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Livro Psc Jur - Temas de psicologia jurídica

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TEMAS DE
PSICOLOGIA,
JURIDICA
Organização
LEILA MARIA TORRACA DE BRITO
UNIMEP
BIBLI:JTfCA________.-.--------1
'r """),"-",~-
N.o de ::)'-I::) ", ::J
-m:~-"t'\;'----•...-~,~"'A" f\.k.,;
Chamada U 1./-1ci) 1-
ww '. -:.'-=----------------
mu .mmhn.h G:.(\,~ ._um_m _
Tombo _u....1-1'001'OQ-----u_----
RELUME ~ DUMARÁ
Rio de Janeiro
1999
INTRODUÇÃO
OS PRIMÓRDIOS DA
PSICOLOGIA JURíDICA
AnaMaria Jacó-Vilela'
_Q..:m:inçípio~~pjªç"n1sUW..12ire.it,QJJlQ.de.mo~IJ.iyersalid<ldedo
homemnel.e.E-presentadº-=-.s..1Jjci1.Q.Jj.aJ.aZ.ãQJiYre~iguª-1..aQs..Jl~mais
..s.er<:shnlll;.]nos.Esseprincípio,decertafonna,sinalizaaresultanteda-
quelesmovimentosque,dosestertoresdaIdadeMédiaaoséculoXVIII,
vãoconstituindoo ideárioliberaldasociedadeburguesa.
Explicitandomelhorestaproposição:encontr<llllOSn;.]Td;.]deMr\di::!
11111;']visi'íode m11nc!oholist~l,tot::!li7::!nte,emqlle::!reIieii'íoenquanto
.YalOL.ellC..OIDp<lSSaas demaise.sfrrasdavida. A representaçãode ho-
memnesse.ll.I1ÍY..eISCLeIa,...p.ortanto,...s:ubjugada.à.r.ecte..deJelações.so.ciais
em.que.cada.nill.est<lv<IinseridQ,..illl.s.eja,..aidel11ida.d.e..p~s.slli}1secons:-
-1ituíaapartir dosesp<lçossoci<lis- osestamentos,afamília,a comuni-
dade- Ukupa.dos_Ilo.:uadaJillLA.identidade.....neste...s.entido•..se...situaya
_e~OlLd.as...P.QS.içõ.s<s...r.elatiyas(nobre,servo,pai, filho, artesão...),
istor\,er;.]clem;.]rr.;.Jc!::!reI::!difPrença
orror.essoc!efr:Jement:Jçi'íodessemundohoJist:J,rebcion:J]- pro-
cessoespecíficodas sociedadesocidentaismodernas1 - ~.ns1i1ui
~QIlLaS.llQ"\[ílSexplic<lçõesr:JT:Jesfer:Jsdonmnclohnlll::Jno,explic<lções
que.JiUp.s<nlmo signific<ldoexclusivo<Itéentãod<ldopela..religião.As-
sim, sãomomentosimportantes,nesselongoperíododetransição,a
revoluçãocientíficadeGálileu (adescobertadasleis danaturezapela
~.~
observaçãoe experimentação,ou seja,não mais a verdaderevelada
pelasAutoridadesda Igreja),a expansãodo capitalismo- desuafade
mercantilparaa industrial(implicandonovaformadeorganizaçãodo
trabalho,agora"racional"-, arefornlaprotestante,principalmenteem
•ProfessoradoInstitutodePsicologiadaDERJ; doutoraemPsicologiapelaDSP.
II
ANA MARIA JACÓ,VILELA
suaproposiçãoda"liberdadedeconsciência"e,por fim, asrevoluções
políticasque,emboraocorrendoemperíodosdiferentes(a Inglesano
séculoXVII, a Americanae a Francesano séculoXVIII), explicitam
umanovavisãodehomem:aquelequetem,comodireitosnaturais,a
igualdadeea liberdade.
O~, portanto, surge_coffi-a--quebra.da.tradição
embasadan~religião.Nestemundonãohámaisposiçõesestáveis,fi-
xas; P, 11mm11nrlop,mmovimp,nto- seugrandesímbolosãoexatamente
"as grandesnavegações",rompendocomasamarrasque,no uníverso
feudal,cerceavamohomem.TOCQUEVILLE sintetizabrilhantemen-
te estagrandetransformação:"A aristocraciafizera detodososcida-
dãosuma longa cadeia,quesubiado camponêsao rei; a democracia
desfaza cadeiaepõecadaeloàparte"(1977:387).
É bom ressaltarque esseprocessonão ocorreudeforma linear e
simples,comoadescriçãosucintaacimapodedaraentender.As análi- -0k-
sessobreesseperíodoapontamcomplexidadese contradiçÇíesa que ~ I"
nãosefez referência,poiso objetivo,aqui,éapontarparaumávis.ão,d~
mundoregularmenteassociadaà sociedadeocicl~ntalmoderna,cujo
eixo centralé o individu·alism()~{}1.~'''sija:/iiãô~l~if~,perspe~~i~':.~?
homemdefi~dºJ~~osições queocu~, masa presenç-ª,.QQ.indiví-
~r_l!l()r.ªt Ü1dt<pe[lg'~1l!~'autô~'!..~02_~~I1~~~doJi~~~rbi!r~
~_?st~ie~t()jll!Íclico,o cidagi:lQpQrtª,c1()rda razão,cuja interaçãocom_
outros- igualmenteindivíduos- nã~ser~gulª_n!ªi~PQ~lJ.!!l~éticavin~
culadaà religiãoeporrelaçõesfamiliare§Qudegrupº.snacomunidade
._._."' n_ n_ ._~ -----..
t!élc!icional.S_e,nhoresdarazão,os indivíduo~agoraseassociam,esta-
belecemconlrato_errLSociedade--)(íZA.lJN"I
Estaconcepçãodeindivíduo,então,seapresentacomoumaredes-
cobertadanaturezahumana:
o indivíduolivre e igualé, portanto,partedanatureza.Uma natureza,
porém,desencantada,desligadade qualquercosmologiareligiosa,cujas
leis de funcionamentosão,por isso,passíveisdeseremcompreendidas
e desvendada~pelarazãohumana.(00') O indivíduo-cidadãoé sujeito
darazãoemdoissentidos- porqueestá,enquantohomemnatural,sub-
metido(sujeitoà) razão(pois é compreensívelatravésdela)e ao mes-
mo temposujeitao mundo(e a si próprio)atravésda razão.Esta, na
verdade,seráa basede suaautonomia.Livre-arbitrioe razãoseinter-
ligam de formainextricável(RUSSO, 1997:13).
12
.\
Os PRIMÓRDIOS DA PSICOLOGIA JURíDICA
olemadaRevoluçãoFrancesasintetizaa resultantedesteprocesso
emqueas"Luzes" secontrapõemàtradição.Comarazão,o liberalis-
moeoindividualismosefirmamcomopnncípiosdeorganizaçãopolí-
tica e econômica,de organizaçãodavida eu; socied.ade.Entretanto,estesprincípiossevêememcontradiçãoconyumavidasocialmarcada
por profundasdesigualdadese injustiça~A afirmaçãoda igualdade-
intrínsecaànaturezahumanaredescoberta- produzanecessidadede
sepensarasdiferençasexistentes.
O Romantismoalemãoé umadessasalternativas,ao sublinhara
singularização,uma"desigualdade"sinalizadorado queé "próprio",
peculiaracadaum.Engendra-seassimumaconcepçãodeque,mesmo
garantidaa igualdadejurídica, sepodeapontara diferença,situada,
então,em outroplano: na interioridade.SIt"fMEL (1971)denomina
uniqueness(individualismoqualitativo)essavisãoromântica,emcon-
traposiçãoàsingleness,o individualismoquantitativo,iluminista,ba-
seadono ideáriodeliberdadeeigualdade.
Seestasingularidaderomânticaseapresentaprincipalmentenasartes
(o"gênio"sendoseugrandesímbolo),rapidamenteelaseespraiapara
outrasesferas.Como,porém,retomarà diferença,semmaculara re-
descobertada naturezahumana?A Biologia fornecea resposta:não
maisa diferençacentradanosvínculoscomunitáriosereligiosospre-
sentesna tradição,masumadiferençaque,tambémela,faz parteda
natureza.São,portanto,doisos entendimentosdenatureza:comora-
zão,afirmaa igualdadedoshomensquelhespropiciaconstruiravida
em sociedade;por outrolado, apontaumadesigualdadequesesitua
aquémda sociedade,queébiológica,pertenceao "organismohuma-
no".2
Não ésomenteestaconcepçãoquedecorredaprimaziadoconheci-
mentobiológicono séculoXiX. Um dosconceitosqueentãoemergeé
o de "raça"que,emborad~notea herançade característicasfisicas
pertencentesaosdiferentesgruposhumanos,no contextodereaçãoao
ideário iluministaaproxima-semuitodo conceitode "povo";acres-
centando-seo conceitodanvinistadeseleçãonatural,forma-seumcal-
dopropícionãosóàafirmaçãodadiferença- biologicamentedetermi-
nada- comoàhierarquizaçãodasdiferentesraças,justificativaparao
domínioocidental,dohomembranco,sobreos"povosprimitivos".
SeaBiologiaprocuraexplicaraquiloqueestáaquémdasociedade,
13
ANA MARIA JACÓ.vILELA
épré-societário,épossívelentãoqueexpliquetambémos comporta-
mentoshumanos.SãodestaépocatantoafrenologiadeGalton- inter-
pretaçãodacapacidadehumana(caráter,funçõesintelectuais)através
do tamanhoe confonnaçãodo crânio-, quantoa antropologiacrimi-
nal,comCesareLombrosoargumentandoseracriminalidadeumfenô-
menohereditário,passíveldeserreconhecidopelascaracteristicasfísi-
casdoindivíduo.
A Pslq].liaJria,sabersobrealoucuraqueseinstauraapartir daprá-
tica clínica doséculoXVIII - principalmentecomPhillipe Pinel, den-
tro de um espíritoiluminista-, adere,ao longo do séculoXIX, aos
novostempos- assimcomoa frenologiafornec~jll~ti!l~~.tiYJt12~tO~
tratamentosmoraisentãoempregados,as teoriasda degenerescência
( procuramestabelecerligaçãoentrea OpClmli11di.w'du~
_ tão rac~aJA degeneraçãoé,então,a categoriamédico-moralporexce-
lência.ConfonneDELGADO:
A degeneraçãorespondeà exigênciade umaexplicaçãosobreas cau-
sasdasenfermidadesmentais,fornecendoumachaveetiológicacapaz
de englobartantoasdoençasnitidamenteorgânicascomoos distúrbios
morais.Superaa exigênciade identiticaçãoda baseorgânicada doen-
ça, alojandoas causasnuma"constituição"ora visível,orainvisível,e
queatravessagerações.EstabeleceC ... ) uma novasemiologia,dos es-
tigmas,capazdeveremtàtosmoraise marcast1sic,~sos sinaisdaano-
maliaconstitucional.C... ) E, principalmente,permiteo trânsitofácil e
eficientede valorese categoriasdo corpoe da alma,da tisiologiae do
comportamento,na clínicae nosologiada alienação(1992:80-81).
Se a degeneraçãotemsuficientevalor explicativoda causalidade
dos "distúrbiosmorais",ela pode,então,explicaros atosdesviantes
da normasocial.Na disputaentreos saberesmédicoejurídico (cujo
primeiro embaterelatadoprovavelmentefoi o casoPierre Riviere3),
assiste-sea lima ':nsiquiatdzação" dQJ;time~aYeI:dadejurídic:léohti-
~ (FOUCAULT, 1996),pelo escrutíniode
suasmotivaçõese intenções,emqueotestemunhodo atocriminosose
transformaempeçasecundáriafrenteaoconhecimentoespecializado,
que"sabemais"sobreaspotencialidadesdecadaum,O Direito Clás-
sico,quesefundamentanauniversalidadedarazão,compreendendoo
crime como decorrentedo livre-arbítrio do indivíduo - motivopelo
14
.~
Os PRIMÓRDIOS DA PSICOLOGIA JURíDICA
qual estepode(e deve)serresponsabilizadopelo seuatodelituoso-,
perdeespaçoparaoDireitoPositivo,parao questionamentodaautono-
mia do indivíduo,d~suacapacidadedeseautogovernare dedetermi-
nar suavontade.
Senosdetivemosatéaquinasinter-relaçõesentrePsiquiatriaeDi-
reito,éporqueesteéoterrenoinicial danossaproblemática:a Psiqui-
atria,enquantosaberepráticasobrealoucura,seconstituicomodisci-
plina autônoma(dentrodocampomaiordaMedicina) muitoantesda
Psicologia.Como descrevemosacima,no séculoXIX a "crisedara-
zão" - istoé,a necessidadedejustificaradesigual,dadeexistenteentre
iguais- éacompanhadapelarespostaromânticada singularidade,da
interioridade.Emergetambémo queFOUCAULT (1977) denomina
disciplina - o exame,a medída,a análise,a classificação,enfim, os
diferentesdispositivosorganizativo-adnúnistrativosqueindividualizam
os homens- "As 'luzes' quedescobriramas liberdadesinventaram
tambémasdisciplinas"(p.195).
É nestecontextoque surgemas Ciências Humanas,entreelasa
Psicologia.Suasfronteiras,aindatênues,situam-naentreaFilosofiae
a Biologia, entrea normae a função.Se a consciênciado indivíduo
autônomo,donodolivrearbítrioe,portanto,capazdeseautogovernar
deacordocomasregrasdocontratosocial,éoprincípio daunidadedo
indivíduo,nãoé,todavia,umatotalidadefechada.Nela estãopresentes
diversosprocessos- sensitiv~erceptivos, emocionaise volitivos-
quecabeàPsicologiaestudar.~Nãoécomoumasimplesentidade,mas
comoumaunidadeordenadademuitoselementos~uea mentehumanaseapresenta"(Wundt, apudRIEBER, 1980:177))
Wundté um dosnomesmaisconhecidosda Psicologia,principal-
mentepor suaresponsabilidadenacriaçãodoprimeiroLaboratóriode
PsicologiaExperimental,em1879, emLeipzig, laboratórioqueserviu
de modeloa muitosoutro~que,posteriormente,surgiramem países
europeus,nosEstadosUnidos e,mesmo,no Brasil. Entretanto,é im-
portanteressaltarque,paraele,G!sicOlOgia et;uma ciência dupla:
experimental,namedidaemqueestudaas"atividadesmentaisinferio- ~
res"; social,ao investigarosprocessosmentaiss~rior~s atravésda- ~0c...._'1' d d 1'" d 1 -::\ /o.h;ct) dana lse ospro utos llstoncos amente lUman~ stesegun oenten-
dimentoé comumenteesquecidona históriaoficial daPsicologia,re-
duzindo-seaproeminênciadeWundtàcriaçãodolaboratórioedaPsi-
15
ANA MARIA JACÓ'YILELA
cologiaExperimentalquelá iniciou seudesenvolvimento.No jogo de
verdadesda constituiçãodo saberpsicológico,estafoi a vertenteven-
cedora.
Assim, aPsicologiainicia§JlHr:ªj~ió.riacientíficaatravé~doestudo
experimentaldosprocessospsicológicos,os "elementosdamente:.4
Seu-Objetorportanto,.é.bemniferentedodaPsiquiatria=llão-aloucllra
.ellllasimhricaçiies_com.a.razão,masaanálisedaqueles.processos..co-
muns.-a1odo..seLhumano.(ouniversalismo),procurandoestabeleceL.as.
condições~.'normais'~,ideais, de seufuncionamento·eaquelasoutras
__condiçõeSquedeterminamseuaparecimentodiferenciado.Percepção,
associaçãodeidéias, memória,motivação,tempode reaçãoetc" são
rrl1!IÜplQ.~-º~PJ:9_Ç~§.sºlL@J:>.mejictºsàverjfjcaçãº.~x.R~ri;I1lental.
Coma acumulação.dessesab.er,..é.PQssíyeLsa.iLdo.e.spaçorestritodo
laboratório,Il1aptellgº:.s~.§!@u:egrª.s..d~rnuÇ.iOll(Ul1entQ.Ostestesindi-
camoprescindirdosinstrumentosdequeseachavamdotadososlabo-
ratórios(mecânicos,elétricos),transformando-seem"test~sdelápise
papel", cujafacilidadedeaplicação- tantoemtermosdelocal quanto
emrelaçãoàquantidadepossíveldepessoastestadasao mesmotempo
- faz comquesetornematécnicaprivilegiadadeproduçãodossaberes
epráticaspsicológicas.
áatraYés.de.s.s.e.instmmentQ.qlte.a.I>.siGP1Qgi.a.se.aPIQximadoDirei-
to, semdeslocaraPsiquiatria.:Nãosetrata.entãQ.aqui.daloucura,mas,
por exemplo,dafidedignidadedQJestemunho>~questãoparaaqual é
importanteo conhecimentodapercepção,da motivaçãoe emoção,do
funcionamentodamemória,domecanismodeaquisiçãodehábitos,do
--papeldarepressão.
FOUCAULT (1996),aohistoriaraverdadesegundoasformasjurí-
dicasdesuaconstituição,destacaprimeiramentea"prova"- queMIRA
y LÓPEZ descreve,emseuclássico"ManualdePsicologiaJurídica"
(1945), ao compararos antigosjulgamentospersascom os métodos
atuaisde exameatravésde diferentestestes-, seguidado "testemu-
nho" daquelequeviu e,porúltimo,o "exame",a avaliaçãopsicológica
docriminoso.A "PsicologiadoTestemunho",1Ji.storkamente3primeir3
grande.articulação.entre.Psicologia.ej)ireito,...demonstra.apsico1ogiza~
çãoqueseencontra.emcurso:..não.só.ocriminoso.deveser.examinado,
Jilaslambémaquelequevêerelataaquiloqueviu - queprocessosinter-
nosestarãopropiciandooudificultandoaveracidadedeseurelato?
16
Os PRIMÓRDIOS DA PSICOLOGIA JURíDICA
Entretanto,apsicologizaçãonãoíLsQ.doDireito,emsuavertentedo
DireitoPositivo.Comaênfasenasingularidadeenainterioridade,he-
rançado romantismo,e a existênciademúltiplos- efragmentados-
possíveissistemasdeordenaçãodomundo,o indivíduomodernobusca
cadavezmaisdentrodesi ascertezaseossignificadosparaasuavida.
Paraisto,recorreaoespecialista,aoencarregadodocuidadodasubje-
tividade.
A.questão.que..p.ermane.ce,...1les.te...momento..de...expansãíUla.área.de
PsicologiaJurídica.p1lIa.a1ém_daJustiça.Criminal,...enYolvendo..princi-
palmente.Jamília,..infância_e.adolescência,refere.::se_à.lllaneira_col11o.0
.psicólogo.aceitarlÍl.atuaráfrentea.este.encargo:.será.oestritoavaliador
daintimidade,aperfeiçoando.seus.lllétodos.de.exallle?Ou lelllbrar-se~
. á queestesujeito~singulartal11béméumsujeitQ~cidadão,cujosdireitos
edeveres_se.collStituemnoespaçopúblico,territórioondeperpassam
. outros.discursO.Se.práticas_que_nã.o..o_ex.clusiY':lln~nte.psicológico?
NOTAS
1Cf., a respeito,DUMONT (1985).
2 Em oposiçãoaomundofragmentadodo liberalismo/individualismo,o romantis-
mopropõeumretornoàtotalidadecapazdefornecerumsentidoaosdiversosele-
mentos.Na mesmalinha,assiste-se,no séculoXIX, ao predomíniodo "organis-
mo" comometáforaparaa vidaemsociedade- umatotalidade,porém,emque
funçõesdiferentessãodiferentementevaloradas(cl'.RUSSO, 1997).
3 Cf. CASTEL (1977).O "casoFebrônio",ocorridonosanosvintedesteséculo,
podeserconsideradoparadigmático,emnossasplagas,dessadisputaentre"médi-
cosejuizes"(cf. FRY, 1982;1985).
4 É importantelembrarque,mesmocomo surgimentodeescolase sistemasteóri-
cosemPsicologiaqueseafastamdoestruturalismodeWundt,ametodologiaexpe-
rimentalpermanece.Esteé o casoda Gestalt,por exemplo:emborase postule
contrariamentea Wundt ao enfatizara totalidade(a forma,a configuração)em
oposiçãoaoselementos,investigasuasproposiçõesatravésdaexperimentação.
5Cf. MORAES (1939).
REFERÊNCIAS BIBLlOGRÁFICÁS
CASTEL, Robert."Os médicose osjuizes". In: FOUCAULT, Michel (coord.).
Eu,PierreRiviere,quedegoleiminhamãe,minhairmãemeuirmão.5.
ed. Rio de Janeiro:Graa!,1977.
17
ANA MARIA JACÓ·VILELA
DELGADO, PedroGabriel.As razõesda tutela- psiquiatria,justiça e cida-
dania do loucono Brasil.Rio deJaneiro:Te Corá, 1992.
DUMONT, Louis. a individualismo-' umaperspectivaantropológicada ide-
ologia moderna.Rio de Janeiro:Rocco, 1985.
FOUCAULT, Michel. A verdadee asformasjurídicas. Rio de Janeiro:Nau,
1996.
Vigiar epunir: nascimentodaprisão. Petrópolis:Vozes,1977.
FRY, Peter."FebrônioÍndio do Brasil:ondecruzama Psiquiatria,a Profecia,a
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____ o "Direito Positivo versusDireito Clássico:a psicologizaçãodo
crime no Brasil no pensamentode Heitor Carrilho". ln: FIGUEIRA, S.
(org.)Cultura da Psicanálise. SãoPaulo:Brasiliense,1985,p. 116-141.
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Ateneo, 1945.
MORAES, Evaristode.a testemunhoperanteajustiça penal. Rio deJaneiro:
Liv. Jacintho, 1939.
RIEBER, R. W. (ed.).WilhelmWundtandthemakingof a scientificPsychology.
New York: PIenumPress, 1980.
RUSSO, Jane Araújo. "Os trêssujeitosda Psiquiatria".Cadernos IPUB, Rio
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te: ltatiaia;SãoPaulo: Edusp, 1977.
18
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I.
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I
LA PSICOLOGíA FORENSE
EN ARGENTINA
Lie. RobertoVíetorSaunier'
EI poder esconcebidocomounafimción quedebehablar,
y Ias sujetosdebencomunicarseconél,y entreelias,
ensu nombre.
EnriqueMarí (Conferenciainédita)
BREVE REFERENCIA TEÓRICA
I. EI Sabery el Poder
Rosa.I:>.§1.º~~Ol(1987:23)comienzasutrabajo"La caraoculta
deIa droga"citandoestediálogoentreunimportantetoxicólogoinglés
y suhijo:
- i,Papá,quéesuna droga?
- Una droga,hijo mío, es una sustanciaque inyectadaen un perro
produceun trabajode investigación.
Lo parcialdeIa respuesta,y deallí el conflicto,resultaráevidente
cuandoestediálogoseamantenidoentresujetosque,obienpreguntan
10queyacreensaber,esperando,sin10grarIo,unarespuestàqueconfir-
me,legitimeesesaber,obiencuandoellugardesdeelquesehablay se
escucha,eI espacioeneLquesedialoga,noescoincidente.
Continuemosconel diálogoentreeIpadrey eIhijo. Queel nino le
preguntea supadre,ya nos refiereciertascuestiones.AquéI, eI nino,
reconoceenesteúltimoun sabersobreIacuestión.Y noporquesetrate
•Lic. en Psicología, Psicoanalista, SupervisardeI Area Psicológica de Ia
ProsecretaríadePatronatodeIa Excma.CámaraNac.deApelacionesen10Crimi-
nalyCorreccionalFederaldeIaCiudaddeBuenosAires,PresidentedeIaAsociación
dePsicólogosForensesdeIa RepúblicaArgentina.
19
GEYSA MARIA BRASIL XAUD
MIRANDA JÚNIOR, Hélio Cardoso."Psicologiae Justiça- A Psicologiae
asPráticasJudiciáriasna Construçãodo IdealdeJustiça".RevistaPsicolo-
gia Ciência eProfissão- PublicaçãoQuadrimestraldo CFPICRP. Brasília,
1998:28-37.
PEREIR.4., Tâniada Silva.Direito da Criança e do Adolescente- Umapro-
postainterdisciplinar.Rio deJaneiro:Renovar,1996.
ZAGURY, Tânia - Educar semculpa - A gêneseda Ética. Rio de Janeiro:
Record,1995.
102
HISTÓRICO DA INSERÇÃO DO
PROFISSiONAL PSICÓlOGO NO
TRIBUNAL DE JUSTiÇA DO
ESTADO DE SÃO PAULO -
UM CAPíTULO DA PSICOLOGIA
JURíDiCA NO BRASil
DayseCesarFrancoBernardi*
ORIGENS DA PSICOLOGIA JURíDICA E
DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO
No Brasil, a atuaçãodopsicólogona áreajurídica teveseuinício
marcadopeloenfoquetradicional,daaplicaçãodaPsicologiaCientífi-
ca aoDireitoPositivo,postuladoemnossoscódigoslegais.
A idéiadequetodoo Direito,ou grandepartedele,estáimpregnadode
componentespsicológicos,justificaa colaboraçãodaPsicologiacomo
propósitode obtençãode eficáciajurídica (BRITO, 1993:24).
Pressupostospositivistasqueestruturaramasciênciashumanaseso-
ciaisnosmoldesdasciênciasnaturaisalicerçaramumapráticapsicológi-
cavoltadaparao "o exame"e diagnóstico(processosdeinvestigação).
O modeloinicialdaPsicologiaJurídicacorrobora,assim,comoenfoque
pericialestrito,entendidocomoaquelequevisaaofereceraojuiz subsí-
diosparaumadecisãoconsideradajusta,dentrodoqueimpõealei.
Tal tendênciaencontrarespaldonasorigensdaPsicologiaJurídica,
vinculadasàchamada"PsicologiadoTestemunho"(STERN,1903 ln:
ANASTAS1,1972:74). Ela estádocumentadacomoum conjuntode
pesquisas,sobreatradiçãojurídicareferenteàvalidadedotestemunho,
quedemonstroua granderelatividadedovalorprobatóriodosmétodos
deinquisiçãodaverdadeemprocessospenais.
* PsicólogaJurídicadoTribunaldeJustiçadeSãoPaulo,especialistapelaUSP em
ViolênciaDomésticaContraaCriançaeoAdolescente,cx-ConselheiradoConselho
RegionaldePsicologia,(CRP-06) e RepresentanteBrasileiradaAssociaçãoIbero-
AmericanadePsicologiaJurídica.
103
DAYSE CESAR FRANCO BERNARDi
.Tradicionalmente,o~métodoscoercitivosde obtençãode confis-
sõesforamsendosubstituídoseaperfeiçoadospormétodosdeexplora-
çãopsicológica,q~evisavama reconhe,cer"averdade"nosprocessos
criminais.Essatradiçãoassumia~Ildagação_a.veracidadedeuma
declaraçãojudiciária, submetendoa examepsíquic~.g:u.:~.I~~-ª.prestou;
el~lTã(nlísavã-p-orêi1i:-~lapÜtafécel1feri1i:id~ldéou-acriminalidade.Daí
oschamadosinterrogatórios"stressantes";form.asdedetecçãodemen--··
tiras,métodosdeexploraçãopsicológicadamemória,consciência,aten-
ção, imaginação,quocienteintelectualetc.Nesseenfoque,o exame
psicológicoseriauminstmmentopericialparaavaliaçõescriminológi-
cas,estreitamentevinculadoaomodelomédico.
Historicamente,a introduçãodasciências"PSI" naestmturajudi-
ciária,_guarda..semelh-'111((.ª.s_C.gQ1JUngIeSSQ_do..?..!1!c.~4ic9_S_A9.âmbito..da
j.ustiçapenal...g~t~s"'.12asprin.le..I.·.r..a.s..de..'cada.sd.ose.'.c.ul.o.X IX.,passar31.n '.'1
reivindicar a competêildil'paia"esfabelecey"o"dÜlgÚostlco"dã''folicurã:'
yisilndo_çlu§eP!!.r:9.ç·~t9__cio_s_c;r:imi!lQs.Qsjo.ucoS__dQ.S.IIl~iit(ÜÚj~Ii:Jcj~~~~-~_
Medj911a.P.é1SSOUa.rávindicaLa.avaliação..daresponsabilidade_m.Qxal..
dedeterminadoscriminosos,leval1ci().ª.sii~tillção.dasprisões.edosasi-
.los(QUEIROLO, 1984:85).
Na décadade 30, a justiça penal adotoua medicinapsiquiátrica
comoum sabernecessárioaosprocessosjudiciáriosparaa avaliação
da responsabilidade,atravésdapericiapsiquiátrica.A doençamental
já estavainserida,nessetempo,na ordemdodesviodocomportamen-
to,dodesregramentodaspaixõesedaperversãodavontade.O concei-
to depericulosidadeseoriginoudestainterseçãodepoderese de co-
nhecimentoentrea JustiçaeaMedicinapsiquiMrica,pontodeencon-
troentreMedicinaeDireito.
A históriarecentedaciêncicípsicológicanosmostraqueseuentre-
cmzamentocomoDireitopareceseguirosmesmosmoldesdaMedici-
napsiquiátrica,quando,em1940,PACHECO E SILVA nosrelatou:
consideraro criminosoe nãoo crime,sóseriapossívelatravésda inter-
prctaçãodapersonalidadehumana(...) o quclevarámaiscedoou mais
tardca introduçãoda psicanálisena saladojulgamento(p. 111).
A análisedahistóriadaimplantaçãodaPsicologianoTribunal de
JustiçadeSãoPaulopodenosauxiliarnestatarefadecompreensãoda
104
l
HlSTÓRICO DA iNSERÇÃO DO PROFISSIONAL PSICÓLOGO •••
relaçãoPsicologia-Direito.Trata-sedorelatodeumaexperiêncialo-
calizada,recenteecontemporânea,masqueilustraqueassimcomoa
Medicina adentrouao fónlln via o conceitode loucura,a Psicologia
adentrouvia osproblemasdafamília no tratocomseusfilhos.
RELATO DA IMPLANTAÇÃO DO
SERViÇO DE PSICOLOGIA NO TRIBUNAL DE
JUSTiÇA DE SÃO PAULO
A inserçãodoPsicólogo,comoumprofissionaldo PoderJudiciá-
rio, noâmbitodoTribunaldeJustiçadoEstadodeSãoPaulofoi poste-
rior à doAssistenteSocial,eocorreuvia VaradaInfânciaeJuventude,
no tratodasquestõesdamenoridade.
Haviaum lugarvirtual a serocupadona instituição,já explicitado
no CódigodeMenoresde 1979(Lei Federaln° 6.697),quedefiniao
carátertutelardoDireitodoMenor eassumiaqueaoJuiz caberiadar
"ASSISTÊNCIA,PROTEÇÃO E VIGILÂNCIA" amenoresde18anos
queseencontrassememsituaçãoirregular,conceituadapeloInstituto
InteramericanoDeI Nino (SAJON, 1973:280)dasel:,'1lÍnteforma:
é aquelasituaçãoem queseencontrao menor,tantoquandoincorreu
num fato anti-social,como quandose encontraem estadode perigo,'
abandonadom,lterialc moralmenteou sc graduede um déficit ílsico
ou mental.Diz-se,também,dosmenoresquenãorecebemo tratamen-
to, a educaçãoc os cuidadosquecorrespondcmÚssuasindividualida-
des,
O CódigodeMenorespreviaemseuart.4°, III, "que(),_~Stl~ª2,,~~__ ,
cadacasofosserealizadopor equipetécnica,semprequepossível".
Essadisposiçãopermitiua criaçãodasAudiênciasInterprofissionais,
queincluíamaatuaçãodopsicólogocomoum,ltlxiliardiretodojuiz e
membrodaequipemultidisciplinar.
Dois psicólogosiniciaram,emSãoPaulo,umaatuaç~ovoluntária
emjulho de 1979,colaborandocomo ServiçodeColocaçãoFamiliar
(Lei Estadualn°560de 1949),comumtrabalhoterapêuticadeinter-
vençãojuntoàsfamílias,numaperspectivaclínica.Elesforamestagiar
naFEBEM paradarinício aumtrabalhonoTribunal,
105
DAYSE CESAR FRANCO BERNARDI
emfunçãodoProvimentoCXX do ConselhoSuperiordeMagistratura
de São Paulo, quepossibilitoua integraçãodo Serviçode Colocação
Familiaraoprocessode verificaçãoda situaçãodo menor(CAMAR-
GO, 1982:21).
Em 1980,iniciou-seotrabalhodospsicólogosvoluntáriosnasagên-
ciasdeColocaçãoFamiliar,distribuídasnasregiõesdacapital.Dentre
asatribuições,constavama avaliaçãoe o acompanhamentodasfamí-
liasbeneficiadaspelaLei na560.O objetivodaatuaçãopsicológicaera
oferecerapoioàsfamílias,visandoàsuareestruturaçãoeàmanutenção
dacriançano lar comomedidapreventivadainternação,alémdepro-
cederaencaminhamentospararecursosdacomunidade,quandoneces-
sário.A modificaçãodadoutrinalegal,como CódigodeMenoresde
1979,estabeleceua demandadecasosa serematendidosno escopo
judiciário distintodo daPromoçãoSocial, queassumiaa proteção,a
vigilânciaeo controledapopulaçãoinfanto-juvenilemcondiçãoirre-
gular.
Em agostode 1980,a atuaçãodospsicólogosvoluntáriospassoua
ocorrernasAudiênciaslnterprofissionais,já na áreajudicante,'com
baseno art.4°,lU:
Foi instituídaem São Paulo, capital,umaforma de atendimentodos
casos,em Juizo, atravésda préviaapuraçãopor equipetécnica,com-
postapor AssistenteSocial e Psicólogo,queparticipam,ativamente,
dasAudiênciasInterprofissionaise não só orientamas medidasdentro
desuasrespectivasáreas,como,também,apresentamo relatórioparaa
prontadecisãodo processo(CAMARGO, 1982:22).
Em 1981,ospsicólogosforamcontratadospeloTribunal ejá esta-
vamemtodasasregionaisdacapital.As funçõesdo ServiçodePsico-
logiaeramassessoraro magistradoconl.Q....lO.st.1J!:tQ.dO_C.'lS.0....desde-a-.ava-
1iação.psiçºJQgi.Ç,ª._PL~Jj.IE:~I!.9E..~~postasde intervenção.~lém
disso,o profissionalatuavanas sitüaç7íesõê-"cris"e;-apr~;~;ta-cÍas-p'êfã-""
criançaousuafamíliaeindicava.ostratal,1~~Ilt?spsicológicosnecessá-
rios, encaminhandoaos\~~9E:.t§9S.ºQJl1unitált2.ê~Sua açãoia alémda
períciae o colocavacomoumagentedainstituição,namedidaemque
seutrabalhopressupunha,alémdarealizaçãodediagnósticossituacio-
nais,a atuaçãodo profissional"sobreo problemapsicológicodo me-
106
H ISTÓRICO DA INSERÇÃO DO PROFISSIONAL PSICÓLOGO •••
nor oudafamília", atravésdeacompanhamentopsicológico,orienta-
ção e encanúnhamentosaosrecursosda comunidade,colocandonos
indivíduosasrazõesdasituaçãoirregular(idem,ibid.,p. 26).
Assumiresselocusexigiudopsicólogomuitasadaptações,emfun-
çãodosconflitosinerentesàs suaspremissasdeaçãoeminentemente
clínicasecontradiçõesbásicasentresuaformaçãovoltadaparaa pro-
moçãoda autonomiae a açãorestritivada instituição.Os problemas
forammuitos,desdea indefiniçãodopapelnosfórunsatéo estabeleci-
mentodeumaidentidadeprofissionalnoâmbitodessainstituiçãojudi-
ciária.
Em 1985,ocorreuo primeiroconcursopÚblicoparaa capitalde
SãoPauTo,coma criaçãode65cargosefetivose 16cargosde chefia.
Ele refletiuabuscadeumaimplantaçãodefinitivadaprofissãonaárea
judiciária.O provimentodeLei naCCXXXVI, do ConselhoSuperior
deMagistratura,regulamentoua atuaçãodospsicólogosdo Tribunal
deJustiça,disciplinandoasfunçõesnasVarasdeMenoresenasVaras
de Famíliae Sucessõescumulativamente.Dava-se,assim,um passo
emdireçãoaumanovaáreadeatuação,asVarasCíveis,comdistinção
deritosjurídicosenovospersonagens:advogados,assistentestécnicos
eperitosdeoutrasáreas,comoopsiquiatraforense.
As equipesinterprofissionaisforamabsorvidascomoobrigatórias
apósaimplantaçãodoEstatutodaCriançaedoAdolescente(Lei Fede-
ral na8.069/90),quandosuasfunçõesforamdefinidasnosart. 150e
151,comoum ServiçoAuxiliar daJustiça:
Art. 150- Cabeao Poder Judiciário, na elaboraçãode sua proposta
orçamentária,preverrecursosparamanutençãode equipeinterprofis-
sionaldestinadaa assessorara Justiçada Infânciae da Juventude(...)
Art. 151- Competeà equipeinterproíissional,dentreoutrasatribui-
ções que lhes foremreservadaspelalegislaçãolocal, fornecersubsí-
díos por escrito,mediantelaudosverbalmente,na audiência,e bem
assimdesenvolvertrabalhosde aconselhamento;orientação,encami-
nhamento,prevençãoe outros,tudosobimediatasubordinaçãoà auto-
ridadejudiciária, asseguradaa livre manifestaçãodo pontode vista
técnico(...)
A ocupaçãodesselugardepsicólogojudiciário ocorreucomouma
experiêncianova,decriaçãodecampodetrabalho,atravésdeaproxi-
107
DAYSE CESAR FRANCO BERNARDI
maçõessucessivas;deumaconstmçãosocial,conformeo Cronograma
Históricoemanexo.
Essainserçãopaulatinafoi constmídaconforme:
1 - Alteraçãodosdispositivoslegais(CódigodeMenores"Mello
Matos",CódigodeMenoresde1979,EstatutodaCriançaedoAdoles-
cente);
2 - MudançanaPolíticadeAtendimentoàCriançaeaoAdolescen-
te:diretrizesdaFUNABEM, FCBIA;
3 - RedistribuiçãodasfunçõesentreosPoderesJudiciário eExecu-
tivo, conformeasDoutrinasdoDireitoe osprincípioslegais;
4 - Expansãoeespecializaçãodasfunçõesno PoderJudiciário;
5 - EstabelecimentodeProgramasdeIniciaçãoFuncionaleReci-
c1agemProfissional,coma sistematizaçãodasexperiências,ea cons-
tmçãodeprincípiosfll1ldamentaisdeumprojetoprofissional.
AS ATRIBUiÇÕES DO PSICÓLOGO NAS VARAS
DA INFÂNCIA EJUVENTUDE
A importânciadaatuaçãodopsicólogona instânciajudiciária re-
pousanapossibilidadedesseprofissionalabordarasquestõesdasubje-
tividadehumana,as particularidadesdossujeitose dasrelaçõesnos
problemaspsicossociais,expressosnasVarasdaInfânciae Juventude,
como contextosocialepolíticoqueasdefinem.
Assessoraro magistradona distribuiçãodajustiça é, portanto,a
tarefacapitaldoprofissional,quetemváriasatribuições:
-y-realizarestudosde casos,oferecendoelementosparasebuscar
alternativamaisviável,no estritocumprimentodoECA, emdefesade
direitosfundamentaisdecriançaseadolescentes;
- discutiras medidasdeproteçãoe/ousócio-educativasmaiscoe-
rentesà situaçãodecriançase adolescentes,diagnosticadano estudo
decaso,contextualizandoo problemaeosrecursoscomunitários;
- participardaaudiênciaeapresentar,por escritoou oralmente,o
parecertécnicosobreo caso,esclarecendo-osemprequenecessário,
resguardandoosprincípioséticosdaprofissão;
1":7 - procedera orientações,acompanhamentóse encaminhamentos
necessáriosà fanúliaeàcriançaouadolescente,renunciandoaausência
ouo malfuncionamentodeprob'Tamasdeatendimentodomunicípio;
108
HISTÓRICO DA INSERÇÃO DO PROFISSIONAL PSICÓLOGO •••
- estimulareefetivarrelaçõesdainstituiçãojudiciáriacomasenti-
dadeseconselhosdomunicípio(dedireitosetutelar),numaaçãointer-
institucionalquepromovao intercâmbioem redee umapolítica de
atendimentoeficaz;
verificar o cumprimentodo ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE, conhecendoe analisandoosprogramasdeatendi-
mentodomunicípio,edenunciandosuaviolação;
.-.y-promoverapolíticadeatendimentoàcriançaeaoadolescenteno
municípioenquantoosconselhostutelaresmunicipaisnãoestãoinsta-
lados,e/ouauxiliá-losemsuarealização;
- participarepromovereventosrelacionadosà área(cursos,simpó-sios,palestras,supervisões),quepermitamaatualizaçãoeareciclagem
penml11ente;
- procederestudosepromoverdebatesvisandoàanálisedefatores
quepredispõem,reforçamoucontribuemparaamanutençãodofenô-
menodamenoridade,bemcomoasproblemáticasdafamília,buscando
realizarumtrabalhoefetivocomaspessoasemharmoniainterdiscipli-
nar,contribuindoparao avançodaspolíticaspÚblicas,daprofissãoe
daciência.
Para cumprir essasatribuições,o psicólogo,comopartede uma
equipeinterprofissional,atuaemconsonânciacom o ServiçoSocial
Judiciário,o representantedoMinistérioPÚblicoc o Juiz daInfânciac
Juventude,todosinseridosno contextoinstitucional,que contacom
oficiaisdejustiça,cartonírios,advogadosetc.
Ao psicólogocabea análisedasalternativasdisponíveispara se
buscarcondiçõescapazesdesatisfazeremasnecessidadespsicológicas
dascrianças/adolescentes,cujo destinoestásendodecididojudicial-
mente.Há a indicaçãode salvaguardaro bem-estarpsicológicoda
criança,tantoquantoseubem-estarfisico, tratando-acomo"sujeito"
emcondiçãopeculiardedesenvolvimento.O' universodeatuaçãoen-
volve,portanto,acriança,oadolescente,suafamíliaouresponsáveise
colaterais,nabuscadacompreensãodeseumundorelacionalno con-
textosócio-culturalondevive.
A organizaçãodo serviçodepsicologiarefletea demandainstitu-
cionaleasmedidasjudiciaisprevistasparaassituações-problema,di-
vidindoosatendimentosporáreas:
109
DAYSE CESAR FRANCO BERNARDI
1 - Colocaçãodecriançaemfamília substitutae/oudeapoio,que
pressupõeasmedidasjudiciaiscorrespondentes:
- guarda;
- tutela;
- adoção;
-delegaçãoe destituiçãodopátriapoder;
- utilizaçãoderecursoscomo:abrigostemporários;cadastrodepes-
soasinteressadasemadoção;cadastrodefamíliasdeapoio;cadastro
decriançaseadolescentesdisponíveisparaadoção;cursosdeesclare-
cimentoparapaissubstitutos.
2 - Orientação,apoioeacompanhamentotemporáriosàcriança,ao
adolescentee à família, emsituaçõesdedesajustesfamiliar e desvios
de conduta,como:fugado lar, usodetóxicos,pedidosdeinternação,
consentimentoparacasamento,suprimentodeidadeetc.
3 - Atendimentodedenúnciassobrenegligência,maustratos,abu-
sosexual,violênciapsicológica,intraeextrafamiliar.
4 - Atendimentoa jovens compráticade delitos,comestudode
caso,visandoà discussãoeavaliaçãodemedidassócio-educativasede
proteção,taiscomo:advertência,liberdadeassistida,prestaçãodeser-
viçosà comunidade,semi-intemaçãoeinternação.
(Art. 186)- comparecendoo adolescente,seuspaisou responsável,a
autoridadejudiciáriaprocederáà oitivadosmesmos,podendosolicitar
opiniãode profissionaljustificado.
5 - Fiscalizaçãodasentidadesde atendimentogovernamentaise
não-governamentais.
6 - Apuraçãodeirregularidadesementidadesdeatendimento.
7 - Proteçãojudicial dosinteressesindividuais,difusosecoletivos
(açõescíveis).
Buscar compreendero papeldo psicólogocomoum profissional
específicona instituiçãojudiciária exigeo conh.ecimentodasaltera-
çõesdocontextoedaconjunturadesuapráticaqueseestabeleceue se
transforma,emtomodosprincípiosdesuaciênciaedosparâmetrosda
JustiçadaInfânciaedaJuventude,a quemserve.
110
HISTÓRICO DA INSERÇÃO DO PROFISSIONAL PSICÓLOGO •••
ATRIBUiÇÕES DO PSICÓLOGO JUDICIÁRIO
NAS VARAS DE FAMíLIA E SUCESSÕES
Os PsicólogosJudiciários,concursadosecontratadosparaasVaras
da InfânciaeJuventude,foramincorporadosaosJuizadosdaFamília,
atravésdeprovimentodoTribunaldeJustiçadeSãoPaulo,em 1985.
Na capital,osprofissionaissãodesignadospelosjuízes dasVarasde
Família paraatuaremcomoperitos,emprocessoscontenciosos,que
envolvamdecisõessobreo futurodefilhos.
O trâmitejudicialdessescasosmantémumaestruturabélicade,ce-! .
tato,naqualafaladaspessoasémuitasvezesconduzidae/oucerceada\ I
por seurepresentante,quetrazparaosautososargumentoslógicosqueI
possamlevá-Iasa ganhara causa,enão,necessariamente,ofereceràs jpessoasumaoportunidadededirimir seusconflitosconjugaise/oufa-
miliaressemintervençãodeterceirosqualificados.
No Fórum João MendesJúnior (Fórum Central),há uma equipe
própria,comchefiaespecíficaeindependente,queatendeàsvinteVa-
rasinstaladas(juízestitulareseauxiliares).
Os trabalhosdepesquisae investigaçãona área(BRITO, 1993;
SAMPER, 1995)apontamparaoutrasformasdeintervençãodiferenci-
adasdasperícias,emqueaspartesassumemum papelmaisdiretoe
participativonasdeliberaçõessobresuaprópriavida, quandovistase
tratadascomosujeitosdaação,numdiagnósticocompreensivo.Neste
sentido,os resultadossãotrabalhadosprincipalmentecomos indiví-
duosdo casoe expressosao magistradocoma anuênciadosimplica-
dos,quepodem,muitasvezes,assumirumaaçãomaisresponsávele
menosreativanassituaçõesdeaudiência,buscandoincrementarsolu-
çõesqueevitemo confrontoeviabilizemconciliaçõesouacordoscom-
partilhados,notratodosfilhos, sujeitosprincipaisdasações.
Observa-seumacrescentepráticadousodamediaçãoemescritó-
riosdeadvocaciaemSãoPaulo,comprofissionaiscontratadosemações
preliminaresantesde dar inicio aosprocessosjudiciais, evitando-se
iniciar causasdesnecessáriasou litigiosas.
A criaçãodafunçãoespecíficadepsicólogojudiciário nosquadros
doTribunaldeJustiçadeSãoPaulosetornouummarcohistórico,con-
solida,'ldoo quea práticaacumuladanesses19anoscriou:umanova
áreadesaberpsicológico- saberespecíficoeespecializado.
111
II
IiU
DAYSE CESAR FRANCO BERNARDI
EsseprocessonãosedeusemconflitoseangÚstiaseaindahojenos
revelaa necessidadedeespecificarasfunçõessegundoosparâmetros
darealidadedademandaatendida,percebendoo alcancedenossaatu-
açãosobreaproblemáticadacriançaedoadolescente,alémdoscasos
individuais,enquantofenômenosocial.
A análisecríticadahistóriadeimplantação(oudaconstmção)da
Psicologia Judiciária em SãoPaulo permiti concluir que,da mesma
formaqueascategoriasjurídicasseinseremnumaperspectivaideoló-
gica, comprescriçõesmoraisde vida e formaspolíticasde controle
social,as categoriaspsicológicasquea elasseopõemsãoformasda
representaçã.osocialdarealidade,sobrea qualsepretendeoperar.Os
fmtosdainteraçãoentreóticasdiversasdecriança,família,deformas
depensaro agirhumano,doembateentreasformasdeé1l1alisarofenô-
menoda menoridade,e de setraçardiretrizesde açã.o,parecemser,
alémda inquietação,a constituiçãodepossibilidadedemudança,em
quea práticacotidianaimpulsionaa constmçãodeumprojetoprofis-
sionalquerepercutenumprojetodesociedade.
Daí, anecessidadedeseenfocaravivênciana instituição,parava-
lorizaçãodotrabalhopsicológicorealizado.Ossentimentostã.ocomuns
de impotência-onipotênciavividosna instituiçãoparecemsinalizara
necessidadedeo psicólogoterassegmadoseupoderdedecisãonains-
tituição,terdefinidoseulugarnasrelaçõesinstitucionaiseocupá-lode
umaformaclara,ondepossaseidentificarprofissionale eticamente.
Há entravespara a consolidaçãodaprática psicológica na institui-
çãojudiciária a seremlidados;há conquistasquenãosepodemne-
gligenciar,sobpenadeestigmatizaçãodeumaáreadeatuaçãoprofis-
sional,ondeo enfoquepsicológicosefaznecessárioecujaaçãopode
edevesertransformadora.Haveráumtempopara a transdisciplinari-
dade?
CRONOLOGIA HISTÓRICA DA IMPLANTAÇÃO DA
PSICOLOGIAJUDIClÁRIA EM SÃO PAULO
1924- Criaçãodo cargode Juiz deMenorespara "assistênciae
proteçãoaosmenoresde 18 anosde ambosos sexos,abandonados,
bemcomoo processoejulgamentode delinqÜentesde 14a 18anos"
(Lei nO2.059,de31dedezembrode 1924).
112
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HISTÓRICO DA INSERÇÃO DO PROFISSIONAL PSICÓLOGO •••
1925- InstalaçãodoJuízo PrivativodeMenores- atravésdaregu-
lamentaçã.odalei, pordecreto,quepreviaemseuart.38acontribuição
deummédicopara"procedertodososexamespericiaiseobservações
dosmenoressujeitosàsdecisõesdoJuizo evisitasàsfamíliasdosme-
noresparainvestigaçõesdosantecedenteshereditáriosepessoaisdes-
tes"(Decreton°3.828,de25demarçode 1925).
1927- CódigodeMenores"Mello Matos"- Leis deassistênciae
proteçãoamenores(DecretonO17.943- A, de12deoutubrode1927).
1948- O assistentesocialjá estáinseridoinformalmentena insti-
tuição.1949- Lei EstadualnO560,de27 dedezembrode1949- Serviço
deColocaçãoFamiliar- prevêafunçãodoassistentesocialcomocoor-
denadordoProgramaquetemporfim oamparoeconômicoesocialàs
famíliascarenciadas,quepossuammenoressobsuaguarda,proporcio-
nandoa essesmenoresambientefavonívelao seuplenodesenvolvi-
mento(COSTA, 1975:67).
1953- ProvimentonOXXIII, de10desetembrode1953do Conse-
lho SuperiordeMagistratura,dispõesobreaorganizaçãodoServiçode
ColocaçãoFamiliar earequisição,paratal fim, defuncionárioshabi-
litados.Em seuart. 2°consideraa conveniênciada criaçãode uma
clínica deorientaçãojuvenil, composta,no mínimo,deummédicoe
umpsicologista (art.6°, § 4°)
1956- O psicólogoetambéminseridoinformalmentenoTribunal
de Justiça, integrandoasequipesinterprofissionaisdo Recolhimento
Provisório de Menores (RPM), do Centrode ObservaçãoFeminina
(COF) e da Clínica deEstudoJuvenil (CEJ) comtrabalhosdeavalia-
çãoediagnóstico.A FUNÇÃO antecipavaa profissãoquefoi regula-
mentadaem1964.
1965- Serviço de ComissõesTécnicascriado pela Portaria n°
1.201/59edevidamenteestruturaàapelaPortariadoTribunal deJus-
tiçadeSãoPaulo,n.o3.791/65,destinadoaestabelecerosníveisetários
dosespetáculos,na áreadejurisdiçãoda Comarcadacapital;autori-
zar ou não o trabalhoe/ouparticipaçãode menoresem atividades
relacionadascomosmeiosdecomunicação,analisarpublicações,ten-
do em vista a apreensãodaquelasque ofendama moral e os bons
costumes;previa,parao desempenhodesuasfunções,assistentesso-
ciais epsicólogos.
113
~
/
INFÂNCIA E VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA: UM TEMA DA
MODERNIDADE
HebeSignoriniGonçalves'
No início doséculoXX, aspolíticaspÚblicaspassarama servistas
comoumveículodebem-estar.Mais recentemente,difundiu-sea idéia~
de quetambémas criançasdeveriamser alvos dessaspolíticas,com
basena concepçãodequeacriançaéum "sujeitoaserprotegido"pela
família, pelasociedadee peloEstado.Quandoum grupodemédicos
dos EstadosUnidos reconheceu,nos anos60, quealgumascrianças
estariamsendovítimasdaviolênciade seusprópriospais, começoua
ganharcorpoa idéiadeque,emalgumascircunstâncias,acriançade-
veriaserprotegidainclusivedaprópriafamília. Comisso,começaaser
desenhado~1 modeloquejustifica e sugerea ~Qj:Jre a fa-mília, e!)lAfomedaproteçãoà criança.No início do século,essacon-~---"--~-~---""--,---""--------
cepçãosoariacomoum contra-senso,já que as noçõesde família e
infânciaestavamestreitamentevinculadasàlógicadorecolhimentono
interiordolar,vistocomoterritórioinviolávelelugardeproteção.Para
os especialistasemviolênciadoméstica- psicólogos,médicos,assis-
tentessociais,advogados-, intervirna família paraprotegera criança
representaum dilema:qual o limite entrea proteçãoaosdireitosdaI
criança e o respeitoél convivênciafamiliar? Que nível de viOlência!\intrafamiliarjustificaa intervenção?Em quecircunstânciasafastaruma)
criançadeseuspaisbiológicospoderepresentarumbeneficio?
Em 1959,a OrganizaçãodasNaçõesUnidas firmou a Declaração
dosDireitosdaCriança,elegendoa família ea comunidadecomoins-
tituiçõespor excelênciado exercícioe asseguramentodaquelesdirei-
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•CoordenadoradoNúcleodeAtençãoa CriançasVítimasdeViolênciadoIPPMG
- UFRJ. EspecialistaemPsicologiaJurídica pelaUERJ. DoutorandaemPsícolo~ .
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HEBE SIGNORINI GONÇALVES
tos.A funçãodoEstado,naconcepçãode 1959,estariarestritaàoferta
de suporteemcondiçõesdeexceção,quandocircunstânciasespeciais
impedissemou dificultassemo exercíciodasfunçõesprotetorasdafa-
mília. Em conseqÜência,osprogramasdebem-estareramconcebidos
deformaaproverassistênciaprioritáriaàfamília,admitindo-seapenas
em casosextremosqueumafamíliasubstitutapudesseocuparo lugar
da famíliabiológica.Em todoo mundo,criou-seumaextensaredede
serviçosdestinadaa atenderàscriançasqueviviam emfamíliascom
dificuldadesgeradaspelaenfermidade,pelodesempregoou pelaau-
sênciadeum ouambosospais.
En(í9~s termosdanovaConvençãodaONU sobreosDireitos
daCriançaimprimemumaalteraç~í.ibSiãílclâlnãÓticacomqueenfoca
a família: consolidano direitointernacional<:l~§.~~CQ~.~~.
éll~2.'.l~~sobreyivê~:!a,à educa2~?c~~.E!:~eç~ocontrar: abusoe a
exp.lº~a2ª().Scib~aégidedaConvençãode 1989,váilas~rÚlçõesalteram
dispositivoslegaisdemodoatornarobrigatóriaa itúormaçãodeinci-
dentesdeabusocontracrianças.Profissionaisdesaúdeeeducaçãoem
todo o mundo(no Brasil inclusive)sãohoje legalmenteobrigadosa
itúormaraosetorpÚblicoa ocorrênciadecasossuspeitosouconfirma-
dos deviolênciacontraa criança.A rededeagênciassociaispassaa
desenvolvernãoapenasprogramasdeassistênciaàcriançaeàfamília,
comotambémprogramasdestinadosa identificarecoibir a violência
depaiscontrafilhos,queemcasosextremospodeminvocara interven-
çãojurídica destinadaapromovero afastamentotemporáriooudefini-
tivo deumacriançavivendoemlaresabusivos.O nÚmeroprecisode
vítimasé desconhecido,masnosEstadosUnidos os casosnotificados
deviolênciacontraacriançaalcançamacifradosmilhões,eumnúme-
ro expressivodecriançaséafastadodeseuspaisbiológicos.O temase
difundepor todoo mundo,e a questãoda violênciacontraa criança
passaà ordemdodia.
Mas - afinal- qualanaturezadessefenômeno?A violênciacontra
a criançatemraízesnafamília,ou foradela?É recente,ourepresenta
um problemaantigo,apenashojeidentificado?Por quea ciência- a
Medicina,deinício, eagoraasCiênciasSociais,aAntropologia,aPsi-
cologia- ~omaa si atemáticadaviolênciacontraa criança,numapro-
fusãodeestudos,eaindaassimsequerconsegueestabelecerconceitos
mínimos,delineara naturezadaquestãoe estabelecercomsegurança
134
INFÂNCIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA •••
padrõesdeconduta,intervençãoeprevenção?Por quea CiênciaJurí-
dica, que sempresedeclaraavessaa conceitospoucoestabelecidos,
abraçao temae se aplicaem aprimorara legislaçãoque sustentaa
intervençãonafamília?
~
BREVEHISTÓRICO DA VIOLÊNCIA CONTRA
A CRIANÇA
Os fatosquehojeaciênciaclassificasoba categoriaviolênciacon-
tra a criança têm lugar na história da humanidadedesdetempos
imemoriais.Livros religiosos,comoa Bíblia, registrama matançade
criançasordenadaporHerodes;naGréciaenaRomaAntiga, erarela-
tivamentecomumo infanticídio;noséculopassado,apopulaçãonova-
iorquinachocou-secoma revelaçãode~'qu.eapequenaMary Ellen ha-
via sidovítimadeseverosespancament\ infligidos por seuspaisado-
tivos.Mas éprecisocuidadoao tomaress fatoscomosemelhantes.
Cadaumdelesserefereaperíodoselugaresdistintos,aculturasdiver-
sas,e comotal têmsignificadosquesãoessencialmentediferentesou
emcertosaspectosdiametralmenteopostos.
A violênciadomésticaimperana humanidadedesdesempre.Afir-
maçõesdesteteorabremmuitostrabalhossobreo temada violência
contraa criança,etornaram-seumareferênciaquaseobrigatóriapara
aquelesquedesejam,invocandooargumentodahistória,âesqualificar
o discursodosqueaindainsistememnegaraexistênciadaviolênciana
família,ouminimizarsuaimportâncianasociedadecontemporânea.
À afirmação,seguem-seosexemplosqueatestariamsuaveracidade:
osgregoseliminavamsumáriaeimediatamenterecém-nascidosportado-
resdedeficiênciafísica(RADBILL, 1988);noséculoXIX, milharesde
criançasfrancesasmorreranlemdecorrênciadofilicídio (AZEVEDO e
GUERRA, 1997);aindahoje,emalgumastribosafricanas,meninassão
iniciadassexualmenteporfamiliares(LEVETT, 1989),e recém-nasci-
dossãovendidoscomoescravosparatribosvizinhas(RADBILL, 1988)..
Práticasdesseteorsãoregistradastanto'emdocumentoshistóricos
quantoempesquisascontemporâneas,eosregistrospassama serrepe-
tidosemartigosportodoo mundo,comodemonstraçãocabaldequea
violênciacontraacriançaéfenômenoonipresentecomo qualseconvi-
ve desdetemposimemoriais.Ao primeiro impacto,o relatochocae
135
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HEBE SIGNORINI GONÇALVESdespertamesmoumacertaincredulidade.Por querazão pais gregos,
franceseseafricanossacrificariamseusprópriosfilhos? Quequalidade
devínculo,quetipodecrençaequevalorsocialjustificariao infanticídío
ou a entregadoprópriofilho à escravidão?
Prevaleciaentreosgregosa crençadequeo defeitofísico deuma
criançanãoapenasatingiaseuportadorcomocomprometeriatodaa
suadescendência,jé1quepoderiasertransmitidopor hereditariedade.
Essacrença,referendadapelaciênciagrega,eratransmitidaaoscida-
dãospormédicoscomo50ranoefilósofos,entreelesPIatãoeAristóteles
(RADBILL, 1988).A culturagrega- que,por guerreira,valorizavao
indivíduo forte,saud,lvele corajoso- ofereciasolo fértil paraqueos
pais,acatandoarecomendaçãodeeliminarportadoresdedefeitosfísi-
cos, aceitassemcometero assassinatocontraseusprópriosfilho~.Jb.--.
sim,emboraatradiçãorecomendasseo exercíciodoinfanticídiocontra
criançasdefeituosasna antigaGrécia,essapré1ticanãofala do desejo
dospais,masantesdeumdesejosocialfundadona ciênciaenatradi-
ção quesesobrepõeà vontadepessoal.Os paisgregosnãodesejavam
filhos defeituosos(mesmoporqueo defeitofisico era indício de seu
própriofracasso),masantessubmetiam-seaoqueeracrençacoletivae
recomendaçãocientificamenteendossada.
A FrançadoséculoXIX assistiaaumaalteraçãoprofundadecostu-
mesevalores.ConflitosintrafamiIiares,antessolucionadosno espaço
privadodacasa,passarama sesubmeterao crivo do olharpÚblico.A
herança,o dinheiroesobretudoa honraforamelevadosà condiçãode
bensfamiliares,umaespéciedepatrimônioa serguardadoa qualquer
preço.No períododasgrandestransformaçõesburguesas,a honrada
família é seubemmaioresetraduznafidelidadeda mulhercasadaa
seu marido, e na reclusãoda mulher solteirano lar, em respeitoao
nomepaterno.Para ocultaro deslizedo sexoextramarital,a mulher
nãohesitaemrecorreraoinfanticídio,poisoscostumeslheensinaram
queo crimesexualé maisgravequeo assassinato(PERROT, 1992).
Ironicamente,muitosdosfilhos ilegítimosoubastardosresultavamdo
incestooudo estuproque,ignoradospelasnormasmoraisejuridicas,
erampré1ticascorrentesnaépoca(COREIN, 1992).A mulherquea lei
condenavapeloinfanticídioeraamesmamulhervitimadapelaviolên-
cia sexualnafamília eforadela.
Nos anos70,algunspesquisadorestomaramconhecimentodeque
136
INFÂNCIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA •••
meninasdeKaroo, pequenacidadedaÁfrica do Sul, aocompletarem
cinco~ anosde idade,eraminiciadassexualmentepor irmãos,
parentesoupelosprópriospais.Ao nomearessapré1ticacomoagressi-
vaeviolenta,defrontaram-secomasurpresadassupostasvítimas,que
recusaramo rótulo.
As adolescentesficamchocadase indignadasao ouvir estapráticaser
descritacomoviolênciasexualcontracrianças.(...) a noçãodetrauma
psicológico,nas formastãoamplamentedescritasna literaturaociden-
tal, não faz partedestecenáriode modoalgum(LEVETT, 1994:53).
Aos olhosdaquelasmeninas,a iniciaçãosexualrepresentaum re-
conhecimentodadrópriaexistênciacomosujeito,eabre-lheso acesso
a um conjuntode'b\~ efavorespessoaisantesinatingíveis.Suprimiressapráticaequivale,laraelas,atolheroacessoaosfavoresrecebidos
emesmoaomundoadulto,condenando-asparasempreà condiçãode
crianças.Em outrastribosafricanas,atradiçãoidentificanaposiçãode
nascimentoo destinodosujeito,eacredita-sequeacriançaquevemao
mundode cócorastemparentescocomo mal e destinodebruxa.Por
essarazão,a família recusa-sea seuconvívioe descarta-sedela,por
meiodavenda,aumatribovizinha,comoescrava,aindanasprimeiras
horasdevida (RADBILL, 1988).
A incipientemedicinagrega,osconflitosmoraisdaFrançaburgue-
sa,oscostumescentenárioseascrençasreligiosasdospovosafricanos
vêmmostrarqueatosgratuitosaosolhosdamodernaculturaocidental
ganhamsentidonainscriçãocultural.Ao secompreendercadaatona
culturaqueo sustentae o produz,vê-sequeo fenômenodaviolência
torna-semaiscomplexo,eficademonstradaa ineficáciaemtentarfazê-
10 linear: o infanticídiogregoe o espancamentode Mary Ellen não
compartilhamo mesmosentido.Além do mais,a mesmaculturaque
sustentaaviolênciapodedesencorajé1-la,oumesmopuni-Ia,eRADBILL
(1988)registraváriosindíciosdessalutadacivilizaçãocontraaviolên-
cia. A tradiçãoegípcianãopuniao infanticídio,masospaisquematas-
semumacriançatinhampor deverninarseucorpomortodurante72
horas;acreditava-secomissodesencorajararepetiçãodoato.NasIlhas
Britânicas,acomunidadeaceitavao filicídio sobacondiçãodequeele
fossepraticadonasprimeirasvintee quatrohorasdevida dacriança;
um filho quesobrevivesseao primeirodia vida passavaa seralvo da
137
HEBE SIGNORINI GONÇALVES
proteçãodetodaa comunidade,ecomotalnãopoderiasermorto.Há
registrodapuniçãocoma mortepeloesquartejamentodeumpai que
abusoudaprópriafilha,já noanode 1305.
A sociedadeencarrega-sedenormatizarcomportamentoseestabe-
lecersançõesaosdesvios.Issonãoimplica,contudo,quea culturate-
nhaopoderdeerradicaroscomportamentosquecondena.A violência
- se pudermosusar o mesmodesignativoparatodaa gamade atos
acimadescrita- persistia,comopersisteaindahoje,apesardesancio-
nadamoralmente,epunidalegalmente.
À luz dessasconsiderações,seriapossívelafirmarqueaviolênciaé
hoje mais (ou menos)presentequeem outrasépocasda históriada
humanidade?AutorescomoARIES (1978)eDEMAUSE (1982)sus-
tentamqueosdireitosdacriançaconheceramumavançoincontes'''' I" --,
na história,ecomotal acriançaéalvodaviolênciaemescalacadavez
menor.Ao mesmotempo,organismosinternacionaisquetratamdavi-
olênciadomésticatêmanunciadoqueos índicesdeviolênciacontraa
criança,apesardeelevados,sãosubestimadosecrescentes.A títulode
exemplo,a OrganizaçãoMundial de SaÚdeafirmouem 1986queos
casosreconhecidosrepresentavamapenasa quartapartedaquelesque
realmenteacontecemnascomunidades(citadoemSANTOS, 1987).
A explicaçãoparaessaaparentecontradiçãodeveserbuscadaem
duasvertentesdiversasecomplementares.Emprimeirolugar,épreci-
soreconhecerqueaconsciênciadaviolência,ea intolerânciaa ela,são
fenômenosrecentes.Como avançodaconsciênciacivilizada,aviolên-
cia antesostentadasedissimula,seinterioriza,manifesta-seemespa-
ços e formasantesimunesa ela (DOMENACH, 1981).Em segundo
lugar,o quehojesecompreendepor"violênciadoméstica"ou"violên-
cia contraa criança"abarcaum enormeelencodeatose fatos,ainda
carentesde umaconceituaçãorigorosa.Ambosos pontosserãoreto-
mados,masiniciemospelosegundo.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UM CONCEITO EM
CONSTRUÇÃO
I. A produçãodoconceito
DesdequeSoranoaprovouna Gréciaantigaa eliminaçãodecrian-
çasportadorasdedefeitofisico,a ciênciapoucosemanifestousobreo
138
INFÂNCIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA •••
temadaviolênciacontraa criança.O próximoregistrodisponívelna
área~neiro de1860,quandoAmbroiseTARDIEU - médicofran-
cês- publicounosAnnalesD 'HygienePubliqueetdeMédicineLégale
seu"Étudemédico-1égalesurlessévicesetmauvaistraitementsexercés
sur desenfants".Médico 1egista,TARDIEU eraativoparticipanteda
criminologiafrancesa,e comotal buscavaintegraro sabermédicoà
áreajurídica. Em seusestudosdemedicinalegal,TARDIEU identifi-
couferimentosdeetiologiadesconhecidaem32crianças,oitodasquais
levadasàmortepelaslesões;os estudoslevaram-noa concluirqueos
ferimentosteri~l;lsidoproduzidosporviolênciaousevíciaconduzidaspelospais. Est~ apenasum dos estudospublicadospor TARDIEU
sobreo temado mfanticídio.O vínculo entrea criminologiaea área
jurídicapodetercontribuídoparaqueo trabalhodeTARDIEU ecoasse
nosmeiosjurídicos:em1895,ojuristaBonjeanpublicaEnfantsrévoltés
et parents coupables, adotando as teses defendidaspor Tardieu
(PERROT, 1992).O temapermaneceuesquecidodesdeentão,paraser
retomadoapenasno início do século,nosEstadosUnidos.
Em 1925,Caffeytorna-seo encarregadodoDepartamentodeRadi-
ologiadeumHospitalInfantil emNew York. Um radiologistausual-
menteagena retaguarda,com poucocontatocom os clientese sua
históriadevida.Caffey,pediatraalémderadiologista,envolve-secom
as criançasexaminadas,com seuspais e com os temasprópriosà
dinâmicada família. A novidadedessaarticulaçãolevou-oa colher
históriasquenãoapresentavamrelaçãológicacomostraumasidenti-
ficadosnosexamesradiológicos.Dessaincoerênciaé queCaffeyfez
nascera hipótesedequeaslesõespoderiamserexplicadascomotendo
origemem agressõesdos pais, semconseguirno entantoconvencer
seuscolegasmédicossobrea etiologiadotrauma.Ainda assim,publi-
couem1946umtrabalhointituladoMultiplefracturesin thelongbones
ofinfantsu.fJeringfromchronicsubduralhematoma,insistindonames-
maargumentação.Em 1951,Silvermann,tambémradiologista,fezeco
às interpretaçõesde Caffey,e atribuiuo fator intencionalàs injúrias
identificadas,relacionandootraumaàfamíliadascrianças.A partirde
então,algunsmédicospassaramaatentarparaosargumentosdeCaffey
e Silvennann,e em 1955Whooley e Evans criticaramdiretamentea
classemédicapelahesitaçãoemaceitarqueinjÚriasmÚltiplasemcri-
ançaspudessemsercometidasintencionalmenteporseuspais.Em 1961,
139
li1, 11
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HEBE SIGNORINI GONÇALVES
Kempe- presidentedaAcademiaAmericanadePediatria- organiza
umaconferênciasobreotema,apartirdaqualoassuntoexplodiudefi-
nitivamentenosEstadosUnidos e emto~ mundo.À realizaçãoda
conferênciaseguiu-seapublicação,emlif&de artigohojeconsidera-
do um clássico.O artigo,de autoriade Kempe,Silvermane Steele,
intítulado"The BatteredChíld Syndrome",estabeleceo conceitode
é~-;busofisic6; e foi publicadoem váriosperiódicos.Nele, os autores
âíertavamo{Ínédicosa suspeitarda síndromeem qualquercasode
criança com evidênciasexternasde negligência,contusãode órgãos
internos,inchaçodetecidosmoles,contusõesna pele,evidênciasde
fraturaspassadasou presentes,ou sintomasclínicos queparecessem
estranhosà descriçãoqueamãefaziadasinjÚriasdacriança.
O artigodeKempemarcouo usodomodelomédico,enfatizandoa
patologiadospaisabusivos.Tipificadoscomoimaturos,sexualmente
promíscuos,usuáriosdedrogasepsicopatas,ospaiseramtomadoscomo
responsáveisisoladospelaslesõese ferimentosidentificadosnascri-
anças.Na mesmalinha, muitosoutrosestudos,conduzidosprincipal-
menteporpsiquiatras,identificavamospaisagressorescomoportado-
resdecaracterísticaspsicopatológicas,sustentandoquesuapatologiaé
quejustificariaaagressãoexercidacontraosprópriosfilhos. Num se-
gundomomento,trabalhosfora daáreamédicacomeçarama questio-
nar aquelasconclusões;demonstrou-sequeapenasdois traçosdeper-
sonalidadeeramtípicosdepais abusivos:a depressãoe a ansiedade;
observou-seaindaqueessestraçosnãopodemsertomadoscomopato-
lógicos,umavez queconstituemreaçõescomunsao estressecrônico
ou agudo(Wolf, 1985,apudBELSKY, 1993).Pesquisadoresda área
socialemgeral,edaSociologiaemparticular,passaramentãoa traba-
lhar sobreo temada violência contracriançascolocandoênfasena
questãodo estresse;essesestudosmostraramquea m,l qualidadede
vida (pobreza,desemprego)são fatoresgeradoresde estresse,o que
nãoimplicaestabelecerassociaçãomecânicaentrepobrezaeabusomas
estabeleceo vínculoentreo abusoefatoressociaismaisamplos.Essas
pesquisasmostravamque,emborao abusoestivessepresenteemtodas
asclasses,eramaiscomumentreoperáriosefamíliascommenorgrau
de instrução,sujeitosa condiçõesdevida maisprecáriaseexpostosa
riscosmaisagudosdeestresse(BELSKY, 1993).
A contribuiçãodaPsicologiaaoestudodaviolênciacontraacrian-
140
"~
INFÂNCIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA •••
çavemcolocarênfasenadinâmicadorelacionamentofamiliar.Toma-
da comoo lugarondea violênciaeclode,a família abusivacom~ a
serestudadadopontodevistadesuadinâmicainternae externa!Pes-
quisadorescomoGarbarinoe Crouterdefendemqueo isolamentoso-
cial dafamíliaéumimportantefatoraprecipitaraocorrênciadeeven-
tosviolentos.O distanciamentoda vida comunitária,argumenta-se,
sujeitaafamíliaacondiçõesdeestresse,namedidaemquetornaescas-
sasasatividadesdelazer,bemcomoreduza possibilidadedeauxílio e
apoioemmomentosdificeisdoconvíviofamiliar (BELSKY, 1993).1
BELSKY (1993)atribuia Bronfenbrennera grandealteraçãoque
seproduziu,então,nosmodelosqueanalisamaviolênciacontraacri-
ança:o abusoéhojeamplamentereconhecidocomoprodutodemÚlti-
plasdetenninações,efeitodeforçasqueatuamemconexãono indiví-
duo,nafamília,nacomunidadee nacultura.Segundoapostulaçãode
Bronfenbrenner,o quedeterminase o abusovai ocorreré o balanço
entrefatoresdeestresse(oupotencializadores,ou derisco) e suporte
(ou compensatórios,ouprotetivos).A essemodelo,Co1'I'aI~QnOU-se
chamarecológico.
Nessanovaótíc<p;algunsfatoresjá correlacionadosaosabusofo-
ramreinterpretados.01sesabiaquealgunstraçosdapersonalidadedos
pais (depressãoe ansiedade)precipitavamaviolência,e quealgumas
característicasdas crianças(temperamentodifícil, retardomentale
hiperatividade)tornavam-nasvítimaspreferenciaisdo abusoJNo mo-
delo ecológico,entende-sequeessesfatoresnão podemser tomados
comodetenninantesdoabuso,masantescomofatoresqueprecipitam
aviolêncianasfamíliasexpostasaoutrascondiçõesderisco,taiscomo
crisesfinanceirasou emocionais.Decorredaí quea intervençãoque
visea minoraraocorrênciaeosefeitosdaviolênciaésemprepromis-
soravisto que,Giãohavendouma causaÚnica,não há tambémuma
soluçãoÚnicájl prevençãoeo t:çatamentodaviolênciacontraacriança
podemchegara resultadossatisfatóriosatuandosobrequalquerdas
causas,ouqualquersubconjuntodecausas.Mas oqueéumavantagem
podesertambémum obstáculo.A literatura,argumentao autor,não
permiteindicarquaismedidassãomaisefetivas,nemquaissãoosas-
pectosmaisfacilmentepassíveisdemodificação(BELSKY, 1993).10'-
quesobressaino modeloéquea família estáimersana cultura,e é a
culturaqueestabeleceasbasesquepermitemdiferenciarentreo queé
141
'><
",I'(
,,//"
HEBE SIGNORINI GONÇALVES
aceitocomonãoviolentoe o queécondenadocomoviolento.Osfatos
quetêmlugar"no cursodevida de um indivíduo, emsuafamília ou
commiidade,vinculam-se,aindaqueparcialmente,aocontextocultu-
ral maisamploqueenvolvepess0,a,s,casasebairros"(Bronfenbrenner,
citadoemBELSKY, 1993:422).)Assim,valorese normassociaispo- ,-,
~ <
demcontribuirparaa aceitaçãoou mesmoparaa tolerânciadoabuso -f~
contracrianças(KORBIN, 1988)~1
Como sevê,o conjuntode salJeresproduzidonessepercursoam-
I,pliou a óticadeanálise:~tes concebidocomoprodutodapersonalida-
lI" dedoentiadospais,o abusopassaaserrelacionadoàscondiçõesgerais
'i , devida dafamília,à dinâmicadasrelaçõesintraeextrafamiliareseàs
\\concepçõesglobaisdasociedadesobreinfânciaepráticasdeeducação
Ilecriaçãoinfantil.A violênciacontraacriançacomeçaasercontextua-
lizada,vistaemsuasimplicaçõeslocaiseculturais"._
KORBIN (1991)lembraqueem 1961,quandoo temadaviolência
contraa criançapassouamereceraatençãodeespecialistasnorte-ame-
ricanoseganhouespaçonamídia,estudiososdeoutrospaísesnegaram
ocorrênciassimilaresemsuasnaçõesdeorigemparasómaistardepas-
sarema reconhecere estudaro fenômeno.Estesestudosvierama de-
monstrarquevaloresculturaistêminfluênciaimportantesobreasformas
eaincidênciadaviolênciacontraacriemça.Em culturasondeapunição
,jlsica é rard,o abusode criançasé tambémincomum.Contaaindaa
'!~!itudegeraldasociedadeparacomacriança,emparticularacrençade
quea criançaéumapropriedadecoma qualospaislidamcomomelhor
lhesaprouver.Emoutraspalavras,atolerânciasocialparaaltosníveisde
violênciapaviinentao terrenoparaaocorrênciadaviolênciafamiliar.
A partir dessaconsideração,fundadaespecialmentenaAntropolo-
gia, diferençasculturaispassarama sertomadasemconsideraçãono
i;üerior dosmodelosteóricosdeanáli~e-.dgudQl~ciacontraa criança.
E combasenavisãoantropológicaqU\ KORBINJsustentaque,naprá-
tica,é impossívelchegara umadefiniçãouniversaldeabuso:seavio-I), I
lência ocorreno interiordacultura,sódeveserdefinidacombaseem I .
seusparâmetrosespecíficos.Os estudostransculturaisconsideramqueV1/
a defiriiçãodo queé "bom"ou "mau" paraa criançadependebasica-
mentedospadrõesculturaisnosquaisafanúliaeacriançaestãoinseridas
(KORBIN,1988; KORBIN, 1991).De talprincípio decorremimplica-
çõesimportantesparaoestudodotema.
142
-,
INFÂNCIA E VIOL~NCIA DOMÉSTICA •••
A primeiraimplicaçãoé quesedeveabrir mãodedefiniçõesuni-
versaisdoabuso,vistoqueumatosósetornaabusivoesótrazprejuí-
zosparaacriançasea culturaespecíficalheconferesignificaçãonega-
______ ~------------ ,-o .---- •.----- .•..-- •.- ...• '---.~- .---.-- .••.---..-----.-.~~ ,.'--" ••.-.,.-"- -
~a. Assim, qualquerdefiniçaouniversaldeveantessÚbnieter-seao
crivo particulardogmposocialemestudo.KORBIN (1988)chamaa
atençãoparaquedefiniçõesculturalmenteapropriadasdevemlevarem
contaumolharinternoàcultura(emicperspective)assimcomoo olhar
de um observadorexterno(eticperspective).A primeiraperspectiva
refere-seaossignificadostais comosãoentendidospelos sujeitosde
umamesmarealidadefllltural, ea segundaaossignificadosdadosporobservadoresexternos,---KORBIN propõequeabusoe negligênciase-I'
jamdefinidoscomoo danopara a criança quer~~çultadiretamentede!I
umaaçãoproscritaquesepodeprevenir(p. 68).:Estadefinição,susj!
tentao autor,serveadoispropósitos:distingueoãbusoea negligência
deoutrosproblemassociais,econômicose desaÚdequeafetamigual-
menteacriançaeafamília,aomesmotempoqueseaplicaaoelencode
situaçõesquevariamna dependênciadocontextosocialecultural,nas
diversasnaçõesecomunidades(KORBIN, 1991).
Como sevê, há ainda muitapolêmicaem torno do tema,e essa
polêmicaterminapor setraduziremdefiniçõesdeviolênciaqueguar-
dam diferençasimportantesentresi. Algumas definiçõessão mais
abrangentes,abarcandotodae qualquerformadeabuso,inclusiveas
maisbrandas,enquantoqueoutrasrestringema aplicaçãodo termo
apenasàsformasmaisgraves.Por exemplo,umalevepalmadapodeou
não serconsideradaum atodeviolênciafísica, conformeo autor.As
divergênciasna conceituaçãosãocontaminadasaindapeladiferença
cultural,já queum comportamentopodeser consideradoabusivoem
umacultura,enãoemoutra.Por exemplo,a manipulaçãodagenitália
debebêspodeserclassificadacomoabusivaempaíseseuropeus,masé
tidacomodemonstraçãodeafetoemalgumascomunidadesafricanas.
Ocorrequedestasdivergências,nemsemprenítidas,derivamestimati-
vasdiferentesquantoà incidênciadeabusoe, maisimportanteainda,
práticasdiversasnosprogramasdeintervençãoetratamento.
2. Implicaçõesdapolêmicano dimensionamentodaviolência
No anode 1984,realizou-senaFinlândia umlevantamentonacio-
naldaincidênciadeviolênciacontracrianças;osresultadosindicaram
143
HEBE SIGNORINI GONÇALVES
quenaqueleano18%dascriançasfinlandesashaviamsofridoalguma
formadeviolêncialevee5% haviamsidovítimasdeabusosgraves.O
mesmoestudo,repetidoapenasumanomaistarde,encontrou72%de
vítimas deviolêncialevee 8%vítimasde abusosgraves(HUERTAS,
1997).Em 1992,oNationalCenteronChild AbusePreventionResearch
estimouque20%detodasasmulherese7% detodososhomensame-
ricanosjá teriamsidovítimas, pelo menosumavez, de episódiode
abusosexualnainfância(MARQUES, 1994).No Brasil, estima-seque
6 milhõesdemeninase3,1milhõesdemeninosa cadaanosejamvíti-
masdeagressõessexllais(AZEVEDO e GUERRA, 1993).
HUERTAS (1997)nãooferecedetalhesdoslevantamentoscondu-
zidosnaFinlândia,masa significativaelevaçãodosíndicesdeviolên-
cia contraa criança,entreos anosde 1984e 1985,sugerealgumas
indagações.Teriahavidona Finlândia,entreosanosde84e 85,uma
sÚbitaexplosãodeviolência?Ou seráqueo levantamentode 1985fez
usodeumconceitomaisabrangentedeviolência,numreflexodaquilo
queKORBIN (1991)já referiucomoo reconhecimentoprogressivoda
existênciado fenômeno,depoisdeHelfer eKempehaveremestabele-
cido o conceitodeabusonosEstadosUnidos?No campodaviolência
sexual,asestatísticasbrasileirasenorte-americanasapontamumapro-
porçãodiferentedevítimasconformeo sexo.Pode-sesuporcomisso
queosmeninosbrasileirosestãomaisexpostosqueosnorte-america-
nosao abusosex1.tal?
Tem-se aqui os primeirosproblemasdecorrentesda imprecisão
conceitual.Cadaestudodeincidênciapauta-seemumadefiniçãoespe-
cífica do queconsideraabuso,e portantoos levantamentosretratam
realidadesparticulares,aindaqueserefiramaumamesmabasecultu-
ral egeográfica.Comonemsempreseconhecemosconceitosquere-
gemo levantamentodedados,a comparaçãopodesetornarinócua,ou
mesmoenganosa.Esseproblematorna-seaindamaisgravequandoa
comparaçãoéfeitaentreculturasdistintas,já queosdadospercentuais,
resultantesdosdiversoslevantamentos,poucosignificampersi. Como
MINAYO (1997)já lembrou,os estudosepidemiológicossãoimpor-
tantesmasnãosuficientesparaapreendera complexidadeestmtural,
cultural e conjunturaldo fenômenoda violência. Eles oferecemum
suporteimportanteparaapreendera dimensãodofenômeno.Mas de-
vemsercomplementadosporanálisesqualitativase,aindamaisimpor-
144
INFÂNCIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA •••
tantequeisso,permitemconclusõesapenasesomentenouniversoana-
lisado,impedindogeneralizaçõesparaalémdaconjunturaemquese
produzem.
JPor conjuntura,entenda-seinclusiveahistóriadaproduçãodocon-
ceÚadeviolênciacontraacriança.As estatísticasindicamumnÚmero
cadavezmaiordecasosconhecidosdeviolênciadepaiscontrafilho(2
Mas issonãosignifica necessariamenteumaampliaçãodo fenômeno
daviolência.É precisoconsiderar,emprimeirolugar,queabusoe ne-
gligênciasãoconceitosmuitorecentes,e osdadosreferem-sena me-
lhor dashipótesesaumperíododeapenas30anos,curtoparasereco-
nhecersuareal extensão;em segundolugar,os conceitosrecentes,e
aindamuitocontroversos,divergememtermosdeseveridade,falamàs
vezesdeviolênciaepisódicae outrasvezesdeviolênciacrônica,e re-
fletemfenômenosdiferentes,dificultandocomparaçõesentrepaíses,
ou entreperíodos,ao longodasÚltimastrêsdécadas.
A partir de extensolevantamentoda literatura,BELSKY (1993)
apontaoutrasdificuldadesdapesquisanaárea.A primeiradelasreside
na discriminaçãoentreosvários tiposde abuso;embora~_!iteratura
admitaquatrotiposdeabuso(abusojlsico, abusosexual,abusopsico-
lógico e negligência),atéhojea maiordificuldaderesideemfazer a
distinçãopráticaentreestestipos.A maioriadosestudosanalisavários
tiposde abusoao mesmotempo~-etodosos indíciosapontampara a
hipótesede qUC,llviolêncianãoexistaemestado"puro", sendomais, -l
pr_º-,::ável_m'-~i1sd~ver.~';lsforIllas_c1~.aQusoseassocien~_indicandoum
feIl~m~~~~o-mórbicio.A segundadific~ida{fedlZresI>eltoàdef111Íção
préviadofenômenoa serinvestigado.Quandoospesquisadoresvãoa
campo,precisamantesdemaisnadalocalizaroscasosa seremestuda-
dos,e a fontemais comumsãoas agênciasdeatendimento.Ao usar
comofontede estudoos casosdas agências,os estudosvalem-sede
umaqualificaçãoqueresultadenegociaçõesentreafamíliaeasautori-
dadesjurídicas, e não decritériospredefinidos,dadospelaliteratura,
como seria desejável. Um terceiro problema são as técnicas de
amostragemquedefinemosgruposestudados,queporutilizaremclas-
sificaçãobaseadanaconveniênciaounaoportunidade(sic),produzem
amostrasinadequadas,viesadas,e comissocomprometemtodaa in-
vestigação.Mais importante:é nessesresultadosqueas agênciasde
atendimentopautamseusprogramasdeação,eénessesresultadosque
145
HEBE SIGNORINI GONÇALVES
sepautaa legislaçãoacercadaviolênciacontraacriança.Essaéamais
importanteimplicaçãodacontrovérsiaconceitual.
3.Jmplicações dapolêmicano trato social e jurídico do tema
r Emboraos autoresmaisconceituadosna áreareconheçamo peso
dos-determinantesculturaise sociaisna ocorrênciado abuso,é certo
que- por definição- a violênciadomésticatemlugar no interio~_da
família, e maisespecificamentefala da relaçãoentrepais e filhos. A
títulodeexemplo,sãotranscritasaseguiralgumasdefiniçõesadotadas
na literaturanacional:
- Maus-tratosí1sicosé o usoda força tlsicade formaintencional,não
-acidental, ou os atosde omissãointencionais,nãoacidentais,pratica-
dos por partedos pais ou responsáveispelacriançaou adolescente,
com o objetivodeferir,danificarou destruir estacriançaou adolescen-
te,deixandoou nãomarcasevidentes(MONTEIRO FILHO e PHEBO,
1997:10).
Os maus-tratosna infânciasãogeralmenteimpostospelosprópriospais
ou responsáveis,presentesindistintamenteemtodasas categoriassó-
cio-econômicas,não respeitandocredo,raçaou cor (SANTOS, 1987:
75).
A violênciadomésticacontracriançase adolescentesrepresentatodo
atoou omissãopraticadoporpais,parentesou responsáveiscontracri-
ançase/ouadolescentesque- sendocapazdecausardanoí1sico,sexu-
al e/ou psicológicoà vítima- implica,de um lado,umatransgressão
do poder/deverde proteçãodo adultoe, de outro,umacoisificaçãoda
infância, isto é, uma negaçãodo direitoquecriançase adolescentes
têm de ser tratadoscomo sujeitose pessoasem condiçãopeculiarde
desenvolvimento(GUERRA, 1998:32-33) .~
Definir aviolênciacontraacriançacomofenômenoquetemlugar
na relaçãoentrepais e filhos não implica queasagênciasde atendi-
mentodevamrestringir-seaatuarnessaesfera.A definiçãodeabusoe
negligênciaéumguiaparalocalizarofenômeno,masdeformaalguma
ésuficienteparapautarosprogramasesustentaraçõesquetenhampor
propósitominorá-lo.O quesetemvisto,contudo,é quea definição,
tomadaisoladamente,condicionaper si a ação,mesmoquandoo dis-
cursoreconheceosavançosqueinscrevemaviolênciacontraa criança
na culturae nasociedade.Com essamanobra,sustenta-seuma inter-
146
INFÂNCIA E VIOLêNCIA DOMÉSTICA •••
vençãotécnicaqueinterferedemodoquaseexclusivosobreaspráticas
educacionaisno espaçoprivadodafamília.
EssenãoéumproblemaexclusivodoBrasil.Ao comentarasrecen-
tesmodiflcaçõesnalegislaçãocanadense- tidapormuitosautorescomo
a maisavançadaemtermosdotratamentodispensadoàviolência se-
xualcontracrianças-, SULLIVAN afirmaque:
1=~ltravésdacriaçãodaviolênciasexualenquantoumacategoriaunificada
a sertratadacomo Ülto empírico,o Comitêimpedea investigaçãode
suascausasou atributossociais;como, por exemplo,a característica
patriarcalda família e das relaçõesdomésticasnestasociedade,e a
questãodo motivo,nestecontexto,pelo qual a violênciarelacionada
ao sexo é perpetradaprincipalmente por homens heterossexuais
(SULLIVAN, 1992:99).
A tensãopolíticaé,assim,transformadaempatologiaindividual.
Corre-seo risco,comisso,decircunscreveraoespaçofamiliar um
fenômenoquetemraízessociaiseculturais,efazerdaviolênciacontra
a criançaum dispositivodecontrolesobreafamília,aexemplodoque
já seviu com a figura do criminoso'(FOUCAULT, 1987)e com os
dispositivos higiênicos que fundaram a família nuclear moderna
(DONZELOT, 1980).No campodaviolênciadoméstica,a evolução
teóricamostrouseresteum fenômenoqueresultadefatorescomple-
xos,queinteragemnafamília, indicandoafaláciadetentarminorá-Io
agindoapenassobreo espaçoprivadodafamília.Não obstante,con-
formecriticaKELLY (1989),grandepartedosestudose dosprogra-
masnorte-americanoseeuropeusaindainsisteemadotarum enfoque
empiristaepositivista,apresentandoe tratandoaviolênciadoméstica
comoumproblemadeordemindividual,familiar,psicológicaoumes-
modeclassesocial.
Outroproblemaadvémda generalizaçãoindevidade estudosepi-
demiológicos,o que tem levadoalguns profissionaisde saúdeque
atuamjunto~criançasvítimasdaviolênciaabuscarno sujeitoo efeito
traumáticodaviolência,surpreendendo-sequandonão o encontram.
Supondocomonecessárioqueaoabusosegue-seotrauma,osprofissi-
onaisesquecem-seporvezesqueossujeitostêmdireitoà singularida-
de, ou mesmoquepodemcontarcom algum nível de suporteque
147
HEBE SIGNORINI GONÇALVES
minimize O efeitodaviolência sofrida.Por exemplo,ao relataremo
atendimentoa criançasabusadas,BRUNET eDUBOURGEAL-QUEY
(1994:57)afirmamteremencontrado"com freqÜência'criançasque
desestabilizamasequipespordarema impressãodenãohaversofrido
com suasituação[deabuso]"(os grifos sãomeus).Uma intervençãq
fundadana premissade quea criançaé portadoranecessáriade um
distúrbio,aindaqueestenãoestejavisível,podeincutirno sujeit()um
~sentimentodeinadequaçãoeproduzirefeitostãoperniciososguantoaJI.- - . "'. " .. , __ .'.__ ._.,_. _
11própriayi2!ência: .'
O risco maÍorem definirprogramasdeatendimentotomandopor
baseestudosconduzidosempaíses,culturasouperíodosdiversosda-
quelesnos quaíssepretendeagir é qud~faltadeparâmetrossegurosI} ~_
!para iniciar um processode íntervençãona dinâmicada família e a
ausênciadeindicadoressobreaeficáciadessaintervenção,terminapor
justificaro quequerquesefaçaemnomedobem-estardeumacriança
I sujeitaàviolêncianolar.Taisprogramascolocamparaafamíliaorisco
deserinvadidaporaçõesquenãosesabeporquecomeçar~m,nãotêm
garantiasdeeficáciaenãosesabecomoeporqueparar._
A verdadetransitóriaea discordânciadominantenesseterrenonão
impedem,contudo,queleiscontinuemaserprom~llgadas,quefamílias
sejamseparadas,equesevivahojesoba égidedeumaintervençãoque
podesertãoprejudicialeviolentaquantoo atoquea gerou._Crianças
de tenraidadesãoacusadasde assédiosexualemrazãodeum terno
beijo na face de um amigo. Famílias sofremo efeitodevastadorda
suspeitadeincestocometidopelafigurapaterna.Exagerosgeradospor
um saberincipiente,masqueaindaassimpromoveefeitossociaiscon-
cretos.
Hoje,ganhaforçao movimentomundialpararegular..nentarjuridi-
camenteo controlesobrea violência contracrianças!.N:0Brasil, al-
guns autoresdefendemque os agressoresdevemser alvo de trata-
mento,alémdanecessáriapun.!ção,comoforma decontenção(AZE-
VEDO eGUERRA, 1997:13).Discute-se,alémdisso,acriminaliza-
çãodoabusocontrafamiliares;-como encarceramentodosagressores..
O esforçopelaadoçãodemedidasjudiciárias temsido reforçadope-
los dispositivosinternacionaisquetratamdotema.A Convençãoso-
bre os Direitos da Criança, adotadapela AssembléiaGeral da ONU
em 1989,proclama:
148
INFÂNCIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA •••
Art. 19- 1- Os EstadosPartesadotarãotodasasmedidaslegislativas,
administrativas,sociaise educacionaisapropriadasparaprotegera
criançacontratodasas formasde violênciafisicaou mental,abusoou
tratamentonegligente,maus-tratosou exploração,inclusiveabusose-
xual, enquantoa criançaestiversoba custódiados pais,do represen-
tantelegalou de qualqueroutrapessoaresponsávelpor ela.
Art. 19 - 2 - Essasmedidasde proteçãodeveriamincluir, conforme
apropriado,procedimentoseficazesparaa elaboraçãode programas
sociaiscapazesde proporcionarumaassistênciaadequadaà criançae
às pessoasencarregadasde seucuidado,bemcomoparaoutrasformas
de prevenção,paraa identiticação,notificação,transferênciaa uma
instituição,investigação,tratamentoe acompanhamentoposteriordos
casosacimamencionadosde maus-tratosà criançae,conformeo caso,
paraa intervençãojudiciária.
Desdequeo temafoi inseridona legislaçãointernacional,vários
outrospaísesbuscaramuma"atualização"deseuscódigosjurídicos,
naintençãodeadequar-seaprincípiosqueacomunidadeinternacional
definiacomoosnovosdireitosdainfâncianaeramoderna.A Escócia,
quecriminalizavaoincestocombaseno Leviticus,livro bíblicodatado
de 1567,promulgaem1986o IncestandRelatedOflences/lct (BELL,
1993).A legislaçãocanadensedatade 1991.As legislaçõesdosdiver-
sospaísesvão,poucoapouco,incorporandoo dispostona Convenção
daONU. O Brasil nãoconstituiexceção.A ConstituiçãoFederalbrasi-
leira traz ao cenáriojurídico nacional,em'1988,um temaatéentão
relegadoa l~gislaçõesmenores:aregulaçãodaviolênciano interiorda
família.Q art.226,emseuparágrafo8°,afirma:
Art 226,§ 8' - O Estadoasseguraráa assistênciaà família,napessoa
de cadaum dosquea integram,criandomecanismosparacoibira vio-
lênciano âmbitode suasrelações.
Emjaneiro de 1990,O Brasil ratificoua ConvençãosobreosDirei-
tosdaCriançae emjulho domesmoanopromulgoua Lei n°8.069,o
EstatutodaCriançae do Adolescente,queinclui o temadaviolência
emváriosartigos,dentreosquaisdestacam-se:
Art. 5 - Nenhumacriançaou adolescenteseráobjetode qualquerfor-
ma de negligência,discriminação,exploração,violência,crueldadee
149
I,
yX:.
Apenasnasegundametadedo séculoXX aviolênciafoi qualifica-
da comoo mal do século,e apontadapelaOrganizaçãoMundial da
Saúdecomo um fenômenoendêmico,responsávelpor significativo
percentualdos gastosdo sistemainternacionalde saúde(MINAYO,

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