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30 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. REPENSANDO AS PRÁTICAS DA PSICOLOGIA JURÍDICA NA PÓS MODERNIDADE Giovanna Marafon/UNIPÊ Dávila Teresa de Galiza F. Pinheiro/UNIPÊ RESUMO Este trabalho aborda o movimento de construção histórica da Psicologia Jurídica, apresentando as forças que interagiram nesse contexto, bem como os conceitos utilizados para se referir a tal área, seus espaços e possibilidades de atuação. Situa as articulações entre Psicologia e Direito, as demandas que motivaram essa aproximação e as práticas que se estabeleceram nesse campo. Retoma a perícia como principal atividade realizada em Psicologia Jurídica, porém não a única, afirmando a necessidade de se implementarem novas práticas psicológicas comprometidas com o bem-estar e as potencialidades do ser humano nas questões que se relacionam com o Direito. Nesse atravessamento, descortinam-se novos fazeres e a interferência de outros saberes, compondo um campo de trabalho transdisciplinar. Palavras-chave: Direito, perícia, transdisciplinaridade. RETHINKING THE PRACTICES OF JURIDICAL PSYCHOLOGY IN POST MODERNITY ABSTRACT This work is about the movement of the historic construction of Juridical Psychology, presenting the forces that have interacted in that context, as well as the terms used to refer to that are as, its spaces and possibilities for action. It establishes an articulation between Psychology and Law, the needs that motivated this approach and the practices that were established in that field. It incorporates the forensic evaluations as the main activity carried out in Legal Psychology, stating the need to implement new psychological practices committed to the welfare and potential of the human being in matters concerned to the Law. In that intersection, new actions and interference from other knowledge are shown, composing a field of transdisciplinary work. Key-words: Law, forensic evaluation, transdisciplinarity. 31Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. Introdução A escrita deste texto está comprometida com o movimento histórico de constituição e afirmação da Psicologia Jurídica, considerada uma disciplina emergente e entendida como um ramo da Psicologia que se caracteriza por sua interface com o Direito. Para isso, algumas passagens pelas engrenagens históricas que instituíram a Psicologia como ciência serão necessárias para, enfim, percorrer a trilha da Psicologia Jurídica, bem como seus desvios, junto ao Direito até os dias atuais. A Psicologia e um pouco de História A Psicologia é considerada uma ciência recente quando comparada às demais. Além da forte influência da Filosofia e da Religião, posteriormente, também a Biologia contribuiu de maneira peculiar nesse contexto em que o mundo aspirava compreender o comportamento humano. Foi em 1879, com a criação do primeiro laboratório de Psicologia Experimental por Wundt, na Universidade de Leipzig, que teve início, oficialmente, a história da Psicologia enquanto ciência moderna. Os estudos nesse campo orientavam-se na investigação experimental dos processos psicológicos relacionados à análise do comportamento, ao desenvolvimento psicológico, à aprendizagem, percepção, memória, motivação, emoção, inteligência etc. Aqueles estudos eram realizados por intermédio de instrumentos laboratoriais de exame que, rapidamente, foram substituídos por simples testes. Conforme assevera Jacó-Vilela (2002, p. 16): Os testes indicam o prescindir dos instrumentos de que se achavam dotados os laboratórios (mecânicos, elétricos), transformando-se em ‘testes de lápis e papel’, cuja facilidade de aplicação – tanto em termos de local quanto em relação à quantidade possível de pessoas testadas ao mesmo tempo – faz com que se tornem a técnica privilegiada de produção dos saberes e práticas psicológicas. A partir de então, houve uma verdadeira aproximação da Psicologia ao Direito. Tal aproximação, na verdade, traduzia o interesse do Direito em descobrir como apreciar a qualidade dos testemunhos de indivíduos envolvidos em processos judiciais e essa foi uma questão direcionada à Psicologia, a qual procurou respondê-la através da aplicação de testes psicológicos. Que demandas aproximaram Psicologia e Direito? Diante desse panorama, no final do século XIX, desponta a primeira grande articulação da Psicologia com o Direito: a Psicologia do Testemunho. Esta tinha a finalidade de avaliar, por intermédio do estudo experimental dos processos psicológicos, a veracidade dos testemunhos, as falsas confissões, as simulações ou mesmo prever certos tipos de 32 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. comportamentos para que assim fosse possível uma eficaz atuação e aplicação da norma jurídica. Na clássica obra Manual de Psicologia Jurídica, de 1945, que marca a formulação da Psicologia Jurídica como disciplina e área de estudo, Emílio Mira Y López afirma que o testemunho dado por uma pessoa sobre um fato está sujeito a cinco fatores essenciais, quais sejam: o modo como aquela pessoa percebe determinado acontecimento, o modo como sua mente foi capaz de conservar o fato, a maneira de evocá-lo, o modo como quer expressá- lo, e, por fim, o modo como pode expressá-lo. Todos esses fatores foram estudados por influentes mecanismos advindos da Psicologia Experimental que, no começo, era aplicada de modo quase que exclusivo aos interrogatórios judiciais que abordassem casos delituosos, pois nesse período o estudo sobre a personalidade do indivíduo que praticava uma conduta delituosa, o delinqüente, estava em evidência. Mira Y López denominou esse estudo de Psicologia Anormal (termo esse não mais em uso), o qual era considerado um ramo da Psiquiatria. A Psicologia Anormal regeu a vida do Direito durante muito tempo e até hoje é possível encontrar resquícios dessa teoria, a qual entendia que havia uma patologia individual ou anormalidade em todo aquele que rompia com as regras sociais cometendo delitos. Tal teoria trouxe sérias conseqüências, uma vez que culpabilizava individualmente certa pessoa pela prática de um delito, acreditando que esta o praticava pelo fato de possuir uma anomalia intrínseca. Descartavam-se, assim, quaisquer conexões e fatores externos que compusessem um contexto mais amplo, relevante para o entendimento da criminalidade e da relação das pessoas com o crime. Naquele período, o ideário positivista, inspirado nas Ciências Naturais, influenciou sobremaneira as Ciências Humanas e Sociais ao estabelecer a necessidade de aperfeiçoar os instrumentos de exame, como as perícias, as quais expandiram sua atuação aos mais diversos setores da Psicologia e também do Direito. Como bem pontuou Brito (2001, p. 120): A perícia psiquiátrica, inicialmente restrita à investigação da responsabilidade penal do adulto, estende-se, a partir do final do século XIX, a outras áreas do Direito, visando os dispositivos de correção a serem aplicados e a aferição de “verdades” que deveriam auxiliar os trâmites jurídicos, percurso recomendado aos primeiros psicólogos que se aproximaram do campo do Direito. É possível depreender de tudo isso que havia o anseio por técnicas cada vez mais apuradas que possibilitassem a obtenção de dados exatos, a fim de auxiliar os operadores do Direito, tendo em vista a fé depositada nos diagnósticos advindos da avaliação psicológica. Portanto, observa-se que, no princípio, a Psicologia era uma ciência totalmente identificada com a prática de psicodiagnósticos. Nessa primeira fase, a maioria dos psicólogos desempenhava suas funções como auxiliares dos psiquiatras, o que acontecia da seguinte forma: médicos psiquiatras eram os responsáveis pelas perícias e os psicólogos eram seus auxiliares, realizando apenas a testagem (aplicação de testes psicológicos). 33Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. Psicologia Jurídica: de que se fala? Como ainda não havia o cargo de psicólogo jurídico junto ao Poder Judiciário, durante muito tempo, a práticada Psicologia restringiu-se à realização de perícias feitas por psicólogos autônomos, os quais atendiam incontáveis solicitações de pedidos de avaliação acerca de disputa de guarda de crianças, análise da cessação da periculosidade, interdições etc. No exercício de tais práticas, o termo mais usual para se definir essa área foi Psicologia aplicada ao Direito. Percebe-se aí uma relação de subordinação, na medida em que a Psicologia Jurídica apresentava-se como disciplina a serviço do Direito, uma disciplina meramente auxiliar. Não se quer dizer com isso, que a Psicologia Jurídica não possa responder às demandas do jurídico, muito pelo contrário, o que se objetiva esclarecer é que ela não se deve paralisar na relação com o saber jurídico, mas transcender as solicitações da seara jurídica, através de um constante diálogo que é ao mesmo tempo psicojurídico. Nesse sentido, assevera Trindade (2004, p. 27): A Psicologia Jurídica, na sua totalidade, não é apenas um instrumento à serviço do jurídico. Ela analisa as relações sociais, muitas das quais não chegam a serem selecionadas pelo legislador. Em outras palavras, não se jurisdicizam, isto é permanecem destituídas de incidência normativa e constituem a grande maioria de nossos comportamentos sociais. Assim, com o passar do tempo, a Psicologia Jurídica tem procurado se afastar das funções exclusivamente psicotécnicas, orientando-se cada vez mais para o bem-estar do homem e suas potencialidades, trazendo uma preocupação ética com o seu fazer. E, com o Direito, busca-se uma relação baseada na complementaridade e não na subordinação, criando, desse modo, um terreno propício para o diálogo transdisciplinar, não-subordinante. Logo, a Psicologia Jurídica vai muito além do estudo do comportamento humano no âmbito da Justiça, pois esse se configura em uma das manifestações da subjetividade, a qual conforme ensinamentos de Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 23) refere-se ao “mundo de idéias, significados e emoções construído internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição biológica; é, também, fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais”. De acordo com o pensamento de Michel Foucault, em sua obra intitulada A verdade e as formas jurídicas (1974), França (2004, p. 76) traz o seguinte entendimento: Tanto as práticas jurídicas quanto as judiciárias são as mais importantes na determinação de subjetividades, pois por meio delas é possível estabelecer formas de relações entre os indivíduos. Tais práticas, submissas ao Estado, passam a interferir e a determinar as relações humanas e, conseqüentemente, determinam a subjetividade dos indivíduos. Por esse prisma, entende-se que a Psicologia Jurídica interfere nas relações entre os indivíduos como algo oriundo das próprias práticas jurídicas, as quais também são capazes de determinar a subjetividade dos sujeitos envolvidos. Por conseguinte, a Psicologia Jurídica vai se preocupar igualmente em enfocar “as determinações das práticas jurídicas sobre a 34 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. subjetividade, não mais enfocaria apenas o comportamento do indivíduo para explicá-lo de acordo com a necessidade jurídica” (FRANÇA, 2004, p. 77). Essa idéia ultrapassa a perspectiva que o Direito possui em relação à Psicologia Jurídica. Longe de apresentar um conceito formado e acabado acerca da Psicologia Jurídica, tarefa praticamente impossível, preferiu-se trazer à tona as forças que disputaram terreno na construção desse novo campo. Interessante se faz expor a constatação de Thomas Herbert (1972) citado por Arantes (2005, p. 18-19) acerca da própria Psicologia, que nos permite lançar questões também à Psicologia Jurídica: (...) colocar a uma ciência as questões ‘quem és tu?’, ‘por que estás aqui?’ e ‘quais suas intenções?’ pode parecer impertinência à qual ela tenderia a responder que ‘está aqui porque existe’ e quanto às suas intenções ‘ela não as tem’ mas apenas problemas a resolver’. No entanto, considera importante a distinção feita por Louis Althusser entre ciência desenvolvida e ciência em constituição. Na ciência desenvolvida o objeto e o método são homogêneos e se engendram reciprocamente, o que não acontece com as ciências em desenvolvimento, como a Psicologia. Isso mostra o quão difícil se faz tecer qualquer tipo de conceituação acabada em torno da Psicologia Jurídica, vez que surge de encontros históricos entre Psicologia e Direito. Nesse percurso não-linear, cabe interrogar os saberes e fazeres da Psicologia Jurídica, desnaturalizando verdades e abrindo passagem para novos fluxos e novas práticas. Psicologia Jurídica ou Psicologia Forense? É importante ressaltar, sucintamente, a discussão existente entre Psicologia Jurídica e Psicologia Judicial, Forense ou Legal. Embora alguns autores confundam referidas terminologias, essas são duas modalidades de atuação com diferenças marcantes. A Psicologia Judicial, Forense ou Legal que inicialmente se ligava à Psicologia Criminal e à Psicologia do Testemunho é aquela que aparece no intuito de facilitar a inserção ou aplicação dos processos psicológicos à prática de trabalho do jurista. O termo forense, conforme o Pequeno Dicionário Jurídico, quer dizer: “pertencente ao foro judicial ou que nele é usado; relativo a juízes e tribunais”, logo mostra-se como uma terminologia que restringe o campo de atuação da disciplina, uma vez que o profissional ligado a essa área atuaria exclusivamente na conjuntura do fórum, tendo, portanto, sua atividade limitada ao referido contexto. De outra banda, encontra-se a Psicologia Jurídica que trata da fundamentação psicológica e social do Direito e da Justiça. A palavra jurídica é bem mais abrangente, pois envolve além de procedimentos inerentes aos Tribunais, aqueles que são de interesse do jurídico, sem, contudo, serem frutos da atividade do jurista. Deste modo, a psicologia jurídica interessa-se por temas e atuações não apenas circunscritas aos Tribunais de Justiça, mas, também àquelas que envolvem as instituições jurídicas – Conselhos Tutelares, prisões, abrigos, unidades de internação, organizações não- governamentais, instituições de cumprimento de medidas socioeducativas para adolescentes 35Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. que cometeram atos infracionais, entre outras. E assim os temas que interessam à Psicologia Jurídica não se restringem ao âmbito forense. A perícia psicológica: novamente ou, ainda, uma prática a ser transposta? A prática da perícia, conforme mencionado anteriormente ganhou espaço em virtude da influência do ideário positivista predominante no século XIX, em que se almejava obter dados cada vez mais exatos no intuito de dar maior sustentabilidade e exatidão às decisões jurídicas. Desse modo, “a perícia estabeleceu o campo de atuação da Psicologia Jurídica na busca da verdade através da prova pericial” (SILVA, 2003, p. 7). Nesse período, o exame pericial era realizado visando principalmente averiguar as condições dos indivíduos acerca de sua sanidade mental, capacidade de discernimento e periculosidade. Conforme estudos de Rauter (1994), Altoé(2001) lembra-nos que os exames periciais quando feitos nas penitenciárias e hospitais psiquiátricos penais eram usados para instruir processos de livramento condicional, comutação de penas, indulto e, freqüentemente, para avaliar se um detento poderia sair da cadeia ou não, se ele poderia retornar ao chamado convívio social, se ele merecia uma progressão de regime etc. Destarte, o que se constata é que a grande maioria do conteúdo destes laudos advindos de exames criminológicos trazia uma densa carga de preconceito, além de estigmatizar a pessoa que ia para a prisão. Ademais, muitas vezes tais laudos nada tinham de teor científico, pois repetiam a mesma visão preconceituosa advinda da própria sociedade. Com o passar do tempo, a prática da perícia expandiu-se em múltiploscontornos. Ela não mais se fixava somente na elaboração de psicodiagnósticos de natureza criminal, tornava-se, sim, uma prática freqüente em diversos setores da Psicologia, tais como: escolar, clínico, industrial e, notadamente, jurídico. Na esfera jurídica, ainda são freqüentes as solicitações de psicodiagnósticos em torno de pedidos de interdição, incapacidade para os atos da vida civil, guarda de filhos, indenização, cessação de periculosidade, dentre outros. A perícia visa a assessorar os órgãos judiciários, dando subsídios através de conhecimentos técnico-científicos especializados, no intuito de levar, para os autos de um processo, informações, as quais muitas vezes escapam ao saber jurídico, servindo, dessa forma, para orientar a tomada de decisão por parte da autoridade judicante. Esta não está, entretanto, obrigada a seguir o laudo pericial, uma vez que o magistrado norteia-se pelo Princípio do Livre Convencimento Motivado, podendo, por conseguinte, criticar, acolher ou rejeitar o laudo, de acordo com seu convencimento. Válido ressaltar que o laudo consiste no resultado de uma perícia, em outras palavras, é a forma de materialização da perícia no processo, cujo objetivo é apresentar resultados conclusivos (diagnósticos) acerca da matéria posta em análise, servindo, de prova ou mesmo de consulta elucidativa sobre determinado ponto. De acordo com Cruz (2002, p. 272): No exercício da peritagem e na elaboração do laudo, cabe ao psicólogo organizar as informações decorrentes da avaliação psicológica realizada em linguagem cientificamente aceitável, pautando-se pela objetividade nas afirmações, argumentos e descrições dos dados coletados. Enquanto resposta a um quesito legal é da natureza do laudo subsidiar e contribuir à tomada de decisão judicial. 36 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. Todo esse cuidado na realização da perícia e na elaboração do laudo se faz necessário, tendo em vista a possibilidade de invalidação dos mesmos, em caso de comprometimento da qualidade e do teor dos instrumentos utilizados. Igualmente, é de fundamental importância uma leitura interdisciplinar, capaz de unir os conhecimentos produzidos pela ciência psicológica e jurídica, justamente visando à compreensão do diagnóstico produzido. Do ponto de vista legal (Código de Processo Civil), a perícia, notadamente a psicológica, constitui o único recurso previsto, passível de utilização pela Psicologia Jurídica, como forma de auxiliar a Justiça (CEZAR-FERREIRA, 2004, p. 118). Isso se explica em função de o Código de Processo Civil Brasileiro (2002) apresentar no seu Livro I: Capítulo V do Título IV, intitulado: Dos Auxiliares da Justiça, através dos arts. 139 e 145 a 147, o perito como auxiliar da Justiça, trazendo ainda os critérios referentes à habilitação e nomeação do mesmo; como também o Capítulo VI, do Título VIII, intitulado como Das Provas, indicar nos arts. 420 a 439, todo o procedimento para a realização da prova pericial. Cabe lembrar também que, com a revisão de 1984 e a entrada em vigor da Lei de Execuções Penais (LEP), os presos e internados para o cumprimento de suas sanções passaram a ter direito à assistência material e à saúde, bem como assistência jurídica, educacional e religiosa. Conforme aponta Kolker (2005), curiosamente, não há menção à assistência psicológica. Fala-se somente em classificação dos apenados, por meio da avaliação a ser feita por uma Comissão Técnica de Classificação (CTC), presidida pelo Diretor do estabelecimento prisional e composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social. Além de avaliar para orientar a individualização da execução penal, até 2003, coube à CTC também realizar exame criminológico com presos com direito a livramento condicional ou progressão de regime. Desde 2003, esta deixou de ser uma obrigação, permitindo tais profissionais desenvolverem trabalhos terapêuticos e de ressocialização com os apenados. A criação do cargo de psicólogo jurídico se deu somente a partir de 1990, quando os mesmos passaram a atuar como funcionários concursados, nas diversas Varas: Infância e Juventude, Família e Execução Penal, desempenhando atividades distintas daquelas exercidas pelos peritos autônomos. Assim, a atuação nessa nova área de saber pode se fazer por outros caminhos e possibilidades, que não somente a realização de perícias. Como bem demarcou França (2004, p. 75), a realização da perícia é uma das possibilidades de atuação da Psicologia Jurídica, mas não a única. Tudo isso encontra respaldo ao se reconhecer na perícia uma forma limitada e reduzida de produzir conhecimento a partir de um recorte parcial da realidade individual, a qual não vislumbra a totalidade humana, mas tão somente uma parte dela. E o que é pior, essa visão é tratada, por muitos, como a verdade absoluta sobre o indivíduo. Hoje, a própria Psicologia reconhece que teve suas práticas e seu olhar historicamente direcionados para a identificação das deficiências e patologias humanas. Exige-se, portanto, da Psicologia Jurídica uma postura mais crítica, repensando a prática da perícia, distante das antigas funções, puramente psicotécnicas e, assim, reafirmando o compromisso da Psicologia com a ética e o bem-estar do ser humano. 37Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. Apostas finais: atuações psicojurídicas e a construção transdisciplinar do conhecimento Sendo assim, também têm sido possibilidades de atuação em Psicologia Jurídica: colaborar com o planejamento e a execução de políticas preventivas de combate à violência, à criminalidade e à exploração sexual infanto-juvenil; criar condições favoráveis ao cumprimento efetivo dos direitos humanos; investigar as implicações do jurídico sobre a subjetividade individual; realizar a mediação por intermédio de intervenções que contribuam para que, eticamente, as pessoas se responsabilizem por seus conflitos e procurem resolvê- los; além de acompanhar e oferecer a devida orientação para cada caso pertencente aos diversos setores da Justiça, tais como: separações, divórcios, processos de disputa de guarda, adoção, violência de gênero, tratamento de pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes etc. Apesar da resistência para se sintonizar saberes produzidos em diferentes loci numa esfera transdisciplinar, a aposta está na força que os atravessa e faz implodir as certezas construídas, deixando aparecer novas questões e novas formas para respondê-las. Assim, um novo campo de conhecimento e de atuação psicojurídico, não somente psicológico, nem somente jurídico, desponta no cenário atual. Mostra-se com uma forma recém desenhada e temporária, passível, ainda, de ser afetada por novos encontros, com a Antropologia, a Criminologia Crítica, a Sociologia Jurídica, a Filosofia, os Direitos Humanos, a Saúde Mental, entre outros. Referências ALTOÉ, S. Atualidade da psicologia jurídica. PsiBrasil – Revista de pesquisadores da Psicologia no Brasil. Juiz de Fora, ano I, n. 2, jul-dez, 2001. ARANTES, E. Pensando a Psicologia aplicada à Justiça. In: GONÇALVES, Hebe Signorini; BRANDÃO, Eduardo Ponte (Orgs). Psicologia Jurídica no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: NAU, 2005. BOCK, A. M; FURTADO, O; TEIXEIRA, M. L. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. BRASIL, Código de processo civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L5869.htm. Acesso em 14 de março de 2008. BRITO, L. M. T. 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