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1 Centro Universitário de Patos de Minas Patos de Minas, agosto de 2011 2 Professores Agenor Gonzaga dos Santos Carlos Roberto da Silva Elizene Sebastiana de Oliveira Elisa Aparecida Ferreira Guedes Duarte Fátima Aparecida dos Santos Geovane Fernandes Caixeta Gisele Carvalho Araújo Caixeta Moacir Manoel Felisbino Centro Universitário de Patos de Minas 3 Caros alunos, A disciplina Linguagem e Comunicação consta da grade curricular do curso escolhido por vocês. Isso mereceria algumas justificativas acadêmicas, mas não queremos nos dirigir a vocês como “professores de português”. Dirigimo-nos a vocês como facilitadores no aprimoramento de suas habilidades lingüísticas. Linguagem e Comunicação está presente nos primeiros semestres de quase todos os cursos de graduação deste país – isso já mostra sua importância na formação profissional de qualquer estudante. Infelizmente, os anos anteriores de formação escolar não foram suficientes para o aprimoramento de tais habilidades. O acadêmico tem, na faculdade, uma das últimas oportunidades para desenvolver sua capacidade de expressão por meio da língua, seja na modalidade falada, seja na modalidade escrita. Se perdida essa oportunidade, ou mal aproveitada, poderá sofrer punições principalmente no mercado de trabalho, caso consiga ingressar-se nele. Sabemos que, no nosso dia-a-dia, não comunicamos por meio de palavras – elas existem apenas no dicionário. Comunicamos, sim, por meio de textos. Nossas relações pessoais ou profissionais realizam-se por meio de textos que (co)produzimos com nossos semelhantes. Tecemos idéias, tecemos compromissos. Sem o domínio eficiente da língua, sem o domínio da feitura de textos, não conseguiremos nos mover neste mundo marcadamente tecnológico. Marcadamente sem fronteiras. Marcadamente informativo. Mundo de exigências, então! Nosso papel no curso escolhido por vocês, caros alunos, é contribuir para que a formação de vocês esteja, também, respaldada pelas exigências deste mundo em que informações, que são textos circulantes, são extremamente necessárias para o desempenho profissional. Mesmo que, no futuro profissional, vocês não precisem escrever textos, não precisem ministrar palestras ou seminários, a desenvoltura lingüística poderá lhes garantir possibilidades de crescimento ininterrupto, já que irão (co)produzir textos menos formais em suas relações. Não há profissional isolado; há, sim, aquele que tece conhecimentos, que troca idéias, que comunica achados e os compartilha. E isso é o que nós chamamos de produção de textos. Produzir um texto falado ou escrito é uma atividade que se aprende, por ensaio e erro. Não é privilégio de poucos, mas direito de todos. O seu curso proporciona esse direito. Na nossa disciplina Linguagem e Comunicação, possibilitamos a vocês mecanismos de compreensão de textos, nos aspectos lingüístico, argumentativo e expressivo, para que desenvolvam suas habilidades de interação. Neste mundo sem limites para a troca de informações – vocês sabem o que a tecnologia pode fazer –, a partilha de textos, ou com amigos, ou com colegas de profissão, pode ser, também, o percurso para uma vida feliz e realizada. Sem textos, não há amigos, não há profissionais, não há homens. Esperamos – e acreditamos nisto – que a prática de textos seja um instrumento-chave na participação da vida social, profissional e intelectual. Oferecer, portanto, a vocês instrumentos para capacitá-los nessa empreitada é nosso dever! Os professores 4 Sumário CARTA AOS ALUNOS ...................................................................................... 3 NOSSO MAIOR DIREITO ...................................................................................... 6 PLANO DE ENSINO ......................................................................................... 7 01 LINGUAGEM E SOCIEDADE ............................................................... 10 1.1 Informação e conhecimento ................................................................... 10 1.1.1 Quem sabe .......................................................................................... 10 1.1.2 Onde mora a inteligência .......................................................................... 12 1.2 Linguagem, indivíduo e profissão ............................................................. 13 1.2.1 Língua e poder ..................................................................................... 13 1.3 Texto e sua circulação .......................................................................... 14 1.3.1 Intenções do produtor .......................................................................... 15 1.3.1.1 Textos e atividades .............................................................................. 16 1. 3.2 Diversidade textual.............................................................................. 17 1.3.2.1 Textos e atividades .............................................................................. 17 1.3.3 Polifonia e intertexto ........................................................................... 34 1.3.3.1 Textos e atividades .............................................................................. 34 02 TEXTO E SUA TEXTUALIDADE .......................................................... 39 2.1 Coerência textual ................................................................................ 39 2.1.1 Textos e atividades .............................................................................. 40 2.2 Coesão textual ................................................................................... 46 2.2.1 Textos e atividades .............................................................................. 49 2.3 Parágrafo, estrutura e articulação ............................................................. 55 2.3.1 Textos e atividades .............................................................................. 56 03 PROCESSOS DE COMPREENSÃO ........................................................ 64 3.1 Sentido literal e não-literal .................................................................... 64 3.1.1 Textos e atividades .............................................................................. 65 3.2 Atividade inferencial ............................................................................ 67 3.2.1 Informações implícitas .......................................................................... 67 3.2.1.1 Subentendidos e pressupostos ................................................................. 68 3.2.1.1.1 Textos e atividades .............................................................................. 69 3.3 Estrutura da argumentação .................................................................... 74 3.3.1 Recursos e falácias da argumentação ......................................................... 78 3.3.1.1 Textos e atividades .............................................................................. 79 5 04 PRÁTICA DE TEXTOS ....................................................................... 83 4.1 Dossiê Cotidiano e Atualidades .................................................................. 83 4.1.1 Artigo de opinião ................................................................................ 83 4.1.2 Textos e atividades .............................................................................. 83 4.1.3 Sugestão de atividade ........................................................................... 944.2 Dossiê Política e Economia ....................................................................... 95 4.2.1 Resumo ........................................................................................... 95 4.2.2 Textos e atividades .............................................................................. 96 4.2.3 Sugestão de atividade ........................................................................... 98 4.3 Dossiê Arte e Cultura ............................................................................. 100 4.3.1 Resenha ........................................................................................... 100 4.3.2 Textos e atividades .............................................................................. 101 4.3.3 Sugestão de atividade ........................................................................... 103 4.4 Dossiê Biodiversidade, Ecologia e Meio Ambiente ............................................... 107 4.4.1 Artigo científico ................................................................................. 107 4.4.2 Textos e atividades .............................................................................. 108 4.4.3 Sugestão de atividade ........................................................................... 128 4.5 Dossiê Tecnologia e Comportamento ............................................................. 128 4.5.1 Seminário ......................................................................................... 128 4.5.2 Organização de seminário ...................................................................... 129 4.5.3 Sugestão de seminários ......................................................................... 130 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 6 Nosso maior direito Você já pensou na maravilha que é pensar? Poder pensar? Por que maravilha? Nem sei como explicar, mas ter consciência de que se está pensando é extraordinário; quantas vezes na vida você se deu conta de que estava pensando e na liberdade que se tem quando se pensa? Pensar nos leva de um deserto na Mongólia ao palácio de um rei, do sofrimento mais doloroso à mais escandalosa das felicidades, do ódio à paixão, da descrença à mais profunda fé, até da doença à saúde -e vale o vice-versa. Pensar: o maior privilégio que alguém pode ter. As guerras, as revoluções, as obras de arte, os filmes, os livros, tudo, absolutamente tudo, só existe porque um dia, em algum lugar, um homem pensou, e há quem afirme que a força do pensamento pode até fazer com que as coisas aconteçam. Todas não sei, mas algumas, com certeza. É divertido pensar; quando se pensa não há censura, nada é pecado, proibido ou contra a lei. Talvez seja, verdadeiramente, a única liberdade total que se tem. Muitas pessoas talvez nunca tenham prestado atenção em seus próprios pensamentos: pois deviam. Essa prática pode ser melhor do que muitos filmes e muita conversa fiada, mas difícil, para quem não está acostumado. Você sabia que há muita gente que passa a vida inteira sem se dar conta do privilégio que é poder pensar? Uma maravilha e também um perigo: basta que se fique "pensativa" para que alguém pergunte "o que você tem? Está pensando em quê?" Nada desestabiliza mais um grupo do que perceber que uma das pessoas está longe, pensando. Pensar é perigoso; é pensando que se descobre que a vida não está boa mas que pode mudar, que o país vai bem mas poderia ir muito melhor, é pensando que se pode transformar nossa vida e o mundo. Nelson Mandela disse que tinha saudades do tempo que passou na prisão, porque preso ele tinha tempo para pensar. No nosso dia a dia, quando sobra um momento para se estar só, inventa-se imediatamente alguma coisa para fazer, para evitar o perigo maior que é pensar. Ninguém – ou pouquíssimas pessoas- está completamente feliz com sua vida pessoal, seus amores, seu trabalho. Mas durante a novela ninguém está pondo em questão se poderia fazer alguma coisa para ser mais feliz. Será que os altos homens de negócios já pararam para pensar se vale a pena trabalhar tanto, se não têm nem tempo para gastar o dinheiro que já têm? E para que mais dinheiro? Para ter mais cinco pares de sapato, três bolsas, 12 camisetas? É muito bom ter um carro do ano, mas se ele fosse de 2007 seria tão diferente? E essa mania de acumular, para deixar uma herança para os filhos, isso no fundo é um problema político. Todos sabemos que em alguns países a educação, a saúde e a aposentadoria são garantidas para toda a população, que sem precisar se preocupar tanto com o futuro, vive mais feliz -com menos frescuras, mas com mais alegria. Está vendo no que dá, pensar? Pensar é perigoso e subversivo, e uma coisa é certa: quem não pensa apenas faz o que os outros mandam: usam a bolsa da mesma grife porque inventaram, começaram a fumar e deixaram de fumar porque inventaram, e correm o risco de votar errado porque inventaram que quem tem carisma pode ser um bom presidente. Quem não pensa não escolhe, e são as escolhas que podem mudar. (LEÃO, Danuza. Nosso maior direito. Folha de S. Paulo, São Paulo, 25 julho 2010, p. C2) 7 Plano de ensino de Linguagem e Comunicação EMENTA A noção de linguagem como interação e o domínio de mecanismos lingüísticos (gramaticais) e discursivos que permitam ao usuário da língua não só a leitura eficiente de textos variados, mas também a produção deles, a fim de que possa interagir e atuar sobre o(s) outro(s), social e profissionalmente. OBJETIVO GERAL • Proporcionar aos educandos conhecimentos teóricos e práticos que os levem a ler e a produzir textos de maneira eficiente, considerando o interlocutor, o contexto de produção, a circulação e o papel dos textos numa dada comunidade. OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Refletir com os educandos sobre a importância da circulação de informações na construção do conhecimento, sobre o papel da linguagem como meio de sobrevivência e como instrumento-chave nas relações sociais e profissionais. • Provocar nos educandos, junto com a prática de produção de texto, reflexão sobre os fenômenos lingüísticos, a consciência de sua diversidade e não a simples repetição mecânica de regras. • Mostrar aos educandos que a produção eficiente de um texto resulta de operações que envolvem a língua e o raciocínio e não de um dom inato, o que equivale dizer também que escrever se aprende, por ensaio e erro, não sendo privilégio de poucos, mas direito de todos. • Possibilitar aos educandos uma melhor compreensão de textos, nos aspectos lingüísticos, argumentativos e expressivos, para que desenvolvam a habilidade de interação nas modalidades escrita e falada. • Oferecer aos educandos mecanismos que os conduzam a uma adequação lingüístico- pragmática quanto às diversas tipologias e gêneros textuais, para que a prática da linguagem escrita seja um instrumento-chave na participação da vida social, profissional e intelectual. • Desenvolver nos educandos a capacidade de reflexão de natureza multi e interdisciplinar, para que possam desempenhar, por meio do domínio da língua(gem), suas atividades futuras, de modo globalizante. • Despertar nos educandos o interesse não só pela leitura variada de textos de temáticas atuais mas também pela produção deles, tanto nas relações diárias de convivência quanto nas profissionais. 8 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO 01 LINGUAGEM E SOCIEDADE 1.1 Informação e conhecimento 1.1.1 Quem sabe 1.2 Linguagem, indivíduo e profissão 1.2.1 Linguagem e sobrevivência 1.2.2 Cada um com sua língua 1.2.3 Línguae poder 1.3 Texto e sua circulação 1.3.1 Intenções do produtor 1.3.1.1 Textos e atividades 1.3.2 Diversidade textual 1.3.2.1 Textos e atividades 1.3.3 Polifonia e intertexto 1.3.3.1Textos e atividades 02 TEXTO E SUA TEXTUALIDADE 2.1 Coerência textual 2.1.1 Textos e atividades 2.2 Coesão textual 2.2.1 Textos e atividades 2.3 Parágrafo, estrutura e articulação 2.3.1 Textos e atividades 03 PROCESSOS DE COMPREENSÃO 3.1 Sentido literal e não-literal 3.1.1. Textos e atividades 3.2 Informações implícitas 3.2.1 Subentendidos e pressupostos 3.2.1.1. Textos e atividades 3.3 Atividade inferencial 3.3.1 Textos e atividades 3.4 Estrutura da argumentação 3.4.1 Recursos e falácias da argumentação 3.4.1.1 Textos e atividades 04 PRÁTICA DE TEXTOS 4.1 Dossiê Cotidiano e Atualidades 4.1.1 Artigo de opinião 4.1.2 Textos e atividades 4.1.3 Sugestão de atividade 4.2 Dossiê Política e Economia 4.2.1 Resumo 4.2.2 Textos e atividades 4.2.3 Sugestão de atividade 4.3 Dossiê Arte e Cultura 4.3.1 Resenha 4.3.2 Textos e atividades 4.3.3 Sugestão de atividade 4.4 Dossiê Biodiversidade e Ecologia 4.4.1 Artigo de opinião 4.4.2 Textos e atividades 4.4.3 Sugestão de atividade 4.5 Dossiê Tecnologia e Comportamento 4.5.1 Seminário 4.5.2 Organização de seminário 4.5.3 Sugestão de seminários 05 PROBLEMAS GERAIS DA LÍNGUA CULTA ATIVIDADES PRÁTICAS SUPERVISIONADAS Os discentes farão leituras de textos variados e de fontes diversas, selecionados pelo professor, voltados, direta ou indiretamente, à área de atuação escolhida, com a finalidade de reconhecer, de interpretar e de analisar os apontamentos teóricos feitos nas aulas. Será contemplada também a produção de textos a partir das leituras recomendadas. 9 METODOLOGIA Para que se alcancem os objetivos propostos nas aulas de Linguagem e Comunicação, serão adotados os seguintes procedimentos didático-metodológicos: aulas expositivas, estudos de textos, debates, apresentação de seminários, oficinas de leitura e produção de textos. RECURSOS DIDÁTICOS Coletânea de textos e atividades, quadro, giz, textos selecionados de revistas, jornais e livros, retroprojetor, vídeo, salas de computadores e outros recursos necessários ao desenvolvimento das aulas. AVALIAÇÃO Do discente: • A avaliação, que consiste em um processo contínuo e permanente, será concebida e utilizada nesta disciplina como elemento constitutivo do processo ensino-aprendizagem que permite identificar, qualitativa e quantitativamente, os avanços e dificuldades na concretização dos objetivos propostos. Em cumprimento ao que prevê o regimento, no decorrer do semestre letivo, serão distribuídos 100 (cem) pontos, de acordo com a nova proposta pedagógica. • É fundamental ressaltar que freqüência, empenho, compromisso, atitude e participação do aluno nas aulas, em eventos e em todo o contexto da vida acadêmica são fatores de grande relevância para a configuração do painel avaliativo. • Para efeito de aprovação por freqüência, o aluno deverá assistir, no mínimo, a 75% das aulas ministradas. A chamada nominal dos alunos será realizada oralmente, em momento determinado pelo professor. Do docente: • Os alunos avaliarão o desempenho e atuação do professor por meio de instrumento avaliativo elaborado pela CPA. BIBLIOGRAFIA Básica FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e redação. 16. ed. São Paulo: Ática, 2006. FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristovão. Oficina de texto. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 15. ed. São Paulo: Contexto, 2001. Complementar ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. 4. ed. São Paulo: Parábola, 2008. DISCINI, Norma. Comunicação nos textos: leitura, produção, exercícios. São Paulo: Contexto, 2005. KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz C. A coerência textual. 17 ed. São Paulo: Contexto, 2007. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2008. GARCIA, Othon Moacir. Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever aprendendo a pensar. 12. ed. São Paulo: FGV, 1985. 10 Capítulo 1 01 Linguagem e sociedade Neste capítulo, você vai ler e discutir, num primeiro momento, textos que abordam a relação entre informação e conhecimento, a construção do conhecimento como processo e a importância da linguagem técnica nas diversas áreas do conhecimento. Num segundo momento, serão apresentados textos para que você aprimore sua visão acerca do que seja (inter)texto, sua circulação e suas intenções. Ainda neste momento, você irá ler vários textos sobre um mesmo tema para que compreenda a importância dos gêneros textuais nas suas atividades diárias, profissionais e acadêmicas. Para cada texto ou conjunto de textos, serão elaboradas atividades para reforço de aprendizagem e para discussão nas aulas. 1.1 Informação e conhecimento Neste ainda recente intercurso de séculos, uma exigência é feita: devemos ter acesso a informações. No entanto, não podemos confundir esse acesso com a construção de saberes ou de conhecimento. Ter informação não significa necessariamente ter capacidade de produzir conhecimento. É consensual, porém, que informações recebidas são necessárias à elaboração de conhecimento. A evolução do homem foi e é garantida, em grande parte, pelo fluxo de informações e pelo conhecimento resultante do intercâmbio delas, ora confirmando-as, ora negando-as, ora aprimorando-as. A cada dia, somos exigidos, principalmente no trabalho: devemos produzir sempre mais. Em qualquer atividade, somos levados a pensar, refletir, discutir, entre outras questões. Quem não tem informação não interage e quem não interage torna-se um indivíduo sem relações. Não há sociedade sem relações entre os indivíduos, não há atividade profissional que não gere resultados. Portanto, para que seja alcançada a interdependência necessária entre os indivíduos e entre os profissionais, a linguagem é necessária. É por meio dela que se constroem conhecimentos. O domínio de linguagens, da língua às manifestações não verbais, não garante ao falante regalias sociais, culturais, profissionais. Não adianta ter acessos a meios que veiculam informações; isso não nos faz melhores nas nossas relações diárias e intelectuais. Não adianta ter a capacidade de assimilar a linguagem técnica de nossas profissões; outras exigências são necessárias. Talvez a nossa disposição para receber informações e colocá- las em confronto com outras seja a nossa principal característica. Somos seres de produção de conhecimento, e a linguagem é a ponte para as travessias. 1.1.1 Quem sabe ? Galileu revolucionou a ciência e a tecnologia ao afirmar que a natureza é escrita na linguagem dos números. A nova revolução tecnológica afirma que a sociedade é escrita na linguagem da informação. Mas de que tipo de sociedade estamos falando? O 0 e o 1 são os blocos básicos com os quais será construído o futuro. Dois algarismos apenas formam o alfabeto do fenômeno mais complexo dos tempos modernos: a tecnologia de informação e comunicação. Novas formas de atividade e expressão, novas práticas de 11 trabalho e de lazer já emergiram, e as velhas já estão passando por transformações radicais. Essas mudanças tremendas estão ocorrendo em escala global porque a partilha de informações em rede está, pouco a pouco, alcançando todo o planeta. Ainda restam grandes disparidades, principalmente entre os hemisférios Sul e Norte, mas esses processos estão longe de completos. Em que direção eles estão nos conduzindo? Comodevem ser implementados e regulamentados? Quais devem ser os envolvidos? Essas perguntas todas levaram a ONU a convocar a Cúpula Mundial sobre a Sociedade de Informação, que terá lugar em Genebra em dezembro. Essa cúpula reunirá governos, ONGs, participantes-chaves no setor privado e na sociedade civil, a mídia e organizações que integram o sistema da ONU. Prevendo alguns dos tópicos constantes da agenda da cúpula, a Unesco recentemente lançou um novo ciclo em sua série de fóruns de filosofia. Para situar-se em uma discussão diretamente relacionada à sua área de competência, ela postulou a pergunta “Quem sabe?” a 20 figuras de destaque de uma série de áreas geográficas e intelectuais que participam do Fórum de Filosofia da Unesco. Alguns dirão que essa pergunta já é obsoleta. Para que memorizar se máquinas podem fazer melhor e mais rapidamente que nós? De que adianta conhecermos um teorema ou uma receita se podemos acessá-los facilmente na web? Essas perguntas não deixam de fazer sentido. Mas será que devemos concluir que a sociedade da informação conduz a uma sociedade caracterizada pela amnésia e ignorância? Deve a derrota de um homem pela máquina numa partida de xadrez nos fazer colocar em dúvida aquilo que é intrinsecamente humano? Não. Precisamos repensar o problema em novos termos. O Fórum de Filosofia da Unesco mostrou que a pergunta “Quem sabe?” só terá perdido a relevância se confundirmos informação com conhecimento. No entanto, essas são duas coisas distintas, embora relacionadas, na medida em que a informação é uma ferramenta do conhecimento. A informação é uma técnica que tem por objetivo eliminar o elemento do ruído na comunicação. Mas comunicação não é inovação. Calibrar as palavras e mensagens melhora a transmissão do conhecimento, mas não o cria. O ponto forte da informação também é sua limitação. A inovação ocorre apenas quando existe uma busca pelo que é novo; não existe pesquisa – logo, não há progresso – sem conhecimento e sem a curiosidade e a experiência, as falhas e as tradições que ele pressupõe. É o conhecimento que dá sentido à informação. O conhecimento inclui dimensões sociais, éticas e políticas que não podem ser reduzidas à tecnologia. Uma sociedade que fosse exclusivamente só de informação seria um conjunto de enormes redes interligadas, eficazes e ágeis, mas que não iria produzir inovações. A informação não é base suficiente sobre a qual erguer uma sociedade. Mas a sociedade se baseia no diálogo, não em bits de informação. Assim, “sociedades do conhecimento” parece ser uma expressão mais apropriada do que “sociedade da informação” para designar os fenômenos dos quais estamos tratando. Existe apenas uma sociedade da informação, já que existe apenas um padrão de dados e comunicações. As sociedades do conhecimento existem no plural, já que, na medida em que dizem respeito à criatividade, elas necessariamente implicam diversidade e partilha. Sem o intercâmbio do conhecimento não podem existir avanços econômicos, científicos ou políticos em nível local, regional ou global. A partilha eqüitativa do conhecimento será a origem da riqueza do amanhã. Isso também é verdade no que diz respeito à vida cívica. Sem cultura democrática – ou seja, sem a tradição e o aprendizado dos costumes e valores democráticos –, a informação será utilizada para as finalidades dos regimes oligárquicos ou tirânicos, tanto quanto 12 para as dos regimes fundamentados em processos decisórios públicos e compartilhados. O conhecimento se tornou um potencial-chave de investimento em todas as áreas da atividade humana. É por essa razão que a Unesco decidiu dedicar às sociedades do conhecimento seu primeiro relatório mundial, a ser publicado em 2005, e também organizar uma mesa-redonda sobre o mesmo tema durante sua conferência geral de outubro de 2003. Afinal, a idéia do conhecimento não resume, melhor do que qualquer outra, as exigências implícitas na educação, ciência e cultura? Nossa meta é promover uma reflexão progressiva sobre os desafios postos pelas sociedades emergentes. Diante da revolução do conhecimento, a Unesco se mantém fiel a seu papel essencial: atuar como laboratório das idéias do amanhã. (Jérome Bindé é diretor de Antecipação e Estudos de Perspectivas da Unesco; Joseph Goux é professor de filosofia na Universidade Rice (Texas), EUA) (Folha de S. Paulo, 23 nov. 2003) 1) Informação e conhecimento são conceitos sinônimos e equivalentes? Argumente. 2) Qual o problema enfrentado pela sociedade da informação? 3) O que poderá acontecer se a informação e a tecnologia de ponta substituírem a cultura democrática? 4) Com base no texto e em seus conhecimentos, discorra, num único parágrafo, sobre a força e a importância do fluxo de informação para a sociedade moderna. 1.1.2 Onde mora a inteligência Retorno ao lugar onde parei, na Escola da Ponte, em Portugal. A menina que me levava me havia dito umas coisas que me espantaram por não combinarem com aquilo que eu pensava saber sobre as escolas. Foi então que me veio à cabeça a sabedoria do Riobaldo: "O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia". Sem intenção consciente, o dito do Riobaldo passou por uma transformação pedagógica e virou "a inteligência não está na saída nem na chegada, ela se dispõe para a gente é no meio da travessia". A inteligência acontece no "estar indo". Quando ela não está indo, ela está dormindo... Lembrei-me dos meus anos de ginásio, a pedagogia que os professores usavam naqueles tempos, e não sei se as coisas mudaram, porque o hábito tem um poder muito grande... Pois os professores me ensinaram as coisas que estavam na chegada, mas não me contaram como foi que a travessia tinha sido feita. O professor entrou em sala e anunciou: equação do segundo grau. Aí, ele se pôs a falar e a escrever símbolos no quadro negro. Aprendi automaticamente, sem entender, porque tinha memória boa: "x = -b + ou - raiz quadrada de b2 - 4ac sobre 2a". Lembro-me de um colega que não havia entendido a coisa, estava perturbado com o símbolo "x" e veio me perguntar: "Afinal, qual é mesmo o valor de "x"? Eu sabia que a fórmula para se determinar o valor de "x" não havia caído dos céus. Ela aparecera na cabeça de algum matemático que a deduzira séculos atrás depois de uma longa travessia numa jangada feita de pensamentos. O dito matemático a descobriu porque seus pensamentos estavam infelizes. "Ostra feliz não faz pérola". O que é dor para a ostra é uma interrogação para a cabeça. Mas por onde o pensamento matemático navegou para fazer a travessia, isso o professor não ensinou. É possível que ele não soubesse, ou que achasse que isso não importava. Para que entender a gravidez se o nenê já nasceu? O que importa é comer o bolo e não saber a receita... 13 Me ensinaram também as três leis dos movimentos dos planetas que Kepler descobriu, curtinhas, fáceis de guardar na memória. Mas essas três leis na minha memória em nada contribuíram para dar poder à minha inteligência. Enquanto a memória trabalhava para decorar a "chegada", minha inteligência dormia. Nada me contaram sobre os caminhos fascinantes por onde errou o pensamento do astrônomo por dezoito anos. Uma hipótese errada atrás da outra, um caminho que não levava a lugar algum depois do outro. Por que gastar tempo com os erros da "travessia", se se pode ir diretamente à "chegada", conclusão? Não se percebe que, ao assim proceder, o aluno ganha uma memória musculosa e uma inteligência flácida... Pensar é como escalar montanhas. Um alpinista recusaria o caminho rápido e seguro de chegar ao topo da montanhavia helicóptero, sem sofrer e sem suar. Onde está a graça? O que ele deseja são os medos, os calafrios, os desafios da montanha, o que ele vê enquanto sobe... A arte de pensar se ensina fazendo a inteligência seguir o caminho da travessia, com todos os seus erros e enganos. (ALVES, Rubens. Onde mora a inteligência. Folha de S. Paulo, 28 junho 2011, p. A2. Caderno Cotidiano) 1) O que o autor discute no texto? Você concorda com o ponto de vista dele? Por quê? 2) Qual a importância da citação no primeiro parágrafo para a montagem do esquema argumentativo do texto? 3) Traduza a seguinte passagem: “Não se percebe que, ao assim proceder, o aluno ganha uma memória musculosa e uma inteligência flácida...” 4) Para você, em relação ao conhecimento, a tecnologia é uma ferramenta para a “travessia” ou para a “chegada”? 5) Como você pretende percorrer o caminho da leitura e da produção de textos neste momento acadêmico e na vida profissional futura? 1.2 Linguagem, indivíduo e profissão Conforme, Nicola, Cavallete Terra (2002), todo falante tem um certo conceito sobre que linguagem usar, dependendo da situação em que se encontra. Por isso, utiliza um registro formal em situação formal e um registro mais livre em situação menos formal. Por isso, também, notamos que a linguagem é desenvolta quando o sujeito tem o domínio da situação e, ao contrário, ele se cala ou se inibe se esse domínio não existe. Nas relações profissionais, o uso da linguagem, sobretudo a técnica, é primordial para que o falante se sobressaia bem. 1.2.1 Língua e poder “A terapia teve um efeito idiossincrático com prognóstico favorável em caso de pronta supressão”. Essa frase, enigmática para os não- iniciados nas sendas médicas, não significa muito mais do que “o remédio teve efeito contrário, mas não causará problemas se for suspenso logo”. Esse é um dos exemplos de jargão que consta da reportagem sobre linguagens técnicas publicada na semana passada no caderno Sinapse. O jargão é de fato inevitável, mas isso não significa que ele deva ser empregado em todas as ocasiões. Com efeito, toda profissão, do telemarketing à física de partículas, acaba por desenvolver um vocabulário específico, muitas vezes impenetrável para o leigo. Não apenas neologismos são criados como palavras comuns podem ter sua significação alterada. 14 Em alguns casos, trata-se de uma necessidade. O jargão, no mínimo, economiza palavras, concentrando carga informativa em termos específicos. Quando um médico fala em “miocardiopatia idiopática”, ele está na verdade dizendo um pouco mais do que apenas “problemas cardíacos de causa ignorada”. No subtexto, um outro médico compreenderá que o paciente sofre de moléstia cardíaca de origem desconhecida e para a qual já foram descartadas as causas que mais comumente provocam doenças do coração. Em determinadas áreas científicas, os próprios objetos de estudo não passam de jargão. É o caso, por exemplo, da lingüística, com seus morfemas, sintagmas e lexemas, e da física de partículas, com seus quarks, glúons e léptons. No limite, sem o jargão, os fenômenos estudados não podem nem ser enunciados. Reconhecer a importância e a necessidade do jargão em certas situações não significa chancelar seu uso indiscriminado. Um médico ou um advogado que se dirijam a seus clientes em linguagem técnica incompreensível estão, na verdade, atendendo muito mal ao consumidor, que deve ter, em todas as ocasiões, acesso a uma explicação completa de sua situação em linguagem acessível. Infelizmente, as coisas nem sempre se passam assim. Desde que o mundo é mundo, profissionais de uma determinada área tendem a unir-se para manter sua arte impenetrável para o público em geral e, assim, aumentar seu poder. Não foi por outra razão que os escribas do antigo Egito complicaram desnecessariamente a escrita hieroglífica: era uma forma de conservarem e até de ampliarem sua posição hierárquica. Os tempos e as ciências mudaram, mas o princípio de complicar para valorizar-se permanece em vigor. Não devemos, é claro, ser ingênuos e acreditar que poderemos promover a plena igualdade através da língua. Democracia é, antes de mais nada, a arte de negociar, de aplicar o bom senso na solução de problemas. Nesse sentido, o bom profissional é aquele capaz de comunicar-se no melhor jargão com seus colegas, mas que consegue, sem grandes perdas, fazer-se entender pelo leigo. Os que ostensivamente abusam da linguagem técnica tendem a ser os menos capazes, os que mais precisam afirmar-se para não perder poder. (Folha de S. Paulo, 20 junho 2003) 1) Qual a relação entre domínio da língua e poder? Dê exemplos. 2) Qual a sua opinião sobre o uso exagerado do jargão na profissão que você escolheu. Qual a linguagem ideal para o profissional? 3) Você percebeu que esse texto faz referência a um anterior. De modo geral, como você vê a relação entre os textos? 4) O jargão, nas mais diversas profissões, pode ser considerado fator de exclusão? Comente. 5) Você acredita que o sucesso profissional esteja ligado ao domínio da linguagem técnica da área de conhecimento que você escolheu? Por quê? 1.3 Texto e sua circulação Alguns teóricos da linguagem consideram que, na era da informação, tudo é texto. Um slogan de uma campanha política, uma música, um gráfico, um discurso oral, uma placa de trânsito, enfim, os mais variados arranjos organizados com o propósito de informar, comunicar, veicular sentidos são textos. Assim, um texto é não exclusividade da palavra. O texto é determinado pela finalidade comunicativa. E não faltam meios e recursos, nesta época em que vivemos, para a produção e circulação de textos dos mais diversos e diferentes possíveis. 15 1.3.1 Intenções do produtor Conforme, Nicola, Florina e Ernani 20002), o falante, ao realizar um ato de comunicação verbal, escolhe, seleciona palavras para depois organiza-las, combina-las, conforme a sua vontade. Esse trabalho de seleção e combinação não é aleatório, não é realizado por acaso (afinal, seleção significa “escolha fundamentada”), mas está diretamente ligado à intenção do produtor do texto. Desse modo, a linguagem passa a ter funções, como as de informar, seduzir, emocionar, convencer, entre outras. 1.3.2 Textos e atividades 1) Leia, com atenção, os dois textos a seguir para responder ao que se pede. Governo emite nota oficial sobre caso Grafite O Governo Federal emitiu nota à imprensa dando seu parecer sobre o caso Grafite. A nota foi assinada pelo Ministro dos Esportes, Agnelo Queiroz, e pela secretária especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro. Na nota, o ministro repudia qualquer tipo de preconceito e de discriminação. Para Agnelo Queiroz, o caso entre Grafite e Desábato representa “mais um caso na escalada do preconceito que vem se tornando rotineiro no futebol feito por torcedor e jogadores contra os atletas afro-descendentes”. O ministro afirma na nota que “A atitude racista do jogador argentino vai contra todos os valores de igualdade, respeito e união que o esporte promove”. Ainda segundo a nota, “O Governo Federal acionará as esferas da administração esportiva nacional e internacional para que adotem medidas concretas para banir definitivamente do espetáculo esportivo a discriminação racial, o preconceito e a xenofobia, que, se não eliminados, representam ameaça à democracia”. O ministro e a secretária informaram que em 2005, Ano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, o tema é de relevante importância nos trabalhos da Comissão “Paz no Esporte”, lançada em março para acabar com qualquer tipo de violência nessa área.(Disponível em : <tv.terra.com.br/esportes/esportestv>. Acesso em: 20 abril 2007) [Fragmento do Código Penal] Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. § 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. § 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência. § 3º - Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem: Pena - reclusão de um a três anos e multa. * § 3º acrescentado pela Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997. Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: 16 I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro; II - contra funcionário público, em razão de suas funções; III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro. (Disponível em : <tv.terra.com.br/esportes/esportestv>. Acesso em: 20 abril 2007) 1) Com que intenções os textos foram escritos? 2) No Texto 1, percebe-se o uso do discurso direto. Que efeito esse uso confere à notícia lida? Já no Texto 2, não se percebe de quem é a voz que fala. Por quê? De quem seria essa voz? 2) Leia, com atenção, o texto a seguir para responder ao que se pede. Isabella mora ao lado A violência doméstica é pior do que se imagina – aliás, muito pior. É o que se conclui de uma investigação em andamento feita pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com 800 famílias na periferia da cidade de São Paulo. É a primeira pesquisa de que se tem notícia feita de casa em casa, e não apenas com bases nos falhos registros oficiais. Os pesquisadores estão constatando uma incidência de 20% de agressões graves contra as crianças, o que significa queimaduras, asfixia ou espancamento, resultando em fraturas e lesões que, muitas vezes, acabam no hospital, mas não punem o agressor, protegido por um manto de silencio familiar. Mas deixam seqüelas psicológicas profundas. Essa pesquisa, que detalhei em meu site (www.dimenstein.com.br), mostra que o drama da menina Isabella, que parece tão distante, mora, na verdade, ao lado. A criança vira a depositária do estresse da pobreza combinada com o desequilíbrio emocional de adultos – e, claro, é vítima da ignorância. Os pesquisadores da Unifesp ouvem a desculpa das mães e pais de que estão apenas educando seus filhos. Esse é mais um aspecto de uma mais das maiores fragilidades sociais brasileiras: a pouca atenção à primeira infância, especialmente nas camadas mais pobres. (Gilberto Dimenstein, 48, é membro do Conselho Editorial da Folha e criador da ONG Cidade Escola Aprendiz. Coordena o site de jornalismo comunitário da Folha. Escreve para a Folha Online às segundas-feiras. Texto disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/gilbertodi menstein>. Acesso: 23 abril 2008) 1) Com que intenções o texto foi escrito? 2) Procure identificar o que é informação da pesquisa e o que é informação do autor do texto. 3) Simbolicamente, quem é a Isabella de Dimenstein? Argumente. 3) Leia, com atenção, as informações a seguir para responder ao que se pede. No ano de 2010 principalmente, as diversas mídias divulgaram notícias e juízos de valor acerca do julgamento do casal Nardoni, suspeito da morte da menina Isabella Nardoni. A mãe de Isabella, Ana Carolina Oliveira, após a sentença, “abatida e com olheiras profundas”, segundo a Folha de S. Paulo (28 março 2010), falou à imprensa. 17 Com base nessas informações e em seu conhecimento sobre o caso, qual das frases abaixo NÃO poderia ter sido dita por Ana Carolina Oliveira numa de suas entrevistas à imprensa? Justifique sua resposta. I – A justiça foi feita, mas minha filha não vai voltar. II – Minha filha não vai voltar, mas a justiça foi feita. 1.3.2 Diversidade textual A seguir, você terá acesso a vários textos sobre a temática guerra e paz. Após ler esses textos e discuti-los com os colegas e com o professor, complete o quadro ao final da coletânea, cujo objetivo é compreender e fixar o conceito de gênero textual, identificando as principais características dos vinte gêneros selecionados. Espera-se que, por meio dessa atividade, você desenvolva sua leitura crítica e sua produção textual. 1.3.2.1 Textos e atividades 1 Artigo de opinião Sobre a tolice de erguer estátuas Virar estátua pode ter forte apelo. Seja de bronze, de pedra ou de madeira, ela é feita de material muito mais durável do que carne e osso. Sobrevivem até hoje estátuas de muitos milhares de anos. Graças a elas conhecemos os nomes dos faraós do Egito e as feições dos imperadores romanos. A estátua também permite ao ser humano projetar-se muito acima das reais dimensões. Nelas, o corpo pode alçar- se a 10 ou 20 metros de altura e escorar-se numa massa de 1 tonelada ou mais. Ainda assim, erguer estátuas à própria glória, como ficou provado na semana passada, é a mais estúpida das políticas. Pois, ainda que a estátua ofereça uma carona para a magnificência e um atalho para a eternidade, e ainda que semeie temor e reverência, bem ao gosto de certos regimes, algo que não oferece é a segurança de que um dia não será derrubada. E, quando isso acontece, pobre do infeliz ali representado. Nada mais gráfico, nada mais eloqüente de sua desgraça. Saddam Hussein caiu não em carne e osso, mas em pedra. No plano simbólico, pior para ele. Foi assim arrastado pelas ruas, golpeado e insultado como de outra forma não seria. A derrubada da estátua de Saddam, de 6 metros de altura, mais 6 de pedestal, numa praça central de Bagdá, foi como a encenação de um auto didático. Primeiro os próprios iraquianos tentaram derrubá-la, com picaretadas no pedestal ou com uma corda a puxá-la pelo pescoço. Não conseguiram. Seus métodos eram muito primitivos, os materiais, insuficientes para o tamanho da empreitada. Precisaram dos americanos, que vieram com tecnologia várias vezes superior à necessária: um tanque. Um marine subiu ao topo para amarrar um cabo de aço ao pescoço da estátua. Aproveitou para enrolar-lhe ao rosto uma bandeira americana. Foi vaiado, tirou-a e substituiu-a por uma bandeira do Iraque. O tanque então puxou o cabo de aço e a estátua, por puro efeito da força e da tecnologia americanas, veio abaixo. Não seria melhor caso a ação tivesse obedecido a um roteiro. Não daria tão certo se tivesse sido ensaiada. Até o marine que enrolou a bandeira americana no rosto do ditador representava um papel. Ele tinha traços orientais. Com isso lembrava que, 18 assim como o grosso das legiões romanas era formado pelos povos conquistados, assim também o Exército americano vai se transformando num mosaico onde as minorias são cada vez mais representadas. O fato de a derrubada do regime se ter dado por obra dos americanos, como bem expôs o auto da praça, tirou-lhe um pedaço da legitimidade. Claro, é sempre bom ver desabar um regime sanguinário. Mas nos regimes que desabaram na Europa do Leste, às vezes também na forma de assalto a um símbolo de pedra, como no caso clássico do Muro de Berlim, o feito foi dos próprios povos. Assim nãohumilha. No Iraque o invasor, agora feito tropa de ocupação, é não só o autor da derrubada como o sucessor do regime deposto. É também o autor de uma investida que deixou mortos e feridos no caminho. A libertação que proporcionou manchou-se do sangue dos libertados. Uma grande interrogação se abre diante da reinauguração do sistema colonial a que se propõem os americanos, no coração da região mais conturbada do mundo. Erguer estátuas a si mesmo, para voltar ao tema de três parágrafos atrás, tem, na outra face da moeda, o inconveniente de oferecer ao inimigo um símbolo grandioso a pôr abaixo. Acresce, no caso presente, que esta guerra estava sem uma imagem disponível para ser apresentada como fecho de ouro na televisão. A rendição do inimigo, na forma de um cavalheiro que se apresenta para assinar solenemente um armistício, como nas guerras do passado, parecia fora de cogitação. O paradeiro ignorado de Saddam Hussein, desde o início do conflito, também fazia prever que o ditador não se apresentaria de corpo presente para ser preso ou morto. A estátua veio a calhar. Ainda mais que se situava de cara para o hotel onde se concentravam os jornalistas. Todos os caderninhos, os notebooks, os telefones por satélite, os videofones, as máquinas fotográficas e as câmeras de TV já estavam naturalmente apontados para ela. Não precisaram nem ser convocados. O espetáculo da praça deu aos americanos uma das duas coisas de que mais necessitavam: uma multidão amiga (a outra são estoques de armas químicas). Mas é bom não esquecer: a multidão não era tão multidão assim. Não dá para, com base nela, extrair o sentimento dominante entre os iraquianos. A multidão da praça certamente é menor do que a que lotou os hospitais e cemitérios iraquianos nas últimas três semanas. O que conduz à conclusão de que, crime por crime, os de Saddam têm um contrapeso nos dos invasores. Nos Estados Unidos os governantes não costumam erigir estátuas a si mesmos. George W. Bush não poderá ser derrubado dessa forma. Mas, para honra dos Estados Unidos, há o voto. Resta esperar que, numa apoteótica volta à lucidez, o eleitorado americano faça a justiça que ficou faltando para um dos lados, numa guerra em que os dois mereciam perder. (TOLEDO, Roberto Pompeu de. Sobre a tolice de erguer estátuas. Veja, São Paulo,16 abril 2003, p. 122) 2 Resenha A revolução dos bichos Verdadeiro clássico moderno, concebido por um dos mais influentes escritores do século 20, “A revolução dos bichos” é uma fábula sobre o poder. Narra a insurreição dos animais de uma granja contra seus donos. Progressivamente, porém, a revolução degenera numa tirania ainda mais opressiva que a dos humanos. Escrita em plena Segunda Guerra Mundial e publicada em 1945 depois de ter sido rejeitada por várias editoras, essa pequena narrativa causou desconforto ao satirizar ferozmente a ditadura stalinista numa época em que os soviéticos ainda eram aliados do Ocidente na luta contra o eixo nazifascista. Com o acirramento da Guerra Fria, as mesmas razões que causaram constrangimento na época de sua publicação levaram “A revolução dos bichos” a ser amplamente usada pelo Ocidente nas décadas seguintes como arma ideológica contra o comunismo. O próprio Orwell, 19 adepto do socialismo e inimigo de qualquer forma de manipulação política, sentiu-se incomodado com a utilização de sua fábula como panfleto. Depois das profundas transformações políticas que mudaram a fisionomia do planeta nas últimas décadas, a pequena obra-prima de Orwell pode ser vista sem o viés ideológico reducionista. Mais de sessenta anos depois de escrita, ela mantém o viço e o brilho de uma alegoria perene sobre as fraquezas humanas que levam à corrosão dos grandes projetos de revolução política. Escrito com perfeito domínio da narrativa, atenção às minúcias e extraordinária capacidade de criação de personagens e situações, “A revolução dos bichos” combina de maneira feliz duas ricas tradições literárias - a das fábulas morais, que remontam a Esopo, e a da sátira política, que teve talvez em Jonathan Swift seu representante máximo. (Disponível em: <http://br.gojaba.com>. Acesso em: 8 jan. 2011) 3 Entrevista A guerra irracional Fascinado por guerras e pela vida militar desde que viu as tropas aliadas se preparando para o Dia D, no interior da Inglaterra, sir John Keegan não conseguiu realizar o sonho juvenil de se tornar soldado. Uma doença de infância o deixou manco e o impediu de ingressar na academia militar. Os ingleses perderam um general, mas o mundo ganhou seu mais celebrado historiador militar. Quando entrou na Universidade de Oxford, em 1953, dedicou-se à história das atividades militares. Em 1960, aos 25 anos, foi aceito como professor na Real Academia Militar de Sandhurst, a escola de cadetes ingleses, onde ficou até 1986. Casado há quarenta anos com Susanne e pai de quatro filhos, é editor de defesa do jornal inglês Daily Telegraph, mas passa a maior parte de seu tempo fazendo pesquisas e escrevendo livros. Ao todo, já publicou vinte obras, entre elas o clássico Uma História da Guerra (lançado no Brasil pela Companhia das Letras). Atualmente, prepara um livro sobre as operações de inteligência nos últimos 200 anos. De sua casa, no interior da Inglaterra, Keegan concedeu a seguinte entrevista a Veja. Veja – O que será necessário fazer para que os terroristas sejam punidos pelos atentados em Nova York e Washington? Keegan – A prisão, o julgamento e a execução de Osama bin Laden. Mas isso não seria o fim dos problemas. Os objetivos dos terroristas não deixam o menor espaço para negociações e concessões. Estamos vivendo uma situação muito incômoda. Não consigo ver um fim para isso. Para cidadãos comuns, é muito deprimente. Para os governantes, é preocupante. A única saída é eliminar os terroristas. Ou os prendemos pelo resto de suas vidas ou os matamos. Não tem outro jeito. Não temos como convencê-los de que estão errados com conversa, usando a razão. Veja – Será difícil para os americanos derrotar o Talibã, a milícia que controla o Afeganistão? Keegan – O Talibã não é tão forte quanto alguns falam. Não é numeroso nem tem um exército bem organizado e equipado. Muitos componentes nem são afegãos. Vêm do Paquistão e não conhecem tão bem o terreno. O Talibã é impopular devido à forma radical com que impôs o islamismo fundamentalista. Historicamente, os afegãos não são particularmente fervorosos em termos religiosos. Uma intervenção no Afeganistão não deve encontrar forte resistência. Pelo menos, não em grandes proporções. Já encontrar Osama bin Laden será difícil. O país é grande e selvagem, com um terreno dificílimo. Operações pequenas e rápidas para capturar Laden são a melhor opção. [...] Veja – Estamos vendo a primeira guerra verdadeiramente mundial? 20 Keegan – Não. Muitos países não são suscetíveis ao terrorismo. As nações escadinavas têm população homogênea e urbana. Não correm perigo. O terrorismo precisa de um certo grau de sofisticação e de financiamento. A maior parte do mundo é muito primitiva para dar apoio a grupos terroristas. É importante lembrar que os fundamentalistas são apenas uma minoria. Na Inglaterra, temos uma comunidade muçulmana e a maior parte de seus membros está preocupada em educar os filhos e prosperar. É claro que muitos nutrem certa simpatia por seus companheiros de crença. Mas são pessoas sofisticadas e sabem que é melhor não se misturar com os fundamentalistas. É possível que os radicais organizem algum ataque na Inglaterra, contudo não acredito em algo continuado. Já a França deve estar atenta. Tem uma grande população islâmica e a maior partedela vive na pobreza e está descontente. [...] Veja – Por que existe a guerra? Keegan – Os homens lutam por questões racionais. Acham que os custos de ir à guerra valem a pena em vista de vantagens em caso de vitória. Desta vez, temos uma guerra irracional. Veja – O significado da guerra varia de acordo com a cultura? Keegan – Sim. No mundo acadêmico, há dois grupos. Um acha que a guerra tem características imutáveis e outro diz que os conflitos mudam conforme a cultura. Sou do segundo grupo. A mais recente evidência de que a guerra é cultural são os guerreiros suicidas islâmicos, que não existem na tradição judaico-cristã. Veja – Em que circunstância uma guerra é considerada justa? Keegan – Antes de Hugo Grotius, escritor holandês do século XVII, a idéia de justiça na guerra era relacionada à moralidade cristã. Quando Estados protestantes começaram a lutar contra Estados católicos e vice-versa, foi um choque para todos, e a idéia de justiça relacionada à moral cristã caiu em desgraça. Grotius procurou nova base para estabelecer o que é uma guerra justa. No fim das contas, resumiu seu pensamento da seguinte forma: o Estado deve ser o juiz de seus atos. Se o Estado acredita que uma guerra é justa, então a guerra é justa. Isso valeu até a criação das Nações Unidas. A partir da década de 40, guerras justas são as que recebem a aprovação das Nações Unidas e aquelas levadas a cabo em autodefesa. [...] (KEEGAN, John. A guerra irracional. Veja, São Paulo, Ed. 1720, 3 out. 2001. p. 9, 12-13. Entrevista concedida a Eduardo Salgado) 4 Poema Manhã dos mortos Todos os dias, bem cedo, enquanto contemplais a manhã: de fome de dor de medo e de sede morrem milhares no Vietnam. Todos os dias, bem cedo, enquanto contemplais a manhã. (CASTRO, Altino Caixeta de. Cidadela da rosa: com fissão da flor. Brasília: Horizonte Editora Limitada, 1980. p. 281) 21 5 Carta pessoal “Amados pais. Se estão lendo esta carta, é porque ainda temos o aeroporto. Tenho certeza que esta será a última que seu amado filho lhes escreverá. Temos russos por todos os lados e não nos mandam ajuda de Berlim. Lhes tenho uma triste notícia, Granstsau morreu semana passada. Estava ele, eu e mais três andando quando simplesmente caiu no chão com a cabeça aberta. Amados pais, chorei muito ao vê-lo, porque crescemos juntos, lembram-se? Quando éramos crianças, quebrei a perna, ele me levou a casa nas suas costas com a minha perna quebrada. Sinto muito pelos pais dele. Perdi meu único amigo. E aqui haverá o fim. Nosso comandante se matou com um tiro na boca ontem de noite. Nossa moral não existe mais. Mas espero que essa maldita guerra acabe, pouco me importa o que aconteça. Se não receberem mais cartas minhas, vão para Espanha o quanto antes, sabemos que é uma questão de tempo dos russos chegarem em Berlim. Amados pais, após essa guerra, a Alemanha ficará atônita ao saber que o soldado que lhes escreve teve a vida salva por um médico judeu. Estou bem dos ferimentos, mas a cicatriz é enorme e horrível. Amados pais, se cuidem. Se não receberem mais cartas minhas, vão para Espanha, o dinheiro vocês já tem. Logo estaremos de novo conversando com Hilse, nos bom tempos dos dias de sol. Com muita devoção, seu filho querido.” (Fonte: Cartas de Stalingrado, Coleção Einaudi, 1958. Disponível em: <http://avidanofront.blogspot.com/2010/07/cartas-de- soldados-alemaes-escritas.html>. Acesso em: 06 jan. 2010) 6 Notícia Zelador afirma ter assassinado ex-ministro do TSE por “medo” O ex-zelador Leonardo Campos Alves, 44, disse ter matado o ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) José Guilherme Villela, 73, a mulher dele Maria Carvalho, 69, e a empregada Francisca da Silva, 58, por “medo de ser reconhecido”. Alves, que trabalhou 15 anos no prédio onde morava a família, foi apresentado pela Polícia Civil do Distrito Federal, que o prendeu em Minas Gerais na segunda. Ele contou que entrou no apartamento do casal com um comparsa, Paulo Cardoso, “somente para roubar”. Essa é a terceira versão apresentada pela polícia desde o assassinato. Apesar de classificar com “versão harmônica”, a polícia diz que há lacunas no relato de Alves. Ele afirma que deixou a porta aberta após o crime, mas a perícia diz que estava trancada. Além disso, Alves nega que ele e o amigo tenham dado as 73 facadas que a perícia identificou nos corpos. Ele disse que Adriana Villela, até então a principal suspeita do crime, não tinha boa relação com os pais. Afirmou ainda que já viu a neta Carolina Villela – que encontrou os corpos – bater na avó. “Não tem fundamento. Carolina era o xodó dos avós”, afirma o advogado de Adriana e Carolina, Rodrigo Alencastro. (Folha de S. P aulo, 18 nov. 2010 – adaptado) 22 7 Letra de música Canção do senhor da guerra Existe alguém esperando por você Que vai comprar a sua juventude E convencê-lo a vencer Mais uma guerra sem razão Já são tantas as crianças com armas na mão Mas explicam novamente que a guerra gera empregos Aumenta a produção Uma guerra sempre avança a tecnologia Mesmo sendo guerra santa Quente, morna ou fria Pra que exportar comida? Se as armas dão mais lucros na exportação Existe alguém que está contando com você Pra lutar em seu lugar já que nessa guerra Não é ele quem vai morrer E quando longe de casa Ferido e com frio o inimigo você espera Ele estará com outros velhos Inventando novos jogos de guerra Que belíssimas cenas de destruição Não teremos mais problemas Com a superpopulação Veja que uniforme lindo fizemos pra você E lembre-se sempre que Deus está Do lado de quem vai vencer O senhor da guerra Não gosta de crianças O senhor da guerra Não gosta de crianças O senhor da guerra Não gosta de crianças O senhor da guerra Não gosta de crianças O senhor da guerra Não gosta de crianças O senhor da guerra Não gosta de crianças" (Letra e Música: Renato Russo.Disponível em <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2003/03/2 49790.shtml>. Acesso em: 10 jan. 2011) 8 Editorial O que incomoda o terror O verdadeiro alvo visado pelos terroristas que atacaram Nova York e Washington na semana passada não foram as torres gêmeas do sul de Manhattan nem o edifício do Pentágono. O atentado foi cometido contra um sistema social e econômico que, mesmo longe da perfeição, é o mais justo e livre que a humanidade conseguiu fazer funcionar ininterruptamente até hoje. Não foi um ataque de Davi contra Golias. Nem um grito dos excluídos do Terceiro Mundo que, de modo trágico mas efetivo, se fez ouvir no império. Foi uma agressão perpetrada contra os mais caros e mais frágeis valores ocidentais: a democracia e a economia de mercado. O que realmente incomoda a ponto da exasperação os fundamentalistas, apontados como os principais suspeitos de autoria dos atentados, não é só a arrogância americana ou seu apoio ao Estado de Israel. O que os radicais não toleram, mais que tudo, é a modernidade. É a existência de uma sociedade em que os justos podem viver sem ser incomodados e os pobres têm possibilidades reais de atingir a prosperidade com o fruto de seu trabalho. Esse é o verdadeiro anátema dos terroristas que atacaram os Estados Unidos. Eles são enviados da morte, da elite teocrática, medieval, tirânica que exerce o poder absoluto em seus feudos. Para eles, a democracia é satânica. Por isso tem de ser combatida e destruída. (Veja, Ed. 1718, 19 set. 2001, p. 9, Carta ao leitor) 23 9 Conto Passeio noturno Cheguei em casa carregando a pasta cheia de papéis, relatórios, estudos, pesquisas,propostas, contratos. Minha mulher, jogando paciência na cama, um copo de uísque na mesa de cabeceira, disse, sem tirar os olhos das cartas, você está com um ar cansado. Os sons da casa: minha filha no quarto dela treinando impostação de voz, a música quadrifônica do quarto do meu filho. Você não vai largar essa mala?, perguntou minha mulher, tira essa roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar. Fui para a biblioteca, o lugar da casa onde gostava de ficar isolado e como sempre não fiz nada. Abri o volume de pesquisas sobre a mesa, não via as letras e números, eu esperava apenas. Você não pára de trabalhar, aposto que os teus sócios não trabalham nem a metade e ganham a mesma coisa, entrou a minha mulher na sala com o copo na mão, já posso mandar servir o jantar? A copeira servia à francesa, meus filhos tinham crescido, eu e a minha mulher estávamos gordos. É aquele vinho que você gosta, ela estalou a língua com prazer. Meu filho me pediu dinheiro quando estávamos no cafezinho, minha filha me pediu dinheiro na hora do licor. Minha mulher nada pediu, nós tínhamos conta bancária conjunta. Vamos dar uma volta de carro?, convidei. Eu sabia que ela não ia, era hora da novela. Não sei que graça você acha em passear de carro todas as noites, também aquele carro custou uma fortuna, tem que ser usado, eu é que cada vez me apego menos aos bens materiais, minha mulher respondeu. Os carros dos meninos bloqueavam a porta da garagem, impedindo que eu tirasse o meu. Tirei os carros dos dois, botei na rua, tirei o meu, botei na rua, coloquei os dois carros novamente na garagem, fechei a porta, essas manobras todas me deixaram levemente irritado, mas ao ver os pára-choques salientes do meu carro, o reforço especial duplo de aço cromado, senti o coração bater apressado de euforia. Enfiei a chave na ignição, era um motor poderoso que gerava a sua força em silêncio, escondido no capô aerodinâmico. Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta, nesta cidade que tem mais gente do que moscas. Na avenida Brasil, ali não podia ser, muito movimento. Cheguei numa rua mal iluminada, cheia de árvores escuras, o lugar ideal. Homem ou mulher? Realmente não fazia grande diferença, mas não aparecia ninguém em condições, comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia, eu até gostava, o alívio era maior. Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos emocionante, por ser mais fácil. Ela caminhava apressadamente, carregando um embrulho de papel ordinário, coisas de padaria ou de quitanda, estava de saia e blusa, andava depressa, havia árvores na calçada, de vinte em vinte metros, um interessante problema a exigir uma grande dose de perícia. Apaguei as luzes do carro e acelerei. Ela só percebeu que eu ia para cima dela quando ouviu o som da borracha dos pneus batendo no meio-fio. Peguei a mulher acima dos joelhos, bem no meio das duas pernas, um pouco mais sobre a esquerda, um golpe perfeito, ouvi o barulho do impacto partindo os dois ossões, dei uma guinada rápida para a esquerda, passei como um foguete rente a uma das árvores e deslizei com os pneus cantando, de volta para o asfalto. Motor bom, o meu, ia de zero a cem quilômetros em nove segundos. Ainda deu para ver que o corpo todo desengonçado da mulher havia ido parar, colorido de sangue, em cima de um muro, desses baixinhos de casa de subúrbio. Examinei o carro na garagem. Corri orgulhosamente a mão de leve pelos pára- lamas, os pára-choques sem marca. Poucas pessoas, no mundo inteiro, igualavam a minha habilidade no uso daquelas máquinas. A família estava vendo televisão. Deu a sua voltinha, agora está mais calmo?, perguntou minha mulher, deitada no sofá, olhando 24 fixamente o vídeo. Vou dormir, boa noite para todos, respondi, amanhã vou ter um dia terrível na companhia. (FONSECA, Rubem. Passeio noturno. Disponível em <http://arquivopodoslivros.blogspot.com>.Acesso em: 10 jan. 2011) 10 Crônica A menina Silvana Um camponês velho deu as informações ao sargento: Silvana Martinelli, 10 anos de idade. A menina estava quase inteiramente nua, porque cinco ou seis estilhaços de uma granada alemã a haviam atingido em várias partes do corpo. Os médicos e os enfermeiros, acostumados a cuidar rudes corpos de homens, inclinavam-se sob a lâmpada para extrair os pedaços de aço que haviam dilacerado aquele corpo branco e delicado como um lírio - agora marcado de sangue. A cabeça de Silvana descansava de lado, entre cobertores. A explosão estúpida poupara aquela pequena cabeça castanha, aquele perfil suave e firme que Da Vinci amaria desenhar. Lábios cerrados, sem uma palavra ou um gemido, ela apenas tremia um pouco – quando lhe tocavam num ferimento contraía quase imperceptivelmente os músculos da face. Mas tinha os olhos abertos – e quando sentiu a minha sombra ergueu-os um pouco. Nos seus olhos eu não vi essa expressão de cachorro batido dos estropiados, nem essa luz de dor e raiva dos homens colhidos no calor do combate, nem essa impaciência dolorosa de tantos feridos, ou o desespero dos que acham que vão morrer. Ela me olhou quietamente. A dor contraía-lhe, num pequeno tremor, as pálpebras, como se a luz lhe ferisse um pouco os olhos. Ajeitei-lhe a manta sobre a cabeça, protegendo-a da luz, e ela voltou a me olhar daquele jeito quieto e firme de menina correta. Deus, que está no céu - se é que, depois de tantos desgovernos cruéis e tanta criminosa desídia, ninguém o pôs para fora de lá, ou Vós mesmo, Senhor, não vos pejais de estar aí quando Vossos filhos andam neste inferno! – Deus sabe que tenho visto alguns sofrimentos de crianças e mulheres. A fome dessas meninas da Itália que mendigam na entrada dos acampamentos, a humilhação dessas mulheres que diante dos soldados trocam qualquer dignidade por um naco de chocolate – nem isso, nem o servilismo triste mais que tudo, dos homens que precisam levar pão à sua gente – nada pode estragar a minha confortável posição de correspondente. Vai-se tocando, vai-se a gente acostumando no ramerrão da guerra; é um ramerrão como qualquer outro: e tudo entra nesse ramerrão – a dor, a morte, o medo, o disco de "Lili Marlene" junto de uma lareira que estala, a lama, o vinho, a cama-rolo, a brutalidade, a ajuda, a ganância dos aproveitadores, o heroísmo, as cansadas pilhérias – mil coisas no acampamento e na frente, em sucessão monótona. Esse corneteiro que o frio da madrugada desafina não me estraga a lembrança de antigos quartéis de ilusões, com alvoradas de violino – Senhor, eu juro, sou uma criatura rica de felicidades meigas, sou muito rico, muito rico, ninguém nunca me amargará demais. E às vezes um homem recusa comover-se: meninas da Toscana, eu vi vossas irmãzinhas do Ceará, barrigudinhas, de olhos febris, desidratadas, pequenos trapos de poeira humana que o vento da seca ia a tocar pelas estradas. Sim, tenho visto alguma coisa e também há coisas que homens que viram me contam: a ruindade fria dos que exploram e oprimem e proíbem pensar, e proíbem comer, e até o sentimento mais puro torcem e estragam, as vaidades monstruosas que são massacres lentos e frios de outros seres – sim, por mais distraído que seja um repórter, ele sempre, em alguma parte em que anda, vê alguma coisa. 25 Muitas vezes não conta. Há 13 anos trabalho neste ramo – e muitas vezes não conto. Mas conto a história sem enredo dessa menina ferida. Não, sei que fim levou e se morreu ou está viva, mas vejo seu fino corpo branco e seus olhos esverdeados e quietos. Não me interessa que tenha sido inimigo o canhão que a feriu. Na guerra, de lado a lado, é impossível, até um certo ponto, evitar essas coisas. Maspenso nos homens que começaram esta guerra e nos que permitiram que eles começassem. Agora é tocar a guerra - e quem quer que possa fazer qualquer coisa para tocar a guerra mais depressa, para aumentar o número de bombas dos aviões e tiros das metralhadoras, para apressar a destruição, para aumentar aos montes a colheita de mortes – será um patife se não ajudar. É preciso acabar com isso, e isso só se acaba a ferro e fogo, com esforço e sacrifícios de todos, e quem pode mais deve fazer muito mais, e não cobrar o sacrifício do pobre e se enfeitar com as glórias fáceis. É preciso acabar com isso, e acabar com os homens que começaram isso e com tudo o que causa isso - o sistema idiota e bárbaro de vida social onde um grupo de privilegiados começa a matar quando não tem outro meio de roubar. Pelo corpo inocente, pelos olhos inocentes da menina Silvana (sem importância nenhuma no oceano de crueldades e injustiças), pelo corpo inocente, pelos olhos inocentes da menina Silvana (mas ó hienas, ó porcos, de voracidade monstruosa, e vós também, águias pançudas e urubus, ó altos poderosos de conversa fria ou voz frenética, que coisa mais sagrada sois ou conheceis que essa quieta menina camponesa?), pelo corpo inocente, pelos olhos inocentes da menina Silvana (ó negociantes que roubais na carne, quanto valem esses pedaços estraçalhados?) – por esse pequeno ser simples, essa pequena coisa chamada uma pessoa humana, é preciso acabar com isso, é preciso acabar para sempre, de uma vez por todas. Fevereiro, 1945 (BRAGA, Rubem. A menina Silvana. Disponível em: <http://www.letraselivros.com.br>. Acesso em: 24 jan. 2011) 11 Artigo de lei Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I - os crimes: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; II - os crimes: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. § 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. § 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; 26 e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. § 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça. (Artigo 7º do Código Penal) 12 Charge (Disponível em: <http://esmaelmorais.com.br>. Acesso em: 8 jan. 2011) 13 Anúncio publicitário (Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/platb/christianmunaier/2009/02/>. Acesso em: 8 jan. 2011) 27 14 Infográfico (Veja, 19 set. 2001, p. 64-65) 28 15 Gráfico (Disponível em: <http://www.vermelho.org.br>. Acesso em: 24 jan. 2011) 16 Cartaz de filme (Disponível em: <http://www.borbulhando.com.br/operacao-valquiria-trailer.html>. Acesso em: 15 jan. 2011) 29 17 Capa de revista (Veja, 26 março 2003) 18 Fotografia (Disponível em: <http://mnegocio.blog.uol.com.br/arch2008-09-28_2008-10-04.html>. Acesso em: 8 jan. 2011) 30 19 Escultura Escultura Amor e da Angústia, de Kenneth Treister. Monumento dedicado às vítimas do Holocausto. Detalhe Pormenores (Disponível em: <http://histoblogsu.blogspot.com>. Acesso em: 10 jan. 2011 31 20 Quadro de pintura (Goya, Os fuzilamentos de 3 de Maio de 1808. Disponível em: <http://annualia-verbo.blogs.sapo.pt/56515.html>. Acesso em: 19 jan. 2011) Preencha o quadro a seguir, destacando: a) as principais características dos gêneros selecionados quanto ao suporte, à estrutura e ao conteúdo; b) o conteúdo temático dos textos selecionados. Gêneros e textos Análises a) dos gêneros b) dos textos 1. Artigo de opinião 2. Resenha 3. Entrevista 4. Poema 32 5. Carta pessoal 6. Notícia 7. Letra de música 8. Editorial 9. Conto 10. Crônica 11. Artigo de lei 12. Charge 33 13. Anúncio publicitário 14. Infográfico 15. Gráfico 16. Cartaz de filme 17. Capa de revista 18. Fotografia 19. Escultura 20. Quadro de pintura 34 1.3.3 Polifonia e intertexto Podemos dizer que textos são reuniões de várias vozes: polifonia. Isso significa dizer que os textos possuem uma multiplicidade de vozes que os atravessam por meio de uma voz privilegiada – a do locutor principal – que vai incorporando as outras. Essas vozes podem aparecer no texto de maneira explícita ou implícita. Um exemplo do primeiro caso é a citação no texto de ideias de outra pessoa. Um exemplo do segundo caso é a introdução no texto de ideias ou conceitos que fazem parte do senso comum, como afirmar que “televisão faz mal à saúde”. Nenhum texto se produz no vazio ou se origina do nada. Todo texto se alimenta, de modo claro ou subentendido, de outros textos. Um, ao retomar outro, tanto pode reiterar ou subverter as ideias presentes no texto “original”. O autor utiliza-o com o objetivo de apoiar ou de dizer algo totalmente diferente do que foi dito em outro texto, de criticar um ponto de vista, uma visão de mundo. Para Nicola, Florina e Ernani (2002), o conhecimento das relações entre os textos – e os textos utilizados como intertexto – é um poderoso recurso de produção e apreensão de significados. Quando um determinado autor recorre a outros textos para compor os próprios, certamente tem um motivo muito claro – a construção de significados específicos (crítica, reflexão, releitura, entre outras questões). Percorrer o caminho inverso, ou seja, buscar esse motivo e reconstruir o processo de produção leva a desvendar tais significados, pois um texto completa outro, lança luz sobre o outro. É o exercício da leitura que irá garantir tudo isso. 1.3.3.1 Textos e atividades 1) Leia, com atenção, o texto seguinte para responder ao que se pede. Sem adjetivos “Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele [delegado Fleury] ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com olhar de louco.” De Rose Nogueira,
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