço institucional de acesso ao conhecimento, que precisa fazer uma revisão substantiva das práticas de ensino, visando à constituição de práticas que possibilitem ao aluno aprender linguagem. Daí a importância de se organizar o ensino a partir da diversidade de textos que circulam socialmente (BRASIL/MEC, 1997). A partir das concepções defendidas pelo PCN de Língua Portuguesa, se pode afirmar que cabe à escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá- los com autonomia. Dessa forma o aluno se tornará capaz de utilizar textos com diferentes finalidades e diante de diferentes situações. Assim o aluno poderá compreender conceitos, resolver problemas, comparar diferentes pontos de vista, argumentar a favor ou contra uma determinada hipótese ou teoria, acessar informação escrita, desenvolver a possibilidade de aprenderos diferentes conteúdos. (BRASIL/MEC, 1997). Mas afinal, como os professores têm compreendido e se apropriado dessa proposta de renovação de ensino da língua? Em pesquisa realizada por Albuquerque (2006) constatou-se que as professoras se remetem ao discurso oficial, sendo que seus discursos indicam que o novo é trabalhar com textos. Porém, as práticas investigadas são tradicionais, baseadas nos conteúdos gramaticais e ortográficos. As professoras afirmam que deve ser trabalhada a diversidade textual e o texto é compreendido por elas como conteúdo a ser trabalhado. Conforme a autora, em aula, as professoras dão ênfase às características dos textos, solicitando aos alunos a identificação e a classificação dos tipos de texto (poesia, texto informativo, jornalístico, etc). Ou seja, as professoras entendem que, primeiro devem ensinar o que é texto, quais suas características, como é estruturado, para depois lerem e produzirem textos. Assim, ao trabalharem com poesias, enfatizam rimas, estrofes, versos, como se essas características fossem necessárias para os alunos saberem ler poemas. Ao trabalhar com jornal, enfocam a organização do impresso, as partes que contém, como se essa organização fosse única e que fosse necessário estudar antes de ler o impresso. Ainda conforme a autora, ao dar aulas de português, as professoras empreendiam uma conversa informal, depois faziam uma anotação no quadro, que o aluno registrava no caderno para, posteriormente, escolher e identificar o tipo de texto. Ou seja, o trabalho com textos desenvolvido pelas professoras é tradicional, pois colocam ênfase na explicação e na definição do conteúdo (características do texto e do gênero textual a ser trabalhado), depois realizam atividades de identificação e classificação dos textos. Outra abordagem realizada pelas professoras foi dividir os textos por unidades (primeiro, a leitura e identificação de texto narrativo, depois Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes 35 informativo, etc). Este é um procedimento didático antigo, que se baseia na separação de conteúdos por unidades, sendo que o foco principal não é a compreensão dos textos, mas a identificação de suas características, visando à classificação (ALBUQUERQUE, 2006) Na concepção da autora, ao falar que trabalham com textos, as professoras parecem ter incorporado a ideia de que os textos se constituem como conteúdo de ensino, havendo a necessidade de trabalhar esse novo conteúdo. Pela lógica tradicional de trabalho com conteúdos, os próprios textos passam a ser o conteúdo a ser ensinado. Assim, as professoras utilizavam procedimentos antigos de definição, identificação e classificação para trabalhar com os textos. (ALBUQUERQUE, 2006) Ou seja, a apropriação desse discurso é renovador, pois coloca o texto como prioridade no ensino de português e produz a necessidade de colocar ênfase na leitura e na escrita de diferentes textos. Contudo, a abordagem é equivocada por tomar o texto como mais um conteúdo a ser ensinado, sendo que as professoras ensinam as características dos textos visando à classificação. A identificação das características de um texto não é importante como conteúdo de ensino, mas como recurso que permite ao aluno compreender o texto, a intencionalidade do autor, a função comunicativa. Essa identificação de características também permite que os alunos produzam textos mais elaborados e mais adequados à situação comunicativa. 2.7 METODOLOGIA DE LEITURA NA ESCOLA. Ao discutir o ensino da leitura na escola, Liberato (1999) defende a ideia de que é possível favorecer a compreensão pelos leitores iniciantes na medida em que o professor considerar a legibilidade dos textos. A autora define legibilidade do ponto de vista da interação entre o texto e o leitor, mais especificamente, entre a informação que o leitor consegue captar nos textos e o conhecimento prévio que tem armazenado na memória. Dessa forma, na concepção da autora, o texto legível é aquele que permite ao leitor utilizar ao máximo o seu conhecimento prévio para compreender as ideias e fazer inferências. Isso implica em dizer que o texto legível é acessível aos alunos, é fácil de compreender, é adequado aos conhecimentos prévios – no que se refere ao conhecimento sobre a língua e sobre o conteúdo do texto. A autora ainda considera que, se o leitor iniciante é exposto a textos inadequados e difíceis de ler, é de se esperar que falhe na leitura, que perca o interesse por ler e se sinta incapaz de ler (LIBERATO, 1999). Nesse sentido, ao pensar em textos legíveis é comum que se faça a defesa dos textos curtos, por serem mais acessíveis e de mais fácil processamento pelos alunos. No entanto, Liberato (1999, p. 223) considera que “não se trata de negar ao aprendiz o acesso a textos mais complexos 36 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período ou mais difíceis, mas graduar a complexidade ou a dificuldade na medida em que ele vá adquirindo as habilidades de leitura”. Ao discutir a leitura, Geraldi (2003) considera que sua prática na escola deve envolver dois tipos de textos e dois níveis de profundidade de leitura: 1) leitura de textos curtos, como contos, crônicas, reportagens, lendas, notícias de jornal, editoriais, etc; 2) leitura de narrativas longas, como romances e novelas. Apesar de referir-se aos últimos anos do Ensino Fundamental, consideramos que essa proposta de Geraldi (2003) pode ser desenvolvida nos primeiros anos, isto é, podem ser realizadas práticas de leitura com base em textos curtos e narrativas longas nos primeiros anos de escolaridade, desde que ajustadas ao interesse e capacidade dos alunos. Há ainda que se considerar que a leitura de textos mais extensos pode ser realizada em capítulos e mediada pelo professor – que assume o papel de leitor e favorece o seu acesso ao aluno. Mas afinal, como podemos organizar o trabalho com textos, de forma a favorecer a compreensão pelos alunos? Sobre a questão, Solé (1998) considera que a leitura na escola deve ser compreendida como processo que não se inicia com o texto, mas deve ser trabalhada antes, durante e depois da leitura realizada pelo aluno. Assim, a escola precisa pensar uma metodologia de ensino da leitura que considere esses três momentos. Antes de ler, é necessário que o professor selecione um texto adequado aos interesses e nível de conhecimento e maturidade dos alunos (LIBERATO, 1999). É ainda necessário realizar atividades para motivar os alunos, definir o objetivo da leitura, ativar os conhecimentos prévios, antecipar sentidos e elaborar hipóteses sobre o texto que será lido (SOLÉ, 1998). Durante a leitura, é necessário que os alunos possam contar com a ajuda do professor para esclarecer dúvidas e dar suporte para a construção de respostas para as hipóteses inicialmente elaboradas, sempre visando à compreensão do texto. Após a leitura, é importante que o professor possa realizar atividades que permitam a discussão coletiva das ideias, para confirmação (ou não) das hipóteses elaboradas, ampliação dos conhecimentos do grupo, produção de novos sentidos e elaboração de inferências. Você encontrou dificuldade para entender o texto? Como dissemos anteriormente, a leitura não se inicia com o texto, mas em etapa anterior em que são ativados conhecimentos prévios e discutidos possíveis sentidos para o texto que será lido. E nesse caso, não demos a você nenhuma pista que lhe permitisse antecipar ideias e elaborar hipóteses relativas ao texto. Além disso, o texto foi construído por uma linguagem metafórica, em que os conteúdos não são apresentados de forma explícita, o que torna necessário que o leitor empreenda algum esforço para construir os sentidos. Se tivéssemos lhe dado algumas informações sobre o texto, antes Abaixo, apresentamos um texto para leitura,
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