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A DISCRIMINAÇÃO DA MULHER NEGRA NO MERCADO DE TRABALHO E AS COTAS RACIAIS Luciane Trippia

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1 
 
UNICURITIBA – CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA 
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA 
 
LUCIANE MARIA TRIPPIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A DISCRIMINAÇÃO DA MULHER NEGRA NO MERCADO DE TRABALHO 
E AS COTAS RACIAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURITIBA 
2014 
 
2 
 
LUCIANE MARIA TRIPPIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A DISCRIMINAÇÃO DA MULHER NEGRA NO MERCADO DE TRABALHO 
E AS COTAS RACIAIS 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de 
Mestrado em Direito Empresarial e 
Cidadania do Centro Universitário Curitiba, 
como requisito parcial para obtenção do 
Título de Mestre em Direito. 
 
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURITIBA 
2014 
3 
 
LUCIANE MARIA TRIPPIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A DISCRIMINAÇÃO DA MULHER NEGRA NO MERCADO DE TRABALHO 
E AS COTAS RACIAIS 
 
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do Título 
de Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba, 
pela Banca Examinadora constituída 
pelos seguintes professores: 
 
 
 
 
 
 
Presidente: 
 
___________________________________________________________ 
Professor Doutor Eduardo Milléo Baracat 
 
 
 
Membros: 
 
___________________________________________________________ 
Professor Doutor Luiz Eduardo Ghunter 
 
 
 
___________________________________________________________ 
Professora Doutora Silvana Souza Netto Mandalozzo 
 
 
 
 
Curitiba, 13 de junho de 2014. 
 
 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico esse trabalho a todas 
as mulheres negras que 
sentiram (e sentem) na “pele” 
as dores da desigualdade ... 
 
5 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Ao meu querido avô Antonio Firakowski (in memorian), homem de uma 
simplicidade singular, religioso, paciente professor, íntegro magistrado, que em sua 
conduta elegante, apresentou-me o caminho do Direito ... 
 Aos meus familiares, especialmente ao meu filhinho Gabriel (quem, 
espero, leve consigo o senso de igualdade presente nesta pesquisa), pelo apoio e 
compreensão nos momentos de ausência. 
Às admiráveis pesquisadoras Nádia Regina de Carvalho Mikos (que me 
incentivou a fazer o mestrado), Andréa Vieira Zanella (que me mostrou os caminhos 
da pesquisa), e a profª Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr (que sempre muito 
prestativa, me deu grande incentivo nesta jornada). 
Ao meu orientador Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat (a quem tenho profunda 
admiração) pela orientação e ensinamentos transmitidos. 
Ao queridíssimo Prof. Luiz Eduardo Gunther, que muito me ajudou com as 
dicas e sugestões de leitura no decorrer das aulas (e também após, nos corredores 
da faculdade!). 
Ao Prof. Dr. Daniel Ferreira e Prof. Dr. Mateus Eduardo Siqueira Nunes 
Bertoncini, pelas boas discussões acerca do tema. 
Aos meus queridos professores, amigos e colegas, de ontem e hoje, que 
muito contribuem para o meu desenvolvimento humano e profissional, e sem os 
quais a minha vida não teria sentido. 
 
 
 
 
 
 
 
6 
 
RESUMO 
 
O princípio fundamental e universal da não discriminação tem previsão ampla, 
incidindo no campo trabalhista, onde é comum a ocorrência de práticas 
discriminatórias. Embora a sociedade brasileira, em geral, negue a existência de 
racismo, a discriminação existe, conforme apontam pesquisas, e, portanto, precisa 
ser combatida. De outro lado, a atividade empresarial, influenciada pelo fenômeno 
da globalização, além de ter papel fundamental na geração de empregos e 
impostos, capaz de colaborar no atendimento das demandas sociais pelo Estado, 
também pode atuar na inclusão de grupos vulneráveis, como as trabalhadoras 
negras, por exemplo. O presente artigo teve por objetivo, diante da ocorrência de 
discriminação de gênero e racial no mercado de trabalho, verificar a possibilidade de 
utilização de cotas para mulheres negras, como medida de inclusão social, 
problematizando a possibilidade de essas serem utilizadas como instrumentos no 
combate às práticas discriminatórias, especialmente se adotadas pelo setor privado. 
Releva-se que tais medidas afirmativas já são usadas, de diferentes formas, pelo 
ordenamento jurídico brasileiro (portadores de deficiências, nas universidades, no 
serviço público estadual, no âmbito eleitoral, entre outros). Para tanto, foi 
pesquisado a situação da mulher negra no mercado de trabalho no Brasil, sendo 
verificada a ocorrência de discriminação de gênero e raça simultaneamente. 
Constatou-se a existência de diversas legislações acerca do tema, tanto no âmbito 
nacional com internacional. Entretanto, diante da ocorrência de práticas 
discriminatórias em relação à trabalhadora negra, foi verificada a possibilidade de 
utilização de cotas raciais, como instrumento para combatê-las e eliminá-las, através 
da utilização pela atividade empresarial, por conduta voluntária (ética), em 
consonância com o Estatuto da Igualdade Racial. Concluindo-se, após pesquisa 
bibliográfica realizada, que atividade empresarial, agindo com ética, poderá 
implementar ações afirmativas (cotas), contribuindo, assim, no combate à 
discriminação das trabalhadoras negras, e, com isto, estará colaborando para a 
inclusão social, e dando suporte para a existência de uma sociedade sustentável. 
 
Palavras-chave: Discriminação – gênero – raça – mercado de trabalho – ações 
afirmativas – cotas – ética empresarial – responsabilidade social. 
 
 
 
 
 
 
7 
 
ABSTRACT 
 
The fundamental and universal principle of non-discrimination has extensive 
forecasting, focusing on the labor field, where it is common the occurrence of 
discriminatory practices. Although the Brazilian society in general, deny the existence 
of racism, discrimination exists, as pointed searches, and therefore needs to be 
tackled. On the other hand , business activity , influenced by globalization , and play 
a critical role in generating jobs and taxes , able to collaborate in meeting the social 
demands by the state , can also act on the inclusion of vulnerable groups , such as 
black workers for example. This article aims, before the occurrence of racial and 
gender discrimination in the labor market, to verify the possibility of use of quotas for 
black women , as a measure of social inclusion, discussing the possibility of these 
being used as instruments to combat discriminatory practices , especially if adopted 
by the private sector . It is noted that such affirmative measures are already used in 
different ways, by Brazilian law disabled, universities, state public service, in the 
electoral context , among others) . To that end, we researched the situation of black 
women in the labor market in Brazil, and verified the occurrence of gender 
discrimination and race simultaneously. Found the existence of various laws on the 
subject, both at the national level Internacinal. However, due to the existence of 
discriminatory practices in relation to the black working, there was the possibility of 
using racial quotas as a tool to combat them and eliminate them through the use by 
business activity, by voluntary conduct (ethics) in accordance with the Statute of 
Racial Equality . Concluding, after literature search was undertaken which business 
activity, acting ethically, can implement affirmative action( quotas) , thus contributing 
to the fight against discrimination against black workers , and, thus , will be 
collaborating for social inclusion , and supporting the existence of a sustainable 
society. 
 
 
Keywords: Discrimination - Gender - Race - Job Market - affirmative action - quotas 
- business ethics - social responsibility. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
LISTA DE SIGLAS 
 
 
CF – Constituição Federal Brasileira 
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho 
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos 
DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos 
EEOC – Equal Employment Opportunity Commission 
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária 
INSPIR – Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial 
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada 
ODM - Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 
OIE 
OIT – Organização Internacional do Trabalho 
ONU – Organização das Nações Unidas 
PEA – População Economicamente Ativa 
Sinapir – Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial 
STF – Supremo Tribunal Federal 
TRT – Tribunal Regional do Trabalho 
TST – Tribunal Superior do Trabalho 
UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher 
 
 
 
 
 
9 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 
1 A DISCRIMINAÇÃO DA MULHER NEGRA NO BRASIL...................................... 18 
1.1. DIMENSÕES DA IGUALDADE.. ........................................................................ 18 
1.1.1 Dimensão formal ............................................................................................ 22 
1.1.2 Dimensão material ........................................................................................... 26 
1.2. A DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NO BRASIL ................................................. 29 
1.2.1 Diferenças e desigualdades de gênero ............................................................ 29 
1.2.2 A discriminação de gênero no Brasil ................................................................ 36 
1.3. A DISCRIMINAÇÃO DA MULHER NEGRA ....................................................... 43 
1.3.1 Discriminação racial ....................................................................................... 43 
1.3.2 A discriminação da mulher negra ... ................................................................. 53 
2 A DISCRIMINAÇÃO DA TRABALHADORA NEGRA NA RELAÇÃO DE 
 EMPREGO ............................................................................................................ 64 
2.1 TIPOS DE DISCRIMINAÇÃO EM FACE DA MULHER NEGRA NA 
 RELAÇÃO EMPREGATÍCIA ............................................................................... 64 
2.1.1 Discriminação na fase pré-contratual .. ........................................................... 69 
2.1.2 Discriminação no curso do contrato ................................................................ 75 
2.2. EVOLUÇÃO NORMATIVA RELACIONADA À DISCRIMINAÇÃO RACIAL ........ 85 
2.2.1 No âmbito internacional .. ................................................................................. 86 
2.2.2 No âmbito nacional .......................................................................................... 89 
3 A UTILIZAÇÃO DE COTAS NO COMBATE À DISCRIMINAÇÃO DA 
 MULHER NEGRA NO MERCADO DE TRABALHO ............................................ 96 
3.1. AÇÕES AFIRMATIVAS DECORRENTES DE POLÍTICAS PÚBLICAS 
E DE POLÍTICAS PRIVADAS ................................................................................... 96 
3.2. A UTILIZAÇÃO DE COTAS NO COMBATE A DISCRIMINAÇÃO RACIAL...... 108 
3.3. DESAFIOS NO COMBATE À DISCRIMINAÇÃO DA TRABALHADORA 
NEGRA ATRAVÉS DAS COTAS ........................................................................... 118 
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 129 
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 133 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
INTRODUÇÃO 
 
 “Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e 
temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí 
a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença 
que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.1 
 A frase do sociólogo Boaventura Souza Santos é importante na compreensão 
do tratamento específico e particular, direcionado a comunidade negra2 nas últimas 
décadas no Brasil. O Estado, visando a garantir o direito à diferença e à diversidade, 
notadamente nos âmbitos do ensino, da política, e do trabalho, vem adotando 
medidas nestes setores, a fim de garantir o direito fundamental igualitário. 
 Há muito, no entanto, que a igualdade, na forma concebida pela Revolução 
Francesa (meramente formal), e nos diplomas legais que a ela se seguiram, de 
cunho universalista, vem sendo entendida como contrária à discriminação. Atos 
discriminatórios reduzem as perspectivas de uns em benefícios de outros, 
dificultando o acesso às oportunidades, e por isto não mais são tolerados na 
sociedade contemporânea. 
 A determinação de não discriminar, pura e simplesmente, não elimina as 
distâncias existentes entre as chamadas minorias e os grupos privilegiados, 
fazendo-se necessária a mutação do princípio da igualdade, a fim de incorporar ao 
seu conteúdo atitudes de natureza positiva, com vistas à eliminação das 
desigualdades. 
 Ressalta-se que igualdade e diferença possuem relevâncias diversas, 
conforme estejam em questão os direitos de liberdade ou os direitos sociais. Mas 
para a sua realização prática, ou seja, para que deixem de ser mera declaração 
verbal, e de fato se efetivem, se faz necessária à ampliação dos poderes estatais. 
Assim, torna-se imperativo ao Estado a implementação do direito a igualdade. 
 
1
 SANTOS, Boaventura de Souza, NUNES, João Arriscado. Introdução: para ampliar o cânone do 
reconhecimento, da diferença e da igualdade. In:__________ (org). Reconhecer para libertar: os 
caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 53. 
2
 A palavra “negro”, por questão semântica, será usada no texto como sinônimo de “afro-
descendente”. Será empregada como categoria sociológica, e não categoria de cor. (palavras estas 
utilizadas como categoria de cor, pelo IBGE) 
11 
 
 Nesse cenário, a igualdade passa a ter conteúdo positivo, a fim de que cada 
pessoa possa exercer, em sua plenitude, as suas potencialidades, sem violência ou 
discriminação. É fundamental, no entanto, conjugar a vertente repressiva-punitiva 
com a vertente promocional. Sob esta perspectiva, emergem as políticas sociais, o 
que se convencionou chamar de “ação afirmativa” (da qual as cotas são espécies), 
visando à concretização da igualdade substancial ou material. 
 A relevância e atualidade do tema decorrem do fato que no Brasil há cerca de 
191 milhões de pessoas, sendo 47,7% de brancos, 7,6% de negros, 43,1% de 
pardos (ou mestiços), 1,1 % de amarelos ou asiáticos e 0,4% de indígenas, segundo 
aponta IBGE. De acordo com este resultado, portanto, a maioria da população 
residente no país é composta por negros e pardos (ou mestiços) (50,7%).3 A 
pesquisa aponta um aumento de pessoas que se declararam pretas e pardas.4 
 Segundo Marcelo Paixão e Flávio Gomes, entre 1995 a 2006, a população 
economicamente ativa (PEA) brasileira, descontando a população residente nas 
áreas rurais da regiãoNorte, apresentou um saldo líquido de ingresso de 20,6 
milhões de pessoas. Quando considera grupos de cor ou raça, é verificado que, 
entre os brancos, esse saldo foi de 7,7 milhões de pessoas, ao passo que entre 
pretos e pardos foi de 12,6 milhões de pessoas.5 
 Portanto, ao longo do período analisado, a presença de pessoas negras no 
mercado de trabalho, em diversos segmentos, apresentou maior dinamismo diante 
do que ocorreu entre os de cor ou raça branca. As mulheres negras representaram 
cerca de 6,4 milhões de pessoas a mais para o mercado de trabalho. Os homens 
negros responderam pelo incremento de 6,3 milhões de pessoas. Entre homens e 
mulheres brancos, respectivamente, o acréscimo de ingresso no mercado de 
trabalho, entre 1995 e 2006, foi de 2,6 e 5,1 milhões de pessoas.6 
 
3
 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Disponível em: 
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindic 
sociais2013/default.shtm>. Acesso em 04 maio 2014. 
4
 MINHOTO, Antonio Celso Baeta. Da escravidão às cotas: a ação afirmativa e os negros no Brasil. 
Birigui, SP: Boreal, 2013, p. 13. 
5
 PAIXÃO, Marcelo; GOMES, Flavio. Histórias das diferenças e das desigualdades revisitadas: notas 
sobre gênero, escravidão, raça e pós-emancipação. In: XAVIER, Giovana, FARIAS, Juliana Barreto, 
GOMES Flávio (orgs.). Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-emancipação. São Paulo: 
Selo Negro, 2012, p. 304. 
6
 Ibid, p. 304. 
12 
 
 Ressalta-se que a taxa de participação na PEA, no período de 1995 a 2009, 
manteve-se relativamente estável em quase todos os grupos de idade, exceto para 
os grupos mais novos, de 10 a 17 anos, levando a presunção de que estejam 
frequentando o ensino fundamental. Ademais, a conclusão dos níveis educacionais, 
e a busca por qualificação são de suma importância para o ingresso no trabalho.7 
 Ainda que tenha havido um elevado acesso de mulheres negras ao mercado 
de trabalho, permanece a restrição ao acesso de mulheres em geral, a alguns 
segmentos. Isto ocorre tanto no serviço público, como no setor privado, razão pela 
qual poderia ter levado a inclusão da letra a, no art. 373, da CLT, pela lei 9.799/99, 
que trata do impedimento de acesso das mulheres ao mercado de trabalho. Esta lei 
também vedou a adoção de critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou 
aprovação em concursos, em empresas privadas, por razão de sexo, entre outras 
exigências.8 
 Além do mais, ainda em relação às diferenças de gênero, observa-se que a 
estrutura ocupacional entre os sexos é heterogênea, ocorrendo uma segregação 
horizontal. Tal fenômeno ocorre na maioria dos países, onde o maior percentual de 
mulheres está concentrado em ocupações que guardam analogia com atividades 
exercidas no ambiente doméstico. Ressalta-se que tais ocupações são, geralmente, 
mal remuneradas e de pouco prestígio.9 
 Pesquisas comprovam que a participação masculina, geralmente, é maior que 
a feminina, apesar de ter havido um crescimento de 48,1% para 52,6% da 
participação das mulheres, e do fato de ter ocorrido uma redução de 75% para 72% 
na participação masculina da população economicamente ativa (PEA). Tal fato, ao 
se comparar com a análise educacional, demonstra uma inversão de hierarquia de 
gênero.10 
 
7
 LIMA, Márcia; RIOS, Flavia; FRANÇA, Danilo. Articulando Gênero e Raça: a participação das 
Mulheres Negras no Mercado de Trabalho (1995-2009). In: MARCONDES, Mariana Mazzini (et al.). 
Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: 
Ipea, 2013, p.63. 
8
 BARROS, Alice Monteiro. Discriminação no Emprego por Motivo de Sexo. In: RENAULT, Luiz 
Otavio Linhares; VIANA, Marcio Tulio; CANTELLI, Paula Oliveira (coord.) Discriminação. 2 ed., São 
Paulo: LTr, 2010, p. 71. 
9
 Ibid, p.71. 
10
 LIMA, 2013, p.65. 
13 
 
 As mulheres tendem a permanecer mais nas escolas do que os homens.11 
Mas, por outro lado, elas acabam participando menos no mercado de trabalho, o que 
indica uma inflexão distinta na trajetória feminina e masculina no mercado de 
trabalho. Acrescenta-se neste resultado, também, as atribuições familiares 
incumbidas pela sociedade às mulheres em geral, o que, certamente, reflete nesta 
trajetória.12 
 Em análise de dados fornecidos pelo IBGE, contendo microdados Pnad por 
atividade no mercado de trabalho, no ano de 200613, em relação às cinco principais 
ocupações das mulheres, verificou-se entre as mulheres brancas que: 33,0% 
estavam empregadas no setor privado (com carteira assinada), 13,5% empregadas 
no mesmo setor (sem carteira); 13,3% exerciam atividade considerada por conta 
própria (sem 3º grau), 9,9% empregada pública/estatutária/militar, e 9,0% 
empregada doméstica (sem carteira). 
 Em relação ao trabalho das mulheres negras, a mesma pesquisa mostrou 
que: 22,0% estavam empregadas no setor privado (com carteira assinada), 16,6% 
trabalhavam como empregada doméstica (sem carteira), 15,9% exercia atividade 
considerada por conta própria (sem 3º grau), 14,2% empregadas no setor privado 
(sem carteira assinada), e 7,5% empregada pública/estatutária/militar. E em relação 
ao emprego doméstico (com carteira), o índice encontrado foi de 5,2%. 
 Verifica-se, desse modo, que embora tenha havido um expressivo aumento 
no ingresso das mulheres negras no mercado de trabalho, houve restrições a alguns 
segmentos, em ambos os setores (serviços públicos e privados). Também foi 
verificada a ocorrência de diferenças em relação às ocupações (segregação 
horizontal), tendo sido mantida a presença das mulheres, em geral, nas atividades 
relacionadas ao serviço doméstico. Destaca-se que a trabalhadora negra, em 
especial, é a que mais exerce a atividade de empregada doméstica no país. 
 
 
11
 LIMA, 2013, p.65. 
12
 Ibid, p. 65. 
13INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Disponível em: 
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011microdados.shtm> 
Acesso em 03 maio 2014, p.15. 
14 
 
 A atividade empresarial, de outro lado, influenciada pelo fenômeno da 
globalização, além de assumir um papel fundamental na criação de empregos e 
impostos, capaz de colaborar no atendimento das demandas sociais pelo Estado, 
também pode (e deve) atuar na inclusão de grupos vulneráveis para atingir a sua 
capacidade plena. E isto se torna imperioso em uma sociedade onde ocorrem 
discriminações, notadamente no acesso das mulheres negras no mercado de 
trabalho brasileiro. 
 Assim, a fim de contribuir no combate à discriminação da mulher negra no 
mercado de trabalho, busca-se investigar a discriminação no tocante a dois aspectos 
que possuem origens históricas e repercussões atuais. O primeiro é em relação à 
mulher, seja em virtude de questões culturais e socioeconômicos (jornada doméstica 
e cuidados com filhos, que a torna com menor disponibilidade de tempo para o 
trabalho e para viagens e, em decorrência, menos produtiva na empresa), seja em 
razão de características fisiológicas (gestação que a torna menos produtiva, e a 
afasta do trabalho por determinados períodos; força física menor do que a do 
homem, o que faz com que não possa realizar determinados trabalhos braçais). 
 O segundo aspecto, em relação à raça negra. Pretende-se investigar, a partir 
de dados estatísticos porque as pessoas da raça negra, em especial as mulheres, 
não conseguem ingressar em determinados nichos no mercado de trabalho, e nem 
galgar cargos de maior complexidade, bem como obter mesma remuneração dos 
demais trabalhadores no Brasil. 
 Por outro lado, necessário analisar se ações afirmativas, precipuamente as 
cotas (públicas ouprivadas), possuem papel relevante no tocante ao combate dessa 
discriminação, assim como verificar a possibilidade e viabilidade de sua utilização no 
direito brasileiro. Releva, em outra perspectiva, analisar a possibilidade da atividade 
empresarial (responsável pelo desenvolvimento sustentável no país, com o advento 
da Constituição de 1988), implementar cotas para mulheres negras, o que se 
justificaria pela ética e vantagem econômica, analisando, sobretudo, os principais 
desafios para a sua concretização. 
 Objetiva a presente dissertação, assim, verificar a possibilidade de utilização 
de cotas, no setor privado (regime celetista), para auxiliar no combate a 
discriminação da mulher no mercado de trabalho brasileiro. 
15 
 
 O tema justifica-se, principalmente, em razão de sua atualidade, em especial 
diante da lei prevendo cotas raciais/socias nas universidades públicas 
12.711/201214, e do projeto de lei da Câmara (PLC 29/12), aprovado pelo Senado 
em 20 de maio de 2014, prevendo cotas para negros no serviço público federal (nos 
órgãos da administração pública federal, autarquias, fundações, empresas públicas 
e sociedades de economia mista controladas pela União).15 
 A pertinência da temática também está relacionada com a previsão contida no 
Estatuto da Igualdade Racial, instituído no ano de 2010, pela lei n.12.28816, que trás 
em seu artigo 1º, como objetivo: “garantir à população negra a efetivação da 
igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e 
difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”. 
 Observa-se que este mesmo Estatuto previu, inclusive, especificamente em 
relação à atividade laboral17, que as políticas voltadas para a inserção dos negros no 
mercado de trabalho devem respeitar os compromissos assumidos pelo Brasil, ao 
ratificar a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de 
Discriminação Racial, e a Convenção n. 111, da OIT. 
Recentemente o regulamento do Sistema Nacional de Promoção da 
Igualdade Racial (Sinapir) foi aprovado como forma de organização e articulação 
para a implementação de políticas e serviços destinados a superar as desigualdades 
étnicas existentes no Brasil. Ressalta-se que ao Poder Público Federal cabe 
incentivar a sociedade civil, inclusive a iniciativa privada, a participar deste Sistema. 
 As empresas, portanto, através da adoção de políticas afirmativas, 
especialmente as cotas, podem vir a propiciar a igualdade de oportunidades em prol 
das trabalhadoras negras. Assim, a pesquisa se restringirá a analisar a possibilidade 
de inclusão dessas mulheres, através dessas medidas, no setor privado. Não será 
tratado, desta forma, da inclusão no setor público até porque está em trâmite, 
conforme supramencionado, legislação a respeito, e nem no trabalho doméstico. 
 
14
 Esta lei “dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino 
técnico de nível médio e dá outras providências”. Disponível em: < 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm>. Disponível 05 maio 2014. 
15
 Disponível em: < http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2014/05/20/senado-aprova-cota-
para-negros-em-concursos-publicos>. Acesso em 20 maio 2014. 
16
 Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12288.htm>. Acesso 
em 05 maio 2014. 
17
 Art. 38 e seguintes, do Estatuto da Igualdade Racial. 
16 
 
 Também a pesquisa se restringirá à questão das mulheres negras, e não dos 
homens negros, haja vista que segundo apontam as pesquisas, há uma maior 
discriminação em relação às elas, as quais, além do mais, ainda tem atribuições 
relacionadas às atividades do lar e da família. Por isso o estudo em relação às 
cotas, especificamente, direcionado às mulheres negras. 
 Desta forma, formula-se na presente pesquisa o seguinte problema: em que 
medida as cotas, implementadas pelo setor privado, podem ser instrumentos aptos a 
combater a discriminação da trabalhadora negra no mercado de trabalho brasileiro? 
 Primeiramente serão analisadas as dimensões da igualdade (formal e 
material), partindo da evolução deste instituto no decorrer da história. Em seguida, 
será analisada a ocorrência de discriminação de gênero no Brasil, onde se pretende 
verificar também as diferenças e desigualdades havidas entre homens e mulheres, 
e, em seguida, a situação das mulheres no mercado de trabalho brasileiro. 
 A discriminação da trabalhadora negra, na relação empregatícia, será 
estudada no segundo capítulo, o qual foi dividido em duas partes. Na primeira, 
investigar-se-á a possibilidade de ocorrência de práticas discriminatórias em duas 
fases do contrato de trabalho (pré-contratual e no curso do contrato). Em seguida, 
pretende-se fazer uma evolução das normas relativas à discriminação racial, tanto 
no âmbito internacional (especialmente as fontes norteadoras deste tema, como a 
OIT e DUDH), como no interno (dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, 
incluindo o Estatuto da Igualdade racial e o recente regulamento do Sinapir. 
 Por fim, a investigação a ser delineada no terceiro e último capítulo, irá 
investigar o instituto das ações afirmativas, limitando-se a tratar da fase histórica de 
forma contextualizada, analisando, principalmente, a sua implantação enquanto 
modalidade de políticas públicas. Na sequência, pretende-se verificar a utilização 
das cotas na sociedade brasileira em geral (incluindo esferas política e de ensino) 
como forma de combater as discriminações, inclusive as raciais. E, finalmente, 
perquirir quais são os desafios no combate a discriminação da trabalhadora negra 
através da utilização de cotas pelas empresas, procurando trazer opiniões 
favoráveis e desfavoráveis, bem como os seus principais argumentos para tanto. 
17 
 
 Também procurar-se-á enfrentar a possibilidade da atividade empresarial, 
enquanto responsável pelo desenvolvimento sustentável da economia no país, 
implementar políticas afirmativas, em especial as cotas, no combate à discriminação 
da trabalhadora negra, finalizando, assim, o raciocínio proposto neste capítulo. 
 Releva informar que serão utilizados, como marcos teórico, dentre os outros 
igualmente importantes, as seguintes obras: “Democracia, liberdade e igualdade”, de 
Pontes de Miranda; e “O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, de Celso 
Antonio Bandeira de Mello, no primeiro capítulo. No segundo: “O Direito à 
Diferença”, de Álvaro Ricardo de Souza Cruz. E no terceiro capítulo: “Ação afirmativa 
& princípio constitucional da igualdade”, de Joaquim Benedito Barbosa Gomes. 
 O tema da presente dissertação se harmoniza com a linha de pesquisa 
número 2: “Atividade empresarial e Constituição: inclusão e sustentabilidade”, do 
Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania, do Centro Universitário 
Curitiba – UNICURITIBA. O elo entre eles se observa ao verificar a normativa 
jurídica acerca da discriminação e inclusão racial no mercado de trabalho, 
recepcionados pela Constituição Federal ou criadas após (especialmente a 
instituição do Estatuto da Igualdade Racial), atuando para a inclusão e 
sustentabilidade do trabalho da mulher negra no país. Tais normativas refletem na 
atividade empresarial, sendo determinante a sua atuação no processo inclusivo 
destas trabalhadoras brasileiras. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
18 
 
1. A DISCRIMINAÇÃO DA MULHER NEGRA NO BRASIL 
 
1.1. DIMENSÕES DA IGUALDADE 
 
 A questão da igualdade, ou de sua falta, vem desde os tempos antigos. 
Juntamente com a evolução da humanidade, houve, em certa medida, a busca pela 
redução das desigualdades entre as pessoas. Esta tentativa de eliminação havida 
entre senhores e escravos tinhao elemento humano como sujeito de direitos. 
 Segundo Pontes de Miranda, no início da história da humanidade, os homens 
primitivos eram iguais, passando, após, a serem submetidos à figura de um chefe, 
que se satisfazia com a função de “centro”. Os demais homens continuaram iguais 
entre si, se diferenciando por determinadas características como: mística, política ou 
econômica. Pontes de Miranda classifica essas como desigualdades por aumento.18 
 Outro tipo de desigualdade verificada pelo mesmo autor, no tocante a 
evolução da igualdade do homem no decorrer da história, ocorre quando 
posteriormente surgem a escravidão e a servidão, a qual classificou como 
desigualdade por mutilação. Aponta como umas das causas principais para tal 
ocorrência, as guerras e invasões havidas na época.19 
 A desigualdade também aparece sob outras perspectivas, além da posição 
que o homem ocupa em uma estrutura social onde inserido, como a biológica e 
psicológica. Tais diferenças, no entanto, não podem definir tratamentos desiguais 
considerando a característica comum existente entre eles, qual seja, a condição de 
humanidade. 
 Por outro lado, as diferenças verificadas entre os homens, segundo Denise 
Pasello Novais, são uma imposição da natureza, que expõe as características tanto 
psicológicas quanto físicas, bem como as habilidades e as aptidões de cada um. Por 
isso, tais diferenças não devem ser confundidas com desigualdades.20 
 
18
 MIRANDA, Pontes. Democracia, liberdade e igualdade. São Paulo: Saraiva, 1979, p.415. 
19
 Ibid, p. 415. 
20
 NOVAIS, Denise Pasello Valente. Discriminação da mulher e o direito do trabalho: da proteção 
à promoção da igualdade. São Paulo: LTr, 2005, p. 28. 
19 
 
 A desigualdade, a partir da característica que diferencia os seres humanos, 
impõe a divisão entre inferioridade e superioridade. Superá-la pode gerar um estado 
de igualdade, visando a atingir um grau de equilíbrio entre tais fatores. Assim, poder-
se-ia afirmar que o sentido oposto de igualdade significaria desigualdade, mas não 
diferença, posicionando esta no âmbito de atuação da igualdade. 
 Desde a antiguidade, no período axial, os filósofos buscam conceituar o que é 
a igualdade. O ponto de partida para tal abordagem é a constatação de que somente 
é possível o seu questionamento dentro de um contexto de relações sociais, pois o 
indivíduo considerado de forma isolada não é capaz de representar um parâmetro 
de comparação, além da existência de um objeto de análise para que a comparação 
possa ser realizada.21 
 Foi neste mesmo período, compreendido entre 600 a 480 a.C., que o homem 
tornou-se o principal objeto de análise e reflexão, segundo afirma Fabio Konder 
Comparato22, restando estabelecida uma grande linha divisória na história desde 
então, onde grandes princípios e diretrizes de vida foram estabelecidos, vigorando 
até os dias atuais. 
 O homem, o ser humano, desde então, “passou a ser considerado em sua 
igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as 
múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais”, conforme assevera 
Comparato.23 
 No entanto, para indivíduos serem considerados iguais ou desiguais, a 
despeito das diferenças, há que se identificar em critérios que possam efetivamente 
ser usados sem que venham gerar tratamento desigual. Assim, condutas que visem 
impor um padrão único, ou que gere discriminação, viola não apenas o direito a 
diferença, mas, principalmente, o direito à igualdade em relação aos demais seres 
humanos. 
 
21
 TABORDA, Maren Guimarães. O Princípio da Igualdade em Perspectiva Histórica: Conteúdo, 
Alcance e Direções. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, jan/mar, 1998, p. 245. 
22
 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 
2013, p. 20. 
23
 Ibid, p. 24. 
20 
 
 Segundo José d´Assunção Barros24, a noção de igualdade opõe-se a noção 
de diferença: “uma coisa ou é igual à outra (pelo menos em um determinado 
aspecto) ou então dela difere”. Por exemplo: em relação a certos indivíduos, é 
possível considerá-los iguais ou diferentes quanto ao aspecto sexual, profissional, 
religioso, ou étnico, entre outros. 
 Uma questão complexa, todavia, envolvendo as diferenças, segundo o 
mesmo autor25, se refere às chamadas “diferenças raciais”, também denominadas 
“diferenças de cor”, quando estabelecida a dicotomia “negros e brancos”, pois, 
mesmo que construída culturalmente, gera um contraste entre estas duas essências. 
Ademais, há que se observar que raças não existem enquanto realidade biológica. 
 Observa-se que a ciência moderna derrubou os conceitos de raça e etnia, 
comprovando que não se justifica a divisão da humanidade em grupos raciais. Na 
realidade, existem, percentualmente, mais diferenças entre duas pessoas de mesma 
cor do que entre os representantes das etnias africanas. Portanto, raça só existe 
uma: a raça humana. 
 A igualdade, portanto, pode significar diferenciação. Segundo Walter Claudius 
Rothenburg26 o importante é que haja uma construção da identidade de forma 
emancipada e autônoma a fim de que, a partir de seu reconhecimento, possa ser 
estabelecida a igualdade. Assim, “pode-se opor a diferença como algo bom e digno 
de promoção à desigualdade, como algo mau, a ser combatido”. 
 Igualdade e identidade, por outro lado, não se confundem, embora em sua 
concepção possa vir a indicar uma semelhança de características, ou de elementos 
componentes de duas pessoais ou coisas. Assim, duas pessoas, ainda que 
consideradas iguais, não são idênticas, embora possam ter características 
semelhantes nos mais variados aspectos. 
 
24
 BARROS, José d'Assunção. Igualdade, desigualdade e diferença: em torno de três 
noções. Análise Social, Lisboa, n. 175, jul. 2005. Disponível em 
<http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S000325732005000300005&lng
=pt&nrm=iso>. Acesso em 15 mar. 2014, p. 345. 
25
 Ibid, p. 352 
26
 ROTENBURG, Walter Claudius. Igualdade material e a discriminação positiva: o princípio da 
isonomia. Disponível em:<http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/igualdade-material-e-
discrimina%C3%A7%C3%A3o-positiva-o-princ%C3%ADpio-da-isonomia>. Acesso em 20 mar. 2014, 
p. 84. 
21 
 
 Desta forma, os seres humanos, para serem considerados iguais ou 
desiguais, necessitam de comparativos em relação a determinadas características 
que devem ser especificadas, não fazendo sentido, portanto, afirmar que todos os 
homens são iguais. O que lhes é comum, todavia, é a natureza humana, sendo a 
norma jurídica quem lhes torna iguais perante a lei. 
 Uma grande questão que se impõe é, portanto, a necessidade de 
compreensão desta variação de grau e contexto em relação à igualdade. Ademais, a 
igualdade pode ser verificada também através dos planos filosóficos e jurídicos, 
segundo Luciana de Oliveira Leal, ressaltando que a filosofia trouxe subsídios ao 
Direito para o estudo do tema, lhe conferindo caráter obrigatório.27 
 A idéia jurídica de igualdade, na consciência ocidental, perpassa pela 
evolução da própria idéia de igualdade, tendo em sua trajetória registros desde 
Pensadores da Grécia Antiga (como Aristóteles), passando pela Roma Antiga, 
seguindo-se pela doutrina de Santo Agostinho e São Tomas de Aquino. O ponto de 
chegada (e partida) se dá com o movimento constitucionalista moderno, nos séculos 
XVIII e XIX, quando então passou a ser inserida nas Constituições modernas. 
 As revoluções liberais ocorridas nos séculos XVIII e XIX elevaram o elemento 
humano a ocupar espaço, desaparecendo as distinções, ao menos, no plano 
legislativo. Foi nesteperíodo que houve a consagração da igualdade formal e, por 
derradeiro, a abolição de qualquer discriminação frente à lei. 
 A noção de igualdade, tanto no plano filosófico quanto no jurídico, apresenta 
íntima relação com valores diversos como: justiça, liberdade, entre outros que 
também vieram acompanhando o desenvolvimento da humanidade. Filosoficamente, 
a igualdade estava associada à ideia de justiça na distribuição dos escassos bens 
da vida, observando que para Aristóteles “o justo é a distribuição igual entre os 
iguais, e desigual entre os desiguais, na medida do mérito de cada um”. Portanto, 
segundo o pensamento aristotélico, a igualdade é uma proporção na distribuição.28 
 
27
 LEAL, Luciana de Oliveira. O sistema de cotas raciais como ação afirmativa no direito 
brasileiro. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/o-sistema-de-cotas-raciais-
como-a%C3%A7%C3%A3o-afirmativa-no-direito-brasileiro>, acesso em 10 abril 2014, p. 5. 
28
 Ibid, p. 6. 
22 
 
 O conceito de igualdade, no plano jurídico, foi fruto de evolução normativa e 
doutrinária concomitantemente ao desenvolvimento dos direitos fundamentais, por 
ocasião das primeiras declarações de direitos, época das revoluções liberais. Fabio 
Konder Comparato observa que a Declaração de 1789 representou uma “referência 
indispensável a todo projeto de constitucionalização dos povos”.29 
 Há, inclusive, quem atribua à desigualdade existente na sociedade francesa, 
em especial, no século XVIII, como determinante para impulsionar a eclosão da 
Revolução havida naquela época. Afinal, segundo assevera Estevão Mallet, “é 
intuitivo que sociedades menos desiguais são mais estáveis, enquanto sociedades 
mais desiguais são menos instáveis”.30 
 O alcance do princípio da igualdade, todavia, ampliou-se nas sociedades. 
Atualmente, este princípio não se restringe apenas à igualdade formal, onde os 
indivíduos são nivelados pela norma jurídica, mas também passou a orientar a 
própria legislação, no sentido de que esta esteja de acordo com a isonomia. Assim, 
o enunciado de que “todos são iguais perante a lei” guarda, portanto, duas 
naturezas: uma formal, e outra material.31 
 
1.1.1 Dimensão formal 
 
 A noção de igualdade, enquanto categoria jurídica, teve a sua emergência, 
como princípio jurídico constitucional, por ocasião das Revoluções ocorridas no final 
do século XVIII, notadamente nos EUA e na França. Foi neste último país, aliás, 
onde a idéia jurídica de igualdade foi utilizada, no art. 1º da Declaração dos Direitos 
do Homem e do Cidadão, em 1789, tendo sido, posteriormente, inserida nas 
Constituições modernas.32 
 
29
 COMPARATO, 2013, p. 163. 
30
 MALLET, Estevão. Igualdade e discriminação em direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 
20. 
31
 MIRANDA, 1979, p.485. 
32
 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Nova ed. 13ª reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, 
p. 118. 
 
23 
 
 O reconhecimento da igualdade constitucional, assim, foi representado como 
uma novidade fundamental da filosofia racionalista e individualista dos séculos XVII 
e XVIII, sendo consagrada nas Declarações de Direitos do Homem, as quais 
surgiram após as Revoluções Liberais, vindo a ser tornar um dogma jurídico-político 
nos Estados Modernos.33 
 O conceito jurídico de igualdade é fruto da formação do Estado Liberal 
burguês, onde tal conceito, no entanto, estava reduzido a uma concepção 
puramente formal, restrita, basicamente, aos limites do ordenamento jurídico. A 
igualdade, portanto, era vista como um ideal a ser alcançado pelo homem, 
rompendo com as estruturas políticas através da abolição dos privilégios concedidos 
à nobreza e ao clero.34 
 Naquela época, a burguesia em ascensão, desejava expandir seus mercados, 
por isto tratou de consolidar a igualdade jurídica de todos os homens, não permitindo 
que houvesse mais distinções por motivos de parentesco ou de linhagem. No fundo, 
o que se pretendia, era mesmo acabar com os privilégios e regalias de classe, ou 
seja, a intenção não era, pelo menos exclusivamente, abrir-se um debate sobre a 
igualdade de condições de participação social.35 
 A igualdade formal, portanto, resulta de uma perspectiva política do Estado de 
Direito, o qual é fundado na lei, no sentido de lei igual para todos, com a 
preocupação e o comando legal do tratamento igualitário, desconsiderando-se, 
contudo, qualidades e atributos pessoais do destinatário da norma. Assim, como 
forma de garantir os direitos fundamentais, considera-se todos iguais, mas tão 
somente perante a lei. 
 Esta dimensão formal em que se resumia a igualdade, segundo a concepção 
liberal clássica é, no entanto, insuficiente para realizar a igualdade em todas as suas 
potencialidades. E são as próprias desigualdades oriundas das relações tanto 
políticas, quanto socioculturais, ocorridas nas comunidades da época, que acabam 
denunciando a falência da visão liberal de sociedade. 
 
33
 Ibid, p. 118. 
34
 COMPARATO, 2013, p. 159. 
35
 Ibid, p. 163. 
24 
 
 Eis que houve um avanço dos movimentos em prol da diminuição das 
injustiças socias, ocasionando um conflito entre a noção de igualdade jurídica na 
concepção liberal francesa (com a abolição de privilégios), e o desejo da igualdade 
real, fática, entre os homens no meio social, o que gerou preocupações nos regimes 
políticos da maioria dos Estados Sociais de Direito. 
 A regra de que “todos são iguais perante a lei”, segundo Pontes de Miranda, 
se dirige, em especial, aos legisladores, sejam eles democráticos ou não. Contudo, 
se não houver democracia, o princípio da igualdade sofre mutilação, visto que nem 
todos são iguais quanto à participação na criação da ordem estatal. Este princípio, 
ademais, é imperativo para legisladores e executores administrativos ou judiciais.36 
 Ressalta Celso Antonio Bandeira de Mello que a lei deve ser instrumento de 
regulação da vida social, devendo tratar todos os cidadãos de forma equitativa, sem 
dar origem a privilégios ou distinções. Ressalta, também, que as situações 
equivalentes devem ser projetadas no ordenamento, a fim de amparar a 
legitimidade.37 
 Perez Luno ensina que para uma melhor classificação da dimensão formal do 
princípio da igualdade, a qual mais se opera nas relações jurídicas, há que ser 
observada três características básicas: 1ª) pluralidade de pessoas, objetos ou 
situações (de modo a não confundir com igualdade de identidade), 2ª) dimensão 
relacional (ou seja, a existência de relações bilatérias ou multilaterais), 3ª) 
comparação entre os entes. Ou seja: espera-se que haja a coincidência plural, 
relacional e comparativa entre os entes.38 
 Ademais, este jurista espanhol ressalta que há exigências a serem 
observadas quando da formulação legal, como a generalidade da lei, a qual deve ser 
genérica a fim de evitar privilégios.39 Sendo assim, todos devem se sujeitar a ela, 
não podendo o legislador ultrapassar os limites da discricionariedade, o que, na 
prática, gera discussões a respeito. 
 
36
 MIRANDA, 1979, p. 485. 
37
 MELLO, Celso Antonio Bandeira. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: 
Malheiros, 2011, p. 10. 
38
 LUNO, Antonio Perez Luno. Dimensões de La Igualdad., 2 ed., editora Dykinson, Madri, 2007, p. 
18. 
39
 Ibid, p. 22. 
25 
 
A segunda exigência a ser observada seria a equiparação, a qual supõe um 
trato igual de circunstâncias, ou de situações não coincidentes, em busca de pontos 
convergentes. E já a terceira seria a diferenciação, que permite um tratamento 
diferenciado de circunstâncias e situações semelhantes,desde que de acordo com 
pressupostos que excluem a discriminação ou a arbitrariedade. Destaca-se, 
contudo, a possibilidade de desprezar determinadas diferenças naturais.40 
Também há, ademais, a igualdade de procedimento, a qual implica em uma 
garantia funcional de regularidade nos procedimentos de aplicação do Direito 
(perante a lei processual, e não qualquer lei). Isto é o que ocorre, por exemplo, em 
casos onde há a prioridade processual do idoso; nas situações de prazo 
diferenciado para a Fazenda Pública, quando objetiva tutelar o interesse público; 
entre outros. 
Ressalta-se que o standard, o comportamento padrão, não precisa de 
legislação para ser definido. Ele varia conforme a sociedade, a qual, sendo 
dinâmica, acaba por contar, também, com a jurisprudência para obter uma melhor 
definição, sendo estabelecido conforme o caso e a região envolvida. A igualdade 
como procedimento, embora submeta todos a uma mesma lei, busca não apenas a 
sua concretude, mas também superar as distorções.41 
 Os Estados tiveram que ocupar-se, então, em articular a igualdade jurídica 
com a igualdade social, de modo a tentar propiciar a igualdade de chances e 
oportunidades para a sociedade em geral, a qual, não mais se satisfazendo com a 
previsão de igualdade formal, reclamou para si, a garantia de uma igualdade 
material (substancial). 
 Portanto, o fato de elevar-se a igualdade a um princípio, revelou o seu caráter 
norteador das relações sociais, reconhecendo que cada ser humano tem uma 
condição essencial capaz de igualar aos demais, e que, qualquer disposição 
contrária, deve, assim, ser interpretada sob a égide deste princípio. A igualdade 
formal, desta forma, abriu espaço à igualdade material, quando se verificou que a 
igualdade absoluta, nos estritos termos da lei, pode dar margem a desigualdades. 
 
40
 Ibid, p. 24. 
41
 Ibid, p. 32. 
26 
 
1.1.2 Dimensão material 
 
 Segundo a filosofia liberal, o mandato de igualdade dirigia-se somente ao juiz 
e à Administração (enquanto na sua concretização, aplicação), restando ao 
legislador (quando da formulação, elaboração),à liberdade para qualificar como igual 
ou desigual nas mais diversas situações. Ao final, deveria servir a lei para perpetrar 
e cristalizar as desigualdades substanciais existentes, de modo geral, entre os 
homens à época. 42 
Utilizando-se ainda da concepção liberal, seria possível distinguir a igualdade 
formal e material, pois enquanto para esta a igualdade estava relacionada à 
proibição de descriminações injustificadas, com a menor intervenção estatal 
possível, na concepção social a igualdade estaria relacionada à exigência de 
tratamento individualizado, contando com a participação do Estado para propiciar a 
sua garantia. 
 Observa-se que a sociedade e o Estado foram passando por profundas 
transformações, em especial na Europa a partir de 1800, quando ocorreram intensas 
lutas sociais, decorrentes do extremo estado de penúria das classes trabalhadoras e 
de sua consequente organização política. E, como consequência direta, surgem os 
direitos sociais, valorizando-se os direitos humanos, perdendo o Estado então a sua 
feição “liberal”. Observa Fabio Konder Comparato que “o reconhecimento dos 
direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a 
humanidade do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX.”43 
 A partir deste período, houve gradual integração do Estado com a sociedade 
civil, alterando a sua forma jurídica, os processos de legitimação, e a sua própria 
estrutura de Administração. Paralelamente, o capitalismo foi se desenvolvendo, 
sendo adotadas novas tecnologias, e a mão-de-obra foi se concentrando nos 
centros urbanos, colaborando para o surgimento do Estado Social.44 
 
42
 MELLO, 2011, p. 10. 
43
 COMPARATO, 2013, p. 66. 
44
 Ibid, 66. 
27 
 
 A nova forma estatal, marcada também pela grande influência nas relações 
privadas, tem como uma das principais características a busca pelo bem-estar social 
e a distribuição mais equitativa da riqueza. A propriedade privada deixa de ser a 
principal tutela, passando a valorizar a dignidade da pessoa humana, garantindo-se, 
por outro lado, a autonomia individual, através da limitação jurídica do Estado.45 
A fim de criar condições para o desenvolvimento da personalidade individual e 
garantir a liberdade, o Estado passa a intervir de forma positiva, atento na 
articulação de direitos, garantias e liberdades, com os direitos sociais, o 
caracterizando como um Estado Social de Direito.46 
 A igualdade, com o advento do Estado Social, evoluiu em seu conceito, 
ganhando então conteúdo material, vez que a igualdade perante a lei cedeu lugar à 
busca pela igualdade fática. Ela tornou-se obrigatória não mais somente ao juiz, ao 
legislador e ao administrador, pois a sua observância passou a ser exigência não 
apenas para quem a aplicava, mas para a própria lei! 
 No contexto do reconhecimento dos direitos sociais, a igualdade material 
passou a exigir atos concretos a fim de viabilizar a igualdade do plano fático, e não 
apenas a vedação à discriminação e diferenciação. Mais que isto, a igualdade fática 
acabou por desdobrar em igualdade de oportunidades, objetivando propiciar iguais 
condições de competição pelos bens considerados essenciais. 
 A propagação da idéia de “igualdade de oportunidades” foi aparecendo, 
então, em diversos ordenamentos jurídicos, norteada pela necessidade de extinguir, 
ou ao menos mitigar as desigualdades econômicas e sociais, visando promover a 
justiça social. Em especial, surgiram políticas sociais de apoio e promoção de 
determinados grupos socialmente fragilizados, como, por exemplo, a inserção das 
mulheres e negros no mercado de trabalho, discriminados em razão de gênero e 
raça, respectivamente. 
 A igualdade material é, portanto, aquela capaz de assegurar o tratamento 
uniforme de todos os homens, visando a alcançar a igualdade real e efetiva de 
 
45
 CAPLAN, Luciana. O Direito Humano à Igualdade, o Direito do Trabalho e o Princípio da Igualdade. 
In: PIOVESAN, Flávia; CARVALHO, Luciana Paula Vaz (coord). Direitos Humanos e Direito do 
Trabalho. São Paulo: Atlas, 2010, p.123. 
46
 Ibid, p. 123. 
28 
 
todos, perante os bens da vida. E, para tanto, é imperioso existir um nivelamento 
das oportunidades, redistribuindo-se o acesso a várias posições na sociedade, 
tornando-as, deste modo, igualmente acessíveis. 
 A mera igualdade de direitos não é, pois, suficiente, para “tornar acessível a 
quem é socialmente desfavorecido as oportunidades de que gozam os indivíduos 
socialmente privilegiados”. Necessário se faz a distribuição desigual para colocar os 
primeiros ao mesmo nível de partida, ou seja, a concessão de privilégios jurídicos e 
benefícios materiais para os considerados privilegiados economicamente. 
 Frisa-se que o princípio da igualdade material está presente na maioria das 
democracias ocidentais, com contornos de Estado social. Inserido nas respectivas 
Cartas Constitucionais, assegura tal princípio, a sociedade em geral, o acesso a 
determinados bens, como a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a previdência e 
a assistência social, inclusive no Brasil. 
 O ordenamento constitucional brasileiro também acolheu o princípio da 
igualdade material, o que não significou o tratamento igualitário pela lei a todos os 
indivíduos, mas, antes de tudo, identificar as desigualdades e tratar de modo 
desigual os desiguais, conforme assevera Celso Antonio Bandeira de Mello. 
No entanto, este autor traz critérios, que ora se transcreve, na medida em que 
exata a lição: 
 
“a) que a desequiparaçãonão atinja de modo atual e absoluto, um só 
indivíduo; b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de 
direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam 
características, traços, nelas residentes, diferençados; c) que exista, em 
abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a 
distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma 
jurídica; d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja 
pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, 
resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – 
ao lume do texto constitucional – para o bem público”47 
 
47
 MELLO, 2011, p. 10. 
29 
 
 Portanto, há que se observar e definir critérios passíveis de indicar uma 
desequiparação legítima na lei, vez que ao ordenamento jurídico-constitucional 
brasileiro é vedada a discriminação em qualquer uma de suas formas, inclusive as 
de origem, raça, sexo, idade ou cor, a fim de que a desigualdade não seja 
aprofundada, mas sim combatida, conforme previsão no texto constitucional.48 
 Além das noções e distinções entre igualdade e diferença, importa verificar a 
relação destas com a noção de discriminação, ocorrida comumente no vocabulário 
histórico, político, e, em especial, no social. A discriminação, segundo assevera José 
d´Assunção Barros49, pode ser considerada, de certo modo, como instrumento ou 
até como etapa das desigualdades. 
 A noção de discriminação está relacionada a forma de condução social das 
diferenças, objetivando o seu tratamento desigual, precisamente em relação a 
grupos menos favorecidos. Ela ocorre através de um jogo de dominação e 
estratificação social, e, em vários âmbitos, com menor ou maior frequência, como no 
caso da discriminação ocorrida em relação às mulheres e aos negros. 
 
1.2 A DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NO BRASIL 
 
1.2.1 Diferenças e desigualdades de gênero 
 
 A tentativa de compreensão acerca das diferenças e desigualdades entre 
homens e mulheres não é recente, pelo contrário, desde os povos gregos, até 
recentemente, acreditava-se que a mulher era um ser inferior na divisão entre os 
seres humanos, e, com isso, eram os homens quem detinham o direito de exercer 
uma vida pública. 
 
48
 Artigos 5º e 7º, CF. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial 
da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 05 out 1988. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 04 maio 2014. 
49
 Ibid, p. 354. 
30 
 
 Por outro lado, a vida privada, considerada um lugar de menor destaque, era 
reservadas às mulheres, às quais eram destinados direitos e deveres voltados, 
quase que exclusivamente, para a criação dos filhos, e aos cuidados domésticos e 
familiares. Assim, ao homem era designado o espaço produtivo, e à mulher o 
espaço reprodutivo, que se reflete também na esfera do trabalho.50 
 Segundo Thereza Cristina Gosdal, a atribuição de status secundário às 
mulheres, em relação àquele atribuído aos homens é tendencialmente percebida por 
antropólogos, sociólogos e historiadores em caráter universal. E, independente das 
atividades masculinas realizadas, elas são reconhecidas como as mais importantes 
e com maior valor, lhes propiciando, assim, um poder maior.51 
 A desigualdade, outrora combatida pela Revolução Francesa, não se 
estendeu às mulheres. Foram necessários quase que dois séculos para que as 
normas sociais conferissem igualdade de direitos entre homens e mulheres, não 
tendo mais lugar o modelo do sexo único surgido na antiguidade greco-romana. 
Porém, as desigualdades ainda permanecem, e não podem ser aceitas. 
 As diferenças, por outro lado, fazem parte da condição humana, e, por isso, 
estão presentes na formulação e interpretação do ordenamento jurídico. Elas 
representam características que podem particularizar uma situação, mas sem que 
isto venha a gerar uma desvalorização do próprio ser humano, sob pena de incorrer 
em uma desigualdade. 
 A expressão diferença, ainda que possa adquirir diferentes significados, 
conforme contextos sociais, políticos ou culturais, pode definir, no tocante ao gênero, 
peculiaridades tanto físicas quanto psíquicas, emotivas e comportamentais. A partir 
destas, teorias foram construídas para indicar diferentes habilidades sociais, talentos 
e aptidões, justificando os lugares e destinos de casa gênero. Observa Guacira 
Lopes Louro que o movimento feminista, a partir desta perspectiva, passou a “se 
ocupar centralmente desta diferença, e de suas consequências.”52 
 
50
 CORTIZO, Maria del Carmem; GOYENECHE, Priscila Larratea. Judiciarização do privado e 
violência contra a mulher. In: Revista Katálysis. V.13, nº 1. Florianópolis, jan./jun. 2010, p. 103. 
51
 GOSDAL, Thereza Cristina. Discriminação da mulher no emprego: relações de gênero no direito 
do trabalho Curitiba: Genesis, 2003, p. 74. 
52
 LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. 
Petrópolis, RJ: 2011, p. 49. 
31 
 
 As concepções de gênero, ademais, segundo Guacira Lopes Louro, se 
diferem não apenas na história ou nas sociedades, mas também no interior destas, 
se constituindo com ou sobre corpos sexuados, nos mais diversos grupos que a 
constituem, como, por exemplo, de classe, racial, étnico ou religioso.53 
 Gênero e sexo, por sua vez, não se confundem. O primeiro resulta de uma 
construção cultural, e diz respeito às diferenças psicológicas, sociais e culturais. E já 
o segundo advém da própria natureza do indivíduo, estando relacionado com 
diferenças fisiológicas e anatômicas, classificando genética e anátomo-fisiológica os 
seres humanos.54 
 Leda de Oliveira Pinho chama a atenção, ademais, para a diferença 
semântica encontrada tanto do termo gênero como no termo sexo, nas línguas de 
raiz anglo-saxônica (inglesa), e latina (espanhola, francesa e portuguesa), 
sugerindo, para uma melhor compreensão dos seus conteúdos, a consideração dos 
significados que eles comportam em razão de suas origens.55 
 Na dimensão semântica latina, a expressão gênero pode ser compreendida 
como uma construção social, histórica e cultural, elaborada sobre as diferenças 
sexuais, sendo necessário, porém, descolar o sexo do gênero para um melhor 
entendimento das questões culturais que envolvem os comportamentos e 
características femininas e masculinas, nas mais diferentes sociedades e culturas.56 
 Portanto, ser mulher ou homem é uma questão não tanto relacionada com o 
nascimento do indivíduo, mas sim uma produção social formada por múltiplas 
instâncias. As sociedades criam categorias femininas e masculinas para as 
diferenças de sexo, e isto acontece de forma a tornar os indivíduos diferentes e, por 
vezes, desiguais. 
 Historicamente, no desempenho dos “papéis”, o gênero feminino acaba sendo 
sobreposto pelo gênero masculino, tendo as suas características que lhes são 
 
53
 Ibid., p.27. 
54
 OLINTO, Maria Teresa Anselmo. Reflexões sobre o uso do conceito de gênero e/ou sexo na 
epidemiologia. Revista Brasileira de Epidemiologia. Volume 01, nº 2, 1998, p. 162. 
55
 PINHO, Leda de Oliveira. Princípio da Igualdade: investigação da perspectiva de gênero. Porto 
Alegre: Editora Sergio Antonio Fabris, 2005, p. 53. 
56
 CARVALHO, Marília Gomes, e TORTATO, Cintia Souza Batista. Gênero: considerações sobre o 
conceito. In: LUZ, Nanci Stancki et al (orgs.) Construindo a igualdade na diversidade: gênero e 
sexualidade na escola. Curitiba: UTFPR, 2009, p.24. 
32 
 
inerentesenfatizadas, e, por outro lado, as suas diferenças acentuadas. E como há 
o predomínio dos ideais masculinos, acaba-se por formar um mundo com tais 
características.57 
 Assim, as sociedades são formadas, comandadas e organizadas com visões 
estereotipadas de papéis masculinos e femininos, concebidas com graus 
hierárquicos desiguais, onde são impostos certos papéis para mulheres e homens, 
vindos a determinar o modo como eles se vêem e como se relacionam entre si.58 
 A desigualdade de gênero, nesta perspectiva, não é uma questão de 
diferença, visto que está interligada a um problema de relacionamento, de 
hierarquia, e até mesmo de dominação, onde a categoria masculina é o padrão, e é 
também a referência de medida na sociedade. 
 A lógica dicotômica, a qual supõe a polarização masculino-feminino, está 
presente no pensamento das sociedades de uma forma geral, concebendo, assim, 
homens e mulheres como polos opostos que se relacionam dentro de uma lógica 
invariável de dominação-submissão. Segundo assevera Guacira Lopes Louro, a 
dicotomia marca a superioridade masculina59. 
 Joan Scott redefiniu gênero como “uma maneira de se referir à organização 
social da relação entre os sexos” com o objetivo de rejeitar o paradigma determinista 
da condição social pelo sexo biológico. É no significado das relações de poder que 
as pessoas primeiro experienciam as relações de gênero, influenciando na forma 
como as percepções coletivas e pessoais se estabelecem, na dimensão pública e 
privada, distribuindo de forma desigual tais relações.60 
 Na construção social, do que é ser mulher e do que é ser homem, há uma 
relação com o sistema patriarcal, o qual, originariamente masculino, faz parte de um 
sistema de dominação, com fundamentação e constituição histórica, em que o 
homem é quem organiza e dirige, majoritariamente, a vida social, com reflexos tanto 
na esfera privada como, principalmente, na pública. 
 
57
 Ibid, 40. 
58
 Ibid, 41. 
59
 LOURO, 2011, p.35. 
60
 SCOTT, Joan. Gênero uma categoria de análise histórica. Revista Educação e Realidade. Porto 
Alegre, nº 20, vol.2, jul/dez., 1995, p.71. 
33 
 
 A sociedade, marcadamente masculina, gerou situações nem sempre 
favoráveis às mulheres, ocasionando dificuldades de aceitação e gerando restrições 
de características femininas. O tratamento diferenciado destinado a elas é verificado 
nas mais diversas relações dentro do contexto social, a despeito das diferenças, 
inclusive físicas, havidas entre mulheres e homens. 
 Muitos estudos sugerem que os traços diferenciadores entre os gêneros são 
determinados mesmo pela cultura, não tendo tanta importância os fatores hormonais 
pré-natais, como, por exemplo, aqueles que geram nas meninas uma maior 
capacidade verbal, e para os meninos uma maior capacidade visual, espacial e 
matemática, segundo assevera Luciana Parisotto et al.61 
 Mas há diferenças, como algumas de ordem física, que são inerentes a 
determinado gênero, como, por exemplo, a possibilidade de gestação e de 
amamentação. Somente as mulheres, pelo menos de modo natural, biologicamente 
falando, são capazes de gerar seres, e, alimentá-los através de produto produzido 
por seus próprios organismos. 
 Ademais, além da responsabilidade pela perpetuação da espécie, é esperado 
da mulher, o cuidado e a educação dos filhos (especialmente nos aspectos 
emocionais e morais), a assistência aos idosos, doentes e portadores de 
necessidades especiais e atividades concernentes, denominadas, segundo Daniel 
Viana Teixeira como “economia doméstica” (improdutiva), em contraposição às 
atividades da “economia de mercado” (produtiva).62 
 O trabalho, numa classificação segundo o critério de gênero, pode ser 
compreendido como produtivo e reprodutivo. O primeiro é assim classificado por 
executar atividades de produção social e direção da sociedade, as quais são 
exercidas, geralmente, por homens, no espaço público. Já o segundo, conhecido 
como trabalho doméstico, ocorre no espaço privado, realizando as atividades 
relacionadas aos cuidados do lar e da família. 
 
61
 PARISOTTO, Luciana et al. Diferenças de gênero no desenvolvimento sexual: Integração dos 
paradigmas biológicos, psicanalítico e evolucionista. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, 
vol. 25, abr. 2003, p. 84. 
62
 TEIXEIRA, Daniel Viana. Desigualdade de Gênero: sobre garantias e responsabilidades sociais de 
homens e mulheres. Revista Direito GV, vol. 6, nº1, Jan/Jun. 2010, São Paulo, p. 259. 
34 
 
 Vera Maluf observa, contudo, que ao longo da história, a mulher passou a 
desempenhar três papéis: a esposa, a profissional e a mãe. E, destes múltiplos 
papéis, tem se esperado a sua execução perfeita por um mundo, no qual, os 
imperativos de eficácia, o pragmatismo de resultados, teorizam permanentemente 
sobre as vidas humanas, gerando muita frustração e sentimento de culpa em muitas 
mulheres.63 
 Daniel Viana Teixeira adverte sobre as consequências do ônus (social) que 
também é impingido às mulheres, no tocante aos cuidados com os filhos em idade 
pré-escolar. Tal atribuição importa em intensa dedicação, por seguidos anos, 
justamente no período em que a mulher está “na plenitude de sua capacidade 
laborativa”, e no qual poderia termais chances de sucesso de competição no 
mercado de trabalho.64 
 Estas responsabilidades domésticas e familiares atribuídas, em geral, às 
mulheres, podem ser consideradas prejudiciais ao trabalho feminino, na medida em 
que lhes tomam o tempo que poderiam dedicar-se a uma atividade laborativa, o que, 
muitas das vezes, acaba por gerar sentimentos que prejudicam a própria saúde da 
mulher, comprometendo a sua qualidade de vida. 
 As diferenças de gênero podem então, nestas situações, se tornarem 
desigualdades, haja vista todas as consequências geradas em relação às mulheres. 
Elas acabam por ficar em condição desfavorável em relação aos homens, os quais, 
detentores do poder, e norteadores do padrão ideal, ficam, confortavelmente, em 
posição de vantagem em várias situações no contexto social. 
 Ressalta-se que embora a estrutura familiar venha passando por significativas 
alterações nas últimas décadas, tendo o “pátrio poder” sido substituído pelo “poder 
familiar” por uma questão cultural65, os padrões continuam a se repetir, ou seja, o 
trabalho reprodutivo e doméstico continua a pertencer à mulher. 
 
63
 MALUF, Vera. Mulher, trabalho e maternidade: uma visão contemporânea. São Paulo: Editora 
Atheneu, 2012, p. 12. 
64
 TEIXEIRA, Daniel Viana. Desigualdade de Gênero: sobre garantias e responsabilidades sociais de 
homens e mulheres. Revista Direito GV, vol. 6, nº1, Jan/Jun. 2010, São Paulo, p. 260. 
65
 Art. 1.631, CC “Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na 
falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.” (grifos acrescentados) 
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em 04 
maio 2014. 
35 
 
 Observa-se, contudo, que muitas mulheres, para dar conta da dupla jornada 
de trabalho que lhes é imposta, têm delegado o dever de cuidado com a casa e os 
filhos a uma terceira pessoa, a empregada doméstica (geralmente mulheres). E tal 
“transferência”, por sua vez, acaba configurando uma perpetuação da relação de 
desigualdade de gênero, pois o serviço doméstico passa de uma, para outra mulher. 
 Entretanto, em relação à exclusividade da mulher executar a função de 
trabalhadora doméstica, asseveram Silvana Souza Netto Mandalozzo e Lenir 
Mainardes da Silva, que em um futuro próximo é possível que também os homens 
possam vir a se dedicar a tais serviços inerentes a estaprofissão (como limpar a 
casa, cozinhar, arrumar e cuidar de crianças e idosos, dentro outros), vindo a 
contribuir para a igualdade entre os sexos.66 
 O fato é que a reação contra a desigualdade de gênero tem gerado também 
outras mudanças no contexto social. Informa Mary del Priore que as mulheres, no 
início do século XXI, estariam retardando a maternidade e escolhendo o melhor 
momento para serem mães. Muitas delas estariam passando a escolher quando e 
se terão filhos, dependendo das condições econômicas e culturais de cada uma, 
valorizando mais a realização profissional e a independência financeira.67 
 Sobre o tema da opção da maternidade, Vera Maluf observa que a mulher, 
“presa às leis instituídas pela sociedade dos homens, vê-se condicionada a uma 
vida de sacrifícios para criar e educar os filhos e desiste de sua realização 
profissional!”. Para se justificar, a autora faz referência ao pensamento da filósofa 
francesa Elizabeth Badinter, para a qual a mulher é vítima de um sistema que a 
impossibilita de se desenvolver como ser humano livre e independente.68 
 Contudo, na sociedade atual, principalmente após a década de 1980, quando 
se acentuaram as modificações de paradigmas dos processos de produção 
manufatureira dos países industrializados, houve expressivas mudanças sociais, 
 
66
 MANDALOZZO, Silvana Souza Netto; SILVA, Lenir Mainardes. Aspectos Sociais da Relação entre 
Empregado e Empregador doméstico. In: GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza 
Netto. Trabalho doméstico: teoria e prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. Curitiba: Juruá, 
2013, p. 187. 
67
 DEL PRIORE, Mary. Conversas e histórias de mulher. São Paulo: Planeta, 2013, p. 157. 
68
 MALUF, 2012, p. 60. 
36 
 
econômicas e políticas que repercutiram no modelo patriarcal da família (esfera 
privada), e nas relações de trabalho da mulher (esfera pública).69 
 Houve um alto grau de emancipação da mulher, onde medidas de inclusão e 
promoção à igualdade passaram a ser adotadas, refletindo, também, no ambiente 
familiar. Os homens, sensibilizados, parecem estar mais comprometidos e atuantes 
em relação aos serviços domésticos, ao cuidado e educação dos filhos. 
 Entretanto, a despeito das tentativas de superação das diferenças e 
desigualdades de gênero, a mulher tem sido alvo de discriminações, tanto no 
ambiente doméstico como no mercado de trabalho, onde a maioria vivencia ainda 
posições precárias e subalternas. Embora muitas barreiras tenham sido superadas, 
persistem ainda características socioculturais que discriminam as mulheres sob as 
mais variadas formas. E isto não pode ser mais tolerado pela sociedade atual. 
 
1.2.2 A discriminação de gênero no Brasil 
 
 O verbo discriminar tem origem no latim discriminare, significando diferenciar, 
distinguir, discernir, separar, especificar, extremar e estabelecer diferença,70 em 
relação a uma pessoa ou grupo de indivíduos em face de alguma característica 
pessoal, cultural ou racial; formar grupo à parte em razão de alguma pertença, como 
por exemplo: étnica, religiosa, cultural entre outros, segundo definições encontradas 
na maioria dos dicionários. 
 A utilização da palavra discriminação no sentido de “distinção desfavorável” é 
adotada na maioria dos textos constitucionais elaborados a partir da segunda 
metade do século XX.71 No Brasil, somente a partir de 1998, por seu cunho de 
resgate ao Estado de Direito, é que tal expressão passou a ser utilizada com este 
sentido, sendo antes utilizado para fins administrativos ou tributários. 
 
69
 MOURÃO, Tania Fontenele; GALINKIN, Ana Lucia. O que pensam as mulheres no topo da 
carreira? In: _______. Trabalho de Mulher: mitos, riscos e transformações. São Paulo: LTr, 2007, p. 
144. 
70
 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3ª ed. 
Curitiba: Positivo, 2004, p. 686. 
71
 LIMA, Firmino Alves. Teoria da discriminação nas relações de trabalho. Rio de Janeiro: 
Elsevier, 2011, p. 20. 
37 
 
 O ato ou a ação de discriminar, isto é, de segregar, desigualar por à parte por 
intolerância ou preconceito, é um fenômeno eminentemente social, que guarda 
conotação de desvalor, visto que gera desigualdades entre indivíduos e grupos 
sociais. A discriminação é fundada em uma ideologia preconcebida que pode 
resultar em inferioridades em geral. 
 Segundo Thereza Cristina Gosdal, a discriminação pode ser considerada um 
fenômeno social, relacional, que excede o campo do Direito. Por ser social, a 
discriminação é dinâmica, podendo variar no espaço e tempo, ou seja, em um 
mesmo contexto, um fato pode ser discriminatório para uma pessoa, e não ser para 
outra, pois está relacionado a uma valoração comparativa, inerente ao sujeito.72 
 O ato de discriminar, no discurso político moderno, tem conotação de 
desfavorecimento de um indivíduo ou de um grupo social, aparentemente sem um 
motivo que o justificasse. E já em um discurso jurídico, discriminar pode ter sentido 
amplo, correspondendo ofensa ao princípio da igualdade, e sentido estrito, quando a 
violação ao princípio da igualdade tem fundamento em critérios proibidos. 
 Para Joaquim Benedito Barbosa Gomes, a discriminação possui um caráter 
competitivo, que é, em geral, indissociável das relações sociais, e revela uma 
tentativa de beneficiar alguns indivíduos em detrimento de outros: “quanto mais 
intensa a discriminação e mais poderosos os mecanismos inerciais que impedem o 
seu combate, mais ampla se mostra a clivagem entre discriminador e 
discriminado.”73 
 Por isso entende Robert Castel ser a discriminação “escandalosa”, porquanto 
se constitui ela em uma negação dos direitos inscritos nos textos constitucionais, 
substanciais ao exercício da cidadania. Ademais, o tratamento igualitário dos 
indivíduos é uma condição de entrada na democracia moderna, fixando contornos 
de uma sociedade na qual os cidadãos podem ser responsáveis por si mesmos.74 
 
72
 GOSDAL, 2003, p. 91. 
73
 GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Ações Afirmativas e princípio constitucional da 
igualdade: o Direito como instrumento de transformação social (A experiência dos EUA). Rio de 
Janeiro: Renovar, 2001, p. 18. 
74
 CASTEL, Robert. A discriminação negativa: cidadãos ou autóctones? Tradução de Francisco 
Morás. 2 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, p. 12. 
38 
 
 A discriminação é uma conduta que interfere de forma negativa nos direitos 
das pessoas, as impedindo, por motivos injustificados, de exercerem plenamente o 
direito à igualdade de oportunidades. E a causa da discriminação, segundo observa 
Maurício Godinho Delgado, pode residir, muitas vezes, no “cru preconceito, isto é, 
um juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude de uma sua 
característica determinada externamente”, em razão de sexo e raça, por exemplo.75 
 Preconceito, para Thereza Cristina Gosdal, constitui em uma ideia 
preconcebida acerca de algo ou alguém, advinda de atitude interior de um indivíduo 
ou de um grupo, visando à justificativa de sua exploração econômica, política ou 
ocultação de antagonismos de classe. O preconceito conduz à discriminação, 
infligindo em certas pessoas um tratamento diferenciado e imerecido, fundado, em 
geral, no desconhecimento.76 
 Observa Sergio Gomes da Silva, a respeito da origem do preconceito em 
relação às mulheres, que tal fenômeno ocorre em razão de que, por muito tempo, 
partia-se da idéia de que o Direito deveria estar a serviço dos homens, os quais 
eram tidos, geralmente, como a classe dos mais fortes, o que teria servido para 
construir idéias falsas. Desta forma, os preconceitos contra o gênero feminino 
estariam presentes nos mais

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