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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE LORENA THAÍS CARVALHO Uma abordagem sobre o reúso de água na indústria química: exemplos aplicativos Lorena 2014 THAÍS CARVALHO Uma abordagem sobre o reúso de água na indústria química: exemplos aplicativos Monografia apresentada à Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo para obtenção do grau de Engenheira Química. Áreas de concentração: Engenharia Ambiental e Processos de Separação. Orientador: Prof. Dr. Francisco José Moreira Chaves. Lorena 2014 DEDICATÓRIA Aos meus pais, Alcides e Vera, por toda confiança e apoio. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Alcides e Vera, por toda a dedicação, orientação e por fazer da educação dos filhos sua prioridade. Às minhas irmãs, pelo carinho e cumplicidade. Ao meu namorado, Rodolfo, por todo amor e apoio incondicional na busca dos meus objetivos. Aos professores, por todo o ensinamento proporcionado e exemplo a ser seguido. Ao meu orientador, Prof. Dr. Francisco Chaves, pela disponibilidade e ajuda no desenvolvimento deste trabalho. À Profa. Dra. Maria Lúcia Caetano, pela oportunidade de estágio em seu laboratório. Aos colegas de estágio, pela convivência e aprendizado. Aos colegas de curso, sem os quais estes anos teriam sido muito mais difíceis. Às amigas de república, por serem minha segunda família. “Quem desconfia, fica sábio.” João Guimarães Rosa Resumo CARVALHO, T. Uma abordagem sobre o reúso de água na indústria química: modelos aplicativos. 2014. 57 f. Monografia (Graduação) - Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São Paulo, Lorena, 2014. Devido à iminente escassez de água própria para o consumo humano, os diversos setores produtivos têm buscado alternativas para sua preservação. Dentre estas alternativas estão: o uso consciente por parte da população em geral, buscando meios de economizar água potável e reutilizá-la em outras atividades rotineiras. Por parte das indústrias, o cuidado com a qualidade dos efluentes gerados é obrigatória e regulamentada por legislação vigente. O presente trabalho tem por objetivo o estudo de três casos da literatura, em que foram propostas alternativas de reúso de água, após tratamento adequado, nos processos de três indústrias químicas de ramos diferentes. O primeiro caso trata-se de um programa de reúso de água da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) e a indústria beneficiada é do ramo têxtil. Trata-se de reúso de água não potável e a mesma foi reutilizada em operações de beneficiamento do produto final. O segundo caso refere-se a um estudo de caso de uma indústria de aditivos alimentares, onde a água tratada foi reutilizada para lavagem de tanques e equipamentos segundo o sistema Clean in Place (CIP). O terceiro caso é o estudo de uma técnica de tratamento baseada em Processos Oxidativos Avançados (POAs), utilizada para tratar o efluente de uma indústria petroquímica. O efluente tratado por esta técnica pode ser realimentado em diferentes pontos da planta com demanda de água industrial. Palavras-chave: reúso de água, técnicas de tratamento de água, indústria química. Abstract CARVALHO, T. An approach for water reuse in the chemical industry: application models. 2014. 57 f. Monografia (Graduação) – Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São Paulo, Lorena, 2014. Due to the imminent shortage of water suitable for human consumption, the various productive sectors have sought alternatives for its preservation. Among these alternatives are: the conscious use of water by the population in general, looking for ways to save drinking water and reuse it in other routine activities. From the industries part, care for the quality of effluents is mandatory and it is regulated by current legislation. The present work aims to study three cases from the literature, from different fields, in which they proposed alternatives for water reuse after appropriate treatment. The first case is about a program of water reuse at “Companhia de Saneamento Básico (SABESP)” which benefits textile sector industry. This is about reuse of non-potable water in other operations of the final product. The second case refers to a case study in a food additives industry, where the treated water is reused for washing tanks and equipment in accordance with the Clean in Place (CIP) system. The third case is the study of a treatment technique based on Advanced Oxidation Processes (AOPs), used to treat the effluent of a petrochemical industry. The effluent treated by this technique can be replenished at different points of the plant within demand of industrial water. Keywords: water reuse, water treatment techniques, chemical industry. Lista de tabelas Tabela 1 - Relação entre o grau de qualidade e as aplicações da água na indústria.............................................................................................21 Tabela 2 - Processos e operações unitárias usadas em tratamento de água..................................................................................................27 Tabela 3 - Classes de águas de reúso segundo a ABNT NBR 13969/1997......32 Tabela 4 - Categorias de reúso de água abordados pela legislação dos territórios dos EUA............................................................................................37 Tabela 5 - Alguns padrões de qualidade para a água potável no Brasil............39 Tabela 6 - Estimativa do consumo de água após tratamento para reúso interno...............................................................................................48 Lista de figuras Figura 1 – Gráfico da distribuição da água entre seus usos no mundo.................16 Figura 2 – Gráfico da distribuição da água entre seus usos no Brasil...................17 Figura 3 – Fluxograma dos tipos de tratamento de efluentes industriais...............24 Figura 4 – Fluxograma dos sistemas de tratamento na ETE Jesus Netto.............43 Figura 5 – Fluxograma da unidade de polimerização da Suzano Petroquímica....49 Figura 6 – Proposta de rearranjo da unidade de polimerização da Suzano Petroquímica ....................................................................................................... 51 Lista de abreviaturas e siglas ABES Associação Brasileira de Engenharia Sanitária ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas ANA Agência Nacional das Águas APPCC Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle BOM Build, operate and maintain BOT Build, operate and transfer BPF Boas Práticas de Fabricação CIP Clean in place CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente COT Carbono Orgânico Total DBO Demanda Bioquímica de Oxigênio DBO5,20 Demanda Bioquímica de Oxigênio medida durante um período de 5 dias, a temperatura de 20oC. DQO Demanda Química de Oxigênio EPA Environmental Protection Agency ETA Estaçãode Tratamento de Água ETE Estação de Tratamento de Efluentes EUA Estados Unidos da América E1 Efluente do Processo 1 E2 Efluente do Processo 2 E3 Efluente do Processo 3 E4 Efluente do Processo 4 FAFA Filtro Anaeróbio de Fluxo Ascendente FAO Food and Agriculture Organization MBAS Metilene Blue Active Substances MBBR Moving Bed Biofilm Reactor MBR Membrane Bioreactor OD Oxigênio Dissolvido OMS Organização Mundial da Saúde ONU Organização das Nações Unidas pH Potencial hidrogeniônico POA Processo Oxidativo Avançado PVC Policloreto de Vinila RAFA Reator Anaeróbio de Fluxo Ascendente SABESP Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo SANEP Serviço Autônomo de Abastecimento de Água de Pelotas SANEPAR Companhia de Saneamento do Paraná SNIS Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento uH Unidade Hazen (mg Pt-Co/L) uT Unidade de Turbidez UV Ultravioleta VMP Valores Máximos Permitidos WHO World Health Organization Lista de símbolos CO2 Dióxido de Carbono H2O Água CH4 Metano NO3- Íon nitrato SO42- Íon sulfato -OH Íon hidroxila TiO2 Dióxido de Titânio H2O2 Peróxido de Hidrogênio µm micrômetro L litro s segundo mg miligrama mL mililitro m3 metro cúbico cm centímetro nm nanômetro SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO............................................................................................12 1.1. MOTIVAÇÃO...............................................................................................12 1.2. OBJETIVOS................................................................................................13 1.3. OBJETIVOS ESPECÍFICOS.......................................................................13 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.......................................................................14 2.1. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL......................................................14 2.2. USO DA ÁGUA NO BRASIL E NO MUNDO...............................................15 2.3. REÚSO DE ÁGUA.......................................................................................18 2.3.1. Classificações para o reúso de água......................................................19 2.4. UTILIDADE DA ÁGUA NA INDÚSTRIA......................................................20 2.5. TÉCNICAS DE TRATAMENTO DE EFLUENTES INDUSTRIAIS...............23 2.5.1. Classificação dos sistemas de tratamento de efluentes.......................25 2.5.2. Processos Oxidativos Avançados...........................................................29 2.6. LEGISLAÇÃO PARA REÚSO DE ÁGUA....................................................31 2.6.1. No Brasil.....................................................................................................31 2.6.2. Em outros países.......................................................................................36 2.7. PADRÕES DE QUALIDADE DA ÁGUA......................................................39 2.8. ALTERNATIVAS PARA TERCEIRIZAÇÃO.................................................40 2.8.1. Sistema Build, Operate and Transfer (BOT)...........................................40 2.8.2. Sistema Build, Operate and Maintain (BOM)…………...…………………41 3. DESENVOLVIMENTO................................................................................42 3.1. SISTEMAS DE REÚSO DE ÁGUA: ESTUDO DE CASOS DA LITERATURA.........................................................................................................42 3.1.1. Estação de Tratamento de Efluentes da SABESP.................................42 3.1.2. Indústria de aromas e essências por Max Joel Franco.........................46 3.1.3. Indústria petroquímica por Daniella de Lira...........................................49 4. CONCLUSÃO.............................................................................................52 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................53 REFERÊNCIAS......................................................................................................54 12 1. INTRODUÇÃO 1.1. MOTIVAÇÃO A água é um recurso natural indispensável à vida no planeta. Além de ser utilizada de forma direta por seres humanos, animais e plantas para manutenção de seus organismos; de sua existência também depende a maioria das atividades realizadas pelo homem. A atividade antrópica nos centros urbanos, derivada do aumento populacional e do processo de industrialização, intensificou a contaminação dos mananciais e deteriorou a qualidade das águas subterrâneas, causando sérios problemas de saúde pública nas comunidades onde não há tratamento e distribuição adequada de água. (DI BERNARDO1, 2005 apud FRANCO, 2007) A iminente escassez de água doce no planeta torna necessária uma gestão integrada deste recurso. Incentivar o uso racional da água favorecerá o desenvolvimento de sistemas sustentáveis como forma de prevenção contra a escassez. (FRANCO, 2007) “A crescente preocupação com a racionalização dos recursos hídricos aliada aos elevados custos de água industrial no Brasil [...] tem estimulado as indústrias nacionais a avaliar as possibilidades internas de reúso” (LIRA, 2006, p. 24). Segundo Baum (2011) os projetos voltados ao consumo racional de água industrial reduzem os impactos ambientais, são expressivos nos resultados financeiros, pois reduzem os custos com água industrial e tratamento de efluentes, além de trazer benefícios socioculturais por estimular o uso consciente da água na comunidade local. Diante dos problemas sociais e de saúde pública consequentes da escassez de água doce de qualidade, buscou-se evidenciar uma das alternativas 1DI BERNARDO, L.; DANTAS, A.D.B. Métodos e técnicas de tratamento de água. 2 ed. São Carlos: RiMa, 2005. v.1 13 para a melhor gestão dos recursos hídricos no setor da engenharia e das indústrias de transformação; a prática do reúso de água em funções menos nobres minimiza os efeitos sobre a disponibilidade de água de qualidade para o consumo humano. O aumento de interesse pela adoção da prática de reúso de água na indústria de transformação levou ao desenvolvimento de novas técnicas de tratamento de água e efluentes. Há inúmeras novas tecnologias úteis para a implementação de tal prática, contudo, algumas informações tornam-se inacessíveis devido às etapas iniciais de aplicação em que se encontram atualmente. 1.2. OBJETIVOS O objetivo deste trabalho é efetuar uma revisão bibliográfica com o propósito de promover uma análise crítica acerca da viabilidade e aplicações das técnicas de reúso de água em indústrias de transformação. 1.3. OBJETIVOS ESPECÍFICOS - Conceituar reúso de água e identificar as diferentes formas de reúso; - Elencar alguns padrões de qualidade de água para diferentes usos industriais e domésticos; - Discutir as restrições para o reúso de água em cada segmento industrial estudado; - Verificar aspectos da legislação ambiental infraconstitucional brasileira compatíveis com as práticas aplicadas em reúso de água. 14 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A Comissão Mundial Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (World Comission on Environment and Development, WCED) elaborou em 1987 um relatório intitulado “Nosso Futuro Comum”, também conhecido como Relatório Bruntland, onde aparece a primeira definição de desenvolvimentosustentável. Segundo o Relatório Brundtland, o desenvolvimento sustentável é “o desenvolvimento no qual as necessidades no presente são supridas sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprirem as suas” (WCED, 1987). O conceito dominante de desenvolvimento sustentável consiste em descobrir como o planeta pode proporcionar recursos suficientes para assegurar o bem estar das pessoas, em toda parte (SILVA et al., 2013). No início dos anos 1990, foi introduzido o conceito de pegada ecológica por William Rees e Mathis Wackernagel como medida da apropriação humana das áreas biologicamente produtivas. Em 2002, Hoekstra e Huang lançaram um conceito similar denominado pegada hídrica para medir a apropriação humana da água doce no globo (SILVA et al., 2013). Os dois conceitos tem em comum o fato de traduzir o uso de recursos naturais pela humanidade. A pegada ecológica expressa o uso de espaço, em hectares, e a pegada hídrica mede o uso total de recursos de água doce, em metros cúbicos por ano (HOEKSTRA3, 2009 apud SILVA et al., 2013). 2Galli, A.; Wiedmann, T.; Ercin, E.; Knoblauch, D.; Ewing, B.; Giljum, S. Integrating Ecological, Carbon and Water footprint into a "Footprint Family" of indicators: Definition and role in tracking human pressure on the planet. Ecological Indicators, v.16, p.100-112, 2012. 3Hoekstra, A. Y. Human appropriation of natural capital: A comparison of ecological footprint and water footprint analysis. Ecological Economics, v.68, p.1963-1974, 2009. 15 Segundo Franco (2007), o aumento na demanda por recursos hídricos decorre do aumento populacional, assim como a deterioração destes recursos tem como principal causa o seu uso indiscriminado. Franco (2007) afirma que o fenômeno da escassez de água não é exclusivo de regiões áridas e semi-áridas, pois muitas regiões com recursos hídricos abundantes, em função da elevada demanda, também experimentam conflitos de usos e sofrem restrições ao consumo e desperdícios. Mierzwa (2002) identifica os fenômenos naturais relacionados às condições climáticas de cada região como sendo mais uma das razões para a ocorrência da mudança na relação entre disponibilidade hídrica e demanda de água. A necessidade da criação de um sistema de gerenciamento de águas e efluentes para o uso nas atividades humanas relacionadas a qualquer tipo de uso, seja ele doméstico, industrial ou agrícola, foi abordada por Mierzwa (2002). Segundo o autor, o desenvolvimento de atividades de gerenciamento estará condicionado a fatores tais como a disponibilidade hídrica na região, problemas de poluição existentes, legislação ambiental e o conceito de desenvolvimento sustentável. Freitas (2006) atenta para a relevância dos aspectos ambientais nos processos decisórios das empresas: “Situações que até algum tempo atrás eram comuns em indústrias e não pesavam muito nas decisões gerenciais, como o lançamento de efluente industrial com alta carga poluidora em um rio, ou liberação de emissões atmosféricas tóxicas sem tratamento, hoje podem ser aspectos com significativa relevância nos processos decisórios das empresas, que envolvem em muitos casos a priorização de investimentos” (FREITAS, 2006. p. 1). 2.2. USO DA ÁGUA NO BRASIL E NO MUNDO Dados recentes da Agência Nacional das Águas (ANA) e da Food and Agriculture Organization (FAO), membro da Organização nas Nações Unidas 16 (ONU), alertam para o perigo de escassez de água e identificam a irrigação como principal fonte de desperdício de água, tanto no Brasil, como no mundo. O aumento no consumo de água foi cerca de duas vezes maior que o aumento da população nos últimos cem anos e a previsão é de que em 2025, países em desenvolvimento consumam 50% a mais de água, enquanto que nos países desenvolvidos, o aumento no consumo poderá chegar a 18% (WALBERT, 2013). A figura 1 representa a distribuição da água em seus diversos usos no mundo (ANA, 2012). Figura 1 – Gráfico da distribuição da água entre seus usos no mundo. Fonte: ANA (2012). A Figura 2 representa a distribuição da água em seus diversos usos no Brasil (ANA, 2012). Uso doméstico Uso industrial Uso na irrigação 17 Figura 2 – Gráfico da distribuição do uso da água entre seus usos no Brasil. Fonte: ANA (2012). Segundo relatório da ANA de 2012, o uso doméstico da água no Brasil ainda pode ser subdivido entre as categorias: uso urbano, uso rural e uso com animais. Segundo a FAO, uma redução em apenas 10% no consumo de água utilizada na irrigação já seria suficiente para abastecer o dobro da população mundial (WALBERT, 2013). Além da grande quantidade de água potável utilizada nas atividades de irrigação, outra fonte de desperdício relevante são os próprios sistemas de abastecimento de água. A média de perda de água nos sistemas de abastecimento brasileiros é de cerca de 40%, valor muito alto se comparado a cidades do Japão e Alemanha, com apenas 11% de perda. A taxa de perda brasileira não retrata fielmente a situação atual devido ao fato de a maior parte das empresas de abastecimento não medirem suas perdas de maneira consistente (ABES, 2013). Dentro do país, há empresas muito eficazes no combate a perda, como é o caso da companhia estadual de abastecimento do Paraná (SANEPAR) com 21,1% de perdas e a companhia municipal de abastecimento da cidade de Pelotas (SANEP) com apenas 6,7% de perdas, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), de 2011 (ABES, 2013). Uso doméstico Uso industrial Uso na irrigação 18 2.3. REÚSO DE ÁGUA A reciclagem ou reúso de água não é um conceito novo na história do nosso planeta. A natureza, por meio do ciclo hidrológico, vem reciclando e reutilizando a água há milhões de anos, e com muita eficiência (MANCUSO, 2003). Segundo Filho (1987), reúso de água pode ser definido como o aproveitamento de águas previamente utilizadas, uma ou mais vezes, em alguma atividade humana, para suprir as necessidades de outros usos benéficos, inclusive o original. Pode ser direto ou indireto, bem como decorrer de ações planejadas ou não planejadas. O Manual para Conservação e Reúso de Água da FIESP/CIESP identifica o reúso indireto, ou não planejado da água como prática antiga para abastecimento de cidades, lavouras e indústrias. A captação, por usuários de jusante, de águas que já foram utilizadas e devolvidas aos rios por usuários de montante caracteriza uma das formas de reúso indireto da água. A falta de tratamento adequado aos efluentes urbanos em algumas regiões fez com que este sistema de abastecimento fracassasse. As condições de poluição em que se encontram certos rios impossibilitam a reutilização de suas águas por outros usuários, o que gera conflitos entre usuários agrícolas e urbanos, e entre os setores de navegação, geração de energia e industrial (FIESP; CIESP, 2004). O Manual da FIESP/CIESP aponta ainda o uso de alternativas tecnológicas para reciclagem e reúso de efluentes industriais e urbanos como forma de reduzir os custos de produção nos setores hidrointensivos, além de promover a recuperação, preservação e conservação dos recursos hídricos e dos ecossistemas urbanos. Segundo Lira (2006), é importante ter em mente que antes de se pensar no reúso de efluentes da própria empresa, é preciso implantar medidas para a otimização do consumo e redução de perdas e desperdícios, além de programas de conscientização e treinamento. Os principais benefícios das práticas de conservação e reuso de água nas indústrias estão listados a seguir (FIESP; CIESP, 2004):19 Benefícios ambientais: • Redução do lançamento de efluentes industriais em cursos d´água, possibilitando melhorar a qualidade das águas interiores das regiões mais industrializadas. • Redução da captação de águas superficiais e subterrâneas, possibilitando uma situação ecológica mais equilibrada. • Aumento da disponibilidade de água para usos mais exigentes, como abastecimento público, hospitalar, etc. Benefícios econômicos: • Conformidade ambiental em relação a padrões e normas ambientais estabelecidos, possibilitando melhor inserção dos produtos brasileiros nos mercados internacionais; • Mudanças nos padrões de produção e consumo; • Redução dos custos de produção; • Aumento da competitividade do setor; • Habilitação para receber incentivos e coeficientes redutores dos fatores da cobrança pelo uso da água. Benefícios sociais: • Ampliação da oportunidade de negócios para as empresas fornecedoras de serviços e equipamentos, e em toda a cadeia produtiva; • Ampliação na geração de empregos diretos e indiretos; • Melhoria da imagem do setor produtivo junto à sociedade, com reconhecimento de empresas socialmente responsáveis. 2.3.1. Classificações para o reúso de água Segundo Mancuso (2003), o reúso da água pode ocorrer de forma direta ou indireta, por meio de ações planejadas ou não. 20 A Organização Mundial da Saúde ou World Health Organization (WHO), em documento publicado em 1973, criou algumas definições, que são adotadas até a atualidade. Algumas definições criadas pelo documento da WHO (1973) são: Reúso indireto: ocorre quando a água já usada, uma ou mais vezes para uso doméstico ou industrial, é descarregada nas águas superficiais ou subterrâneas e utilizada novamente a jusante, de forma diluída; Reúso direto: é o uso planejado e deliberado de esgotos tratados para certas finalidades como irrigação, uso industrial, recarga de aqüífero e água potável; Reciclagem interna na planta: é o reúso da água internamente à instalações industriais, tendo como objetivo a economia de água e o controle da poluição. Westerhoff (1984) classifica reúso de água em duas grandes categorias: potável e não potável. Por sua praticidade e facilidade, essa classificação, foi adotada pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), seção São Paulo. O reúso potável pode ser direto ou indireto. Reúso potável direto: quando o esgoto recuperado, por meio de tratamento avançado, é diretamente reutilizado no sistema de água potável. Reúso potável indireto: caso em que o esgoto, após tratamento, é disposto na coleção de águas superficiais ou subterrâneas para diluição, purificação natural e subseqüente captação, tratamento e finalmente utilizado como água potável. O reúso não potável pode ter várias aplicações, dentre as mais importantes cita-se: fins agrícolas, fins industriais, fins domésticos, manutenção de vazões, aqüicultura, recarga de aqüíferos subterrâneos, entre outros. (MANCUSO, 2003). 2.4. UTILIDADE DE ÁGUA NAS INDÚSTRIAS O ramo de atividade da indústria, que define as atividades desenvolvidas, determina as características de qualidade da água a ser utilizada, ressaltando-se que em uma mesma indústria podem ser utilizadas águas com diferentes níveis de qualidade. Por outro lado, o porte da indústria, que está relacionado com a sua 21 capacidade de produção, irá definir qual a quantidade de água necessária para cada uso (MANCUSO, 2003). Franco (2007) cita alguns outros fatores que influenciam a necessidade de água para o atendimento das diversas atividades industriais. Segundo o autor, também devem ser considerados: a capacidade produtiva, condições climáticas da região, disponibilidade de água, método de produção, idade das instalações, práticas operacionais, cultura da empresa, inovação tecnológica e investimentos em pesquisa. Usualmente, a demanda por água para aplicações industriais é suprida por meio da captação direta da rede pública de abastecimento, muitas vezes com qualidade inferior ou superior à qualidade desejada para algumas aplicações. Isto implica na necessidade de tratamentos prévios ou, por outro lado, no desperdício de água de boa qualidade com usos menos nobres (MANCUSO, 2003). A tabela 1 mostra as principais aplicações industriais para a água reciclada, relacionadas aos requisitos correspondentes para cada aplicação. Tabela 1 – Relação entre o grau de qualidade e as aplicações da água na indústria. Aplicações Requisitos Consumo humano: água utilizada em ambientes Água potável, atendendo às sanitários, vestiários, cozinhas e refeitórios, características estabelecidas pela Portaria bebedouros, equipamentos de segurança no 2914 -norma de qualidade da água (por exemplo , lava-olhos) ou em qualquer para consumo humano, de 12/12/2011, do atividade doméstica com contato humano direto. Ministério da Saúde. Matéria prima: água incorporada ao produto final O grau de qualidade da água pode (por exemplo, indústrias de fármacos, de variar significativamente, tendo-se como alimentos, de produtos de higiene pessoal e principal objetivo a proteção limpeza doméstica) ou água utilizada para da saúde dos consumidores finais obtenção de outros produtos (por exemplo o e/ou a garantia da qualidade final. hidrogênio por meio da eletrólise da água). continua 22 continuação Aplicações Requisitos Fluido auxiliar: a água, como fluido auxiliar, pode O grau de qualidade da água irá depender ser utilizada em diversas atividades, destacando- do processo à que esta se destina. Caso se a preparação de suspensões e soluções essa água entre em contato com o produto químicas, compostos intermediários, reagentes final, o grau de qualidade será mais ou químicos, veículo ou ainda, para as operações de menos restritivo, em função do tipo lavagem. de produto que se deseja obter. Não havendo contato da água com o produto final, esta poderá apresentar um grau de qualidade mais ou menos restritivo que o da água para consumo humano, principalmente com relação à concentração residual de agentes desinfetantes. Geração de energia: água pode ser utilizada No aproveitamento da energia potencial ou por meio da transformação da energia cinética, a água é utilizada no seu estado cinética, potencial ou térmica em energia natural, captada de um rio, lago ou outro mecânica e posteriormente em energia elétrica reservatório; materiais sólidos de dimensões maiores, presentes na água, podem danificar os dispositivos de geração de energia. No aproveitamento da energia térmica, após aquecimento e vaporização da água, a mesma deve apresentar um elevado grau de qualidade, para que não ocorram problemas nos equipamentos de geração de vapor ou no dispositivo de conversão de energia. Fluido de aquecimento e/ou resfriamento: Para água na forma de vapor, o grau de qualidade deve ser bastante elevado; água como fluido de resfriamento requer um grau de qualidade bem menos restritivo, devendo-se levar em consideração a proteção e a vida útil dos equipamentos com os quais esta água irá entrar em contato. continua 23 conclusão Aplicações Requisitos Usos diversos: Aproveitamento de água de chuva: Para uso humano, inclusive como água potável,deve sofrer filtração e cloração; para fins menos nobres, como irrigação de jardins ou lavagem de área externas, não necessita de tratamento avançado. Combate a incêndios Descarga de vasos sanitários Irrigação de áreas verdes Limpeza de instalações Recarga de aquíferos Sistema de ar condicionado Adaptado de FIESP e CIESP, 2004. 2.5. TÉCNICAS DE TRATAMENTO DE EFLUENTES INDUSTRIAIS De acordo com FIESP/CIESP (2004), a coleta e tratamento dos efluentes industriais antes do lançamento final são exigidos pela legislação e tem como objetivo de diminuir o impacto sobre o meio ambiente, principalmente sobre os recursos hídricos. Ainda segundo FIESP/CIESP (2004, p. 88): [...] o tratamento de efluentes deve ser realizado por meio da utilização de operações e processos unitários, que sejam capazes de reduzir a concentração dos contaminantes presentes para níveis compatíveis com os padrões de emissão estabelecidos em normas ou a níveis adequados para formas de reúso subseqüentes.” A figura 3 esquematiza, de uma maneira geral, as principais técnicas de tratamento de efluentes industriais. 24 Figura 3 – Fluxograma das principais técnicas de tratamento de efluentes. Fonte: Droste (1997). PROCESSOS FÍSICOS Os tratamentos físicos são caracterizados por fenômenos físicos que buscam remover ou transformar os poluentes de águas residuárias (MARTINS, 2011). São processos de separação de fases, transição de fases, transferência de fases e separação molecular. Segundo Martins (2011), os processos físicos utilizados no tratamento de efluentes industriais podem contribuir para a remoção de sólidos grosseiros, remoção de sólidos em suspensão, componentes mais voláteis, mas também servem para equalizar e homogeneizar um efluente. O autor cita alguns dispositivos envolvidos nas etapas físicas do tratamento de efluentes: grades de limpeza manual ou mecanizada, peneiras estáticas, vibratórias ou rotativas, caixas de areia simples ou aeradas, tanques de retenção de materiais flutuantes, decantadores, flotadores de ar dissolvido, leitos de secagem de lodo, filtros prensa e a vácuo, centrífugas, filtros de areia e adsorção em carvão ativado, dentre outros. PROCESSOS BIOLÓGICOS Os tratamentos biológicos utilizam microrganismos aeróbios e anaeróbios para decompor a matéria orgânica, sob a forma de sólidos dissolvidos e em suspensão, em compostos mais simples, como sais minerais, gás carbônico, água e outros. TRATAMENTO DE EFLUENTES INDUSTRIAIS BIOLÓGICO FÍSICO QUÍMICO Aeróbio Anaeróbio Decantação Filtração Incineração POA Eletroquímico Enzimático Adsorção Fotocatálise Ozonização Fenton 25 Alguns processos biológicos são: lodos ativados e suas variações, filtros biológicos anaeróbios ou aeróbios, lagoas aeradas, lagoas de estabilização facultativas e anaeróbias, digestores anaeróbios de fluxo ascendente. (MARTINS, 2011). PROCESSOS QUÍMICOS Segundo Martins (2011, p. 29), os processos químicos são: [...] processos em que a utilização de produtos químicos é necessária para aumentar a eficiência da remoção de um elemento ou substância, modificar seu estado ou estrutura, ou simplesmente alterar suas características químicas. Os processos químicos são geralmente utilizados conjugados a processos físicos e algumas vezes a processos biológicos. Os principais processos químicos utilizados no tratamento de efluentes são: coagulação, floculação, precipitação química, oxidação, cloração (desinfecção), neutralização ou correção do pH (MARTINS, 2011). 2.5.1. Classificação dos sistemas de tratamento de efluentes Conforme Braga et al.4 (2005), Santos5 (2007) e Dezotti et al.6(2008) apud Martins (2011), os sistemas de tratamento de efluentes podem ser classificados em: Tratamento preliminar: remove sólidos grosseiros, detritos minerais (areia), materiais flutuantes e carreados e, por vezes, óleos e graxas. Unidades: grades, caixa de areia, e, eventualmente, tanques de remoção de óleos e graxas. (NUVOLARI et al., 2010). 4 BRAGA, B. et al. Introdução à Engenharia Ambiental. v. 2. Ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005. 5 SANTOS, A. B. Avaliação técnica de sistemas de tratamento de esgotos. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2007. 206 p. 6 DEZOTTI, M. (coord.). Processos e Técnicas para o Controle Ambiental de Efluentes Líquidos. Série Escola Piloto de Engenharia Química COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro: E-papers, 2008. 360 p. 26 Tratamento primário: remove sólidos sedimentáveis. As unidades de tratamento preliminar e primária, somadas, removem cerca de 60 a 70% de sólidos em suspensão, cerca de 20 a 45% da Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e 30 a 40% de coliformes. Unidades: tanques de sedimentação primária ou clarificadores, unidade para digestão, secagem e disposição dos lodos. (NUVOLARI et al., 2010). Tratamento secundário/biológico: remove matéria orgânica biodegradável contida nos sólidos dissolvidos, ou finamente particulados e, eventualmente, remove nutrientes (nitrogênio e fósforo) através de processos biológicos aeróbios (oxidação) ou anaeróbios seguidos da sedimentação final (secundária). A unidade de tratamento secundário remove cerca de 60 a 99% da DBO remanescente, 60 a 99% dos coliformes e 10 a 50% dos nutrientes. Unidades de tratamento biológico: Lodos ativados e lagoas de estabilização, filtros biológicos, reatores anaeróbios de fluxo ascendente (RAFA), filtros anaeróbios de fluxo ascendente (FAFA) e outros. Os processos anaeróbios produzem menor quantidade de lodo que os processos aeróbios. (NUVOLARI et al., 2010). Tratamento terciário/avançado: remoção complementar da matéria orgânica e de compostos não biodegradáveis, de nutrientes, poluentes tóxicos e/ou específicos, metais pesados, sólidos inorgânicos dissolvidos, sólidos em suspensão remanescentes e organismos patogênicos através de unidades de tratamento físico-químico. Os poluentes a serem removidos pelo tratamento avançado de efluentes podem ser agrupados em quatro categorias: (1) orgânicos residuais, colóides inorgânicos e sólidos suspensos, (2) constituintes orgânicos dissolvidos, (3) constituintes inorgânicos dissolvidos e (4) constituintes biológicos. Algumas técnicas utilizadas no tratamento terciário são: osmose reversa, troca iônica, eletrodiálise, evaporação, microfiltração, ultrafiltração, nanofiltração, ozonização, clarificação, carvão ativado, stripping, desinfecção e outros. (NUVOLARI et al., 2010). 27 A tabela 2 lista algumas operações e processos unitários utilizados nas etapas do tratamento de águas e efluentes: Tabela 2 – Processos e operações unitárias usadas em tratamento de águas. Processo Descrição Aplicação Sedimentação Sedimentação gravimétrica Remoção de partículas de de partículas de matéria, águas túrbidas maiores flóculos químicos e que 30 µm. precipitados de suspensão. Filtração Remoção de partículas Frequentemente usado pela passagem de água após a sedimentação através de areia ou outros ou coagulação - poros médios. floculação. Tratamento Oxidação de substâncias Remoção de matéria biológico orgânicas por microrganismos orgânica dissolvida e aeróbio em um tanque de aeração da água servida. ou em um processo de biofilme. Tanque de Tanque com 1,00 m deRedução dos sólidos suspensos, oxidação profundidade para mistura e DBO, bactérias patogênicas e e penetração da luz solar. amônia. Remoção de Combinação de processos Redução do conteúdo de nutrientes aeróbios, anóxidos e nutrientes da água exigida. anaeróbios para otimizar a conversão de orgânicos, e remoção de fósforo e nitrogênio. Tanque de O sistema consiste de Redução dos sólidos suspensos, estabilização tanques anaeróbio, DBO, bactérias patogênicas e de água facultativo e de maturação amônia da água servida. ligados em série para Instalações para reúso da água aumentar o tempo de na irrigação e aquicultura. retenção. continua S e p a ra ç ã o s ó lid o -l íq u id o T ra ta m e n to b io ló g ic o 28 continuação Processo Descrição Aplicação Desinfecção Inativação de organismos Remoção de organismos patogênicos usando patogênicos. oxidação química, luz ultravioleta, produtos cáusticos, calor ou processos de separação física (membranas). Carvão Processo no qual os Remoção de compostos ativado contaminantes são orgânicos hidrofóbicos. ] fisicamente adsorvidos na superfície do carvão ativado. Corrente de ar Transferência de amônia Remoção de amônia e de e outros componentes orgânicos voláteis da água. voláteis da água para o ar. Troca iônica Troca de íons entre uma Remoção efetiva de cátions resina e a água, usando um como cálcio, magnésio, fluxo através de um reator. ferro, amônio e ânions como nitrato. Coagulação Uso de sais de alumínio ou Formação de precipitados química e de ferro, polieletrólitos e/ou de fosfato e floculação de precipitação ozônio para promover a partículas para remoção desestabilização das pela sedimentação e partículas coloidais da filtração. água e precipitação de fosfato. Filtração por Microfiltração, nanofiltração Remoção de partículas e membrana e ultrafiltração. microrganismos da água. Osmose Sistema de membranas para Remoção de sais e Reversa separar íons da solução minerais dissolvidos da baseada na pressão solução e remoção efetiva osmótica reversa diferencial. de patogênicos. Processos Consistem na produção de Oxidação de compostos Oxidativos intermediários altamente orgânicos, inorgânicos Avançados reativos capazes de oxidar dissolvidos e poluentes grande gama de poluentes. tóxicos ou refratários ao tratamento biológico. continua T ra ta m e n to a v a n ç a d o 29 conclusão Processo Descrição Aplicação Tratamento O uso de cal para precipitar Usado para reduzir com cal cátions e metais da solução. problemas de incrustação pela precipitação de fosfato e modificar o pH. Fonte: Adaptado de Asano (1998) apud Costa e Barros Júnior (2005). 2.5.2. Processos Oxidativos Avançados Os Processos Oxidativos Avançados (POA’s) caracterizam-se por reações em que são formados radicais altamente reativos, principalmente a hidroxila (-OH), capazes de oxidar a maioria dos compostos orgânicos presentes no efluente, tanto na fase aquosa, como na fase gasosa ou adsorvidos numa matriz sólida (MARTINS, 2011). Segundo Lira (2006), a produção dos radicais hidroxila pode ocorrer de diversas formas, através de reações envolvendo oxidantes fortes, como ozônio (O3), peróxido de hidrogênio (H2O2), ou semicondutores, como dióxido de titânio e óxido de zinco. Um grande número de métodos pode ser classificado sob a ampla definição de POA (STASINAKIS7, 2008 apud MARTINS, 2011). Para Martins (2011), os sistemas de POA mais utilizados para o tratamento de águas residuais são os sistemas utilizando dióxido de titânio na presença de radiação ultravioleta (TiO2/UV), peróxido de hidrogênio na presença de radiação ultravioleta (H2O2/UV) e os chamados reagentes de Fenton. - Sistema TiO2/UV: sistema de tratamento em que a espécie semicondutora é utilizada para destruir os contaminantes ambientais por meio de reações redox induzidas pela luz. Estas reações geram bandas de elétrons de condução e sítios nas bandas de valência pela radiação UV nos materiais semicondutores, como o TiO2. Neste processo, a formação e disponibilidade de íons hidroxila pode ser maximizada utilizando-se outros agentes oxidantes como H2O2 e O3. A matriz UV/TiO2 é um sistema de POA que já se encontra disponível comercialmente para o tratamento de água e ar contaminados (MARTINS, 2011). 30 - Sistema H2O2/UV: sistema de POA em que o íon hidroxila é gerado a partir da fotólise de um agente oxidante convencional, como o peróxido de hidrogênio ou ozônio. Este processo e algumas de suas variações também estão disponíveis comercialmente. (MARTINS, 2011). Lira (2006), lista algumas vantagens e desvantagens do sistema H2O2/UV: Vantagens do sistema UV/H2O2: 1) Fácil manuseio; 2) Baixo custo do oxidante (H2O2); 3) Alta solubilidade do oxidante em água; 4) Possibilidade de estoque do oxidante no local; 5) Emprego de reatores simples (baixas pressões e temperaturas); 6) Não necessita de unidades de separação, pois não produz lodo; 7) Mais viável economicamente que outras tecnologias. Desvantagens do sistema UV/H2O2: 1) Baixo coeficiente de absorção do H2O2; 2) Faixa muito restrita de comprimento de onda para a máxima produção de radicais hidroxila (254 nm); 3) Competição entre o H2O2 e outras espécies que absorvem radiação UV; 4) Necessidade de uma etapa prévia de filtração para a remoção de sólidos suspensos que impedem a chegada da radiação UV ao H2O2. - Sistema Foto-Fenton: sistema de tratamento em que ocorre a decomposição do agente oxidante (H2O2) na presença dos íons Fe2+ ou Fe3+ sob condições ácidas e radiação UV para geração do íon hidroxila. As taxas de remoção de componentes orgânicos pelo processo Fenton podem ser melhoradas consideravelmente se o comprimento de onda da fonte luminosa de radiação UV for próximo da luz visível. (MARTINS, 2011). 31 2.6. LEGISLAÇÃO PARA REÚSO DE ÁGUA 2.6.1. No Brasil A falta de normas técnicas e legislação específica sobre reúso de água ainda é um problema no Brasil. O que existe é uma vasta legislação ambiental com temas voltados à preservação dos recursos naturais, entre eles, os recursos hídricos (ABES, 2013). A Constituição Federal, de 1988, trata no artigo 225 da preservação do meio ambiente como forma de garantir qualidade de vida à população, define direitos e deveres do poder público e da coletividade para assegurar a diversidade do patrimônio genético do país (BRASIL, 1988). A Lei 9433, de 1997, institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e trata a água como recurso limitado, dotado de valor econômico. Estabelece como prioridade para seu uso o consumo humano e descentraliza a gestão dos recursos hídricos entre os comitês das bacias hidrográficas e a União. Cria o Conselho Nacionalde Recursos Hídricos e regulamenta a cobrança pelo uso dos recursos hídricos sujeitos a outorga e dá outras providências (BRASIL, 1997). A Política Nacional de Recursos Hídricos tem como instrumento de gestão a cobrança pelo uso da água, com o objetivo de dar ao usuário a idéia do real valor deste bem, promover o seu uso racional e captar recursos para a preservação das bacias hidrográficas brasileiras. A cobrança é responsabilidade dos comitês das bacias hidrográficas e o primeiro comitê a cobrar pelo uso da água foi o Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), em 2003, seguido do Comitê das Bacias Hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Comitê PCJ), no ano de 2006 (ANA, 2014). A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) instituiu a norma NBR ABNT 13969, de 1997, relativa ao tratamento de efluentes líquidos que abrange todo o território nacional. A norma não é específica para o reúso de água, mas dedica um item à utilização de esgoto tratado como forma de reúso não potável e cita quatro classificações para a água de reúso, assim como identifica os tratamentos adequados à cada classe de água (ABNT, 1997). 32 As classes de água de reúso segundo a ABNT NBR 13969/1997 e as técnicas de tratamento encontram-se relacionadas na Tabela 3. Tabela 3 – Classes de água de reúso segundo a ABNT NBR 13969/1997. Classe de água Utilização Tratamento adequado Classe 1 Lavagem de carros e outros Tratamento aeróbio (filtro aeróbio submerso ou usos que requerem o contato lodo ativado por batelada, seguido por direto do usuário com a água, filtração convencional ( areia e carvão ativado) incluindo chafarizes. e, finalmente, cloração. Classe 2 Lavagem de pisos, calçadas e Tratamento biológico aeróbio (filtro aeróbio irrigação de jardins, manutenção submerso ou lodo ativado por batelada), de lagos e canais para fins seguido de filtração com areia e desinfecção. paisagísticos, exceto chafarizes. Pode-se substituir a filtração normal por membrana filtrante. Classe 3 Descargas de vasos sanitários. Tratamento aeróbio, filtração e desinfecção. Classe 4 Irrigação de pomares, pastagens Tratamento aeróbio, filtração e desinfecção. e outros cultivos por escoamento As aplicações devem ser interrompidas até superficial ou sistema de irrigação dez dias antes da colheita. pontual. Fonte: ABNT NBR 13969 (1997). É relevante saber que a NBR ABNT 13969 não tem poder de lei e serve apenas como referência bibliográfica, não podendo, portanto, ser utilizada como documento regulatório da prática de reúso de água no Brasil. A Lei 9605, de 1998, estabelece penalidades para diferentes crimes ambientais. O artigo 54 da Lei 9605 trata do crime de poluição ambiental e prevê pena de reclusão de um a cinco anos para quem causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que possam causar danos à saúde humana, mortandade de animais ou destruição da flora ou, no caso da poluição de recursos hídricos, que culminem na interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade (BRASIL, 1998). A Lei 9984, de 2000, cria a Agência Nacional de Águas (ANA), autarquia especial vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Entre as competências da ANA estão a outorga de direito ao uso de recursos hídricos de domínio da união, a cobrança pelo uso deste recurso e a distribuição e aplicação das receitas auferidas com a cobrança do mesmo (BRASIL, 2000). A Resolução no 357 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), publicada em Março de 2005, lista a classificação dos corpos de água e estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes. 33 Os corpos de água são, primeiramente, divididos entre corpos de água doce, corpos de água salina e corpos de água salobra, de acordo com sua salinidade. Entre os corpos de água doce, são identificadas 5 classes: classe especial, classes 1,2,3 e 4 (BRASIL, 2005). Segundo Brasil (2005), as água doces podem ser classificadas em: I - Classe especial: águas que são destinadas: a) Ao abastecimento para consumo humano, com desinfecção; b) À preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas; c) À preservação dos ambientes aquáticos em unidades de proteção integral. II - Classe 1: águas que podem ser destinadas: a) Ao abastecimento para consumo humano, após tratamento simplificado; b) À proteção das comunidades aquáticas; c) À recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho; d) À irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvem rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de película; e) À proteção das comunidades aquáticas em Terras Indígenas. Algumas condições estabelecidas pela Resolução 357 para as águas de Classe 1 são: Não verificação de efeito tóxico crônico a organismos, comprovado pela realização de ensaio ecotoxicológico padronizado ou outro método cientificamente reconhecido; Ausência virtual de materiais flutuantes, inclusive espumas não naturais; Ausência virtual de óleos e graxas; Ausência virtual de substâncias que comuniquem gosto ou odor; Ausência virtual de corantes provenientes de fontes antrópicas; Ausência virtual de resíduos sólidos objetáveis; DBO5,20 até 3 mg/L O2; OD, em qualquer amostra, não inferior a 6 mg/L O2; pH: 6,0 a 9,0; 34 E outras condições como presença de organismos indicadores (coliformes termotolerantes e Escherichia coli), cor e turbidez. III - Classe 2: águas que podem ser destinadas: a) Ao abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional; b) À proteção das comunidades aquáticas; c) À recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho; d) À irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato direto; e) À aquicultura e atividade de pesca. As condições estabelecidas pela Resolução 357 para as águas de Classe 2 são as mesmas para as águas de Classe 1, à exceção do seguinte: Não será permitida a presença de corantes provenientes de fontes antrópicas que não sejam removíveis por processo de coagulação, sedimentação e filtração convencionais; DBO5,20 até 5 mg/L O2; OD, em qualquer amostra, não inferior a 5 mg/L O2; E outras condições como presença de organismos indicadores (inclusive cianobactérias), concentração máxima de clorofila α, cor, turbidez e concentração máxima de fósforo total. IV – Classe 3: águas que podem ser destinadas: a) Ao abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional ou avançado; b) À irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras; c) À pesca amadora; d) À recreação de contato secundário; e) À dessedentação de animais. As condições estabelecidas pela Resolução 357 para as águas de Classe 3 são as mesmas para as águas de Classe 2, à exceção do seguinte: DBO5,20 até 10 mg/L O2; OD, em qualquer amostra, não inferior a 4 mg/L O2; 35 E outras condições como presença de organismos indicadores (inclusive cianobactérias), cor e turbidez. V – Classe 4: águas que podem ser destinadas: a) À navegação; b) À harmonia paisagística; As condições estabelecidas pela Resolução 357 para as águas de Classe 4 são: Materiais flutuantes, inclusive espumas não naturais: virtualmente ausentes; Odor e aspecto: não objetáveis; Óleos e graxas: toleram-se iridescências; Substâncias facilmente sedimentáveis que contribuam para o assoreamento decanais de navegação: virtualmente ausentes; Fenóis totais até 1,0 mg/L de C6H5OH; OD superior a 2 mg/L O2 em qualquer amostra; pH entre 6,0 e 9,0. A Resolução no 54 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), publicada em 2006, estabelece diretrizes e critérios gerais para regulamentar e estimular a prática do reúso direto não potável de água para fins agrícolas, industriais, ambientais e urbanos, porém não estabelece critérios de qualidade requeridos para cada tipo de uso da água tratada (BRASIL, 2006). Existem ainda leis estaduais, resoluções municipais e uma norma da ABNT, a ABNT NBR 15527, de 2007, voltadas ao tema de reúso de água, porém, nenhuma apresenta orientações técnicas para a sua aplicação. Há um esforço no sentido de adaptar a ABNT NBR 15527 de acordo com algumas normas internacionais europeias, com a ressalva do atraso tecnológico dos processos de tratamento, que não garantem padrões de qualidade tão elevados quanto os dos países europeus (ABES, 2013). Os recursos hídricos utilizados no setor hidrelétrico brasileiro são passíveis de cobrança, segundo o Decreto no 7.402/2010 e os recursos captados são destinados ao Ministério do Meio Ambiente para as despesas que constituem obrigações legais 36 referentes à Política Nacional de Recursos Hídricos e ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. São cobrados os usos de captação, consumo e lançamento de efluentes de usuários sujeitos à Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos com captação superior à 1,0L/s (ANA, 2014). 2.6.2. Em outros países A importância das normas que regulamentam o reúso de água já foi percebida pelos países desenvolvidos há muito tempo. Devido às tecnologias mais avançadas existentes nos processos de tratamento de água, é possível encontrar programas de reúso de água, no qual a água tratada tem qualidade igual ou superior à água potável adequada ao consumo humano no Brasil. A Austrália já utiliza a água da chuva, após tratamento, para fins potáveis e o estado da Califórnia, nos EUA, tem normas específicas para reúso de água na agricultura, nas quais alguns parâmetros são mais restritivos do que os padrões estabelecidos para a potabilidade da água no Brasil. A primeira legislação voltada ao tema reúso de água foi conseqüência da Revolução Industrial e do aumento da demanda de recursos hídricos. A Inglaterra propôs, em 1865, o tratamento de esgoto gerado para evitar a poluição dos rios. A Agência de Proteção Ambiental americana (EPA) fez um levantamento do número de estados ou territórios que tem algum tipo de regulamento ou manual que aborde o tema reúso de água, em suas diferentes categorias. Segundo os dados levantados e publicados em 2012, não havia, até então, estados com legislação prevendo o reúso direto de água potável. A tabela 4 mostra a relação entre a categoria de reúso e o número de estados ou territórios em que existe legislação específica aplicada à categoria. 37 Tabela 4 - Categorias de reúso de água abordados pela legislação dos territórios dos EUA. Categoria de reúso Descrição Número de estados ou territórios com leis, regulamentos ou guias que abordam a categoria de reúso. Irrestrito Reúso de água em aplicações não potáveis 32 onde o acesso do público à água é irrestrito. Restrito Reúso de água em aplicações não potáveis 40 onde o acesso do público à água é restrito. Plantio de Reúso de água para irrigar Alimentos o plantio de alimentos para 27 consumo humano. Plantio de Reúso de água para irrigar alimentos alimentos que serão que serão processados antes do 43 processados consumo humano ou e plantio de plantio de outras culturas. outras culturas Irrestrito Reúso da água em represas, onde há contato humano com a água para atividades de recreação Res (nesta categoria pode-se 13 incluir a água usada para fazer neve em parques onde há a prática de esqui). Restrito Reúso da água em represas, onde não há contato humano com a água (locais para pesca 17 navegação podem ser incluídos nesta categoria). continua R e ú s o u rb a n o U s o n a a g ri c u lt u ra R e p re s a m e n to 38 R e c a rg a d e a q u íf e ro s continuação Categoria de reúso Descrição Número de estados ou territórios com leis, regulamentos ou guias que abordam a categoria de reúso. Reúso de água para aumentar, sustentar ou manter a vazão de corpos d’água, incluindo rios 17 e córregos e preservar os habitats marinhos, mangues e mananciais. Reúso de água para aplicações industriais e facilidades, produção 31 de energia e extração de combustíveis fósseis. Reúso não potável de água para recarga de aqüíferos que não 16 são usados como fonte de água potável. Indireto Água é despejada em fontes de água potável (superficial ou subterrânea) e participa do ciclo hidrológico antes de 9 ser tratada e considerada própria para consumo humano. Direto Água é despejada diretamente em uma planta de tratamento 0 de água para tratamento avançado. Adaptado de EPA, 2012. R e ú s o p o tá v e l R e ú s o a m b ie n ta l R e ú s o I n d u s tr ia l 39 2.7. PADRÕES DE QUALIDADE DA ÁGUA A classificação da água em determinados padrões só é possível após o conhecimento dos valores encontrados na medição de cada parâmetro característico da água. Os parâmetros de qualidade são grandezas que indicam as características da água, ou dos esgotos, ou dos corpos d’água. Podem ser parâmetros físicos, químicos ou biológicos. Alguns parâmetros físicos são: cor, turbidez, sabor, odor e temperatura. Alguns parâmetros químicos são: pH, alcalinidade, dureza, acidez, ferro, cloretos, oxigênio dissolvido, micropoluentes inorgânicos, matéria orgânica, entre outros. Alguns parâmetros biológicos são: organismos indicadores (coliformes fecais), algas, entre outros. O padrão de qualidade constitui um valor do parâmetro que não deverá ser excedido em um determinado intervalo de tempo. Para atestar este padrão, as companhias de abastecimento realizam análises na água tratada com freqüência estabelecida pela Portaria 2914 do Ministério da Saúde, que estabelece o padrão de potabilidade da água. A tabela 5 indica os valores de alguns parâmetros físicos, químicos e biológicos para o padrão de qualidade da água potável, de acordo com a Portaria 2914/MS. Tabela 5 – Alguns padrões de qualidade para a água potável no Brasil. Parâmetro Unidade Valores Máximos Permitidos Cor aparente uH 15 Turbidez uT 5 Sabor e odor Intensidade 6 pH 6,0<pH<9,5(1) Dureza total mg/L 500 Ferro mg/L 0,3 Cloreto mg/L 250 Escherichia coli Ausência em 100mL(2) Coliformes totais Ausência em 100 mL(2) Adaptado de Brasil, 2011. 40 Notas: (1) No sistema de distribuição (2) Em95% das amostras analisadas no mês, para sistemas de distribuição que abastecem mais de 20.000 habitantes. 2.8. ALTERNATIVAS PARA TERCEIRIZAÇÃO 2.8.1. Sistema Build Operate and Transfer (BOT) Tendo em vista fatores como a disponibilidade de água de qualidade e os custos com captação e tratamento de água industrial em regiões muito urbanizadas, empresas privadas têm oferecido serviços de instalação e operação de estações de tratamento em plantas industriais de acordo com um sistema denominado BOT (build, operate and transfer). Neste tipo de contrato, a empresa interessada no tratamento de água para uso industrial, no tratamento de seus efluentes ou ambos, contrata os serviços de uma terceirizada, que projeta uma estação de tratamento adequada às necessidades do cliente e a opera por tempo determinado, após o qual, a estação fica sob a responsabilidade do cliente. Os contratos variam de 5 a 20 anos e durante o período de vigência, o cliente paga apenas pelo fornecimento da água tratada, assim como pagaria para uma companhia de abastecimento. Muitas indústrias de grande porte já aderiram a este tipo de parceria, quer seja por motivos econômicos, consciência ambiental ou mesmo pelo risco de falta de água para a região em que se localiza. Alguns exemplos de empresas que adotaram o sistema BOT são: - Braskem de São Paulo, unidade de especialidades de PVC. As operações nas estações de reúso tiveram início em 2007 e passaram a fornecer entre 3000 e 3500 m3 de água tratada por mês, reduzindo o consumo de água da empresa concessionária em 85%. O projeto contou ainda com modernas tecnologias de tratamento para reduzir pela metade o volume do efluente gerado na unidade, o 41 que resultou na economia anual de R$ 300.000,00 com tratamento de esgoto pela companhia de coleta e tratamento responsável pela região. (BRASKEM). - Vicunha Nordeste, indústria têxtil localizada em Maracanaú, Ceará. Contrato para fornecimento de água tratada por 5 estações de tratamento, que produziam, em 2000, 150 mil m3/mês e mais uma estação para tratamento de efluente com reúso, produzindo mais 50 mil m3/mês, cerca de 70% de recuperação dos rejeitos. - Bayer de Belfort Roxo, Rio de Janeiro. A água passou a ser captada do poluído rio Sarapuí e tratada nas ETEs para posterior uso industrial. O projeto reduziu em 80% a compra de água da companhia de saneamento da região, o que significou maior disponibilidade para a distribuição de água potável para a comunidade local. Houve ainda, redução de 30% no valor da conta de água da empresa. (FURTADO). 2.8.2. Sistema Build, Operate and Maintain (BOM) Outra modalidade de contrato foi gerada a partir da experiência com o sistema BOT, o sistema BOM (build, operate and maintain). Neste último, após a vigência do contrato, a empresa cliente adquire os ativos da estação de tratamento, porém delega a responsabilidade por sua operação para a empresa contratada. A adoção do novo sistema de negócio surgiu após a prorrogação de inúmeros contratos do tipo BOT. Os clientes passaram a se concentrar na produção e deixaram as utilidades nas mãos dos especialistas, que afirmam que o custo de água é reduzido, no mínimo, pela metade. Além de oferecer o fornecimento de água tratada, existem outras modalidades de terceirização no tratamento de águas e efluentes, como é o caso do aluguel de unidades móveis de osmose reversa e de um sistema móvel avançado de clarificação. 42 3. DESENVOLVIMENTO 3.1. SISTEMAS DE REÚSO DE ÁGUA: ESTUDO DE CASOS DA LITERATURA A presente seção apresenta três casos da literatura que relatam experiências realizadas na indústria química brasileira, mostrando alternativas técnicas que atestam a viabilidade técnica, financeira e operacional desta prática. 3.1.1. Estação de Tratamento de Efluentes da SABESP A Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Dr. João Pedro de Jesus Netto, da SABESP, foi inaugurada em 1934 como estação experimental, fica localizada no bairro do Ipiranga, São Paulo, junto à margem do rio Tamanduateí. É possível encontrar na área dessa ETE vários processos operando em paralelo e em série, utilizando soluções e materiais muitas vezes inovadores. A Estação de Tratamento de Água (ETA) de reúso fica localizada na mesma área que abriga a ETE Jesus Netto. Constitui-se de um tanque de desinfecção e reservatório de água de reúso que estão junto aos filtros biológicos, e já se encontram em operação quatro filtros para o polimentos desde efluente. Esta ETA de reúso fornece à Coats Corrente uma vazão média mensal de água de reúso da ordem de 54.500m3/mês entre 2006 e 2009, através de tubulação de recalque. (NUVOLARI, 2010). A ETE trata esgotos sanitários por meio de dois sistemas de tratamento que operam em paralelo, o primeiro por lodos ativados e o segundo por reator anaeróbio de fluxo ascendente (RAFA), seguido de filtro biológico, conforme figura 4. 43 Figura 4 - Fluxograma do sistema de tratamento na ETE Jesus Netto Fonte: MANCUSO; SANTOS, 2003. O presente estudo refere-se ao fornecimento de água proveniente da ETE Jesus Netto para a indústria Coats Corrente, que está inserida no programa de Reúso de Água da SABESP. Após a adesão ao programa de reúso da SABESP, a indústria passou a consumir água proveniente do tratamento de esgotos na ETE Jesus Netto para: beneficiamento de fios; mercerização; alvejamento; tingimento; lavagem de fios. O programa de reúso da SABESP foi uma iniciativa pioneira e teve início em Agosto de 1998 de acordo com os seguintes critérios de fornecimento: Volume mensal de água tratada: 20.000 m3 Vigência do contrato: 3 anos, renováveis a seu término Preço inicial: R$ 0,46/m3 Critério de reajuste: proporcional à tarifa da SABESP 44 A água fornecida para a empresa Coats Corrente pela SABESP passa por tratamento preliminar para retirada de grande parte dos sólidos não dissolvidos. O efluente passa por grades de 1cm e são removidos 200m3/mês de sólidos grosseiros. Logo após, o material sedimentado é separado do efluente após a passagem do mesmo por duas caixas de areia. Tratamento primário: Decantador: O efluente fica 2,5 horas sob repouso para que ocorra a separação por gravidade dos sólidos presentes. O lodo de fundo é retirado por meio de descarga hidráulica e encaminhado ao adensador. Nesta etapa é removido cerca de 50% dos sólidos em suspensão e 30 a 35% de DBO5,20. Tratamento secundário: É dividido em dois processos diferentes que operam em paralelo: Processo 1 – Lodos ativados Tratamento biológico onde a carga orgânica é metabolizada por microrganismos aeróbios. A estação conta com três unidades de 209 m3 que podem operar em série ou em paralelo. A aeração é feita por meio de ar difuso. Neste tipo de tratamento, 96% da DBO afluente é removida. Processo 2 – Reator anaeróbio de fluxo ascendente (RAFA), aeração e filtro biológico, com desnitrificação Tratamento biológico com microrganismos anaeróbios em reator RAFA, seguido de desnitrificação em tanque anóxico com aerador e filtro biológico de alta taxa. A taxa de recirculação no tanque anóxico é de 50%. Tratamento físico e químico: O efluente do tratamento secundário é tratado com polímeros e cloro e segue para os tanques de desinfecção e sedimentação, de onde é direcionado para o uso industrial da Coats Corrente. Tratamento dos sólidos: Todo o lodo gerado nos tratamentos anteriores são adensados e tratados no digestor. Aspectos técnicos: A viabilidade técnicafoi conseguida graças ao rearranjo das unidades existentes na estação de tratamento. A qualidade da água tratada adequada ao uso industrial pela Coats Corrente foi definida pelos seguintes parâmetros: alcalinidade total, alumínio, cloretos, condutividade, turbidez, cor, detergentes (MBAS), dureza total, ferro total, fósforo 45 total, manganês, nitratos, nitrogênio amoniacal, nitrogênio total Kjeldhal, sílica, sulfatos, sulfetos, temperatura, zinco, NMP coliformes fecais e totais, demanda química de oxigênio (DQO), pH, sólidos dissolvidos totais, sólidos suspensos totais, entre outros. Destes parâmetros, três não atenderam aos padrões exigidos para o uso: detergentes (MBAS), nitrogênio amoniacal, sólidos dissolvidos totais e sólidos suspensos totais. Como alternativas para correção destes parâmetros sugeriu-se a instalação de filtros ao final do processo, maior tempo de recirculação do efluente do filtro biológico e automação de algumas fases do processo. O fornecimento de água para a Coats Corrente foi ampliado de forma a atender outras linhas de produção, como a de fio branco, por exemplo e outras atividades industriais. Por fim, constatou-se a viabilidade técnica do empreendimento através do compromisso do fornecimento contínuo de água tratada para a indústria Coats Corrente e para outros clientes externos. Por seu caráter pioneiro, foi necessário para este projeto, investimento da SABESP e da Coats Corrente para adequar as instalações a fim de fornecer a água nas condições estabelecidas, porém estes custos não necessariamente se repetirão em instalações futuras. O custo do fornecimento de água tratada foi calculado levando-se em consideração os custos médios entre o mês de Janeiro e o mês de Novembro de 2000. Durante este ano, o custo do m3 de água de reúso na ETE Jesus Netto foi de US$ 1,47 e o mesmo foi vendido por US$ 0,52. Atualmente, a Coats Corrente mantém contrato em vigência para o fornecimento de água de reúso da ETE Jesus Netto a um custo de R$ 1,22/m3 de água industrial fornecida. O sistema de tratamento constitui-se de dois tratamentos biológicos operando em paralelo: lodos ativados com tempo de residência entre 10 e 11 horas e RAFA com tempo de residência entre 12 e 15 horas. Algumas alterações foram feitas nos sistemas de tratamento ao longo do tempo e de acordo com a exigência de qualidade para a água fornecida para as linhas de produção da Coats Corrente. Foi adotado o sistema Moving Bed Biofilm Reactor (MBBR) para otimizar o tratamento biológico, assim como filtros de cartucho 10 micras para reter impurezas de menor tamanho, a etapa de filtração ganhou novo agente filtrante, antracite e algumas etapas do processo foram 46 automatizadas. (Informações cedidas pelo Eng. Héctor Munoz da SABESP, via e- mail). 3.1.2. Indústria de aromas e essências por Max Joel Mucha Franco. A implementação de práticas de reúso de água na indústria alimentícia, como é o caso da indústria de aromas e essências, é um grande desafio em termos de conhecimento, experiência e documentação. Há diversos aspectos relacionados à segurança microbiológica da água de reúso na indústria alimentícia. A qualidade microbiológica da água utilizada neste tipo de indústria deve ser monitorada o tempo todo, sendo imprescindível o uso de uma análise de perigos e pontos críticos de controle (APPCC), uma ferramenta de gerenciamento de segurança sistemática. O alvo do estudo foi a indústria de aromas e essências Givaudan, sediada em São Paulo. Pode ser caracterizada como indústria alimentícia devido ao fato dos aromas produzidos serem aditivos alimentares, substâncias responsáveis por conferir ou intensificar o aroma e/ou sabor dos alimentos. Em indústrias alimentícias, a qualidade está relacionada à produtividade e segurança do consumidor. Para tanto, além dos programas de qualidade voluntários, os sistemas de Boas Práticas de Fabricação (BPF) e APPCC também são exigidos pela legislação (WURLITZER, 2006). O objetivo do sistema BPF é definir requisitos essenciais de higiene e de boas práticas de elaboração para alimentos industrializados para o consumo humano. O sistema APPCC é um método embasado na aplicação de princípios técnicos e científicos de prevenção, que tem por finalidade garantir a inocuidade dos processos de produção, manipulação, transporte e distribuição dos alimentos (ATHAYDE, 1999). A Givaudan utilizava, em 2006, água para seu abastecimento (doméstico e industrial) das companhias SABESP e Hidrogesp, prestadora de serviço que capta água subterrânea. Os maiores consumos de água na empresa estão na área da produção de aromas e fragrâncias, referem-se às operações de lavagem de equipamentos e 47 utensílios nas áreas de secagem de emulsões e tanques móveis. Além disso, há o consumo de água na torre de lavagem de gases, descargas de vasos sanitários e irrigação de áreas verdes. Os aromatizantes em pó são produzidos através da secagem das suspensões, previamente produzidas em tanques de mistura de matérias-primas, contendo os princípios aromáticos, água e suporte. A suspensão é forçada na forma de gotículas em uma câmara de secagem contra uma corrente de ar quente; a água evapora instantaneamente e um pó fino é coletado em um ciclone anexo num processo chamado Spray Dryer. Quando o tanque de alimentação do sistema de secagem é esgotado é iniciada a operação de limpeza e sanitização de maneira automatizada, por um sistema Clean in Place (CIP), por meio de soluções detergentes, sanitizantes e água filtrada. Este processo era realizado duas vezes ao dia e a demanda diária de água para o processo foi cerca de 76 m3. Foi contabilizada a quantidade de água utilizada em outras atividades da empresa, como a lavagem manual dos tanques móveis, descarga de vasos sanitários e irrigação de áreas verdes. Porém, a maior quantidade de água foi utilizada no sistema CIP. A proposta feita por FRANCO foi reaproveitar a água utilizada no sistema de lavagem CIP, após tratamento adequado, na área de secagem de emulsões no processo Spray Dryer. Após o estudo, alguns tipos de tratamento foram descartados como o tratamento com hipoclorito ou o tratamento biológico devido à possibilidade de produzir substâncias cancerígenas e devido à presença de microrganismos no efluente final do tratamento, respectivamente. Como os efluentes da operação de lavagem do secador Spray Dryer contem uma alta concentração de sólidos dissolvidos, o tratamento específico recomendado para este tipo de efluente é através da osmose reversa após os tratamentos físico-químicos convencionais: floculação, decantação, filtração em areia e desinfecção. A osmose reversa é um fenômeno natural que ocorre quando duas soluções de diferentes concentrações são separadas por uma membrana semipermeável. Neste caso, a membrana apresentava poros com diâmetro menor do que 0,001µm, o que impede, inclusive, a passagem de bactérias e vírus. A água flui através da 48 membrana no sentido da solução menos concentrada para a solução mais concentrada, até atingir o equilíbrio osmótico, ou seja, as duas soluções chegarem a mesma concentração. O efluente tratado por meio desta técnica apresenta taxa de remoção de sólidos dissolvidos de 95% e a taxa de recuperação de água é de 75%. A implantação do reúso de água apoiada pela ferramenta APPCC na área de lavagem do CIP, após o sistema de tratamento por osmose reversa, teria uma redução potencial no consumo total de água de aproximadamente 42,6%. A tabela 7 apresenta o consumo de água após o tratamento por osmose reversa. Tabela
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