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Direito Aplicado à Gestão Everaldo Asevedo Mattos Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Professor no Ensino Superior dos cursos de Hotelaria, Marketing, Gestão de Recursos Humanos e Processos Gerenciais do Centro Universitário Jorge Amado (UniJorge). Professor e tutor da disciplina de Direito Empresarial no curso de Administração a Distância da Universidade Salvador (UNIFACS). Autor de conteúdos didáticos para EaD. SOCIEDADE BAIANA DE EDUCAÇÃO E CULTURA – ASBEC Presidência do Conselho de Administração José Eugênio Barreto da Silva Presidência Viviane Brito de Lucca Silva Direção de Operações e Expansão Lila Lopes Direção Administrativo-Financeira Marcelo Adler Assessoria de Governança Silvio Bello CENTRO UNIVERSITÁRIO JORGE AMADO – UNIJORGE Reitoria Viviane Brito de Lucca Silva Pró-Reitoria de Educação a Distância Simone de Oliveira Branco Coordenação Acadêmica Arlete Lima da Cruz Coordenação de Desenvolvimento e Produção de Conteúdos Karen Sasaki Assessoria de Educação a Distância José Maria Nazar David AYMARÁ EDIÇÕES E TECNOLOGIA LTDA. Diretoria-Geral Áureo Gomes Monteiro Júnior Diretoria de Produção Editorial Júlio Röcker Neto Gerência de Produção Editorial Jeferson Freitas Gerência de Produção Gráfico-Visual Paulo Sezerban Gerência de Patrimônio Intelectual Célia Suzuki Coordenação de Produção Editorial Jurema Ortiz Edição Gustavo Bitencourt Revisão Gláucia Rodrigues Isabela Domingues Noriê Winkler Pesquisa de Imagens Susan Rocha Projeto Gráfico Cynthia Amaral Diagramação Fábio Rocha Ilustração Felipe Grosso Tratamento de Imagens Sandra Ribeiro M444 Mattos, Everaldo Asevedo. Direito aplicado à gestão / Everaldo Asevedo Mattos; ilustrações Felipe Grosso. – Curitiba: Aymará, 2008. : il. – (Série EAD – UniJorge). ISBN 978-85-7841-023-0 (Material impresso) ISBN 978-85-7841-024-7 (Material virtual) 1. Direito empresarial. I. Grosso, Felipe. II. Título. III. Série. CDU 347.72 Dados internacionais para Catalogação na Publicação (CIP) (Mônica Catani M. de Souza , CRB-9/807, PR, Brasil) Apresentação Seja bem-vindo a este nosso fluxo de construção de aprendizado da dis- ciplina de direito aplicado à gestão. Com essa disciplina – essencial para o desempenho de suas ativida- des profissionais –, queremos oferecer conhecimentos sobre leis e institutos de importante repercussão em sua futura atuação como gestor, com especial atenção para a teoria geral dos contratos; o estudo da relação de emprego, da relação entre empregado e empregador, do contrato de trabalho, dos principais direitos trabalhistas e das principais relações de trabalho; para o entendimento da constituição e gestão de uma sociedade limitada e das noções básicas dos princípios que regem a administração pública e a atividade tributária. Na construção desse aprendizado, buscamos sempre associar as infor- mações estudadas à efetiva atuação profissional, tanto de gestor de recursos humanos quanto de pequenas e médias empresas, sempre contextualizando- as de forma que torne a sua aplicação o mais prática possível. Nesse sentido, em alguns momentos, você terá de se colocar no papel de futuro administrador e responder a atividades, estudar casos e tentar elaborar um material que, cer- tamente, será muito útil e proveitoso para o desempenho de suas atividades profissionais. Bons estudos! Conteúdos da disciplina CAPÍTULO 1 – TEORIA GERAL DOS CONTRATOS Princípios gerais do direito contratual Requisitos essenciais dos contratos Formação dos contratos Extinção e revisão judicial dos contratos CAPÍTULO 2 – DIREITO APLICADO À GESTÃO Princípios do direito individual do trabalho Relação de trabalho e relação de emprego Empregado e empregador Terceirização CAPÍTULO 3 – DIREITO DO TRABALHO: CONTRATO DE TRABALHO Salário e remuneração Jornada de trabalho, repouso semanal e férias Modalidades de contrato de trabalho Extinção do contrato de trabalho CAPÍTULO 4 – DIREITO SOCIETÁRIO: NOÇÕES DE TRIBUTAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Introdução ao direito societário: constituição de sociedade contratual Aspectos da sociedade limitada Dissolução de sociedade contratual Noções de tributação e administração pública Capítulo 1 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO CONTRATUAL Conteúdo programático Noções de direito Princípios gerais do direito contratual Objetivos Compreender algumas noções introdutórias sobre o direito. Compreender os princípios gerais que regem as relações contratuais. 6 O que é O direitO? Para chegar a um conceito minimamente satisfatório sobre uma área do co- nhecimento tão rica e em permanente transformação, como é a ciência jurídica, vamos a uma breve contextualização histórica. Ao longo da história da sociedade, o ser humano foi confrontado com a necessidade de estabelecer regras de convivência, normas de conduta que per- mitissem o convívio social. Na Grécia Antiga, Aristóteles e outros filósofos estive- ram entre os primeiros a reconhecer que o homem, como animal político, nasceu para viver em sociedade. A fim de garantir um mínimo de paz e harmonia social, o próprio homem reconheceu sua necessidade de se submeter a regras, ordens e convenções. Na Antiga Roma, surgiu o que até hoje se conhece como direito romano, com suas normas que procuraram regulamentar inicialmente o direito de propriedade, abordando o direito de vizinhança (o direito de propriedade perante seus vizinhos) e a transmissão de bens, por exemplo, e depois vários outros aspectos da vida em sociedade. Assim surgiram outras normas voltadas a prevenir possíveis conflitos familiares, como as que se referiam aos direitos dos herdeiros, e normas estipulan- do atividades consideradas criminosas e sua respectiva punição. O direito romano foi um dos primeiros conjuntos de regras e princípios cria- dos para estipular, por exemplo, como se daria a transmissão da herança de um soldado morto em batalha, a punição de alguém que roubasse, a ordem de su- cessão dos imperadores, etc. É considerado o mais importante na consolidação da civilização ocidental, por ser construído a partir de uma escola de pensadores não vinculados a crenças religiosas específicas, mas, sim, ao estudo das relações dentro da própria sociedade, a exemplo de Aristóteles, Sócrates e Platão. Com esse olhar breve sobre a história do mundo ocidental, já é possível entender melhor e até mesmo esboçar um conceito de “direito”: Conjunto de regras, princípios e instituições criados com o intuito de pre- venir e solucionar conflitos e, assim, regular a vida humana em sociedade, buscando garantir a paz e a harmonia social. Mas de onde surgem essas normas que aceitamos que regulem nossa vida em sociedade? Por que se decidiu criar, no Brasil e em diversos outros países, um Código de Defesa do Consumidor? Por que determinados crimes passaram a ser classificados como hediondos? 7 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 Para todas essas perguntas, a resposta pode ser resumida da seguinte for- ma: determinados fatos ocorreram repetidamente ao longo da história. Diante dis- so, a sociedade, ou pelo menos uma parte significativa dela, passou a atribuir a esses fatos determinados valores. Da interação entre fatos e valores nasceu a necessidade de se criarem normas jurídicas que regulamentassem as relações das pessoas com esses fatos de forma unificada, cabendo ao Poder Legislativo eleito elaborar a norma que irá regulamentar aquele determinado fato, levando em consideração, obviamente, o contexto social, político e econômico. Assim, retornando às questões propostas, podemos avaliar alguns fatos e valores que estão relacionados a esses aspectos. Vejamos: Por que se decidiu criar, no Brasil e em diversos outros países, um Códi- go de Defesa do Consumidor?Fato: Surge uma sociedade de consumo, em que conglomerados empre- sariais dominam o mercado e submetem os consumidores ao seu domínio econômico. Valores: Isso levou uma ampla parcela de pessoas a demandar mecanismos para controlar a atividade dessas empresas, especialmente quanto à responsabilidade delas com relação aos produtos que colocam no mercado. Norma: Com o tempo, surge o Código de Defesa do Consumidor. Por que determinados crimes passaram a ser classificados como hedion- dos? Fato: A escalada do narcotráfico, por exemplo, foi acompanhada pelo aumento do número de vítimas de sequestros e homicídios relacio- nados a essa atividade criminosa. Valores: Isso levou a população a exigir atitudes mais enérgicas na punição desses traficantes, sequestradores e assassinos, o que acarretou, entre outras consequências, o surgimento, no Brasil, da Lei dos Crimes Hediondos. Norma: As penas impostas a esse tipo de infrator foram agravadas, bem como as condenações a eles impostas. E assim surge o direito: da atribuição de determinado valor a um fato social, que resulta em uma norma, princípio ou instituição voltada a regular, de forma unificada, a relação de uma comunidade com aquele determinado fato. E assim também surgiram, mais especificamente, o direito contratual e a teo- ria geral dos contratos, que veremos a seguir. 8 O cOntratO e O direitO cOntratual O contrato, acordo voltado a estipular direitos e obrigações entre pessoas, também existe desde a Roma Antiga, já tendo seus pressupostos básicos, seus limites e sua eficácia definidos pelo próprio direito romano. Ao longo da história, com a queda dos Estados totalitários e o surgimento dos Estados democráticos, as relações particulares entre as pessoas se intensificam e precisam ser regula- mentadas por contratos. O direito contratual surge da necessidade de princípios para nortear essas relações fundadas em instrumentos contratuais e solucionar eventuais conflitos. Princípios gerais do direito contratual Para o direito, princípios são noções básicas, fundamentos que norteiam a criação, aplicação e interpretação das normas jurídicas (leis, decretos, etc.). Os princípios gerais do direito contratual são os seguintes: Autonomia da vontade Consensualismo Força obrigatória dos contratos Relatividade dos efeitos dos contratos Boa-fé objetiva Função social do contrato Autonomia da vontade Em direito contratual, a autonomia da vontade das partes contratantes con- siste na liberdade de: escolher se querem celebrar contrato ou não; escolher a outra parte com quem desejam se vincular mediante contrato; estipular livremente as cláusulas contratuais e a forma do contrato. É claro que, segundo o objetivo primordial do direito, que é estipular normas de conduta para regular a vida humana em sociedade e preservar a harmonia social, essa autonomia sofre algumas limitações, especialmente decorrentes de normas de ordem pública, dos bons costumes, da possibilidade de revisão judicial dos contratos e do próprio princípio da função social dos contratos, como veremos mais adiante. Consensualismo Segundo esse princípio, se as partes estão de acordo com os termos do contrato, isso é suficiente para que ele seja válido, não sendo necessária qualquer 9 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 outra solenidade, exceto quando exigida por lei. É o caso, por exemplo, do contrato de compra e venda de imóveis de valor superior a 30 salários mínimos, que somen- te pode ser celebrado mediante escritura pública, conforme previsto no artigo 108 do Código Civil. Força obrigatória dos contratos Uma noção popular, originária do antigo direito romano, é a de que “o contra- to faz lei entre as partes”. É justamente esse o princípio da força obrigatória: uma vez celebrado, o contrato não pode ser alterado por vontade de apenas uma das partes contratantes, nem mesmo pelo Poder Judiciário. A exceção se dá pela pos- sibilidade de revisão judicial do contrato para reequilibrar a relação contratual, afe- tada por circunstâncias extraordinárias e imprevistas, que tornaram o cumprimento da obrigação de uma das partes excessivamente oneroso. Essa possibilidade será estudada adiante. Relatividade dos efeitos dos contratos Os efeitos desejados com a celebração do contrato limitam-se às partes que efetivamente concordam com seus termos. Dessa forma, ele não pode atingir ter- ceiros que não se vincularam a ele expressamente. Também não pode o objeto do contrato incidir sobre bens de terceiros. Esse princípio, contudo, também sofre algumas exceções previstas em lei, retratadas, por exemplo, nas estipulações em favor de terceiros (artigos 436 a 438 do Código Civil), como ocorre na contratação de um seguro de vida, em que o beneficiário não é o segurado, mas, sim, outra pessoa, que, em muitos casos, nem sequer tem conhecimento do contrato. Boa-fé objetiva A boa-fé objetiva é o dever das partes de agir de forma correta, eticamente aceita, antes, durante e mesmo depois de terminada a relação contratual. Esse princípio surge também como interpretação a ser adotada na solução de eventual disputa entre as partes contratantes, devendo, nessa situação, o juiz a que foi sub- metida a decisão do embate analisar o conflito à luz da boa-fé, que deve orientar como as pessoas irão agir. Por exemplo, digamos que num contrato de locação não foi expressamente prevista a data de pagamento do aluguel, porém o locador concordou em sempre receber até o dia 5 de cada mês. Se o locador, sem acerto prévio, começar a cobrar juros ou multa a partir do dia 1.o, estará agindo de má-fé. Função social do contrato O princípio da função social do contrato é uma limitação ao princípio da auto- nomia da vontade, uma vez que o Código Civil brasileiro prevê, no artigo 421, que a liberdade de contratar deverá ser exercida nos limites da função social do contrato. Isso significa que sempre deve prevalecer o interesse social e não o particular. 10 PROjETO DE LEI FEDERAL N.O 1.151 De autoria da Deputada Federal Marta Suplicy (PT-SP). Disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. justificativa O presente projeto de lei visa o reconhecimento das relações entre pes- soas do mesmo sexo, relacionamentos estes que cada vez mais vêm se im- pondo em nossa sociedade. A ninguém é dado ignorar que a heterossexualidade não é a única for- ma de expressão da sexualidade da pessoa humana. O Conselho Federal de Medicina, antecipando-se à Organização Mundial da Saúde, já em 1985 tornou sem efeito o código 302, o da Classificação Internacional de Doenças, não con- siderando mais a homossexualidade como “desvio ou transtorno sexual”. A so- ciedade vive uma lacuna em relação às pessoas que não são heterossexuais. Elas não têm como regulamentar a relação entre si e perante a sociedade, tais como pagamento de impostos, herança, etc. Essa possibilidade de parceria só é reconhecida entre heterossexuais. E os outros tantos? Realidade e direitos Esse projeto pretende fazer valer o direito à orientação sexual, hetero, bi ou homossexual, como expressão dos direitos inerentes à pessoa hu- mana. Se os indivíduos têm direito à busca da felicidade, por uma norma imposta pelo direito natural a todas as civilizações, não há por que continuar negando ou querendo desconhecer que muitas pessoas só são felizes se Leia alguns trechos da justificativa do Projeto de Lei Federal n.o 1.151, que está em tramitação no Senado e que regulamentaria a união civil entre pessoas do mesmo sexo. O texto mais completo pode ser encontrado em http://www.ggb.org. br/projetolei_1151.html. Apesar de causar estranhamento, essa determinação está de acordo com o objetivo maior do direito, que é regular a vida humana em sociedade. Assim, evita- -se que os particularescometam desmandos em seus contratos. Tal princípio justi- fica, por exemplo, a intervenção estatal na aquisição da Varig pela Gol, ou na fusão da Antarctica com a Brahma, a fim de evitar, nos dois casos, a monopolização dos setores da aviação e de comercialização de bebidas, respectivamente. Ao conhecer esses princípios que norteiam os contratos, durante e após a sua vigência, é possível agir de acordo com o direito, e de forma ética, em nosso dia a dia, no que se refere às relações de negócios. Leitura complementar 11 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 ligadas a outras pessoas do mesmo sexo. Longe de escândalos ou ano- malias, é forçoso reconhecer que essas pessoas só buscam o respeito às uniões enquanto parceiros, respeito e consideração que lhes são devidos pela sociedade e pelo Estado. [...] Solidariedade A possibilidade de oficializar a união civil entre pessoas do mesmo sexo permitirá, como nas uniões heterossexuais, que em períodos de crise os casais possam ser ajudados. Os casais heterossexuais casados, quando passam por problemas, enfrentam vários fatores que impedem uma ruptura imediata. Uma parceria legalizada será sinal de que o casal [...], para suas famílias, amigos e sociedade, deseja manter uma relação de compromisso. Isso será enfatizado pelo status formal e legal da união. Muitos casais homossexuais acham uma injustiça que mesmo depois de muitos anos de coabitação ain- da sejam considerados – legal, econômica e socialmente – meramente como duas pessoas que dividem uma residência. Relacionamentos estáveis proverão segurança e um sentimento de per- tencer. A maioria dos homossexuais sozinhos não é reconhecida pelas famílias. As pessoas com orientação homossexual possuem a mesma necessidade de segurança e proximidade que pessoas com orientação heterossexual e devem ter direitos ao mesmo apoio nas relações permanentes. O projeto de união civil entre pessoas do mesmo sexo não vai resolver todos esses problemas nem fazer com que todas as famílias aceitem essa situação, mas certamente poderá ter um efeito estabilizador. [...] Diferenças e semelhanças entre união civil e casamento A possibilidade de regularizar uma situação de união já existente tornará esses relacionamentos mais estáveis, na medida em que serão solucionados problemas práticos, legais e financeiros. A vida social dos casais homosse- xuais também será afetada, fazendo com que sejam mais bem aceitos pela sociedade e até pelas próprias famílias. Esse projeto procura disciplinar a união civil entre pessoas do mesmo sexo e não se propõe dar às parcerias homossexuais um status igual ao do casamento. O casamento tem um status único. Esse projeto fala de “parceria” e “união civil”. Os termos “matrimônio” e “casamento” são reservados para o casamento heterossexual, com suas implicações ideológicas e religiosas. Está entendido, portanto, que todas as provisões aplicáveis aos casais ca- sados também devem ser direito das parcerias homossexuais permanentes. 12 Após conceituar o “direito” a partir de seu surgimento histórico, você deu o primeiro passo no estudo da teoria geral dos contratos, conhecendo os princípios gerais do direito contratual, que farão parte das próximas discussões. A possibilidade para casais de gays e lésbicas registrarem suas parce- rias implicará na aceitação por parte da sociedade de duas pessoas do mesmo sexo viverem juntas numa relação emocional permanente. Aspectos jurídicos O projeto de lei que disciplina a união civil entre pessoas de mesmo sexo vem regulamentar, por meio do direito, uma situação que há muito já existe de fato. E, o que de fato existe, de direito não pode ser negado. A criação desse novo instituto legal é plenamente compatível com o nosso ordenamento jurídico, tanto no que se refere a seus aspectos formais quanto de conteúdo. É instituto que guarda perfeita harmonia com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil – constitucionalmente garanti- dos – de construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3.o, I e IV, da Constituição Federal). A figura da união civil entre pessoas do mesmo sexo não se confunde nem com o instituto do casamento, regulamentado pelo Código Civil brasileiro, nem com a união estável, prevista no parágrafo 3.o do artigo 226 da Constitui- ção Federal. É mais uma relação entre particulares que, por sua relevância e especificidade, merece a proteção do Estado e do direito. O projeto estabelece com clareza os direitos que visa proteger nessa relação. As formalidades nele previstas servem não só como uma garan- tia entre os próprios contratantes, mas também perante terceiros; servem, ainda, como um indicador, para a sociedade, de quão sério é o tema nele tratado e da expectativa de durabilidade e estabilidade que têm em suas relações. Para sua melhor adequação ao ordenamento jurídico, propõem-se algumas pequenas, porém significativas, alterações de legislações específi- cas, como em alguns artigos: da lei de registros públicos, da lei de benefícios previdenciários, do estatuto dos servidores públicos federais e da lei dos estrangeiros. A sociedade brasileira é dinâmica e abarca uma diversidade de relações; o direito brasileiro deve acompanhar. [...] GRUPO GAY DA BAHIA. Projeto de Lei Federal n.o 1.151. Disponível em: <http://www.ggb.org.br/projetolei_1151.html>. Acesso em: 7 abr. 2008. (Adaptado). Síntese 13 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 O princípio pelo qual duas ou mais vontades bastam para gerar o contrato vá-1. lido, não se exigindo qualquer solenidade especial para a formação do vínculo de contrato, é: autonomia da vontade;a) consensualismo;b) força obrigatória dos contratos;c) boa-fé objetiva;d) relatividade dos efeitos do contrato.e) Assinale F para as alternativas falsas e V para as verdadeiras:2. O princípio da autonomia da vontade particulariza-se no direito contratual ( ) na liberdade de contratar, que tem como única limitação as normas de ordem pública. O princípio da força obrigatória dos contratos é aquele que se baseia na ( ) regra de que as condições estabelecidas no contrato deverão ser fielmen- te cumpridas. Em observância ao princípio da relatividade dos efeitos do contrato, não ( ) podem as partes contratantes estipular no contrato vantagem em favor de terceiro que a ele não se vinculou. O princípio da função social do contrato, ao preservar a prevalência do ( ) interesse social sobre o interesse particular, mesmo na celebração dos contratos, acaba por instituir limitação ao exercício da autonomia da von- tade das partes contratantes. Durante as atividades do nosso dia a dia, é comum nos depararmos com si-3. tuações em que não sabemos se existe norma de conduta própria, prevista em direito, ou em que simplesmente discordamos da norma que conhecemos. Você se lembra de ter vivenciado alguma situação desse tipo? Compartilhe sua experiência apresentando-a no fórum Direito: fato, valor e norma, para que possamos conversar a respeito do tema e, eventualmente, encontrar a melhor norma de conduta a ser adotada em relação à situação apresentada. Está em discussão no Brasil o projeto de lei que tramita no Congresso Nacional 4. prevendo o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Qual a sua opinião sobre o assunto? Pesquise e leia o projeto de lei em questão, reúna seus próprios argumentos e expresse suas opiniões no fórum Direitos em debate. Vamos analisar como esse fato pode se tornar uma norma e as repercussões que pode ter. Atividades 14 Anotações DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.23. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. GRUPO GAY DA BAHIA. Projeto de Lei Federal n.o 1.151. Disponível em: <http://www.ggb. org.br/projetolei_1151.html>. Acesso em: 7 abr. 2008. KRUSHEWSKY, Eugênio. Teoria geral dos contratos civis. Salvador: JusPodivm, 2006. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. Referências Capítulo 1 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS REqUISITOS ESSENCIAIS DOS CONTRATOS Conteúdo programático Requisitos essenciais dos contratos Objetivo Promover a compreensão dos requisitos essenciais aos contratos em geral. 16 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS Pelo presente instrumento particular, como CONTRATANTE, GESTÃO DE SUCESSOS LTDA., sediada na cidade de Salvador, estado da Bahia, na Rua 01, n.o 01, inscrita no CNPJ/MF sob o n.o 00.000.001/0001-01, neste ato por seu representante legal abaixo assinado; e como CONTRATADA, EXCELÊNCIA EM TREINAMENTO LTDA., sediada na cidade de Salvador, estado da Bahia, na Rua 10, n.o 10, inscrita no CNPJ/MF sob o n.o 00.000.010/0001-10, neste ato por seu representante legal abaixo assinado; resolvem celebrar o presente CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, mediante as seguin- tes cláusulas e condições: DO OBJETO 1.1. Constitui objeto do presente contrato a prestação, pela CONTRATADA, de servi- ços de treinamento dos empregados da CONTRATANTE. 1.1.1. Os serviços de treinamento mencionados no item 1.1. consistirão no desen- volvimento, em conjunto pela CONTRATANTE e CONTRATADA, de palestras motivacionais e cursos de aperfeiçoamento profissional a serem ministrados junto aos empregados da CONTRATANTE. 1.1.2. Por força do contrato ora celebrado, a CONTRATADA se obriga a: a) realizar os treinamentos solicitados nos termos aprovados pela CONTRATANTE, res- ponsabilizando-se, inclusive, pela elaboração e fornecimento de todo o material didático; b) indicar à CONTRATANTE profissionais para ministrarem os cursos/palestras apro- vados; c) entregar, até o dia 05 do mês subsequente, relatório contendo os dados referentes aos cursos/palestras ministrados no mês anterior; d) apresentar, junto com a nota fiscal a ser entregue à CONTRATANTE até o dia 10 do mês subsequente ao vencido, os comprovantes de pagamento dos valores devidos aos profissionais envolvidos na prestação dos serviços ora contratados e os compro- vantes de cumprimento das obrigações trabalhistas pertinentes. 1.1.3. Por força do contrato ora celebrado, a CONTRATANTE se obriga a: a) reunir-se periodicamente com a CONTRATADA, a fim de definir os novos cursos/pa- lestras a serem ministrados e de avaliar o correspondente material didático a ser produzido pela CONTRATADA e as indicações apresentadas por esta de profissionais responsáveis por realizar o curso/palestra; b) contratar diretamente os profissionais necessários para ministrar os cursos ou palestras aprovados; c) disponibilizar as instalações e os equipamentos necessários à realização dos cursos/palestras; d) pagar, até o dia 15 do mês subsequente, a remuneração devida à CONTRATADA, que será composta da seguinte forma: (I) R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por cada palestra ministrada; e (II) R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada dia de curso ministrado. E, por assim estarem justas e contratadas, as partes assinam o presente instrumento em 02 (duas) vias de igual teor e forma, na presença de duas testemunhas. Salvador, 1.o de janeiro de 2008. GESTÃO DE SUCESSOS LTDA. EXCELÊNCIA EM TREINAMENTO LTDA. Como você viu anteriormente, o contrato é um instrumento que estipula direitos e obrigações entre particulares. O direito reconhece seus efeitos e sua eficácia e, com o princípio da força obrigatória, o contrato pode “fazer lei entre as partes contratantes”. Observe este modelo de contrato: 17 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 A fim de reconhecer a validade de tal instrumento, o direito contratual prevê, no artigo 104 do Código Civil, requisitos mínimos e essenciais a serem observados na celebração de qualquer contrato. Observe: Um casal decide comprar um imóvel que foi posto à venda por três irmãos, que o herdaram de seus pais, recentemente falecidos. Quantas pessoas estão envolvidas nessa relação? E quantas partes deverão constar no contrato de compra e venda? Após analisar a situação, você pode ter respondido que o contrato envolverá a participação de cinco pessoas: o ca- sal e os três irmãos. No entanto, constariam apenas duas partes: os compradores (o casal) e os vendedores (os três irmãos). Artigo 104 – A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei. Requisitos subjetivos Os requisitos subjetivos referem-se ao agente (ou sujeito) e são condições impostas pela lei às partes, as quais, caso não sejam observadas, podem levar à anulação do contrato. São eles: Existência de duas ou mais partes Capacidade legal Consentimento das partes envolvidas Assim, fica claro que não existe vinculação entre a quanti- dade de partes e a quantidade de pessoas numa relação contratual. 18 Existência de duas ou mais partes Voltando ao exemplo, o casal tem interesse de comprar conjuntamente um imóvel, onde poderão construir sua vida a dois. Por terem esse interesse comum, constituem uma parte do contrato: os compradores. Do outro lado, os três irmãos querem vender o imóvel herdado de seus pais e também têm um interesse co- mum, compondo, dessa forma, a outra parte do contrato: os vendedores. O entendimento dessa distinção é importante para a fixação do primeiro re- quisito subjetivo de validade dos contratos, que é a existência de duas ou mais partes. Obviamente, se o contrato é um acordo de vontades, que estipula direitos e obrigações entre particulares, é necessário que existam ao menos dois centros de interesse diferentes. Capacidade legal Não basta que haja duas ou mais partes dispostas a celebrar contrato para que ele seja considerado válido no plano subjetivo. O artigo 104 do Código Civil reproduzido na página anterior deixa claro que essas partes devem ser capazes. O segundo requisito subjetivo dos contratos é a capacidade das partes contra- tantes para praticar os atos da vida civil. Para o direito brasileiro, em regra, todas as pessoas são capazes de direitos e deveres na ordem civil a partir do nascimento, conforme assegurado pelos artigos 1.o e 2.o do Código Civil. O direito civil definiu nos artigos 3.o e 4.o as pessoas que, por terem anulada, diminuída ou ainda não plenamente madura a sua capacidade de manifestar sua vontade, são consideradas absoluta ou relativamente incapazes, a depender do grau dessa anulação, diminuição ou incapacidade. Observe o quadro a seguir: INCAPACIDADE ABSOLUTA INCAPACIDADE RELATIvA Artigo 3.o – São absolutamente incapa- zes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: os menores de dezesseis anos;I – os que, por enfermidade ou II – deficiê ncia mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; os que, mesmo por causa transi-III – tória, não puderem exprimir sua vontade. Artigo 4.o – São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: os maiores de dezesseis e menores I – de dezoito anos; os ébrios habituais, os viciados em II – tóxicos e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento re- duzido; os excepcionais, sem desenvolvi-III – mento mental completo; os IV – pródigos. Pródigo Pessoa considerada inábil para gerenciar os próprios bens, por gastar de maneira exces- siva e irresponsável. 19 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 Perceba que, apesar de o novo Código Civil ser recente, tendo entrado em vigor em2003, a terminologia utilizada não está de acordo com os termos que têm sido mais aceitos socialmente. Os termos “ébrios” para se referir a alcoólicos, “viciados” para dependentes químicos e “excepcionais” para pessoas com deficiência não conferem com as discussões atuais sobre linguagem inclusiva. Entretanto, muitos acreditam que houve um grande avanço em relação ao Código anterior – por exemplo, por não serem mais considerados os surdos como incapazes absolutos, ou pela inclusão do nível de discernimento como critério – nos artigos 3.o e 4.o. O Código de 1916, em vez de “deficiência mental”, mencionava “loucos de todo o gênero”, expressão que foi substituída pelo termo “psicopata” com o Decreto- -Lei n.o 24.559, de 1934 (DONZELE, 2004). A distinção entre “incapacidade absoluta” e “incapacidade relativa” é impor- tante, uma vez que a lei também permite a essas pessoas efetuarem contratos quando quiserem ou necessitarem, mediante a observação de determinadas re- gras. Assim, instituiu-se a necessidade de as pessoas consideradas absolutamen- te incapazes serem representadas por seu pai, mãe ou tutor na prática de atos da vida civil. É o que ocorre quando uma vítima de acidente ou enfermi- dade entra em coma. Nessa situação, seu representante legal exerce, em seu nome, os atos civis que lhe cabem, inclusive assinando os documentos necessários. As pessoas consideradas relativamente incapazes devem ser necessaria- mente assistidas por seu pai, mãe, tutor ou curador. Uma pessoa de 17 anos que ingressa na faculdade precisa apresentar, ao lado de sua assinatura, a assinatura do pai, da mãe ou do tutor no contrato de prestação de serviços com a instituição. Se não forem observadas essas regras de representação ou assistência, o contrato é considerado nulo. Isso ocorre tanto para pessoas consideradas absolu- tamente incapazes – quando o responsável legal não assinar o contrato como re- presentante – como para pessoas consideradas relativamente incapazes – quando sua assinatura não estiver acompanhada pela assinatura de seu assistente. 20 Em determinadas situações, ainda que a parte em questão satisfaça as regras genéricas de capacidade previstas na legislação civil, pode ser que não seja legitimada a contratar, por não preencher alguma regra de capacidade específica prevista em lei. Se, por exemplo, um pai vende um bem a um de seus filhos, esse contrato somente será considerado válido se for obtido o consentimento do cônjuge e dos demais filhos do vendedor, conforme determina o artigo 496 do Código Civil. Consentimento das partes envolvidas Além da capacidade legal, geral ou específica, as partes contratantes devem consentir com o contrato, sendo esse consentimento, portanto, o terceiro requisito subjetivo dos contratos. E o acordo deve ser manifestado de forma expressa e livre. Desse modo, o silêncio não caracteriza o consentimento, exceto nos casos em que a lei assim estabelecer ou não exigir manifestação expressa e existirem outras circunstâncias que demonstrem a vontade da parte de estabelecer o contrato. Um locatário que recebe as chaves de um imóvel e passa a morar nele e pagar aluguel, independentemente de ter assinado um contrato formal, está manifestando sua vontade de estabelecer esse vínculo. Uma vez preenchidos esses três requisitos, considera-se o contrato válido no plano subjetivo. Em contratos com pessoas jurídicas, para uma maior segurança quanto à legitimidade da pessoa que assinou o contrato, é aconselhável que ela forneça, junto com as vias assinadas do contrato, cópia do contrato social da empresa ou de procuração em que se possa confirmar que ela tem poderes para isso. Requisitos objetivos Os requisitos objetivos referem-se, como o nome já diz, ao objeto do con- trato. São quatro aspectos que esse objeto deve possuir para que o contrato seja válido: 21 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 Licitude Você acha que é possível contratar alguém para assassinar ou roubar? Ou para administrar um cassino, ou um ponto de venda de drogas ilícitas? A resposta para ambas as perguntas é “não”. Conforme determina o Código Civil – ainda que em oposição ao princípio da autonomia da vontade –, o objeto do contrato deve ter licitude, ou seja, não pode ser contrário à lei, à moral, aos princípios de ordem pública e aos bons costumes. Possibilidade material E seria possível contratar uma empresa para construir uma nave espacial que navegue à velocidade da luz? Ou um consultor para ministrar um curso presencial, no mesmo dia, no Brasil e na Austrália? Ou uma equipe de biólogos para capturar um unicórnio? É óbvio que a resposta às perguntas acima também é “não”. O objeto do con- trato não precisa ser apenas lícito e possível juridicamente, mas também possível materialmente. É importante ter em mente que essa possibilidade material deve existir no momento da celebração do contrato, para que ele não seja considerado nulo. Assim, é possível contratar a compra de um apartamento localizado em um prédio ainda em construção, com a promessa de entrega para uma determinada data futura. Pode ocorrer, no entanto, um imprevisto, por exemplo, um terremoto derrubar parte da construção do prédio, atrasar a data de entrega do imóvel pro- metida no contrato. Nesse caso, o contrato não é invalidado, e a impossibilidade de cumprimento do prazo estipulado será tratada de acordo com as regras pertinentes à extinção dos contratos, que estudaremos mais adiante. Determinabilidade A determinabilidade do objeto do contrato significa que devem constar informações mínimas referentes ao gênero, à espécie, à quantidade e às caracte- rísticas individuais do que se quer contratar. A descrição deve ser suficiente para garantir que o credor exija do devedor o cumprimento daquilo a que se obrigou. Assim, tanto se pode contratar a compra de um automóvel Celta 1.0 2006/2007, zero quilômetro, quatro portas, com ar-condicionado, na cor branca, quanto encomendar uma reprodução do quadro Campo de trigo com corvos, de Vincent van Gogh, com 70 cm x 90 cm. Em ambas as situações, em maior ou menor grau, estão presentes elementos suficientes para exigir de quem vende aquilo que ele se comprometeu a entregar. Licitude Possibilidade material Determinabilidade Economicidade 22 Requisito formal Ao contrário do que ocorre nos requisitos subjetivos e objetivos de validade dos contratos, no que diz respeito à forma, o direito contratual optou pela liberdade, pelo amplo exercício do princípio da autonomia da vontade, estipulando que o con- trato poderá ser celebrado da forma que melhor convier às partes, mesmo de modo verbal, de acordo com o princípio do consensualismo, que determina que o simples acordo de vontades faz nascer o contrato (artigo 107 do Código Civil). Em casos excepcionais previstos em lei, o contrato deve adotar forma solene, a exemplo do caso já mencionado de compra e venda de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos, que deve ser celebrado mediante escritura pública e não por instrumento particular. Ao estipular o objeto de um contrato, deve-se determiná-lo da forma mais específica possível, definindo também, detalhadamente, em cláusulas contratuais distintas, as obrigações de cada parte, a fim de garantir ao credor a noção clara do que pode ser exigido e, ao devedor, o conhecimento exato daquilo que se comprometeu a cumprir. Ainda que isso não seja exigido por lei, na prática, o contrato deve contar com a assinatura de duas testemunhas, que certificam que as disposições foram convencionadas de comum acordo entre as partes. Da mesma forma, a lei não exige o reconhecimento da firma das partes ou de seus representantes como requisito de validade do contrato. Entretanto, especialmente nos casos em que o valor representativodo objeto contratado é elevado, isso é aconselhável, principalmente quando se tratar de contratação envolvendo pessoas jurídicas. Economicidade Por último, ainda que não mencionada expressamente no artigo 104 do Có- digo Civil, a economicidade do objeto do contrato também é condição essencial para a sua validade. É preciso que o objeto tenha valor econômico, ou seja, ele deve ser passível de conversão, direta ou indiretamente, em dinheiro. Objetos que não podem ser convertidos financeiramente não interessam ao direito contratual. 23 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 MARIDO TENTA vENDER MULHER POR R$ 100 NA INTERNET Ministra Nilcéia Freire pediu punição para o Mercado Livre. Oferta já saiu do ar São Paulo – Não importa se foi consentido, piada de mau gosto ou trote. Para a ministra da Secretaria Especial de Política para Mulheres, Nilcéia Freire, o anúncio publicado no site de vendas pela Internet Mercado Livre de um suposto marido que vendia a mulher por R$ 100 (já retirado do ar) foi ofensivo, fere a digni- dade e reforça o estereótipo de que a mulher é objeto dos homens. Como protesto, [a ministra] denunciou o Mercado Livre no Conselho Nacional de Autorregulamen- tação Publicitária (Conar). “O anúncio contraria a ética de nossa sociedade.” O anúncio pode causar divertimento ou repulsa, mas não passa des- percebido. A começar pelo título: “Vendo minha esposa, ótimo estado de con- servação”. Continuando a leitura, entende-se que um homem, com o apelido Breno_Bonin, oferece Neuza, a quem estiver disposto a pagar o preço pedido. O casal é do Mato Grosso do Sul. Tem até uma foto de Neuza, que Breno achou não ter sido suficiente para atrair possíveis “compradores”. Faltava a descrição dos atrativos: “1,60 m, 65 quilos, loira”, “muito boa de cama, ótima na cozinha, limpa a casa que é uma beleza, nunca teve filhos, não tem problemas com o sexo e nem entrou na menopausa ainda [sic], tem apenas 35 anos. Chama-se Neuza e é uma mulher de ouro”. Se é tão boa assim, por que vendê-la? “Breno” explica: “Preciso muito de dinheiro”. Mas vai logo avisando: “Depois que conseguir dinheiro vou kerer compra-la de volta [sic]”. Por meio de nota, o Mercado Livre informa que proíbe anúncios de produtos e serviços que firam a moral e os bons costumes. Para isso, diz que monitora o conteúdo do site usando ferramentas de busca e incentiva usuá- rios a denunciar infrações. E afirma que o grande número de produtos (cerca de 1 milhão) impede que ofertas ilegais sejam retiradas em tempo real. A ministra ficou sabendo do anúncio por meio de denúncia. “Queremos que o Conar examine a ação e imponha alguma penalidade.” A assessoria de imprensa do Conar informou que se o anúncio foi considerado irregular será impedido de ser veiculado e vai criar jurisprudência para casos semelhantes. MAIA JUNIOR, Humberto. Marido tenta vender mulher por R$ 100 na Internet. Disponível em: <http://estadao.com.br/tecnologia/internet/noticias/2007/mai/05/37.htm>. Acesso em: 5 mar. 2008. Leitura complementar A partir do entendimento dos requisitos essenciais a serem observados para a celebração válida de contratos, conseguimos estabelecer algumas medidas mí- nimas a serem adotadas, para que contratos adequados às exigências legais e seguros para os contratantes possam ser celebrados. Síntese 24 Além das que já foram apontadas, quais outras medidas de segurança você 1. acredita que podem ser adotadas no que se refere à discriminação das par- tes, do objeto, ou à escolha da forma do contrato? Compartilhe sua opinião apresentando-a no fórum Celebrando contratos válidos, para que possamos trocar ideias a respeito do tema. Assinale F para as alternativas falsas e V para as verdadeiras:2. O contrato a ser celebrado com a escola de primeiro grau em que os pais ( ) desejam matricular seu filho de 10 anos de idade deve ser assinado pelo pai ou pela mãe da criança, na qualidade de seu representante, sob pena de nulidade do contrato. Uma pessoa pode locar seu imóvel para a instalação de um local de pros-( ) tituição. Considera-se válido o contrato verbal celebrado entre a empresa de ( ) moto- boys e a empresa contratante para a realização de entregas de documen- tos em uma determinada área pré-acordada, mediante o recebimento, ao fim de cada mês, do valor estipulado no contrato. É válido um contrato em que uma microempresa contrata um adolescente para 3. produzir um programa de controle de estoque de mercadorias que ainda não existe no mercado? Existem medidas específicas a serem adotadas por essa microempresa na celebração do contrato? Compartilhe sua opinião no fórum Estudo de caso 1, para que possamos trocar ideias a respeito do tema. No caso apresentado na leitura complementar, seria possível que o marido 4. viesse a celebrar um contrato com alguém interessado em “comprar” sua espo- sa? Por quê? Justifique sua resposta com base em tudo o que você aprendeu até agora e compartilhe sua opinião no fórum Estudo de caso 2, para que possamos trocar ideias a respeito do tema. BRASIL. Presidência da República. Código Civil brasileiro atualizado 2007. 1. ed. São Paulo: Escala, 2007. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. DONZELE, Patricia Fortes Lopes. A incapacidade no novo Código Civil. Disponível em: <http://www.cesuc.br/revista/ed-6/incapacidade.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2008. KRUSHEWSKY, Eugênio. Teoria geral dos contratos civis. Salvador: JusPodivm, 2006. MAIA JUNIOR, Humberto. Marido tenta vender mulher por R$ 100 na Internet. Disponível em: <http://estadao.com.br/tecnologia/internet/noticias/2007/mai/05/37.htm>. Acesso em: 5 mar. 2008. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. Atividades Referências Capítulo 1 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS FORMAÇÃO DOS CONTRATOS Conteúdo programático Formação dos contratos Objetivos Promover a compreensão das diversas possíveis etapas de formação dos contratos. Estabelecer os requisitos e as consequências da elaboração de proposta ou de contrato preliminar. 26 Definidos os requisitos essenciais de validade dos contratos, podemos passar ao estudo das diversas possibilidades de formação contratual, que podem incluir negociações preliminares, proposta ou contrato preliminar. Contudo, é importan- te ter em mente, desde o início, que as partes não são obrigadas a passar por todas essas fases para formação de um contrato válido, podendo adotar apenas uma ou algumas delas, como veremos a seguir. Negociações preliminares Sendo o contrato um exercício da autonomia da vontade das partes, nor- malmente, antes de sua efetivação, existe uma negociação dos termos especí- ficos, especialmente no que diz respeito aos direitos e obrigações atribuídas a cada parte. É justamente essa fase inicial – em que ainda não existe contrato, mas apenas um esboço, uma intenção ainda não formalizada – que denomina- mos de “negociações preliminares” ou “tratativas”. Durante essa fase, ainda não existe vínculo entre as partes nem sequer obrigação de contratar, mesmo que os possíveis futuros contratantes já tenham trocado minutas, ou seja, esboços do contrato que desejam assinar. Ao final das negociações, apesar das inúmeras minutas trocadas, as partes podem não conseguir chegar a um consenso, optando por não celebrar o contrato. Nesse caso, não se pode considerar que essa desistência resulte em prejuízo passível de indenização. Imagine o seguinte: uma empresa está em processo de negociação, já em fase avançada, com outra organização que pretende contratar seus serviços. Por se tratar de um negócio importante, a diretoria opta por contratar mais pessoas eoferecer-lhes treinamento especializado, a fim de conseguir realizar o serviço que se comprometerá a fazer. Em um dado momento, a empresa contratante, sem for- necer nenhuma explicação, desiste do negócio e decide não assinar o contrato, ao passo que a primeira se vê prejudicada com essa desistência. O que poderia ser feito nesse caso? A empresa prejudicada poderia pedir uma indenização? Se, ao longo das tratativas, uma das partes criou expec- tativa de que o contrato seria realmente efetuado, a ponto de contrair despesas, abrir mão de outras oportunidades, ou mesmo alterar sua dinâmica de negócios, mesmo não havendo responsabilidade contratual, a parte que desistiu sem apresentar justificativa deve indenizar a parte prejudi- cada pelas perdas e danos que esta possa ter sofrido. 27 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 Devem-se guardar sempre as minutas que foram trocadas antes de chegar ao texto final do contrato. Isso porque, caso exista algum tipo de conflito a ser resolvido judicialmente, se uma das partes desistir injustificadamente, ou mesmo se houver alguma disputa após a assinatura, as minutas fornecem informações sobre as intenções das partes, auxiliando o juiz a interpretar o contrato e a relação que ele formaliza. Proposta Evoluindo um pouco nas negociações, pode ocorrer de, após um certo tem- po, uma das partes optar por encaminhar à outra uma proposta de contratação, contendo todos os elementos necessários para a avaliação do negócio que se quer formalizar, estipulando ou não um prazo para que seja avaliada. A proposta é uma declaração de vontade pela qual uma das partes – deno- minada “proponente” ou “policitante” – propõe à outra – nesse caso, denominada “oblato” – os termos de um contrato, bastando que seja aceita para efetivá-lo. Ao contrário do que ocorre durante a fase das negociações preliminares, em que não existe qualquer obrigação de contratar para nenhuma das partes em negociação, no caso da proposta considera-se o proponente responsável pelos termos que declarou. Ele somente será desvinculado dessa obrigação caso a proposta seja recusada pelo oblato, caso acabe o prazo estipulado para a aceitação sem haver resposta ou caso ocorra uma das hipóteses previstas no artigo 428 do Código Civil brasileiro, descritas a seguir: Artigo 428 – Deixa de ser obrigatória a proposta: se feita sem prazo a pessoa presente, não foi ime-I – diatamente aceita. Considera-se também presen- te a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; se feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decor-II – rido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; se feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida III – a resposta dentro do prazo dado; se antes dela ou simultaneamente, chegar ao co-IV – nhecimento da outra parte a retratação do pro- ponente. Uma vez aceita a proposta, ela passa a ter efeito de um contrato efetivo. Assim, pode-se dizer que a aceitação válida da proposta vincula as partes aos ter- 28 mos dela, como se tivessem efetivamente celebrado um contrato. Para esclarecer o que o direito contratual entende por aceitação válida da proposta, vamos pensar no seguinte: Pessoas ausentes Aquelas que não estejam na presença umas das outras ou que não possam responder imediatamente – via telefone, por exemplo – à proposta apresentada. Digamos que a aceitação da proposta foi enviada dentro do prazo estipulado, mas, devido a um atraso no serviço de correio, por exemplo, chega às mãos do proponente somente duas semanas depois do fim do prazo. Ainda assim, o proponente é obrigado a cumprir a proposta? E se ele já tiver assinado contrato com outro? No exemplo mencionado, a fim de se desobrigar de cumprir o que assumiu na proposta enviada, o proponente deve comunicar imediatamente ao oblato que recebeu a aceitação com muito atraso. Caso contrário, conforme previsto no artigo 430 do Código Civil brasileiro, pode se ver obrigado a pagar uma indenização por perdas e danos decorrentes de não celebrar o contrato proposto. Caso o oblato aceite a proposta fora do prazo estipulado ou a devolva ao proponente com sugestões de alteração de seus termos, considera-se que o oblato está apresentando nova proposta, passando a figurar como novo proponente e conferindo ao antigo a oportunidade de avaliar os novos termos. Na fase de negociações preliminares, se houver troca de minutas de contrato entre as partes, para que elas não sejam consideradas como propostas, é sempre aconselhável que seja apresentada expressamente essa condição, fazendo constar no rodapé a informação “não vale como proposta”, por exemplo. SE A PROPOSTA FOI FEITA SEM PRAzO ESTIPULADO, ENTRE PESSOAS AUSENTES SE O PROPONENTE ESTIPULOU PRAzO PARA ANÁLISE DA PROPOSTA É considerada válida a aceitação que chegar ao conhecimento do proponente num prazo razoável a contar do recebimento da proposta pelo oblato. Para definir o que seria um prazo razoável, cada caso é analisado, sob o princípio da boa-fé objetiva, que deve reger as relações contratuais. Considera-se válida a aceitação ex- pedida pelo oblato dentro do prazo estipulado, independentemente da data em que o proponente a recebeu. 29 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 Contrato preliminar O contrato preliminar também é chamado de “promessa de contrato” ou “pré-contrato”. O seu objetivo é indicar a futura celebração de um contrato definitivo. Esse instrumento do direito contratual pode parecer sem qualquer utilidade. No entanto, casos que envolvem altas somas em dinheiro, por exemplo, as nego- ciações preliminares podem se desenrolar por um longo período. Assim, o pré- -contrato é importante, pois define claramente o compromisso de efetivar o contrato definitivo e indica, inclusive, se for de interesse das partes, os elementos básicos e já acordados do negócio em discussão entre elas. Dessa forma, uma vez assinado o contrato preliminar, não poderá qualquer das partes, injustificadamente, desistir da contratação, sob pena de ser obrigada a assinar o contrato definitivo ou pagar à outra parte indenização por perdas e danos, independentemente do estágio em que se encontram as negociações. Outra vantagem é que, apesar de haver a mesma necessidade de observar os requisitos subjetivos e objetivos que há em qualquer outro contrato, o Código Civil brasileiro, no artigo 462, prevê que a forma do pré-contrato pode ser definida livremente e é totalmente desvinculada da forma que a lei eventualmente exigir para o contrato definitivo. Você já observou como é comum, no mercado imobiliário, assinar contratos de promessa de compra e venda de imóveis? Eles são utilizados especialmente quando o pagamento é parcelado. Esse contrato pode ser celebrado por instrumento particular, e não necessariamente por instrumento público, ao contrário do que é exigido para a celebração de contrato de compra e venda definitivo. Qual seria a função desse tipo de contrato? O que ele pode garantir para ambas as partes? Com base nas informações que vimos, já podemos delimitar algumas diferen- ças entre as negociações preliminares, a proposta e o contrato preliminar no que diz respeito às obrigações. Observe: NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES PROPOSTA CONTRATO PRELIMINAR Não estipulam quaisquer obrigações entre as par- tes, nem mesmo a de celebrar o contrato em negociação. Obriga o proponente a cumprir o que propôs, caso o oblato aceite a proposta. Obriga ambas as partes a celebrarem o contrato definitivo que se encontra em negociação. 30 RESCISÃO DE CONTRATO DE TRABALHO PRELIMINAR GERA DEvER DE INDENIzAR A Justiça do Trabalho de Minas Gerais reconheceu a uma reclamante, que teve o seu pré-contrato de trabalho injustificadamente rescindido pela em-presa, o direito a uma indenização por danos materiais para cobrir os prejuízos sofridos. É que, na expectativa da contratação, já acertada com a reclamada, a reclamante pediu demissão do antigo emprego, sendo mais tarde informada de que não seria mais contratada, em razão dos problemas financeiros enfren- tados pela empresa. Entendendo estar configurado o ato ilícito e a culpa da empresa pelo rompimento do contrato preliminar de trabalho, o juiz de primeiro grau con- denou-a ao pagamento de danos materiais correspondentes aos valores de aviso prévio, indenização do seguro-desemprego, multa de 40% do FGTS e 1/12 de férias. A 2.a Turma do TRT manteve a decisão, pois ficou constatado no processo que houve a formação do contrato preliminar (pré-contrato) entre as partes, motivando a reclamante a pedir demissão do seu emprego anterior, ante a expectativa gerada pela ré. A prova documental revela envio de e-mail informando a data de início do trabalho na empresa e combinando um período de treinamento em outra cidade. A Turma concluiu, portanto, que a contratação da reclamante já havia se consumado, faltando apenas a formalização do contrato. “Não pode a re- clamada tentar exonerar-se de sua responsabilidade ao argumento de que a reclamante pediu demissão por sua única e exclusiva vontade” – destaca o relator do recurso, desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal. O desembargador explica que, nos termos da legislação civil, a proposta de contrato obriga o proponente nos termos estipulados. Ele concluiu que a em- presa reclamada quebrou o princípio da boa-fé ao invocar problemas financeiros. “Ora, problemas dessa natureza não se apresentam da noite para o dia, pois de certo já era de conhecimento prévio da reclamada. E considerando que tal proce- dimento causou danos à reclamante, aquela deve ressarci-los”, frisa. ESTADO DE MINAS GERAIS. Justiça do Trabalho. Tribunal Regional do Trabalho – 3.a Região. Rescisão de contrato de trabalho preliminar gera dever de indenizar. Disponível em: <http://as1.mg.trt.gov.br/pls/noticias/ no_noticias.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=995&p_cod_area_noticia=ACS>. Acesso em: 6 mar. 2008. Para saber mais sobre o que acontece antes de se chegar a uma decisão judicial, você pode consultar o processo no site do TRT, 3.a Região. Acesse http://www.mg.trt.gov.br e, no menu Processos, clique em Consulta unificada. Ali, digite o número do pro- Leitura complementar 31 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 Analisamos alguns procedimentos para a formação dos contratos. Desse modo, podemos ter subsídios para escolher, durante a realização dos futuros ne- gócios, o meio mais adequado à formalização de contratos com empresas ou pes- soas. cesso (00230), o ano (2007) e a vara em que ele foi julga- do (105). Cada etapa, desde a distribuição do processo, é descrita em ordem cronológica. Mesmo sendo difícil entender a linguagem jurídica a princípio, procure ler atentamente, pesquisar na Internet ou em dicionários as expressões que você desconhece. Assim, você vai perdendo o receio e, aos poucos, vai perceber que o direito não é tão complicado quanto pode parecer. Síntese Como sócio de uma empresa, você é procurado por uma multinacional para 1. apresentar uma proposta de realização da auditoria anual de balanço e contas. Recebida a solicitação, você envia sua proposta, via fax, no dia 13 de setem- bro, informando que a empresa dispõe do prazo de 10 dias para analisar os termos do documento apresentado. Com base na situação descrita, assinale a alternativa incorreta: Você será obrigado a cumprir a proposta se a multinacional expedir sua a) aceitação até o dia 23 de setembro, ainda que tenha sido expedida via correio e somente chegue a seu conhecimento no dia 27 do mesmo mês. Se a proposta for reenviada a você com alterações em seus termos, sig-b) nifica que a multinacional está apresentando nova proposta, salvo se ela deixar bem claro que não é essa sua intenção, mas, sim, apenas continuar as negociações. Uma vez aceita a proposta, caso a multinacional venha a desistir injustifica-c) damente do contrato, sem que você tenha dado início à prestação de seus serviços, você não terá direito ao pagamento de qualquer indenização por perdas e danos. Caso você não receba qualquer resposta referente à proposta apresenta-d) da, ela será considerada não aceita e sua empresa não tem o direito de exigir o pagamento de qualquer tipo de indenização por perdas e danos. Considerando a situação descrita na atividade 1 e colocando-se na posição de 2. gestor da empresa de auditoria ou da multinacional, à sua escolha, como você sugere que devam ser estipulados, contratualmente, o objeto do contrato a ser celebrado entre essas empresas e as obrigações de cada uma? Defina sua Atividades 32 BRASIL. Presidência da República. Código Civil brasileiro atualizado 2007. 1. ed. São Paulo: Escala, 2007. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. ESTADO DE MINAS GERAIS. Justiça do Trabalho. Tribunal Regional do Trabalho – 3.a Região. Rescisão de contrato de trabalho preliminar gera dever de indenizar. Disponível em: <http://as1.mg.trt.gov.br/pls/noticias/no_noticias.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=995&p_ cod_area_noticia=ACS>. Acesso em: 6 mar. 2008. KRUSHEWSKY, Eugênio. Teoria geral dos contratos civis. Salvador: JusPodivm, 2006. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. posição, prepare as suas sugestões de cláusulas e envie-as para o fórum Ela- borando contratos: negociações preliminares, a fim de que, juntos, possamos construir uma minuta de contrato. Ainda com base na situação descrita na atividade 1, considere que se trata de 3. uma multinacional que tem faturamento anual na casa dos milhões de reais e que entrou em contato com sua empresa de auditoria em setembro para soli- citar a apresentação de uma proposta de auditoria do balanço e das contas do exercício a vencer no mês de dezembro. Você acredita que deveria sugerir, em vez da troca de propostas, a celebração de um contrato preliminar, enquanto são negociados os termos específicos dessa contratação? Compartilhe sua opinião no fórum Contrato preliminar: quando utilizar?. Referências Anotações Capítulo 1 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS ExTINÇÃO E REvISÃO jUDICIAL DOS CONTRATOS Conteúdo programático Extinção e revisão judicial dos contratos Objetivos Promover a compreensão das diversas formas de extinção dos contratos. Fornecer subsídios para a elaboração da cláusula prevendo a possibilidade de resilição unilateral e das cláusulas resolutórias. Definir as hipóteses em que pode ocorrer a revisão judicial dos contratos. 34 Leia atentamente as seguintes cláusulas contratuais: O texto menciona dois possíveis motivos pelos quais o contrato poderia ser extinto. Com base nesse exemplo, pense sobre as seguintes questões: A extinção do contrato com base no que está previsto a) na primeira cláusula poderá ser justificada pelos mesmos motivos que constam na segunda cláusula? Se a contratante simplesmente não mais tiver interesse na contratação, com base em qual das duas cláusulas ela poderá pedir a extinção do contrato? E no caso de a contratada não cumprir alguma das b) obrigações que assumiu, com base em qual das cláusulas poderá a contratante extinguir o contrato? Se o contrato for extinto pelo motivo descrito na primeira c) cláusula ou pelo que é descrito na segunda, os efeitos serão os mesmos? A resposta para essa última pergunta é “não”, mas vamos explicar as razões disso mais adiante. Por enquanto, devemos ter em mente que, ainda que seja estipulado inicial- mente por prazo indeterminado,todo contrato é criado para ser extinto após cum- prir sua função. Assim, uma vez atingido seu objetivo inicial, ocorrerá naturalmente sua extinção, independentemente de ter sido celebrado com prazo determinado ou indeterminado. Contudo, existem outras formas de extinção dos contratos que não dependem de se atingirem seus objetivos: por vontade das partes (resilição), pelo descumpri- mento voluntário de alguma das cláusulas (resolução por inexecução culposa ou voluntária) ou pela impossibilidade de cumpri-las em decorrência de algum fato alheio à sua vontade (resolução por inexecução involuntária). 35 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 Se sua empresa assinou contrato com uma prestadora de serviços, mas, algum tempo depois, encontrou outra mais habilitada a atender às suas necessidades, como você deve proceder? resiliçãO Como já dissemos, ocorre a resilição do contrato quando uma ou ambas as partes assim decidirem, por não haver mais interesse de permanecerem vincula- das contratualmente, independentemente de alguma cláusula ter sido descumpri- da, de ter vencido o prazo ou de o objeto ter sido cumprido. A resilição pode ser considerada de natureza unilateral, quando desejada por apenas uma das partes; ou bilateral, quando desejada por ambas. Resilição bilateral De acordo com o artigo 472 do Código Civil, ocorre a resilição bilateral quando ambas as partes contratantes assinam um instrumento conhecido como “distrato”, que é um contrato destinado a regular a extinção de outro. Assim, em mais uma representação do princípio da autonomia da vontade, o direito con- tratual prevê que, do mesmo modo que as partes podem expressar livremente sua vontade de efetivar um contrato, podem querer se desvincular, bastando, para isso, assinar um distrato, que deve apresentar a mesma formalização do contrato. Resilição unilateral Pode ocorrer, contudo, de apenas uma das partes manifestar sua vontade de se desvincular do contrato, e a isso se denomina “resilição unilateral”. Em regra, segundo o princípio da força obrigatória dos contratos, ela não é possível se a outra parte não concordar; entretanto, se essa hipótese for prevista em lei – a exemplo das possibilidades e prazos de denúncia da locação previstos na Lei do Inquilinato – ou em cláusula do próprio contrato, a parte que deseja se desvincular pode notificar a outra de sua intenção, estipulando um prazo ao fim do qual ocorrerá a extinção. Apesar da aparente liberdade de prever no próprio contrato a resilição unila- teral, o direito determina, no artigo 473 do Código Civil, que quando uma das par- tes empreender investimentos altos, o direito à resilição unilateral pela outra parte somente poderá ser exercido depois de um certo tempo de relação contratual: Parágrafo único – Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos. Se o contrato for extinto de forma regular, por resilição unilateral, nenhuma das partes pode exigir indenização, da mesma forma que ocorre no distrato. 36 Resolução por inexecução culposa O que se pode fazer, por exemplo, quando um fornecedor sempre entrega as mercadorias em atraso, descumprindo o prazo definido em contrato? Pode ocorrer a resolução por inexecução culposa quando não for cumpri- da alguma das cláusulas do contrato. Dizemos que isso pode ocorrer, pois a parte prejudicada pode também optar por manter o contrato em vigor e exigir, judicial ou extrajudicialmente, que o devedor cumpra forçadamente a cláusula que foi desrespeitada. Se optar pela extinção do contrato, contudo, essa resolução ocorrerá de forma distinta, dependendo de estar ou não prevista, ou seja, de ser possível invocar uma cláusula resolutória expressa ou de ser necessário recorrer à cláusula resolutória tácita. Em ambos os casos, a parte prejudicada pode exi- gir indenização devido a eventuais perdas e danos que possa ter sofrido com a extinção do contrato. Cláusula resolutória expressa – Aquela que consta em contrato, prevendo que ele será automaticamente extinto no caso de descum- primento. Cláusula resolutória tácita – Mesmo não estando a resolução pre- vista no texto contratual, de acordo com o disposto no artigo 474 do Código Civil brasileiro, é inerente a todos os contratos a possibilidade de resolução pelo descumprimento de alguma de suas cláusulas, e a essa possibilidade chamamos “cláusula resolutória tácita”. Em certos casos, exige-se que a parte prejudicada notifique a outra que o contrato foi desrespeitado, informando um prazo para que esta cumpra ou prove que já havia cumprido a cláusula em questão. Isso ocorre quando o prazo não ficou claramente estabelecido na cláusula resolutória expressa. Se o prazo estiver bem definido, o contrato pode ser considerado extinto sem qualquer notificação. É uma grande desvantagem não prever expressamente no contrato a possibilidade de sua extinção caso uma das cláusulas não seja cumprida. Ainda de acordo com o artigo 474, ao recorrer à cláusula resolutória tácita, é necessário um processo judicial específico, o que pode ser bastante demorado. Por outro lado, se houver uma cláusula no contrato prevendo que ele será extinto em caso de descumprimento, ocorre a resolução de pleno direito, ou seja, sem necessidade de se notificar à parte infratora para que ela cumpra sua obrigação ou justifique o descumprimento. 37 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 Caso fortuito ou de força maior – O Código Civil brasileiro define o caso fortuito ou de força maior, no parágrafo único de seu artigo 393, como sendo o “fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Com base nesse conceito, pode-se entender como qual- quer fato imprevisível e inevitável, natural ou decorrente da atuação de terceiros ou do pró- prio Estado, alheio à vontade das partes, que torne impossível a manutenção do contrato, que será inevitavelmente extinto. Resolução por inexecução involuntária Imagine que uma empresa se comprometeu, em contrato, a entregar um re- latório dentro de um determinado prazo; porém, um curto-circuito na rede elétrica danifica os computadores e o trabalho é perdido. Como essa empresa deve agir? Como já mencionamos, é possível que alguma cláusula do contrato seja des- respeitada por uma das partes por motivos alheios à sua vontade. A esse caso chamamos “inexecução involuntária”. Ao contrário do que ocorre com a culposa, em casos de inexecução involun- tária, pode-se fazer constar no contrato uma cláusula que exima a outra parte de pagar à parte prejudicada indenização pelos eventuais prejuízos que esta venha a sofrer com a extinção do contrato. A inexecução involuntária pode ser justificada de duas formas: quando se trata de um caso fortuito ou de força maior ou quando existe onerosidade excessiva. Onerosidade excessiva – Ocorre quando os valores a serem gastos por uma das partes se tornam muito altos, devido a fatos não previstos e impossíveis de serem evitados. O artigo 478 do Código Civil determina que: Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordiná- rios e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contra- to. Uma indústria tem um contrato em que se compromete a fornecer brinquedos para uma loja de departamentos. No entanto, um terremoto faz com que sua fábrica seja destruída, e isso a impede de cumprir com a entrega. 38 No quadro a seguir, apresentamos de maneira esquemática as formas de extinção dos contratos que vimos: RESILIÇÃO RESOLUÇÃOPOR INExECUÇÃO CULPOSA RESOLUÇÃO POR INExECUÇÃO INvOLUNTÁRIA Quando ocorre Quando uma (resilição unilateral, nos termos do que estiver previsto na lei ou no contrato) ou ambas as partes (resili- ção bilateral, mediante a celebração de distrato) resolvem extinguir o con- trato, sem justo motivo. Quando uma das partes descumpre alguma das obriga- ções assumidas no contrato. Quando uma ou ambas as partes se veem impossibilita- das, por razões alheias à sua vontade, de continuar cumprin- do as obrigações assumidas em contrato, ou quando o cumprimento destas se torna excessivamente oneroso a uma delas. Efeitos Não gera o direito ao recebimento de qualquer indenização, salvo se essa possibilidade esti- ver prevista em contrato. Gera o direito ao recebimento, pela parte inocente, de indenização por perdas e danos. Se as partes tiverem se exi- mido, em cláusula contratual expressa, da obrigação de responder pelas consequên- cias da resolução por caso fortuito ou de força maior, a extinção do contrato, por esse motivo, não gerará o direito ao recebimento de qualquer inde- nização. No caso de impossibilidade de continuar cumprindo as obrigações assu- midas em contrato, em razão de terem se tornado excessivamente onerosas, não querendo extinguir de imediato o vínculo contratual, a parte prejudicada pode pedir a revisão judicial do contrato, caso a outra parte não concorde em revisá-lo de comum acordo, a fim de readequar a relação contratual desequili- brada à vontade das partes que levou à sua formação, conforme estudaremos adiante. Revisão judicial dos contratos Conforme estudamos no princípio da força obrigatória dos contratos, inicial- mente a revisão dos contratos só podia ocorrer mediante consenso entre as partes contratantes. Contudo, em flexibilização nesse princípio, surgiu no direito a possi- bilidade de revisão judicial dos contratos, que poderá ocorrer, como dissemos an- teriormente, quando um elemento inusitado e surpreendente ou uma circunstância nova surge no curso da relação contratual, colocando em extrema dificuldade um dos contratantes ou tornando excessivamente onerosa sua prestação em benefício da outra parte. Com a possibilidade de revisão judicial dos contratos, que tem o objetivo de readequar a relação contratual abalada, o direito previu alguns requisitos a serem observados por quem pretende invocar essa revisão: 39 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 CONTRATO ONEROSO A PRAzO OU DE DURAÇÃO O contrato a ser revisto deve ter sido estipu- lado por prazo determinado ou indeterminado, excluindo-se, obviamente, da possibilidade de revisão os contratos de cumprimento instan- tâneo, bem como aqueles estipulados a título gratuito (a exemplo da doação). ACONTECIMENTOS ExTRAORDINÁRIOS E IMPREvISÍvEIS A imprevisão justificadora do pedido de revisão judicial é aquela que refoge totalmente às pos- sibilidades de previsibilidade, analisadas à luz da boa-fé objetiva. Esse acontecimento extra- ordinário e imprevisível deve ser um fenômeno global, que atinge a sociedade em geral ou um segmento palpável da sociedade, e não algo que interfira apenas no negócio de uma das partes contratantes, a exemplo do simples desemprego ou da má gestão dos negócios da empresa. ONEROSIDADE ExCESSIvA DA PRESTAÇÃO DO DEvEDOR, EM BENEFÍCIO DO CREDOR Deve-se provar que a ocorrência dos aconteci- mentos definidos anteriormente aumenta o sacri- fício do devedor, tornando a prestação a que se obrigou excessivamente onerosa, e produz um benefício exagerado e injustificado ao credor. AUSêNCIA DE CULPA DO DEvEDOR Os acontecimentos causadores da onerosidade excessiva devem estar desvinculados da ativida- de negocial do devedor, que não deve contribuir, em hipótese alguma, para a má gestão de seus negócios; por exemplo, para o desequilíbrio por ele alegado na relação contratual. Existindo esses requisitos e desejando o devedor preservar o vínculo con- tratual, pode pedir a revisão judicial do contrato, buscando apenas a readequação deste aos seus justos termos, aqueles efetivamente buscados pelas partes quando primeiro expressaram sua vontade de se relacionarem contratualmente. CONSTRUTORA DEvE ARCAR COM vALOR DO IMóvEL NÃO ENTREGUE E DESPESAS DE PUBLICIDADE A construtora arca com os ônus advindos do descumprimento do prazo de entrega do imóvel e as despesas de publicidade, administração e correta- gem são perdas da empresa. O entendimento da 4.a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é de que, se a culpa é exclusiva da construtora, não se pode impor perda de valores ao comprador. A Construtora Tenda recorreu ao STJ contra decisão do Judiciário mineiro, que considerou abusiva multa por resci- são contratual, reduzindo-a de 40% para 5%. Leitura complementar 40 Com base na análise das diversas formas de extinção dos contratos, podemos obter subsídios que melhor nos guiarão na estipulação, durante a celebração de nossos contratos futuros, de cláusulas mais adequadas, prevendo expressamente as possibilidades de resilição unilateral ou de resolução do contrato celebrado por inexecução voluntária de uma das partes. Você contrata uma empresa de contabilidade para fazer uma audição das con-1. tas de sua pequena empresa. No contrato, fica acordado que todo o processo de auditoria será concluído em um mês, sendo o pagamento realizado em duas parcelas, uma no ato da assinatura do contrato e a outra ao fim dos serviços, após a entrega do relatório de auditoria pela empresa contratada. A empresa de contabilidade inicia os trabalhos em 15 de janeiro, mas, chegado o dia 15 de fevereiro, não entrega o relatório, conforme previsto em contrato. Síntese Atividades Alega que, sendo o objetivo principal dos compradores o de rescindir uni- lateralmente o contrato imobiliário, devem prevalecer, na íntegra, as cláusulas contratuais acertadas, entre as quais a que dispõe sobre a retenção de 40% sobre os valores pagos, em caso de desistência. Ressaltou não ser justo que a empresa arque com as despesas de corretagem, publicidade e propaganda feitas com a venda que foi desfeita. Pretende a empresa a retenção integral, ou seja, 40% do valor do bem. A compradora também se insurgiu contra a decisão mineira. Sônia San- tos reclama da retenção de 5% do valor do imóvel para atender às despesas de publicidade, administração e corretagem determinada pelo Tribunal de Jus- tiça estadual. Defende que a cláusula é nula, pois ofende o Código de Defesa do Consumidor. Ao analisar ambos os recursos, o ministro Aldir Passarinho Junior, relator do caso no STJ, deu razão à compradora: “Ora, se não houve re- ciprocidade na culpa, não vejo como se imputar perda de valores em desfavor da autora, que teve a rescisão decretada por inadimplência da construtora”. O ministro destacou que não se trata, no caso, de desistência da aqui- sição por mera vontade da compradora, mas por descumprimento do prazo na entrega da obra, “o que faz a construtora arcar, exclusivamente, com os ônus daí advindos. Devolve, corrigidamente, os valores recebidos e fica com o imóvel para si. As despesas que efetuou, nesse caso, são perdas suas”. Dessa forma, determinou à construtora o pagamento integral dos valores pagos. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Construtora deve arcar com valor do imóvel não entregue e despesas de publicidade. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp? tmp.area=368&tmp.texto=74754&tmp.ano=2004&tmp.mes=04>. Acesso em: 7 abr. 2008. 41 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 1 Com base nessa situação, assinale V para as alternativas verdadeiras e F para as falsas. Caso a empresa de contabilidade não entregue o relatório de auditoria no ( ) prazo, você poderá notificá-la de que desejaextinguir o contrato, mesmo que essa possibilidade não esteja expressa nas cláusulas contratuais. Você deverá notificar a empresa de contabilidade sobre o descumprimen-( ) to, dando-lhe prazo razoável para entrega do relatório, somente conside- rando extinto o contrato se não for entregue até o fim do prazo constante na notificação. Não havendo cláusula expressa prevendo que o atraso da empresa con-( ) tratada leva automaticamente à resolução do contrato, você deve exigir judicialmente que ela apresente o relatório devido, sob pena de se consi- derar extinto o contrato celebrado. A empresa alega que não cumpriu o prazo devido a um incêndio ter quei-( ) mado os computadores e documentos. Isso a desobriga de pagar qualquer indenização, uma vez que a resolução do contrato se deu por inexecução involuntária da obrigação assumida pela empresa contratada. Na atividade 2 da página 31, propusemos que você se imaginasse como ges-2. tor de uma empresa de auditoria que está em vias de fechar um contrato com uma multinacional. Pedimos, ainda, que você definisse como seria o objeto desse contrato. Agora, com base no que você aprendeu, elabore cláusulas que você considere necessárias e pense em como poderia ser definida a extinção de contrato. Poste no fórum Elaborando contratos: conclusão, para que, juntos, possamos concluir a minuta que já iniciamos. Em meados da década de 1990, em razão da paridade do dólar com o real, 3. muitas pessoas celebraram contratos de financiamento em que se compro- meteram a pagar prestações cujo valor estava vinculado ao dólar americano. Passado aquele primeiro momento, o real começou a se desvalorizar cada vez mais em relação ao dólar, e aquelas prestações devidas em razão dos finan- ciamentos contratados em moeda americana passaram a ter seu valor duplica- do, triplicado, quadruplicado às vezes. Diante dessa situação, na sua opinião, qual solução poderia ser adotada por essas pessoas diante da impossibilidade de continuarem pagando as prestações que tinham inicialmente assumido? Compartilhe sua opinião no fórum Estudo de caso 2, para que possamos trocar ideias a respeito do tema. BRASIL. Presidência da República. Código Civil brasileiro atualizado 2007. 1. ed. São Paulo: Escala, 2007. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Referências 42 Anotações KRUSHEWSKY, Eugênio. Teoria geral dos contratos civis. Salvador: JusPodivm, 2006. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Construtora deve arcar com valor do imóvel não entregue e despesas de publicidade. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/ publicacao/engine.wsp?tmp.area=368&tmp.texto=74754&tmp.ano=2004&tmp.mes=04>. Acesso em: 7 abr. 2008. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. Capítulo 2 DIREITO APLICADO À GESTÃO PRINCÍPIOS DO DIREITO INDIvIDUAL DO TRABALHO Conteúdo programático Princípios do direito individual do trabalho Objetivo Promover a compreensão dos princípios específicos que regem as relações trabalhistas. 44 O proprietário de um restaurante contrata um gerente. O contrato de- termina que o gerente deve cumprir uma jornada de trabalho segundo os parâmetros previstos em lei e seu salário está de acordo com as funções que ele exerce. O gerente registra em folha de ponto um horário de trabalho condizente com o estipulado em contrato, mas, na verdade, ele sempre trabalha até mais tarde. Ele nunca reclamou por não receber pelas horas extras, pois ganha, todo mês, um porcentual calculado de acordo com o faturamento do restaurante, pago mediante recibo específico. No entanto, em seu contracheque, esse por- centual não foi incluído, constando apenas o valor do contrato. Após aproximadamente dois anos, com a queda no faturamento, o em- presário decide deixar de pagar ao gerente o porcentual combinado. Com base nessa situação, pense sobre as seguintes questões: Pode o gerente exigir o recebimento das horas extras, mesmo não a) tendo sido registradas em folha de ponto? O proprietário pode deixar de pagar o porcentual combinado, depois b) de quase dois anos? Antes de passarmos ao estudo das normas que fazem parte do direito individual do trabalho, vamos identificar os princípios gerais que regem esse ramo do direito. Afinal, como você sabe, os princípios são as noções básicas que orientam a cria- ção, aplicação e interpretação de normas jurídicas e que, portanto, vão auxiliar a solucionar problemas práticos, para os quais a resposta não se encontra necessa- riamente em uma lei específica. Observe o caso apresentado a seguir e, após a leitura, analise-o novamente, relacionando-o aos princípios que estudaremos. O direito do trabalho, na criação, aplicação e interpretação de suas nor- mas, é orientado pelos princípios gerais do direito, previstos especialmente no artigo 5.o da Constituição Federal (BRASIL, 2007), com destaque para o 45 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 princípio do respeito à dignidade da pessoa humana, para a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à segurança, à igualdade entre homens e mulhe- res, entre outros. Além disso, a relação de emprego é regida por um contrato de trabalho e, portanto, é influenciada também pelos princípios gerais de direito contratual, espe- cialmente o princípio da autonomia da vontade, da força obrigatória dos contratos e da boa-fé objetiva. Contudo, na análise de situações relativas à relação de emprego, devemos aplicar, sempre que possível, o que está previsto pelos princípios específicos do direito do trabalho. São eles: o princípio da proteção, o da primazia da realida- de, o da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas e o da continuidade da relação de emprego. Princípio da proteção Para entender melhor esse princípio, vamos a uma breve contextualização histórica. Durante muito tempo, o trabalho, especialmente o manual, era delegado às camadas pobres da população, que, de forma geral, por nada possuírem, depen- diam dos ricos para terem condições mínimas de sobrevivência e contavam ape- nas com sua força física em troca de alimento, moradia, vestuário. Desde a Grécia Antiga, passando pelo feudalismo europeu até chegar ao final da Idade Média, o trabalho manual exercido pela plebe era explorado pela aristocra- cia (que possuía as terras e os demais meios de produção) de forma tão desumana que submetia servos e camponeses a regimes de semiescravidão, oprimindo-os por meio de seu poder econômico e limitando absurdamente a liberdade deles. Com as mudanças trazidas pela Revolução Industrial, no século XIX, os tra- balhadores passaram a ter noção de sua força como classe operária responsável pela produção das indústrias em que trabalhavam. A partir dos primeiros movimen- tos grevistas da história da humanidade, notadamente os empreendidos pelos mi- neradores franceses e pelos industriários ingleses, os trabalhadores conseguiram ver reconhecidos os primeiros direitos trabalhistas, especialmente a limitação da jornada de trabalho, a jornada diferenciada para mulheres e crianças e a revisão das próprias condições de trabalho por eles enfrentadas. E assim surgiu o que se conhece hoje como direito do trabalho, com as pri- meiras normas que buscavam equilibrar a relação entre empresários e trabalhado- res, limitando os poderes dos empresários e garantindo condições mínimas para o trabalho saudável. É exatamente nesse contexto que surgiu o princípio da proteção, que define como função principal do direito do trabalho a de sempre proteger o empregado. Assim, tenta-se corrigir, por meio de normas que buscam criar uma superioridade jurídica em favor do empregado, a desigualdade entre empregado e empregador.E, a fim de tornar ainda mais efetiva essa proteção, como evolução e desdobra- mento do princípio em questão, surgiram o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica, que vamos estudar a seguir. 46 Princípio da norma mais favorável Esse princípio determina que, havendo duas normas válidas que possam ser aplicadas para solucionar um conflito, será aplicada aquela considerada mais favo- rável ao empregado. Por exemplo, se houver uma convenção coletiva de uma de- terminada categoria profissional que determine um direito trabalhista mais benéfico do que o previsto em lei, ou até em contrato de trabalho, será aplicada a convenção coletiva. O contrato, nesse caso, também é alterado, incorporando a convenção. Princípio da condição mais benéfica Muito semelhante ao princípio anterior, a condição mais benéfica se diferen- cia por prever que sejam incorporados ao contrato de trabalho os novos direitos e vantagens concedidos pelo empregador durante a relação de emprego. É com base nisso, por exemplo, que se prevê que as horas extras pagas habitualmente, após um certo tempo, serão integradas ao salário, não podendo ser suprimidas. É também com base nesse princípio que, no direito do trabalho, é expressamente proibida a alteração do contrato de trabalho que resulte, direta ou indiretamente, em prejuízo para o empregado. Somente são permitidas alterações contratuais em favor do trabalhador. Princípio da primazia da realidade Segundo esse princípio, no direito do trabalho, as relações jurídicas estabe- lecidas entre empregado e empregador são definidas pela forma como se realiza a prestação dos serviços na prática, independentemente do que eventualmente tenha sido registrado, por escrito, em contrato de trabalho. Assim, busca-se garantir ao empregado, na relação de emprego, retorno pe- los serviços por ele efetivamente prestados, na jornada efetivamente cumprida e nos termos efetivamente vivenciados no que diz respeito ao pagamento do salário, às condições de trabalho oferecidas, às funções exercidas, etc., mesmo que as partes tenham inicialmente acordado, em contrato de trabalho, outro modelo de relação. Princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas Numa aparente intensificação do princípio da proteção, surgiu o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, segundo o qual o empregado não pode, mesmo por vontade própria, abrir mão de direitos trabalhistas que lhe são legal- mente assegurados, sendo, assim, limitada às hipóteses expressamente previstas em lei a transação de direitos entre empregado e empregador. Isso pode parecer imperativo, pois impõe uma limitação ao princípio da autonomia da vontade con- tratual, que já estudamos. No entanto, esse princípio não parece exagerado se pensarmos que ele surgiu a fim de evitar que, pressionado pela superioridade eco- nômica do empregador, o empregado acabasse por renunciar a direitos garantidos em lei, por medo de não obter ou de perder o emprego. 47 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 BRASILEIROS DEFENDEM PROTEÇÃO ESTATAL DE DIREITOS TRABALHISTAS O brasileiro defende maior intervenção do Estado na proteção dos direi- tos trabalhistas. A forte presença estatal nessa questão foi defendida por 90% dos brasileiros consultados em pesquisa feita recentemente em nove capitais pela empresa de pesquisa de mercado no Brasil Market Analysis. A consulta foi feita a 1.020 pessoas, acima de 18 anos. A pesquisa mostrou que o brasileiro é o mais ferrenho defensor da inter- venção estatal. Entre 20 países abrangidos pela enquete, somente o Quênia supera o Brasil. Para 80% dos brasileiros consultados, maior ingerência do Estado na economia representa fator vantajoso para a sociedade. Os dados revelados pela pesquisa são significativos, acredita o presiden- te do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Vantuil Abdala. “Eles mostram a importância que a sociedade atribui a uma Justiça do Trabalho atuante”, diz. Ele lembra que a Justiça do Trabalho julga, por ano, cerca de dois milhões de processos, o que indica que os trabalhadores não estão satisfeitos com os empregadores. No TST, até dezembro de 2005, são 227 mil processos em tramitação. Vantuil Abdala afirma que o alto porcentual de brasileiros que defendem uma forte intervenção do Estado na proteção aos direitos trabalhistas revela ainda que a sociedade quer estar bem informada sobre quais são esses direi- tos. “Por isso, a imprensa presta um serviço à sociedade ao informar sobre o Poder Judiciário, mas presta um desserviço quando o faz de maneira equivo- cada”, avalia o ministro. Ingerência Influência, intervenção. Leitura complementar Princípio da continuidade da relação de emprego Com base no princípio da continuidade da relação de emprego e conforme o espírito de proteção próprio do direito do trabalho, busca-se que a relação empre- gatícia se prolongue ao máximo, a fim de propiciar ao empregado maior segurança econômica, bem como a oportunidade de se integrar ao ambiente e à dinâmica empresarial de seu empregador, incorporar novos direitos advindos de novas leis, de novos acordos ou convenções coletivas, ou mesmo de novos benefícios con- cedidos pelo próprio empregador ao longo da relação de emprego, a exemplo de promoções, prêmios, treinamentos, gratificações, etc. Como reflexo desse princípio no direito do trabalho brasileiro, temos hoje como regra geral contrato de trabalho por tempo indeterminado, a criação de uma série de ônus financeiros para a dis- pensa sem justa causa e a garantia do emprego, mesmo em caso de sucessão de empregadores, como estudaremos adiante. 48 A partir do estudo de um caso prático, demos nosso primeiro passo no es- tudo do direito individual do trabalho, entendendo os princípios essenciais que o norteiam, aos quais retornaremos, invariavelmente, ao longo desta disciplina. Você se lembra do caso do gerente de restaurante? Retome as questões apre-1. sentadas e, com as informações que você obteve, procure respondê-las justifi- cando com os princípios do direito trabalhista. Compartilhe suas respostas no fórum Princípios: estudo de caso, no ambiente virtual de aprendizagem. O princípio que garante ao empregado o direito de se recusar a dividir suas 2. férias em dois períodos de 15 dias, em vez de usufruí-las em 30 dias corridos, é o da: continuidade da relação de emprego;a) proteção;b) condição mais benéfica;c) primazia da realidade;d) irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas.e) Com base no que você vem estudando em relação aos princípios gerais do 3. direito e os específicos da área contratual e do trabalho, elabore um texto ex- pressando sua opinião sobre as informações apresentadas na leitura comple- mentar. Na sua opinião, por que habitantes de países como o Quênia e o Brasil defendem a intervenção estatal na defesa dos direitos do trabalho? Quais as consequências disso? Como isso se relaciona ao número de processos julga- dos anualmente pela Justiça do Trabalho? Atividades Síntese Outra pesquisa, concluída recentemente pelo Instituto de Pesquisa Eco- nômica Aplicada (Ipea), órgão ligado ao Ministério do Planejamento, mostrou que o mercado de trabalho foi o principal responsável pela redução da desi- gualdade social no Brasil entre 1995 e 2004, mesmo com a queda da renda média do trabalhador nesse período. O trabalho revelou que o ano de 2004 foi o menos desigual nos últimos 20 anos no país. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Brasileiros defendem proteção estatal de direitos trabalhistas. Disponível em: <http://ext02.tst.gov.br/pls/no01/no_noticias. Exibe_Noticia?p_cod_noticia=6283&p_cod_area_noticia=ASCS&p_txt_ pesquisa=estatal>. Acesso em: 7 abr. 2008. 49 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr,2007. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2007. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Brasileiros defendem proteção estatal de direitos trabalhistas. Disponível em: <http://ext02.tst.gov.br/pls/no01/no_noticias.Exibe_Noticia?p_ cod_noticia=6283&p_cod_area_noticia=ASCS&p_txt_pesquisa=estatal>. Acesso em: 7 abr. 2008. Referências Anotações 50 Capítulo 2 DIREITO APLICADO À GESTÃO RELAÇÃO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE EMPREGO Conteúdo programático Distinção entre trabalho e emprego Caracterização da relação de emprego Principais relações de trabalho Objetivos Promover a compreensão da distinção jurídica entre trabalho e emprego. Promover a compreensão dos pressupostos que caracterizam a relação de emprego. Fornecer subsídios para identificar, em situações reais, esses pressupostos. Promover a individualização e caracterização das principais relações de trabalho. Distinguir as relações de trabalho e as relações de emprego. 52 Logo de início, é importante ressaltar que, para o direito do trabalho, existe uma distinção significativa entre a relação de trabalho e a relação de emprego. Resumidamente, a relação de trabalho é um gênero do qual a relação de emprego é espécie. Relação de trabalho é toda aquela que se estabelece entre pessoas a partir do momento em que uma contrata a outra para a realização de um trabalho qual- quer. Assim, existe relação de trabalho entre você e seu dentista, entre uma ONG e seus voluntários, entre um condomínio e o técnico que eventualmente é contratado para a manutenção dos elevadores. Já a relação de emprego, objeto de proteção segundo as leis trabalhistas, é a relação de trabalho que se estabelece entre em- pregado e empregador, caracterizada por pressupostos específicos que estudare- mos adiante. Mas, antes de ver cada um deles, analise estes dois casos: Caso 1 Uma empresa contrata um motoboy para retirar e protocolar documen- tos de seus clientes. Ele comparece ao escritório de segunda a sexta- -feira, onde recebe do gerente administrativo-financeiro instruções so- bre as atividades que deve realizar. Suas entradas e saídas, inclusive para o almoço, são marcadas em folha de ponto. Todo mês, ele recebe também um contracheque, indicando a quantia que foi depositada em sua conta-salário. Caso 2 Uma organização contrata os serviços de uma empresa de motoboys para re- tirar e protocolar documentos de seus clientes. Sempre que precisa des- ses serviços, o gerente administrativo-financeiro entra em contato com a empresa, que envia um motoboy de sua equipe que esteja disponível naquele momento. O motoboy recebe o documento a ser entregue, ou o pedido de retirada de documento, realiza a tarefa, reporta-se ao gerente administrativo-financeiro da organização e depois retorna à empresa de motoboys para a qual trabalha. 53 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 Pressupostos que caracterizam a relação de emprego Os pressupostos que nos orientam na identificação de uma verdadeira rela- ção de emprego encontram-se, principalmente, no próprio conceito de “emprega- do” adotado pela Consolidação das Leis do Trabalho brasileira, em seu artigo 3.o, que define (BRASIL, 2001): Adicionalmente, identifica-se um último pressuposto na conceituação de “em- pregador” constante no artigo 2.o (BRASIL, 2001): Chegamos ao conceito de “empregado”, aliando esses fatores: pessoalida- de, não eventualidade, onerosidade e subordinação. Por conseguinte, chegamos também aos pressupostos da própria relação de emprego, pois, se não houver empregado e empregador, não se trata de uma relação de emprego, mas, sim, de trabalho. Passemos agora a estudar, mais detalhadamente, cada um desses pressupostos. Pessoalidade Segundo esse pressuposto, o empregado deve executar suas tarefas pessoal- mente, não podendo se fazer substituir, salvo nas hipóteses específicas previs- tas em lei (afastamento decorrente de férias, licença-maternidade, auxílio-doença, etc.) ou de forma eventual, com a concordância do empregador. Dessa noção básica decorre também o entendimento de que o empregado deverá ser sempre pessoa física. A relação de emprego se estabelece com um empregado específico, escolhido pelo empregador de acordo com as aptidões pessoais e técnicas que tem para ocupar o cargo. Por se tratar de uma escolha específica, o empregador não admite que o empregado seja substituído habitualmente. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a em- pregador, sob a dependência deste e mediante salário. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. 54 Não eventualidade Segundo esse pressuposto, o serviço prestado pelo empregado deve ser necessário às atividades normais da empresa. A prestação de serviços não ne- cessariamente deve ser contínua, mas deve haver a integração do trabalho do empregado à atividade normal do empregador, à exploração de sua atividade econômica. A eventualidade, por outro lado, é caracterizada pela descontinuidade da prestação do serviço (o trabalhador não exerce aquela função com intenção de estabelecer relação de emprego com a empresa). Outras características da even- tualidade são: o trabalhador não ter uma única fonte de renda, prestando seus serviços a várias empresas diferentes, sem se fixar a qualquer uma delas; a curta duração do trabalho; o trabalho estar vinculado a um evento específico dentro da dinâmica normal da empresa; a natureza do trabalho não corresponder aos fins normais do empregador. Se o empregado presta serviços ao empregador três vezes por semana, por exemplo, mesmo que pareça não existir continuidade, tal atividade será não eventual se, independentemente do tempo em que o empregado está à disposição do empregador, ele presta serviços relacionados e necessários à atividade normal da empresa e existe vontade, tanto do empregado quanto do empregador, de integrá-lo à dinâmica empresarial e ao quadro de pessoal. Onerosidade Quando existe uma relação de emprego, deve haver um contrato de trabalho entre empregado e empregador, que, como todo contrato, cria direitos e obrigações para ambas as partes. De um lado, o empregado se compromete a prestar os ser- viços contratados, segundo os moldes acordados. De outro, o empregador se com- promete a pagar ao empregado o salário previsto em contrapartida aos serviços. É a existência dessas obrigações para ambas as partes que define a onerosidade própria da relação de emprego. Essa onerosidade deve existir em dois planos: o objetivo e o subjetivo. No plano objetivo, ela se caracteriza pelo pagamento de sa- lário pelos serviços prestados. No plano subjetivo, ela se caracteriza pela intenção do empregado em receber esse salário. Subordinação A existência de subordinação é o pressuposto mais importante na caracte- rização da relação de emprego. Muitos juristas, inclusive, conceituam o próprio “direito do trabalho” como um ramo do direito voltado às relações de trabalho su- bordinado. Contudo, somente haverá relação de emprego se, além da subordina- ção, estiverem caracterizados os demais pressupostos que estudamos. 55 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 A subordinação é a submissão do empregado ao poder de direção do em- pregador, de quem ele é dependente no que diz respeito à organização da presta- ção de seus serviços. Em suma, o empregador, como dono do estabelecimento e contratante dos serviços, tem o poder de determinar, dentro dos limites permitidos por lei, osníveis de produção desejados, a jornada de trabalho a ser cumprida, a distribuição de funções no âmbito empresarial, etc. Esse poder não se restringe a como se organizam a empresa e os serviços prestados. O empregador tem também o poder de controlar e fiscalizar se as dire- trizes estabelecidas são cumpridas e se as atividades dos funcionários estão de acordo com elas. Também tem um poder disciplinar, ou seja, de aplicar as sanções permitidas pela legislação trabalhista. Conforme dissemos, estando presentes esses quatro pressupostos, estare- mos diante de uma relação de emprego, que é objeto de proteção específica das leis trabalhistas. Principais relações de trabalho Em certos casos, existem relações entre empresa e trabalhador que não são caracterizadas como de emprego, mesmo que as atividades que o trabalha- dor realiza estejam integradas à dinâmica empresarial normal. É o que ocorre no caso de estagiários, trabalhadores cooperados e voluntários, como veremos a seguir. Estagiário Nos termos da Lei n.o 6.494/77, estagiário é o aluno, do ensino público ou par- ticular, que esteja matriculado e frequentando cursos profissionalizantes e trabalhe em uma organização realizando atividades voltadas a obter experiência prática compatível com sua área de formação. Ele deve estar frequentando cursos de educação superior, de Ensino Médio, de educação profissional de nível médio ou superior ou ainda escolas de educação especial. Quanto à organização, deve se tratar de pessoa jurídica de direito priva- do, órgãos da administração pública ou instituição de ensino. O objetivo do estágio deve ser sempre a complementação prática do conteú- do do curso, mediante um plano de estágio elaborado, executado, acompanhado e avaliado de acordo com os currículos, programas e calendários escolares. Agora, depois de vermos como se caracteriza a relação de emprego, releia os dois casos apresentados na página 52. Em qual ou quais casos existe relação de emprego? Em quais pressupostos você se baseou para formar sua opinião? 56 O plano de estágio deve ser elaborado pela organização, em conjunto com a instituição de ensino em que está matriculado o estagiário, de forma que abranja tarefas diretamente relacionadas com a formação. A execução desse plano deve ser supervisionada por um empregado da organização que possua formação profissional condizente com a do estagiário. É obrigatória a assinatura de um termo de compromisso de estágio, no qual de- verão constar a assinatura da instituição de ensino e as condições que compreendem a duração, o horário de trabalho e o valor da bolsa-estágio (não obrigatória). Além disso, a entidade deve fornecer ao estagiário um seguro contra acidentes pessoais. Apesar de estar de acordo com alguns pressupostos para caracterizar o conceito de “empregado”, que vimos anteriormente, o estágio não é uma relação de emprego, por ter uma finalidade específica, a oportunidade de ganhar experiência prática em um determinado campo profissional. Fica claro que o objetivo para o estagiário não é a bolsa- -salário, que nem sequer é obrigatória, não sendo aplicável, assim, o pressuposto da onerosidade. O objetivo do estágio deve ser possibilitar o acesso a uma aprendizagem prática em um determinado campo de atuação. Muitas empresas, entretanto, contratam estagiários para trabalhar em setores que têm pouca relação com sua formação acadêmica – por exemplo, estudantes de publicidade para trabalhar como atendentes de telemarketing – por se tratar de uma mão de obra barata ou mesmo gratuita, efetuando, na prática, uma relação de emprego. Cooperado A utilização do trabalho de cooperados para assumir a prestação de deter- minados serviços não vinculados à atividade principal da empresa também é uma relação de trabalho, mas, nesse caso, entre a empresa que contrata o serviço e a cooperativa. A cooperativa de mão de obra, nos termos do Código Civil atual, é uma so- ciedade simples, que reúne trabalhadores que buscam, com a junção de seus es- forços, obter melhores oportunidades no mercado de trabalho. Assim, a vontade de se associar em cooperativa normalmente se justifica pela conjugação de dois princípios: o da dupla qualidade e o da retribuição pessoal diferenciada. Princípio da dupla qualidade A pessoa associada a uma cooperativa é, ao mesmo tempo, cooperada – ou seja, interessada na administração da cooperativa, com poder de voto – e cliente, pois é beneficiária direta das oportunidades de inserção no mercado de trabalho criadas pela cooperativa. 57 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 Princípio da retribuição pessoal diferenciada Indica que a cooperativa deve permitir ao cooperado, em virtude do exercício de sua atividade autônoma, obter uma retribuição pessoal superior àquela que obteria caso não estivesse associado, especialmente no que diz respeito às vantagens que a cooperativa pode proporcionar, como plano de saúde, ampliação de mercado, etc. Se a cooperativa é devidamente constituída de acordo com os objetivos pre- vistos em lei e os princípios que vimos e um cooperado presta serviços a alguma empresa, isso não caracteriza uma relação de emprego, pois a relação de trabalho é entre duas pessoas jurídicas: a empresa em questão e a cooperativa. voluntário A realização de trabalho voluntário está regulamentada pela Lei n.o 9.608/98, que, no seu artigo 1.o, considera serviço voluntário “a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social”. Nessa hipótese, não existe re- lação de emprego, pois o voluntário trabalha sem qualquer intenção de receber salário, não havendo, assim, onerosidade. Se um trabalhador voluntário presta serviços a uma ONG, por exemplo, não existe relação de emprego, mesmo que ele receba pagamento como ressarcimento de despesas que tenha efetuado durante a prestação de serviços. Esse pagamento não é considerado salário, uma vez que o voluntário não trabalha com a intenção de receber tais valores. O pagamento desses valores pode, inclusive, ser previsto no termo de adesão que é celebrado entre trabalhador e entidade, em que também se determinam o objetivo e as condições do serviço prestado. Muitas cooperativas, entretanto, agem de forma desonesta, atuando na prática como terceirizadoras de serviços, pois os cooperados não têm qualquer participação na administração e são explorados apenas como mão de obra. Em muitos casos, inclusive, essa relação pode ser de emprego, pois as funções executadas não são de natureza eventual, chegando mesmo a haver relação direta de subordinação e pagamento de salário. Isso ocorre porque o trabalho do cooperado pode ser mais barato do que a contratação de um empregado. É possível que uma entidade conte, ao mesmo tempo, com serviços prestados por empregados e por trabalhadores voluntários. A distinção ocorre justamente pela onerosida- de, ou seja, de acordo com a intenção do trabalhador de receber pelo seu serviço. 58 DEPUTADOS DISCUTEM ESTÁGIO, CARGA HORÁRIA E ExPLORAÇÃO DE MÃO DE OBRA Projeto de lei sobre a matéria tramita em regime de urgência no Congresso Nacional O projeto de lei estabelecendo novas normas para estágios a fim de evi- tar abusos na contratação de jovens foi discutido na manhã desta terça-feira (19) [de junho de 2007], na audiência pública da Comissão de Educação, Cul- tura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa. A presidente do órgão técnico, deputada Marisa Formolo (PT), remeterá síntese do debate aos deputados federais envolvidos com a matéria, que tramita em regime de urgência desde maio no Congresso Nacional. O projeto do Governo Federalaltera lei de 1977 sobre os estágios nos ensinos Médio e Superior, propondo que, no máximo, 10% do quadro funcio- nal das empresas sejam compostos de estagiários. Além disso, limita a carga horária em até seis horas diárias e 30 horas semanais, prevê férias, transporte, alimentação e mantém o estágio sem vínculo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Pela lei de 1977, os estágios também devem propiciar complemento de ensino e de aprendizagem e as contratações não são regidas pela CLT e tampouco criam vínculo empregatício. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) reafirmou o caráter educativo do estágio e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) alertou para a exploração do trabalho de jo- vens e de adolescentes por empresas. O debate chegou ao Conselho Nacional de Educação, ao Ministério Público Federal e ao Ministério do Trabalho, onde foi analisado por uma Comissão Interministerial. Como fruto desse trabalho, em 2003, o CNE emitiu parecer com novas normas para os estágios e estabeleceu diferenças entre o estágio curricular e o do mundo do trabalho. Enquanto o primeiro é uma exigência do currículo es- colar, o segundo determina ao aluno regularmente matriculado a oportunidade de viver o mundo do trabalho como ato educativo e formativo. Ocorre que em- presas desrespeitam essas orientações e, ao invés de contratar profissionais, usam os estagiários como mão de obra barata e não sujeita à CLT. A audiência pública desta terça-feira mostrou, segundo Marisa, que não há consenso sobre o tema. Ela defende o estágio curricular e critica a precarização no trabalho dos jovens. VALENZUELA, Stella Máris. Deputados discutem estágio, carga horária e exploração de mão de obra. Disponível em: <http://www.al.rs.gov.br/ag/NOTICIAS.ASP?txtIDMATERIA= 176990&txtIdTipoMateria=3>. Acesso em: 9 abr. 2008. Leitura complementar 59 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 Buscamos entender, com o estudo dos pressupostos que caracterizam a relação de emprego, a diferença entre essa relação e a relação de trabalho. Vimos também que as relações de emprego são regidas pelas leis trabalhistas, enquanto outras relações de trabalho podem estar sob o regimento de leis pró- prias. Estudamos outras relações de trabalho, como os estágios, a contratação de cooperados e o trabalho voluntário. Alertamos para o fato de que muitas em- presas fazem uso desse tipo de trabalho para evitar o pagamento dos encargos trabalhistas. Releia os dois casos apresentados na página 52. Escreva um texto analisan-1. do qual ou quais representam uma relação de emprego e justifique por quê. Compartilhe sua resposta pelo fórum Caracterização da relação de emprego: estudo de caso, no ambiente virtual de aprendizagem. Considerando o caso 1, você acha que a empresa poderia contratar um estagiá- 2. rio para as atividades de motoboy, ou seja, os serviços de protocolo e retirada de documentos de clientes? Por quê? Compartilhe suas respostas no fórum Estágio: estudo de caso. Uma ONG atuando na área de preservação do meio ambiente contrata, por 3. meio de uma cooperativa, um jardineiro para cuidar dos jardins da sede da instituição. Esse jardineiro, associado da cooperativa, comparece de segun- da a sexta-feira à ONG e desempenha as atividades que lhe são designadas pelo gerente administrativo-financeiro, a quem ele se reporta para solucionar dúvidas e para informar seus horários de chegada e de saída. Ao fim do mês, ele recebe diretamente o valor devido à cooperativa pela contratação dos serviços. Analisando a situação, você acha que existe uma relação de emprego? Por quê? O que você, como gestor da ONG, faria para contra- tar regularmente esse cooperado? De que outras formas você acredita que poderia ser feita essa contratação? Compartilhe suas respostas no fórum Jardineiro e ONG: estudo de caso. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. BRASIL. Ministério do Trabalho. Consolidação das Leis do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2007. Síntese Atividades Referências 60 VALENZUELA, Stella Máris. Deputados discutem estágio, carga horária e exploração de mão de obra. Disponível em: <http://www.al.rs.gov.br/ag/NOTICIAS.ASP?txtIDMATERIA=1 76990&txtIdTipoMateria=3>. Acesso em: 9 abr. 2008. Anotações Capítulo 2 DIREITO APLICADO À GESTÃO EMPREGADO E EMPREGADOR Conteúdo programático Empregado: exercício de cargo de gestão ou de confiança, diretor de sociedade anônima e sócio de sociedade limitada Empregador: características próprias, formação de grupo econômico, sucessão Objetivos Promover a caracterização do empregado que exerce cargo de gestão ou de confiança e as consequências do exercício dessa função. Refletir sobre a compatibilidade entre o emprego e a função de diretor de sociedade anônima ou a condição de sócio de sociedade limitada. Compreender a despersonalização e riscos assumidos pelo empregador quanto ao empreendimento. Fornecer subsídios para identificar um grupo econômico e suas implicações. Promover a compreensão sobre a sucessão de empregadores e suas consequências. 62 Anteriormente, buscamos entender o que torna a relação de trabalho uma relação de emprego. Vimos que a prestação de serviços, se é realizada pessoalmente, em caráter não eventual, com o recebimento de salário e com subordinação do trabalhador, caracteriza esse trabalhador como empregado e, assim, existe uma relação de emprego. Agora, vamos estudar as características específicas de empregados que exercem cargo de gestão ou de confiança, o que é necessário para que exista compatibilidade entre o empregado e o exercício da função de diretor de sociedade anônima e também de coexistência entre a condição de membro de uma sociedade limitada com a condição de empregado. Além disso, estudaremos características específicas do empregador. empregadO Exercício de cargo de gestão ou de confiança Na dinâmica empresarial, com o constante crescimento das empresas e o consequente aumento do quadro de pessoal necessário, é inviável para o empre- sário estar presente em todos os setores de produção ou assumir a direção de todas as atividades de seus empregados. Assim, é importante, para melhorar a organização da produção e, principal- mente, permitir um maior controle, que ele se cerque de empregados de confiança, aos quais transfira uma parcela de seus poderes de gestão e a quem remunere com um valor diferenciado, atribuindo-lhes um cargo de gerente, diretor ou chefe de departamento ou filial, responsável por orientar e controlar os serviços de uma equipe de empregados. São essas pessoas de gestão ou de confiança o objeto de nosso estudo. De início, é preciso deixar claro que, independentemente de como esse pro- fissional chegou a assumir o cargo de gestão, existem dois requisitos para que a função seja considerada como tal: Efetivos poderes de gestão – Deve ter poder de organizar e controlar as atividades da equipe, contratar ou dispensar empregados, aplicar sanções disciplinares quando as normas da empresa forem desrespeitadas, etc. Existem duas formas de contratar alguém para um cargo de confiança: a admissão de um profissional de fora da organização ou a promoção de um funcionário que já faz parte do quadro de pessoal. Na prática, será que existe alguma diferença entre esses dois profissionais no exercício da função? 63 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 Muitos empregadores acreditam que é possível ter alguém em um cargo de confiança e fazer uso desses aspectos específicos, por exemplo: não pagar horas extras ou trans-ferir o funcionário quando parecer conveniente, sem que, no entanto, sejam preenchidos os requisitos mencionados anteriormente, ou seja, que o gestor ou funcionário em cargo de confiança deve ter efetivos poderes de gestão e um salário significativamente maior que a equipe que ele gerencia. Remuneração diferenciada – Deve receber uma remuneração significa- tivamente maior que aquela atribuída aos empregados por ele gerencia- dos, condizente com o cargo ocupado. Existe, porém, uma distinção em relação à remuneração. Se houve a pro- moção de um funcionário da organização para exercer o cargo de confiança, ele deverá receber uma remuneração adicional de, no mínimo, 40% em relação ao salário anterior, denominada “gratificação de função”. No caso da contratação externa, não há nenhuma especificação legal a esse respeito, a não ser as já mencionadas, ou seja, que seu salário seja diferenciado e significativamente maior que o dos empregados que ele gerencia. E quais as diferenças legais entre a função de gestor e as demais funções? A primeira e mais significativa é que a pessoa que ocupa um cargo de con- fiança não tem direito a receber pelas horas extras, nos mesmos termos esti- pulados pela CLT para outros empregados. Entretanto, ela tem direito a receber valor adicional pela realização de trabalho em horário extraordinário, caso haja na organização em questão um controle rigoroso de sua jornada de trabalho. Além disso, deve ter acesso a benefícios diferenciados, por exemplo: carro forne- cido e pago pela empresa, celular corporativo, verba de representação, etc. Outro aspecto é que o ocupante do cargo de gestão ou de confiança está sujeito à transferência de localidade independentemente de sua aceitação, por deliberação do empregador. Entretanto, considera-se abusiva a transferência se não houver real necessidade. Além disso, por ser transferido, ele deve receber uma remuneração adicional. No caso do empregado que é promovido para um cargo de confiança, ele pode ser destituído desse cargo, retornando ao anterior e deixando de receber a gratificação de função, sem que isso seja considerado rebaixamento ou ir- regularidade. Contudo, seu salário total não pode ser reduzido, e ele continuará recebendo o valor do salário acrescido da gratificação de função, caso tenha exercido esse cargo por dez anos ou mais. 64 Diretor de sociedade anônima A sociedade anônima tem a diretoria como responsável maior pela gestão direta de toda a empresa. Essa diretoria é composta de acordo com o previsto no estatuto social da empresa e na própria Lei das Sociedades Anônimas. O estatuto social define as funções a serem exercidas pelos diretores, sua remuneração e os benefícios que podem receber. A diretoria, por ser o órgão executivo máximo, tem amplos poderes e só pres- ta contas ao conselho de administração e aos acionistas. Dessa forma, o trabalho dos diretores não é subordinado à sociedade anônima e, portanto, não há uma relação de emprego, mas, sim, societária. E tal relação fica clara quando se trata de um profissional eleito externamente aos quadros da empresa para trabalhar como diretor da sociedade anônima. E quando o conselho de administração decide por um empregado da socie- dade para o cargo de diretor? Ele continuaria sendo empregado? Como seria o seu contrato de trabalho nesse novo cargo? Essas dúvidas foram solucionadas com a publicação do Enunciado n.o 269 do Tribunal Superior do Trabalho, que afirma o seguinte: O empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo con- trato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço desse período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego. Assim, fica claro que, ao ser escolhido para o cargo de diretor da socieda- de anônima, o contrato de trabalho do empregado é suspenso. Ele não recebe mais o salário que recebia e o período de atuação como diretor não é acrescido ao seu tempo de serviço. Ele deixa de prestar qualquer serviço subordinado à sociedade e passa a exercer os poderes de gestão que estão previstos no estatuto social. Uma vez terminado o mandato para o qual ele foi eleito, ou se for desti- tuído antes disso, retorna ao cargo anterior, voltando a vigorar o contrato de trabalho. Seja o diretor um empregado, ou tendo sido contratado externamente à sociedade anônima, existe a possibilidade de exercer uma função subordinada a algum dos outros diretores; nesse caso, existe uma relação de emprego. Assim, ele passa a ser considerado um “diretor-empregado” e não um “diretor-órgão”. Sócio de sociedade limitada O direito do trabalho não se opõe à possibilidade de um sócio minoritário de uma sociedade limitada prestar serviços a ela na qualidade de empregado, desde que se caracterize de fato a relação de emprego. 65 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 Os estudiosos do direito, entretanto, não concordam que isso seja possível no caso do sócio majoritário, pois se entende que, por ter maior poder de voto e coordenação das atividades empresariais, ele estaria mais próximo da função de empregador. empregadOr Como já vimos, se, em uma relação de trabalho, uma das partes pode ser identificada como empregado, isso significa que se trata de uma relação de empre- go e, portanto, há também um empregador. A CLT conceitua “empregador” da seguinte forma: Imagine a seguinte situação: em uma sociedade limitada, um dos sócios majoritários vende suas cotas para outra pessoa, que assume seu posto na direção. Esse novo diretor é inexperiente e causa prejuízos à empresa. Será que isso poderia afetar os empregados, acarretando, por exemplo, atraso no pagamento dos salários? Artigo 2.o – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. § 1.o – Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos que admitirem trabalhadores como empregados. No entanto, além do conceito básico previsto na CLT, existem outras caracte- rísticas do empregador que são importantes para o nosso estudo e que veremos a seguir. Características próprias do empregador Observe que o conceito de “empregador” é bastante genérico e se baseia na relação de emprego e na contraposição ao conceito de “empregado”. Justamente por causa dessa contraposição, existem duas outras características do empregador 66 que afetam diretamente a relação de emprego: a despersonalização e o fato de ele assumir os riscos da atividade econômica. Ao contrário do empregado, cuja prestação de serviços é pessoal, no caso do empregador, por se tratar de pessoa jurídica, a despersonalização é a regra. Isso significa que não importa a titularidade formal da empresa, quem são os sócios ou acionistas; se a empresa faz uso do trabalho de pessoas físicas, realizado pessoalmente, de forma não eventual, havendo o pagamento de salário e subordinação às normas empresariais – esse conjunto de fatores a caracteriza como empregadora. Assim, segundo o direito do trabalho, pode-se substituir o titular sem que isso interfira nas relações de emprego já existentes, de acordo com o princípio da continuidade da relação de emprego que vimos anteriormente. Além da despersonalização, outra característica do empregador é o fato de ele assumir os riscos da atividade econômica, o que significa, para o direito do trabalho, que recaem sobre ele os encargos da atividade empresarial e dos con- tratos de trabalho celebrados pela empresa. Desse modo, ele não pode distribuir eventuais prejuízos, afetando a remuneração dos trabalhadores.É devido a essa característica, por exemplo, que não se pode descontar do salário do empregado algum prejuízo que ele tenha causado à empresa de forma acidental, a não ser que ele concorde com essa dedução. Isso ocorre justamente porque é sempre o empregador quem assume o risco por eventuais acidentes que possam acontecer na realização das atividades da empresa. FOrmaçãO de grupOs ecOnômicOs Há no mercado empresas que, em decorrência do crescimento da demanda, ampliam sua rede normalmente com a abertura de filiais, formando conglomerados econômicos. Assim surgiu, obviamente, a preocupação da legislação trabalhista em proteger os empregados que prestam serviços para as empresas que compõem esses grupos. Existindo, nesses casos, vários estabelecimentos que exploram uma ativi- dade empresarial comum, é possível que existam dúvidas em relação a quem é o empregador efetivamente. Essa confusão é ainda mais comum quando o emprega- do, apesar de ter um contrato com uma das empresas do conglomerado, também presta serviços para outras. Se uma rede de supermercados tem várias filiais espalhadas pela cidade, uma filial pode utilizar os serviços de um empregado que foi contratado por outra? Ou seria necessário que ele fosse dispensado de uma para que a outra o contratasse? Considerando que ele tenha trabalhado em ambas as filiais, contra qual das duas ele poderá propor uma reclamação trabalhista, caso acredite que seus direitos foram desrespeitados? 67 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 A fim de solucionar qualquer dúvida nesse sentido, a Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 2001) no 2.o parágrafo do artigo 2.o, prevê o seguinte: Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, perso- nalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra ativida- de econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis à empresa principal e a cada uma das subordinadas. A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário. Vamos retomar o exemplo da rede de supermercados. Imagine o seguinte: Em uma das lojas, os trabalhadores estão insatisfeitos, pois não recebem corretamente seus encargos trabalhistas. Depois de um certo tempo, a rede resolve vender essa loja. O novo dono mantém a mesma equipe de trabalho, porém continua sendo inadimplente em relação ao pagamento dos encargos dos funcionários. Alguns pedem demissão e resolvem requerer seus direitos na Justiça do Trabalho. Quem deve pagá-los? O novo empregador ou o antigo? Sucessão de empregadores É muito comum uma rede reorganizar seus negócios vendendo algum esta- belecimento ou modificando sua estrutura formal por meio de fusões com outras empresas, incorporação de novos negócios, cisão em novas unidades, etc. Complementando esse entendimento, o Tribunal Superior do Trabalho editou o enunciado n.o 129, que prevê o seguinte: Duas consequências imediatas podem ser apontadas: de um lado, garante-se ao empregado contratado por uma das empresas o poder de exigir de qualquer das empresas componentes do grupo o pagamento integral de qualquer dívida relacionada ao descumprimento de seus direitos trabalhistas, ainda que tenha ele sido contratado e prestado serviços para apenas uma delas. Existe, portanto, uma responsabilidade solidária pelos créditos trabalhistas dos empregados entre tais empresas. Do lado do empregador, existe a possibilidade de que qualquer das empresas componentes do grupo conte com o trabalho de um empregado contratado especi- ficamente por uma delas, sem que seja necessário um novo contrato de trabalho. 68 NOME DA EMPRESA NÃO BASTA PARA CONFIGURAR SUCESSÃO TRABALHISTA Para os juízes da 9.a Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2.a Região (TRT-SP), a manutenção do nome-fantasia do negócio não garante a sucessão trabalhista entre empresas. Com esse entendimento, a Turma decidiu que a empresa que explora atualmente o Bar Brahma não responde pelos processos trabalhistas dos ex-empregados da antiga proprietária. Mesmo havendo uma cláusula no contrato que preveja que a responsabilidade do novo empregador só tem início a partir da sucessão, para o direito do trabalho, os trabalhadores continuam a ter o direito de exigir do sucessor o pagamento de seus créditos trabalhistas. Essa cláusula, entretanto, pode servir para que o novo dono exija do anterior o pagamento dessas dívidas trabalhistas assumidas antes da sucessão. Leitura complementar Em qualquer desses casos, há a sucessão de empregadores, e aquele que assume os negócios torna-se responsável pelos contratos de trabalho, que não serão afetados, conforme determina a CLT nos artigos 10 e 448: Artigo 10 – Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. [...] Artigo 448 – A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados. Essa sucessão tem basicamente dois efeitos: Para o novo empregador – Acarreta a obrigação de responder imedia- tamente pelas obrigações presentes, futuras e passadas quanto aos con- tratos de trabalho que foram transferidos a ele. Para o antigo empregador – Em tese, a transferência dos contratos eli- minaria sua responsabilidade por pagar os créditos trabalhistas. Porém, na prática, os estudiosos do direito do trabalho têm atribuído a ele res- ponsabilidade subsidiária no que diz respeito aos créditos devidos pelo período em que ele era o empregador. Isso significa que, nos casos em que o sucessor não tem condições de pagar os créditos trabalhistas refe- rentes ao período anterior à sucessão, os empregados podem intimar o antigo empregador a fazê-lo. 69 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 Tradicional ponto de São Paulo, instalado desde 1948 no centro da capi- tal, o Bar Brahma fechou as portas em 1998 para reabrir, em 2001, sob nova direção. Em 1999, um ex-empregado do bar entrou com processo na 63.a Vara do Trabalho de São Paulo, reclamando o pagamento de verbas rescisórias. A empresa Bar e Restaurante Sidam Ltda., com a qual o reclamante manteve contrato de trabalho, foi condenada a pagar os títulos trabalhistas devidos. Contudo, os sócios da Sidam sustentaram no processo que, nos termos dos artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a empresa Bar SP Restaurante Ltda., atual proprietária do Bar Brahma, seria sucessora do negócio e, portanto, responsável pela dívida. Como o juiz da vara manteve a execução somente contra os antigos controladores, eles apelaram ao TRT-SP. Para a juíza Jane Granzoto Torres da Silva, relatora do agravo de petição no tribunal, o fechamento do bar em 1998 “é público e notório, independendo até mesmo de prova, já que a atividade empresarial era desenvolvida em local conhecido nacionalmente e inspirador de poetas – cruzamento entre Avenida Ipiranga e Avenida São João”. No entender da relatora, a alegação dos agravantes, de que a utilização do nome-fantasia – Bar Brahma – demonstra a indigitada sucessão, “não resis- te aos termos do contrato de fls. 344/349, por meio do qual o efetivo detentor da marca de bebidas Brahma pactuou com a agravada a exclusividade de vendas, negócio comum em referido ramo de atividade”. Segundo a juíza Jane Granzoto, a sucessão empresarial foi defendida pela Sidam, “verdadeira devedora, na tentativa de livrar-se do débito, simples- mente repassando-o a outra empresa, o que não se mostra possível juridica- mente”. “Os artigos 10 e 448 da CLT visam proteger o trabalhador, para que te- nha a possibilidadede se voltar contra todos aqueles que se beneficiaram de seu trabalho, não sendo prerrogativa do empregador”, observou a relatora. “Em verdade, ocorreu apenas a instalação de um novo estabelecimento que relação alguma mantém com o anterior”, concluiu. Por unanimidade, os juízes da 9.a Turma acompanharam o voto da juíza Jane Granzoto. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – 2.a REGIÃO. Nome da empresa não basta para configurar sucessão trabalhista. Disponível em: <http://www.advocaciacarrara.com. br/noticias.php?id=2814&action=exibir>. Acesso em: 11 abr. 2004. Vimos mais alguns aspectos da relação entre empregado e empregador. Quanto ao empregado, estudamos as peculiaridades do cargo de gestão ou de confiança, da função de diretor de sociedade anônima e de sócio em sociedade limitada. Quanto ao empregador, estudamos suas principais características, vimos aspectos específicos das relações de emprego em grupos econômicos e o que ocorre quando há a sucessão de empregadores. Síntese 70 Uma universidade promove um de seus professore1. s para o cargo de gerente pedagógico, para coordenar uma equipe de coordenadores pedagógicos, pa- gando a ele uma gratificação de função correspondente a 40% do seu salário efetivo de professor. Após algum tempo, a instituição decide transferi-lo para uma de suas filiais no interior do estado, onde já existe uma pessoa nesse car- go, muito eficaz, tanto que a filial é considerada uma das mais bem-sucedidas do grupo. Ao receber a comunicação de sua transferência, o gerente, sabendo que há outra pessoa ocupando a mesma função na filial, recusa-se a ir. Ele pode recusar? Ou é obrigado a aceitar a transferência? Por quê? Compartilhe sua resposta no ambiente virtual de aprendizagem, no fórum Exercício de car- go de gestão: estudo de caso. A empresa X adquire a empresa Y, transformando-a em sua filial, denominada 2. de Z. Ela continua operando normalmente, com a mesma equipe de empre- gados. No intuito de organizar as atividades da filial Z, os sócios da empresa X decidem promover um de seus empregados ao cargo de gerente adminis- trativo-financeiro, passando ele a receber uma gratificação de função corres- pondente a 50% do seu salário. Imediatamente, esse empregado é transferido para a nova filial Z, responsabilizando-se pela gestão local dessa empresa, tanto de pessoal quanto de produção. Ao fim de cada mês, o novo gerente apenas encaminha aos sócios da empresa X um relatório de prestação de contas e recebe novas diretrizes e metas a serem cumpridas, estipuladas com base nos resultados obtidos. Com base nessa situação, responda: Pode o empregado promovido ao cargo de gerente reclamar de sua trans-a) ferência? Em caso de dispensa sem justa causa, não havendo o pagamento devido b) dos créditos trabalhistas, contra quem os empregados da antiga empresa Y podem reclamar? Compartilhe suas respostas no ambiente virtual de aprendizagem, no fórum Aquisição de estabelecimento: estudo de caso. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. BRASIL. Ministério do Trabalho. Consolidação das Leis do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2007. Atividades Referências 71 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 Anotações TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – 2.a REGIÃO. Nome da empresa não basta para configurar sucessão trabalhista. Disponível em: <http://www.advocaciacarrara.com.br/ noticias.php?id=2814&action=exibir>. Acesso em: 11 abr. 2004. 72 Capítulo 2 DIREITO APLICADO À GESTÃO TERCEIRIzAÇÃO Conteúdo programático Possibilidades de terceirização lícita: serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador e trabalho temporário Responsabilidade do tomador de serviços Objetivos Compreender as situações que justificam e possibilitam a terceirização. Fornecer subsídios para a realização de terceirizações legítimas. As possibilidades e formalidades relativas à contratação de trabalho temporário. Promover a compreensão da responsabilidade assumida pelo tomador de serviços. 74 Ao final do ano, com a proximidade do Natal e das férias escolares, o comércio se beneficia com um grande aumen- to nas vendas. O mesmo ocorre no setor hoteleiro, que, com a chegada do verão, vê seus níveis de ocupação au- mentarem significativamente. Assim, donos de lojas e hotéis precisam contratar funcionários adicionais, porém sem a intenção de integrá-los aos seus quadros efetivos de pessoal, pois o traba- lho só é necessário nesse período. Existem também, no cotidiano das em- presas, certas atividades que não estão necessariamente relacionadas com o fim específico do empreendimento, como a limpeza dos estabelecimentos, a vigilância do local ou a manutenção de equipamentos. Seria necessário sempre contratar empre- gados para realizar esse tipo de atividade? Como ocorre a contratação dessa força de trabalho adicional? Agora, vamos tratar de uma prática que visa atender a uma demanda cada vez maior das empresas, que é a transferência de algumas atividades a terceiros. Vamos procurar também esclarecer qual a forma correta de realizar essa prática, que o mercado denomina “terceirização”. Terceirização é quando uma empresa, denominada “tomador de serviços”, contrata outra, chamada “terceirizada”, que disponibiliza empregados seus para realizar algum trabalho. Desse modo, podemos identificar nessa relação três elementos: o tomador de serviços, a terceirizada e os empregados dessa empresa terceirizada. Normalmente, esses serviços são feitos dentro da estrutura física empresa- rial do tomador de serviços, mas não há relação de emprego entre essa empresa e os profissionais, pois eles não estão subordinados a ela e recebem o pagamento diretamente da terceirizada. Além disso, esses trabalhadores podem prestar servi- ços a diversas outras empresas. Com essas noções, vamos ver em que casos a terceirização é possível e quais as responsabilidades do tomador de serviços quanto aos direitos do traba- lhador terceirizado. Possibilidades de terceirização Como a legislação trabalhista é voltada para a proteção da relação de emprego e para o incentivo da celebração de contratos de trabalho, a CLT não menciona a transferência de qualquer atividade empresarial a terceiros, estabelecendo que todo serviço necessário aos fins empresariais deve ser executado por empregados. CC A lex a n de r S te ffl er 75 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 Contudo, inevitavelmente, essa terceirização de serviços tornou-se uma prá- tica frequente no mercado e, a fim de ao menos definir as hipóteses em que a terceirização é possível, o Tribunal Superior do Trabalho editou o Enunciado n.o 331, que prevê o seguinte: I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei 6.019, de 03.01.74). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (artigo 37, II, da Constituição da República/1988). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contra- tação de serviços de vigilância (Lei 7.102, de 20.06.83) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administraçãodireta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das so- ciedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executi- vo judicial (artigo 71 da Lei 8.666/1993). Assim, atualmente, entende-se que é possível a terceirização de serviços em qualquer uma destas quatro situações: situações empresariais que autorizem a contratação de trabalho temporário, prestação de serviços de vigilância, presta- ção de serviços de conservação e limpeza e prestação de serviços especializados ligados à atividade-meio da empresa. É possível dividir essas situações em dois grupos: a contratação de traba- lho temporário e a contratação de trabalho especializado ligado à atividade- -meio da empresa, pois é fato que serviços de vigilância, limpeza e conservação estão ligados à atividade-meio de praticamente qualquer empresa. Serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador Prosseguindo em nossos estudos, antes de vermos os pormenores específicos da contratação de trabalho temporário, vamos delimitar brevemente o que os estudio- sos do direito do trabalho entendem como atividade-meio passível de terceirização no âmbito empresarial. Conceitualmente, atividades-meio são aquelas funções e tarefas que não têm relação fundamental com o objetivo específico da empresa ou não contribuem de forma significativa para o posicionamento da empresa no mercado. São exem- plos os serviços de transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza, alimentação dos empregados, etc. 76 É claro que uma empresa pode optar por manter emprega- dos responsáveis pela prestação desses serviços caracte- rizados como atividade-meio. Por exemplo, um escritório de contabilidade pode optar pela contratação de um motoboy como empregado, em razão de ter constante necessidade de seus serviços. O que vai diferenciar se é uma relação de emprego ou de trabalho terceirizado é a forma como se dá a prestação do serviço, especialmente se existe pessoali- dade e subordinação direta do empregado (o Enunciado n.o 331 determina isso expressamente, no item III: “desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”). Trabalho temporário É permitida também a terceirização quando é necessário o trabalho temporá- rio, previsto na Lei n.o 6.019/74, em duas hipóteses: Quando há necessidade de substituir temporariamente empregados re- gulares (em decorrência de férias, licença-maternidade, outras licenças previdenciárias, etc.). Quando há um aumento extraordinário dos serviços da empresa (como os exemplos mencionados anteriormente, do setor de comércio ao final do ano e o setor de hotelaria no verão). É importante ressaltar que, nesse último caso, com o fim do aumento das atividades, seja pelo retorno das atividades empresariais ao nível produtivo anterior (como ocorre em hotelaria, quando termina o período de alta estação e o hotel volta a operar em seus níveis de ocupação normais), seja pelo alcance de um novo patamar rotineiro mais elevado de produção, o contrato de trabalho temporário não é mais permitido. Na primeira situação, são extintos os contratos e, na segunda, a empresa deve adequar de forma definitiva o seu quadro de pessoal ao novo pata- mar de produção. No caso do trabalho temporário, como existe uma maior inserção do traba- lhador no ambiente da empresa, pode haver pessoalidade e subordinação direta na prestação dos serviços, sem que se considere uma relação de emprego. No entanto, o trabalho deve se restringir ao motivo que justifica a terceirização, e os seguintes requisitos devem ser respeitados: Deve haver um contrato de trabalho entre a empresa terceirizada e o pro- fissional em questão. Deve existir um contrato entre o tomador de serviço e a empresa terceiri- zada, indicando, obrigatoriamente, o motivo que justifica a contratação do trabalho temporário. A duração máxima do contrato temporário é de três meses, e esse prazo só pode ser ampliado com autorização específica do órgão local do Minis- tério do Trabalho (normalmente a Delegacia Regional do Trabalho). 77 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 Responsabilidade do tomador de serviços O Enunciado n.o 331 do Tribunal Superior do Trabalho previu que o tomador de serviços tem responsabilidade subsidiária com relação às obrigações trabalhis- tas assumidas pela empresa terceirizada. Assim, caso a empresa terceirizada não tenha condições de arcar com as obrigações trabalhistas, os empregados podem exigir do tomador de serviços que arque com essa responsabilidade, porém apenas pelo período em que prestaram serviços a ele. Por esse motivo, muitos tomadores de serviços procuram acompanhar o cumprimento das obrigações trabalhistas por parte das empresas terceirizadas e definem, em cláusula específica do contrato, que a terceirizada somente receberá seu pagamento se apresentar a documentação referente ao pagamento de seus empregados (cópia do contracheque, folha de ponto, comprovantes de recolhimen- to de FGTS, INSS, etc.). TELEMAR é CONDENADA POR TERCEIRIzAÇÃO ILÍCITA E FALSO ESTÁGIO A 1.a Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve a condenação im- posta à Telemar Norte Leste S/A (Telepisa) por prática irregular de terceiri- zação e fraude ao instituto do estágio. Inquérito civil público da Procuradoria Regional do Trabalho e fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho do Piauí constataram que a companhia substituiu ilegalmente seus empregados pela mão de obra estagiária e terceirizada, com o objetivo de fraudar a legis- lação trabalhista. De acordo com o inquérito, por meio de aparentes contratos com insti- tuições de ensino, a companhia telefônica do Piauí admitiu em seus quadros “empregados disfarçados de estagiários”, que chegaram a representar 41% da mão de obra. A companhia também admitiu pessoal terceirizado para desem- penho de sua atividade-fim, por intermédio de empresas de locação de mão de obra, o que é vedado pelas leis trabalhistas. A Telepisa recorreu ao TST contra decisão do TRT do Piauí (22.a Região), que a condenou a reconhecer o vínculo de emprego e, com isso, pagar os direitos trabalhistas dele decorrentes a todos os estagiários e terceirizados contratados irregularmente. O Ministério Público do Trabalho do Piauí (MPT/PI) ajuizou a ação civil pública após denúncia do sindicato dos telefônicos de que a quase totalidade dos estagiários exercia atividade de telefonista, que nada tem a ver com seus currículos escolares. Leitura complementar Se esses requisitos não forem atendidos, isso caracteriza uma relação de emprego. 78 A decisão regional foi mantida pela 1.a Turma do TST, que rejeitou (não conheceu) o recurso da Telepisa. O relator do recurso foi o juiz convocado Guilherme Augusto Caputo Bastos. Preliminarmente, a Telepisa questionou junto ao TST a legitimidade do MPT/PI para propor esse tipo de ação. A pre- liminar foi rejeitada pelo relator: “Tratando-se de ação civil pública buscan- do a defesa de interesse social relevante, o trabalho, direito constitucional indisponível, a Justiça do Trabalho há de prestigiar a atuação do Ministério Público”. Superada a preliminar, o juiz Caputo Bastos fez uma análise minuciosa da questão em um voto de 13 laudas, no qual apontou as razões que levaram o TRT/PI a concluir pela fraude à legislação trabalhista. Segundo Caputo Bastos, para se chegar à conclusão diversa da que chegou a instância regional, seria preciso rever fatos e provas, o que é vedado pela Súmula 126 do TST. De acordo com o TRT/PI, à época da fiscalização, a empresa mantinha em seus quadros estagiários da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Centro Federal de Educação Tecnológica do Piauí (Cefet-PI) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que representavam 41% da mão de obra daempresa. Quanto aos alunos, na UFPI, não havia sequer convênio para concessão de estágio nem foram celebrados termos de compromisso de estágio extra- curricular. As atividades desenvolvidas pelos estudantes não tinham nenhuma relação com seus cursos (direito, economia, comunicação social, etc.). Ofi- cialmente, eles foram recrutados para realizar pesquisas de opinião junto aos usuários da companhia telefônica, para medir o grau de satisfação com os serviços. Para utilizar alunos do Senac, a Telepisa celebrou contratos particulares de estágio, mas sem a necessária interveniência da instituição de ensino. O suposto interesse da Telepisa era capacitar e qualificar os estagiários para exercerem a ocupação de telefonistas na cidade de Teresina. Dos estagiários da UFPI e do Senac era exigida a prestação de serviços em regime de horas extras. Quanto aos estudantes do Cefet, foi constatado o desempenho de fun- ções incompatíveis com as respectivas áreas de formação. O objetivo do con- vênio era o de complementação educacional nas áreas compatíveis com os cursos dos alunos das últimas séries, mas eles atuavam basicamente como telefonistas. Os alunos do Cefet também eram submetidos a trabalhos extra- ordinários e tinham carga horária diária de oito horas. A legislação limita em cinco horas a carga horária de estágio. No acórdão do TRT/PI, mantido pela 1.a Turma do TST, foi dito que a Te- lepisa “engendrou um verdadeiro labirinto para maquilar relações de trabalho agasalhadas pela CLT, tendo como fim primordial o não pagamento de obriga- ções trabalhistas”. O tribunal constatou ainda que a empresa não providenciou o seguro contra acidentes pessoais previsto na Lei n.o 6494/77, que regula o instituto do estágio. 79 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 2 De acordo com o TRT/PI, “considerando que o estágio antecede a re- lação de emprego, eis que prepara o estudante para o mercado de trabalho, houve uma inversão dessa ordem, no caso em espécie, na medida em que a empresa admitia trabalhadores para prestar serviços necessários às suas atividades e posteriormente os transformava em estagiários, sob a máscara de termos de compromisso”. O TRT/PI constatou que, a partir de fevereiro de 2000, houve um “cres- cimento vertiginoso” no número de estagiários da UFPI, coincidindo com o período em que a Telepisa intensificou seu plano de demissões. Para o Tribunal Regional, ficou claro que a empresa se utilizou de mão de obra estagiária irregular quando adotou um programa de demissão gradual de seus empregados. Para a terceirização irregular, a Telepisa utilizou as empresas Asa Ex- press e Case Consultoria, Processamento e Treinamento Ltda., que admitiam telefonistas e atendentes de serviço que já trabalhavam na Telepisa sem re- gistro. As moças eram selecionadas pela Telepisa para atuar no call center e então encaminhadas às empresas interpostas. De acordo com o inquérito do MPT/PI, o processo de contratação de empregados pelas empresas terceiri- zadas iniciava-se no setor de pessoal da Telepisa, onde eram acertadas todas as condições de trabalho. As telefonistas da Telepisa recebiam salário de R$ 800,00, enquanto as tercerizadas ganhavam R$ 226,00 mensais para exercer as mesmas funções. De acordo com o TRT/PI, à medida que ia demitindo seus empregados, a Tele- pisa encaminhava aqueles que lhe interessavam às empresas prestadoras de serviços, que os contratava, e estes retornavam às atividades na companhia. O TRT/PI condenou a Telepisa “a registrar como seus, em livro próprio e na CTPS, retroativamente à data de admissão, cada um dos trabalhadores que lhe prestaram serviços de natureza empregatícia, mas sob o manto do es- tágio, bem assim a apagar todos os direitos trabalhistas pertinentes”. A mesma decisão foi tomada em relação aos trabalhadores terceirizados que prestaram serviços não eventuais e típicos de atividade-fim à Telepisa. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Telemar é condenada por terceirização ilícita e falso estágio. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/noticias/x/75/91/7591/>. Acesso em: 11 abr. 2008. Procuramos entender como o direito do trabalho permite que seja realizada corretamente a contratação de trabalho terceirizado, a fim de identificar, entre as hipóteses disponíveis, a mais adequada. Vimos também quais as medidas neces- sárias para que não haja vínculo empregatício direto entre a empresa tomadora dos Síntese 80 Como gestor de uma empresa, quais medidas práticas você adotaria para não ter vínculo empregatício direto com os profissionais contratados por meio de uma empresa terceirizada do setor de limpeza e manutenção? Registre suas con- siderações no fórum Terceirização: como contratar corretamente, para a elabora- ção de uma pequena cartilha contendo essas medidas, a qual poderá ajudá-lo no exercício de suas atividades profissionais. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. BRASIL. Ministério do Trabalho. Consolidação das Leis do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2007. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Telemar é condenada por terceirização ilícita e falso estágio. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/noticias/x/75/91/7591/>. Acesso em: 11 abr. 2008. Atividade Referências Anotações serviços e o empregado da empresa terceirizada, bem como a responsabilidade da tomadora em decorrência da terceirização de serviços. Além disso, identificamos as medidas práticas que devem ser adotadas para minimizar o risco de uma empresa ser penalizada pelo descumprimento das obrigações trabalhistas. Capítulo 3 DIREITO DO TRABALHO: CONTRATO DE TRABALHO SALÁRIO E REMUNERAÇÃO Conteúdo programático Salário e remuneração Proteção jurídica do salário Pagamento em utilidades Tipos especiais de remuneração: adicionais legais, comissões, 13.o salário, prêmios, diárias e ajudas de custo Objetivos Promover a compreensão da diferença entre salário e remuneração. Fornecer subsídios para a correta estipulação do salário, em respeito aos princípios que regem sua proteção jurídica. Promover a compreensão dos diversos tipos especiais de remuneração e seu eventual impacto na composição do salário. 82 Vimos a diferença entre “relação de trabalho” e “relação de emprego”. Agora, va- mos nos concentrar no contrato de trabalho, o acordo que rege a relação entre empregado e empregador. Inicialmente, estudaremos os aspectos referentes ao salário, elemento es- sencial à configuração da onerosidade, que caracteriza a relação de emprego e, por conseguinte, do contrato de trabalho. José da Silva é coordenador do setor de tecnologia da informação da empresa XYZ Serviços de Informática Ltda., localizada em Salvador. Ele reside em um apartamento cujo aluguel é pago diretamente pela empresa, sem que conste em seu contracheque qualquer desconto referente a esse pagamento. José da Silva vai nos acompanhar ao longo deste estudo e ajudar a ilustrar diversas situações que podem fazer parte do nosso cotidiano de trabalho. Vejamos três delas: Situação 1 Pelo exercício de suas funções, José recebeu, em janeiro de 2008, um contracheque com os seguintes itens: Quais itens integram o salário de José? E quais desses itens, embora não tenham caráter salarial, compõem sua remuneração? CONTRACHEQUE Salário Gratificação de função Adicional de horas extras Prêmio assiduidade Contribuição sindical Ticket refeição Plano de saúde INSS 83 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 Dada a necessidade de se ter um empregado de confiança coordenando a abertura de uma nova filial da empresa na cidade de Feira de Santana, os sócios daXYZ Serviços de Informática Ltda. decidem transferir José da Silva para aquela localidade. Isso implicará alguma mudança no salário ou na remuneração de José? Pense sobre essas questões, pois mais tarde retornaremos a elas. Situação 2 Ao instalar um equipamento novo na empresa, José causou um curto-circuito que danificou totalmente um dos servidores. Em que condições o empregador poderá descontar do salário dele o valor necessário para comprar um novo servidor para substituir o aparelho danificado? Situação 3 Servidor Computador que provê dados e serviços para uma rede, compartilhando recursos. 84 Ao longo deste estudo, vamos analisar os tipos especiais de remuneração previstos no direito do trabalho, para que fique mais clara a distinção entre “salário” e “remuneração”. Nosso objetivo é que você consiga perceber quando determinados valores, que, em princípio, seriam parte apenas da remuneração do empregado por serem pagos habitualmente, passam a integrar o seu salário. saláriO e remuneraçãO Para nortear o assunto que estudaremos agora, precisamos distinguir “salário” de “remuneração”. Em linhas gerais, remuneração é um gênero do qual o salário é espécie. Tudo o que o empregado recebe pelo trabalho que desenvolve compõe sua remuneração, mas nem toda remuneração é salário. Salário é a remuneração básica do empregado, a verba mínima pela qual ele se dispõe a prestar seus serviços ao empregador e com a qual ele conta ao fim de cada mês. Outros valores de caráter não habitual – ou seja, que não cons- tituem fonte de renda fixa do empregado e cujo pagamento não é obrigação do empregador – que eventualmente venham a complementar esse salário-base compõem a remuneração do empregado, sem, contudo, serem caracterizados como salário. Um exemplo é a gorjeta que o garçom recebe diretamente do clien- te do restaurante. Você sabe por que a remune- ração que recebemos men- salmente pelo nosso trabalho chama-se “salário”? “Salário” vem do latim salarium, que significa “do sal”. Os soldados do Império Ro- mano recebiam uma quantia periódica para comprar sal, uma mercadoria de grande im- portância e alto valor na época. Além de servir para melhorar o sabor dos alimentos, servia para conservá-los melhor, pois nessa época não havia refrigeração (SCHÜTZ, 2007). Sh ut te rs to ck /D an ny S m yt he Salário-base O menor salário permitido em uma determinada categoria ou grupo de traba- lhadores. É estipulado por uma organização desses trabalhadores, seja sindicato, união, seja o próprio empregador. Em alguns setores, também é conhecido como “piso salarial“ (ALMANAQUE ABRIL, 2008). 85 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 prOteçãO jurídica dO saláriO Como o salário é destinado, via de regra, ao sustento do empregado e de sua família, o direito do trabalho criou determinados princípios jurídicos de proteção ao salário. Conheça-os a seguir. Irredutibilidade Conforme previsto no artigo 7.o, VI, da Constituição Federal (BRASIL, 2001), o salário convencionado entre empregado e empregador não pode ser reduzido, ex- ceto na hipótese de, mediante negociação coletiva, com a participação dos sindica- tos de empregados e patronal, e normalmente em decorrência de crise econômica que afete profundamente a empresa. Nesse caso, pode ser acordada uma redução dos salários dos empregados enquanto perdurar a crise, a fim de que a empresa possa se recuperar financeiramente sem ter de dispensar seus trabalhadores. Inalterabilidade prejudicial Esse princípio do direito do trabalho, que é decorrente do princípio geral da proteção, estudado anteriormente, determina que, durante a vigência da relação de emprego, o salário não pode ser alterado, nem no seu modo nem na sua forma de pagamento, prejudicando o empregado. Assim, uma empresa que tem por hábito pagar o salário de seus empregados em duas parcelas mensais, nos dias 15 e 30 de cada mês, não pode, por exemplo, alterar essa forma de pagamento, passando a depositar o salário na conta de seus empregados no quinto dia útil do mês subsequente ao vencido se tal alteração for entendida pelos trabalhadores como prejudicial a seu sustento, uma vez que eles já organizaram suas vidas financeiras contando com o recebimento da verba remu- neratória da forma e nas datas anteriormente acordadas. Impenhorabilidade Como regra geral de processo civil, prevista no artigo 649, IV, do Código de Processo Civil brasileiro, o salário do empregado não pode ser penhorado, independentemente do valor da dívida por ele assumida, exceto para pagamento de pensão alimentícia. Intangibilidade O artigo 482 da CLT prevê que o salário não pode sofrer descontos, salvo os previstos em lei (a exemplo de contribuições previdenciárias, contribuições sindicais, faltas injustificadas, imposto de renda, falta de aviso prévio do empregado ao empre- gador, etc.), em convenções coletivas (a exemplo da taxa assistencial) ou decorren- tes de danos causados pelo empregado ao patrimônio do empregador ou de terceiro (desde que relacionados com o serviço e que tenham sido causados intencionalmen- Penhorar Tomar como garantia. Penhorar o salário seria dispor da totalidade, ou parte dele, como garantia, por exemplo, de alguma dívida. 86 te pelo empregado; se o dano foi causado acidentalmente, sem qualquer intenção do empregado, o desconto somente é permitido se acordado no contrato de trabalho (BRASIL, 2001). Pagamento do salário em utilidades Em regra, o salário é pago em moeda corrente nacional, seja em dinheiro, seja mediante a emissão de cheque nominal ao empregado ou depósito do valor correspondente em conta-corrente ou poupança. A CLT, porém, permite que uma parte do salário seja paga in natura, em utilidades disponibilizadas pelo emprega- dor, a exemplo de alimentação, habitação, vestuário ou mesmo outras não previstas especificamente em lei, como o fornecimento de cestas básicas. Tal possibilidade está prevista no artigo 458 da CLT (BRASIL, 2001), que dispõe: Além do pagamento em dinheiro, compreendem-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. Apesar de a legislação trabalhista prever que o empregador pode pagar aos seus empregados parte do salário em utilidades, existem determinadas regras a serem observadas quando isso ocorre. São elas: Nos termos do artigo 82 da CLT, pelo menos 30% do salário devido ao empregado deve ser pago em dinheiro. O desconto realizado pelo empregador no salário do empregado em decorrência do fornecimento de habitação e alimentação, como salário- -utilidade, não poderá exceder 25% do salário previsto no contrato de tra- balho, no que diz respeito ao fornecimento de habitação, e 20% do salário contratual, no que diz respeito à alimentação, conforme previsto no artigo 458, parágrafo 3.o, da CLT. As utilidades previstas no artigo 458, parágrafo 2. o da CLT (BRASIL, 2001), quando fornecidas pelo empregador ao empregado, não são salário, sen- do comumente conhecidas como “benefícios”, a saber: I – vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos empre- gados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço (a exemplo de fardas e EPIs – equipamentos de proteção individual); II – educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, compreendendo os valores relativos a matrícula, mensalidade, anui- dade, livros e material didático; III – transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público; IV – assistência médica, hospitalar, odontológica, prestada diretamenteou mediante seguro-saúde; V – seguros de vida e de acidentes pessoais; e VI – previdência privada. 87 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 As utilidades eventualmente fornecidas pelo empregador e que não são objeto de desconto no valor do salário previsto no contrato de trabalho do empregado serão integradas ao salário contratual, passando o salário-base do empregado a ser composto do salário contratual acrescido do valor referente à utilidade fornecida. Assim, a fim de evitar esse acréscimo salarial, é aconselhável ao empregador proceder ao desconto permitido por lei, respeitando as regras estudadas. tipOs especiais de remuneraçãO Vamos estudar agora outros tipos especiais de remuneração. Esses valores, se pagos periodicamente, poderão vir a integrar o salário-base, como veremos mais adiante. Adicionais legais Para o direito do trabalho, o adicional é uma forma de remuneração do em- pregado que tem como causa a prestação de serviços em condições mais difíceis que aquelas ordinariamente esperadas de um trabalhador, e a CLT prevê (BRASIL, 2001) como sendo de pagamento obrigatório os adicionais decorrentes da pres- tação de serviços em horário extraordinário (artigo 59, CLT), em horário noturno (artigo 73, CLT), em atividades insalubres (artigo 192, CLT) ou perigosas (artigo 193, § 1.o, CLT) e em decorrência de transferência de local de prestação de serviços (artigo 469, § 3.o, CLT). É necessário ressaltar que qualquer adicional pago com habitualidade integra o salário-base do trabalhador para efeito de cálculo de toda e qualquer parcela incidente sobre o salário, a exemplo de férias, 13.o salário, etc. Adicional de horas extraordinárias A seguir, quando tratarmos dos limites da jornada de trabalho que o empre- gador pode exigir do empregado, entenderemos de forma mais clara o conceito de “horas extraordinárias”. Por hora, é importante apenas ter em mente que, se o empregado prestar serviços ao empregador em horário que ultrapasse a sua jornada normal de tra- balho, terá direito a receber, por hora trabalhada, além do valor normal devido por essa hora de trabalho, um adicional que nunca poderá ser inferior a 50% do valor da hora normal (adicional que, contudo, pode ser maior, se assim estiver previsto em convenção ou acordo coletivo). Somente não será devido o adicional de horas extraordinárias ao empregado se este não estiver submetido a controle de jornada, nas hipóteses previstas em lei, ou se ocorrer compensação de horas, normalmente na forma de banco de horas instituído e em vigor na empresa. 88 Adicional noturno A legislação trabalhista brasileira, buscando preservar o direito do empre- gado de descansar à noite, estabeleceu que no setor urbano o período entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte é considerado horário noturno, período em que habitualmente a maior parte da população reserva para o seu descanso, devendo os empregados que trabalham nesse horário receber, além do valor da hora normal de trabalho, o adicional previsto em lei. Se o empregado prestar serviços ao empregador no horário considerado no- turno pela CLT, terá direito a receber por hora trabalhada, além do valor normal, um adicional que nunca poderá ser inferior a 25% desse valor (pode ser maior, se assim estiver previsto em convenção ou acordo coletivo). Adicional de insalubridade Esse adicional foi instituído a fim de remunerar os empregados que prestam seus serviços em atividade considerada insalubre, nos termos definidos no arti- go 189 da CLT (BRASIL, 2001): Insalubre Não saudável, prejudicial à saúde. Salário mínimo O menor salário que pode ser pago por lei a qualquer trabalhador por um empre- gador (ALMANAQUE ABRIL, 2008). Os limites de tolerância aos agentes nocivos à saúde, bem como os meios de proteção e o tempo máximo permitido de exposição do empregado a esses agen- tes, são regulados por portarias baixadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), conhecidas como Normas Regulamentadoras. Elas devem ser sempre ob- servadas pela empresa, a quem cabe providenciar para que o ambiente de traba- lho se torne mais favorável ao trabalhador, adotando as medidas indicadas pelo MTE para reduzir a insalubridade aos limites de tolerância permitidos, bem como disponibilizando aos empregados equipamentos de proteção individual. Se, observando as regras editadas pelo MTE, o empregador for capaz de manter a exposição dos empregados à insalubridade no ambiente de trabalho den- tro dos limites de tolerância fixados nas Normas Regulamentadoras, não se verá obrigado a pagar qualquer adicional. Constatando-se, contudo, que os empregados se encontram expostos a agentes nocivos à saúde em proporção superior à tole- rada, o empregador deverá pagar-lhes adicional de insalubridade, correspondente a 10%, 20% ou 40% do salário mínimo, conforme o grau de insalubridade apurado (mínimo, médio ou máximo, respectivamente). Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua na- tureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. 89 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 Adicional de transferência Em regra, a CLT (BRASIL, 2001) proíbe a transferência de empregados para prestar serviços em localidade diversa daquela que consta em seu contrato de trabalho, exceto nas seguintes hipóteses: O empregado exerce cargo de confiança e há real necessidade de serviço que justifique a transferência. A possibilidade de transferência é condição implícita ou explícita do con- trato de trabalho, normalmente dada a especialidade da função desem- penhada pelo empregado. O empregado concorda com sua transferência para prestação de servi- ços em local distinto daquele inicialmente contratado. Justificando-se a transferência com base em uma das situações referidas, o empregador deverá pagar ao empregado, enquanto ele prestar serviços em outra localidade, um adicional não inferior a 25% do salário contratual. O adicional não será necessário se a transferência for definitiva e realizada com a concordância do trabalhador e o empregador garantir condições salariais mais vantajosas. Adicional de periculosidade Se o empregado prestar seus serviços em contato permanente com infla- máveis em condições altas de risco, com explosivos, com energia elétrica ou com radiações ionizantes, sua vida pode estar em risco. Nesse caso, não se considera que o empregado exerce atividade insalubre, mas, sim, perigosa, e o empregador obriga-se a remunerá-lo pelo exercício de tal atividade, mediante o pagamento de um adicional correspondente a 30% do valor do salário contratual. As atividades consideradas insalubres se diferenciam das consideradas perigosas, pois, no primeiro caso, o trabalhador está exposto a condições que podem prejudicar sua saúde e, no segundo, há risco de vida. Desse modo, é possível que uma atividade seja considerada, ao mesmo tempo, insalubre e perigosa. Sh ut te rs to ck /P io tr Si ko ra Sh ut te rs to ck /L uc ia n Co m an 90 Comissões A comissão é uma forma de remuneração normalmente utilizada por empre- sas da área do comércio, sendo diretamente condicionada à apuração do valor devido ao trabalhador – geralmente vendedores e representantes comerciais – por sua produção ou vendas. O empregador pode adotar como única forma de remu- neração do empregado o pagamento de comissão, desde que assegure, mensal- mente, ao menos o pagamento de um salário mínimo ao empregado, ainda que o valor das comissões não atinja esse patamar. Independentemente de ser forma única ou complementar de remuneração do trabalhador, o porcentual acordadoa título de comissão não pode ser reduzido pelo empregador e será devido a partir da aceitação da venda realizada pelo empregado, não importando se o comprador conclui o negócio, paga o valor da compra ou não. Por fim, é importante ressaltar que a média do valor das comissões pagas com habitualidade ao empregado in- tegra seu salário-base para efeito de cálculo de toda e qualquer parcela incidente sobre o salário, a exemplo de férias, 13.o salário, etc. Décimo terceiro salário O 13.o salário, também chamado “gratificação natalina”, como o próprio nome já diz, é um salário adicional aos 12 salários recebidos em um ano de trabalho. Baseia-se no salário recebido pelo trabalhador no mês de dezembro e em valor proporcional ao número de meses (ou fração de mês igual ou superior a 15 dias) trabalhados pelo empregado durante o ano. Segundo a Lei n.o 4.749/65, que ins- tituiu a obrigatoriedade do 13.o salário, o pagamento dessa gratificação é dividido em duas parcelas, uma a ser paga até o mês de novembro (ou, se o empregado o requerer, quando entrar em férias), e a outra até o dia 20 de dezembro do ano em curso. Prêmios Apesar de não serem expressamente previstos na legislação trabalhista bra- sileira, os prêmios acabaram sendo incorporados aos costumes de determinadas empresas, especialmente na área industrial, como forma de incentivar seus em- pregados a atingirem metas ou para recompensá-los, especialmente no que diz respeito a aspectos como produtividade, assiduidade, eficiência, economia, anti- guidade, etc. Em regra, quando não habituais, os prêmios não têm natureza sala- rial, não integram o salário-base do empregado para qualquer efeito. Essa não habitualidade normalmente se caracteriza quando os pagamen- tos realizados em favor do empregado a título de premiação ocorrem, por exem- plo, uma vez por ano ou em função de campanhas de incentivo à produção, especialmente quando o prêmio não é pago em dinheiro, mas em benefícios, como, por exemplo, uma viagem ao exterior. Porém, quando pagos com habitua- lidade, o valor médio dos prêmios é integrado ao salário-base, como ocorre com os adicionais. 91 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 Diárias e ajudas de custo Via de regra, pagamento de diárias ou ajudas de custo, quando o empregado realiza viagens em nome e por conta do empregador, não tem natureza de salário. Isso ocorre porque esse pagamento não se destina a retribuir o trabalho, mas apenas a indenizar o empregado por eventuais despesas. Essa é a regra geral prevista no artigo 457, parágrafo 2.o, da CLT (BRASIL, 2001): EqUIPARAÇÃO SALARIAL DEPENDE DE LOCAL DE TRABALHO, NÃO DE RESIDêNCIA A subseção de Dissídios Individuais 1 do TST (Tribunal Superior do Tra- balho) entendeu, em recente decisão, que um funcionário de banco que tra- balha em Campinas, em função idêntica a de um funcionário que trabalha em São Paulo, tem direito à equiparação salarial. O tribunal levou em consideração que as duas cidades, da mesma região geoeconômica, possuem condições de vida semelhantes. Na opinião de Crislaine Simões, advogada trabalhista da Innocenti Ad- vogados Associados, “o fato de os equiparandos residirem e terem sido con- tratados em localidades diferentes não impede a equiparação salarial, pois o importante, como a lei diz, é o local do trabalho, cujo conceito está estritamente vinculado ao âmbito territorial em que se dá a execução do contrato. Nele não se inclui o local da residência do trabalhador ou a região da atividade patronal”, destaca. Ela observa que, no tocante à equiparação salarial, a Constituição Federal veda, no seu inciso XXX, artigo 7.o, a diferença de salário, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Não se incluem nos salários as ajudas de custo, assim como as diárias para viagem que não excedam 50% do salário recebido pelo empregado. Leitura complementar Atualmente, a fim de evitar as fraudes cometidas por diversos empregado- res, que, para não ter de incluir no salário dos empregados determinadas verbas referentes às constantes viagens realizadas a trabalho, registram esses gastos como ajudas de custo ou diárias. Estudiosos do direito do trabalho entendem que é verificando o real destino do pagamento que se pode concluir se ele tem natureza indenizatória ou salarial. Se esse pagamento é comprovadamente destinado a ressarcir despesas rea- lizadas pelo empregado e relacionadas à sua manutenção e ao seu deslocamento no exercício de suas funções enquanto estiver em viagem em nome da empresa, a diária ou ajuda de custo paga terá natureza indenizatória, ainda que ultrapasse 50% do salário do empregado. Entretanto, se não tiver esse caráter, o pagamento terá natureza salarial, ainda que inferior a 50% do salário. 92 Buscamos entender a diferença entre “salário” e “remuneração”, a fim de aprofundar nossos estudos no que diz respeito aos aspectos específicos do sa- lário e, posteriormente, aprofundar os conhecimentos sobre os principais tipos e possibilidades de remuneração que em determinadas situações são devidos pelo empregador, desenvolvendo, com isso, um estudo mais detalhado da onerosidade que caracteriza a relação de emprego. Retorne à 1. situação 1, apresentada na página 82. Com as informações que obteve, como você responderia às questões propostas? Compartilhe suas res- postas no fórum Salário e remuneração: estudo de caso, no ambiente virtual de aprendizagem. Agora, releia a 2. situação 2, na página 83, e responda à pergunta proposta, compartilhando sua resposta no fórum Proteção jurídica do salário: estudo de caso. A resposta à questão apresentada na 3. situação 3, também na página 83, você deverá postar no fórum Transferência de empregado: estudo de caso. Portanto, “se há o exercício das mesmas atividades, sem qualquer dife- rença, com igual produtividade e mesma perfeição técnica, ainda que o nome do cargo seja diverso entre pessoas com diferença de tempo de serviço não superior a dois anos (artigo 461, § 1.o, CLT), o salário deverá ser exatamente igual”, alerta a especialista. A advogada comenta que essa contagem de tempo baseia-se no tempo na função, na atividade da qual se pretende a equiparação e não na data da admissão na empresa. O trabalho também deve ser prestado na mesma localidade, ou seja, na mesma cidade ou na mesma região metropolitana, que possuam as mesmas condições de vida ou que pertençam à mesma região geoeconômica. Crislaine argumenta ainda que “também existe a possibilidade de se equipararem trabalhadores que exerçam funções em estabelecimentos diver- sos da mesma empresa, desde que dentro da mesma localidade”. ADMINISTRADORES.COM.BR. Equiparação salarial depende de local de trabalho, não de residência. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/noticias/equiparacao_ salarial_depende_de_local_de_trabalho_nao_de_residencia/5269/>. Acesso em: 14 abr. 2008. Síntese Atividades 93 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 ADMINISTRADORES.COM.BR. Equiparação salarial depende de local de trabalho, não de residência. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/noticias/equiparacao_ salarial_depende_de_local_de_trabalho_nao_de_residencia/5269/>. Acesso em: 14 abr. 2008. ALMANAQUE ABRIL 2008. São Paulo: Abril, ano 34. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. BRASIL. Ministério do Trabalho. Consolidação das Leis do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. _______. Presidência da República. Código de processo civil. Disponível em: <http://www. tre-sc.gov.br/legjurisp/codigo_processo_civil.html>. Acesso em: 14 abr. 2008. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2007. SCHÜTZ,Ricardo. Word histories (História das palavras). Disponível em: <http://www. sk.com.br/sk-hist.html>. Acesso em: 14 abr. 2008. Referência Anotações 94 Capítulo 3 DIREITO DO TRABALHO: CONTRATO DE TRABALHO jORNADA DE TRABALHO, REPOUSO SEMANAL E FéRIAS Conteúdo programático Conceito de “jornada de trabalho” Horas in itinere Limitação da jornada de trabalho Horas extraordinárias Horas noturnas Intervalos de descanso Repouso semanal remunerado Férias Objetivos Promover a compreensão das regras quanto à jornada de trabalho que pode ser solicitada dos empregados. Fornecer subsídios para estipular corretamente essa jornada e eventual extrapolação, dentro das possibilidades previstas em lei. Promover a compreensão acerca do direito do empregado ao repouso semanal remunerado. Fornecer subsídios para o correto cálculo e identificação do período aquisitivo e concessivo das férias do empregado. 96 Você se lembra do José da Silva? Suponha que ele foi admitido pela XYZ Serviços de Infor- mática Ltda. em 1.o de junho de 2007. Sua jornada de traba- lho é a seguinte: de segunda a quinta-feira, ele trabalha das 8h às 18h e, sexta-feira, das 8h às 17h, sempre com uma hora de intervalo para alimentação e descanso. No período de 1.o de outubro a 31 de dezembro de 2007, José ficou afastado de suas atividades, recebendo auxílio- -doença (não relacionado a qualquer doença ocupacio- nal). Considere as seguintes situações: Situação 1 Os servidores da empresa sofrem o ataque de um vírus às 17h30 de uma quinta-feira. Para passar antivírus nos seis servidores, José levará pelo menos três horas e meia, ou seja, pelo menos três horas além do seu expediente nor- mal. A empresa pode exigir que ele prorrogue seu período de trabalho nesse dia? Situação 2 José constantemente ultrapassa sua jornada de trabalho, trabalhando, às vezes, aos domingos e feriados, e sua empregadora paga a ele habitualmente remuneração adi- cional por prestação de serviços em horário extraordinário. Qual ou quais atitudes, em concordância com a legislação trabalhista, pode a empresa adotar para não ser obrigada a pagar essa remuneração adicional? Situação 3 José planeja realizar uma viagem de férias de 2 a 15 de junho de 2008. O cálculo está correto? A partir de que data ele terá direito a férias? 97 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 jornada de trabalho A regra geral para entender o conceito atribuído pela legislação trabalhista à “jornada de trabalho” está no artigo 4.o da CLT, que prevê o seguinte: Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente con- signada. Se o início e o término da jornada de trabalho forem incompatíveis com os horários do transporte público regular que permite o acesso ao local de trabalho, tor- nando-o exclusivamente dependente da condução for- necida pela empresa para seu deslocamento, as horas in itinere deverão ser computadas na jornada de traba- lho do empregado. O deslocamento não é incluído na jornada de trabalho apenas por haver insuficiência de transporte público re- gular que permita o deslocamento ao local de trabalho ou pelo fato de, por isso, o trabalhador sempre se servir da condução fornecida pelo empregador. Com base nesse entendimento, a jornada de trabalho é o tempo em que o empregado coloca à disposição do empregador sua força de trabalho, mesmo se não estiver trabalhando efetivamente. Vale ressaltar que, excepcionalmente, a legislação trabalhista prevê que se inclua na jornada de trabalho o tempo de lo- comoção para chegar ao local de trabalho, as horas in itinere, ainda que nesse tempo a força de trabalho do empregado não esteja à disposição do empregador, e é exatamente essa exceção ao conceito de “jornada de trabalho” que agora pas- samos a estudar. Horas in itinere As horas in itinere correspondem ao período que o empregado leva se deslocan- do de sua residência ao local de trabalho e vice-versa. Considerando que nesse período o empregado não está prestando serviços nem sua força de trabalho está à disposição, o deslocamento normalmente não é contado para a apuração da jornada de trabalho. Contudo, se a empresa estiver situada em local de difícil acesso e não servido por transporte público regular, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem entendido que esse tempo deve ser acrescido ao período em que o empregado estará efetivamente trabalhando. 98 Limitação da jornada de trabalho Como regra geral de limitação da jornada de trabalho, a Constituição Federal brasileira, em seu artigo 7.o, XIII, fixa a jornada diária máxima de trabalho em oito horas e a semanal em 44 horas, entendendo, assim, que qualquer acordo celebra- do entre empregador e empregado no que diz respeito à jornada máxima de tra- balho a ser exigida do trabalhador deve obedecer a esses parâmetros ou a outros específicos previstos em leis próprias, estipulando jornada diária máxima menor àquela prevista na Constituição, como ocorre, por exemplo, com os médicos, cuja jornada diária está limitada a quatro horas, e os bancários, cujo limite diário são seis horas de trabalho. Existem, contudo, determinadas categorias que não estão protegidas por essa limitação da jornada de trabalho prevista na Constituição Federal. São elas: Empregados não sujeitos ao cumprimento de horário fixo de trabalho, qualquer que seja a função ou o local de trabalho. Empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, desde que essa condição seja anotada na carteira de trabalho e no registro de empregado do trabalhador, nos termos do artigo 62, I, da CLT. Empregados que exercem cargo de gestão ou de confiança que recebem gratificação de função igual ou superior a 40% do seu salário efetivo, des- de que não estejam sujeitos a controle de jornada, nos termos do artigo 62, II, da CLT. Independentemente da limitação constitucional da jornada máxima de tra- balho, a lei permite a realização de trabalho em horário extraordinário, conforme passamos a estudar. Horas extraordinárias A legislação trabalhista brasileira possibilita ao empregador exigir do empre- gado excepcionalmente a prestação de serviços em horário além da jornada de trabalho apenas nos casos a seguir: Se apenas parte do trajeto for desprovida de transporte público regular, as horas in itinere a serem incluídas na jornada de trabalho são apenas as referentes a essa parte, ainda que o empregado realize todo o desloca- mento em condução fornecida pelo empregador. Por não estar sujeito a controle de jornada de trabalho, nos casos mencionados anteriormente, o trabalhador não terá direito a pleitear o pagamento de adicional por trabalho realizado em horário extraordinário. 99 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 Acordo de prorrogação – Em decorrência de determinadas necessida- des de produção, pode-se tornar imprescindível que os empregados tra- balhem além da jornada acordada no contrato. Nessa hipótese, o artigo 59 da CLT (BRASIL, 2001) permite que seja prorrogada a jornada de trabalho até um limite máximo de duas horas diárias, desde que o empre- gado confirme por escrito, seja em acordo individual, seja em convenção ou acordo coletivo, e que as horas extraordinárias laboradas sejam re- muneradas mediante o pagamento, além do valor da hora normal, de um adicional não inferior a 50% do valor dessa hora. Sistema d e compensação de horas – Independentemente das neces- sidades de produção, empregado e empregador podem optar por com- pensar em outro período as horas que deveriam ser trabalhadas em uma determinada jornada, como comumente ocorre em empresas quenão estão em atividade aos sábados e distribuem, entre as jornadas de se- gunda a sexta-feira, as quatro horas de trabalho que normalmente seriam exigidas. Nesse caso, também poderá ocorrer a prorrogação da jornada de trabalho de um dia até o limite de duas horas, não sendo devido qual- quer adicional. Contudo, a compensação de horas somente pode ocorrer mediante a celebração de acordo individual ou convenção ou acordo co- letivo de trabalho prevendo essa possibilidade. Necessidade de concluir serviços inadiáveis – Entendem-se como serviços inadiáveis aqueles que, se não concluídos na mesma jornada de trabalho, podem gerar sérios prejuízos ao empregador (por exemplo, o armazenamento de uma carga de produtos perecíveis). Ocorrendo a necessidade de concluir esse tipo de serviço, o empregador pode, inde- pendentemente de acordo individual ou coletivo de trabalho, exigir dos empregados o cumprimento de horas extraordinárias, até o limite de qua- tro horas diárias, obrigando-se, contudo, ao pagamento do valor devido pela hora normal de trabalho acrescido de um adicional mínimo de 50%. Força maior – Nos termos do artigo 501 da CLT, a força maior é o acon- tecimento imprevisível que ocorre independentemente da vontade do empregador (BRASIL, 2001), como uma inundação, incêndio, etc. Isso exige a adoção de atitudes emergenciais para resguardar a empresa e a lei autoriza que seja prorrogada a jornada diária de trabalho, sem limite prefixado, mediante o pagamento do valor devido pela hora normal de trabalho acrescido de um adicional mínimo de 50%. Recuperação de horas – No caso de um acontecimento de força maior impedir a continuação da atividade normal da empresa em determinados dias, o empregador pode prorrogar a jornada de trabalho em dias pos- teriores, no intuito de recuperar a produção perdida por força daquela paralisação. A prorrogação exigida nessa situação deve estar de acordo com o previsto no artigo 61, parágrafo 3.o, da CLT, que determina: 100 Intervalos de descanso Estabelecem os artigos 66 e 71 da CLT (BRASIL, 2001), respectivamente, os seguintes intervalos de descanso: Entre duas jornadas – Intervalo mínimo de 11 horas de descanso. Dentro da mesma jornada de trabalho – Intervalo mínimo de 15 minu- tos, se a duração do trabalho for superior a 4 horas e inferior a 6 horas de trabalho contínuo, e de 1 a 2 horas, se a jornada tiver duração superior a 6 horas de trabalho. Sempre que ocorrer interrupção do trabalho, resultante de causas acidentais ou de força maior, que determine a impossibilidade de sua realização, a duração poderá ser prorrogada pelo tempo necessário até o máximo de duas horas, durante o número de dias indispensáveis à recupera- ção do tempo perdido, desde que não exceda de 10 horas diárias, em período não superior a 45 dias por ano, sujeita essa recuperação à prévia autorização da autoridade competente. Se o empregador não conceder os intervalos acima referi- dos, ficará obrigado a remunerar o período correspondente ao intervalo não concedido mediante o pagamento do valor da hora normal de trabalho acrescido de um adicional míni- mo de 50% sobre o valor de tal hora, conforme previsto no artigo 71, parágrafo 4.o, da CLT. Para proteger o empregado menor de 18 anos, a legisla- ção trabalhista nacional proíbe que ele trabalhe em horá- rio noturno, em qualquer hipótese (artigo 7.o, XXXIII, CF). Quanto ao horário extraordinário, apenas se for um siste- ma de compensação ou nos casos de força maior (artigo 413, CLT). repOusO semanal remuneradO A Constituição Federal, no artigo 7.o, item XV (BRASIL, 2001), garante o direi- to dos trabalhadores ao repouso semanal remunerado, correspondente à garantia aos empregados de um período semanal de descanso de 24 horas consecutivas, preferencialmente aos domingos, e nos feriados, sem prejuízo do salário. 101 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 Em decorrência da atividade comercial explorada ou de exigências técnicas, existem empresas autorizadas pelo Estado a funcionar aos domingos e feriados, como restaurantes, lojas, hotéis e pousadas, etc., necessitando, obviamente, de um determinado contingente de seus empregados prestando serviços nesses períodos. Nesses casos, os empregados que prestarem serviços em domingos ou feriados terão direito a uma folga compensatória a ser usufruída em outro dia da semana. Se essa folga não for concedida, a empresa deverá pagar o dobro da remuneração referente ao domingo ou feriado em questão. Férias Sempre visando proteger o empregado, como é próprio do direito do trabalho, a Constituição Federal brasileira, no item XVII do artigo 7.o, ratificou as férias, que são o direito do empregado de não trabalhar por uma determinada quantidade de dias consecutivos por ano, desde que cumpridos alguns requisitos previstos em lei, sem deixar de receber a remuneração referente ao período. O objetivo é garantir ao trabalhador um período efetivo de descanso anual. Aquisição, concessão e duração das férias Para entender como surge o direito a férias, devemos ter em mente o seguin- te: todo empregado que completar, anualmente, um período aquisitivo tem direito a férias remuneradas no período concessivo. O período aquisitivo corresponde a 12 meses de trabalho ou em que o em- pregado fica à disposição do empregador. Contudo, as ausências podem interferir na contagem desse prazo, como veremos mais adiante. O período concessivo corresponde aos 12 meses subsequentes à aquisição. O período das férias, em regra, é definido de acordo com os interesses do empregador. Existem duas exceções: Em favor dos membros de uma mesm a família que tra- balham para o mesmo empregador e que podem solici- tar o direito de gozar de férias no mesmo período, des- de que a saída deles em conjunto não cause prejuízo à empresa. Em favor do empregado estudante, menor de 18 anos, que poderá requerer que o período de suas férias coin- cida com as férias escolares. Além disso, o empregado deverá ser avisado, com ante- cedência mínima de 30 dias, por escrito, da concessão de suas férias. 102 Assim, com base nessa regra geral, não havendo qualquer intercorrência que afete essa contagem, a duração efetiva das férias será definida de acordo com a regra estabelecida no artigo 130 da CLT (BRASIL, 2001): AUSêNCIAS qUE NÃO AFETAM O PERÍODO DAS FéRIAS (ARTIGO 131 DA CLT) AUSêNCIAS qUE AFETAM O PERÍODO DAS FéRIAS (ARTIGO 133 DA CLT)1 – Até dois dias consecutivos em caso de falecimento de cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou pessoa que viva sob a dependência econômica do empregado. – Até três dias consecutivos em virtude de casamento. – Por um dia em caso de nascimento de filho, no decor- rer da primeira semana. – Por um dia em cada 12 meses de trabalho, em caso de doação voluntária de sangue devidamente comprovada. – Até dois dias consecutivos ou não para o fim de se alistar eleitor. – No período de tempo em que tiver de cumprir as exi- gências do serviço militar. – Nos dias em que estiver comprovadamente realizando provas de exame vestibular para ingresso em estabe- lecimento de Ensino Superior. – Pelo tempo que se fizer necessário quando tiver de comparecer a juízo como parte, testemunha ou jura- do. – Pelo período da licença-maternidade (120 dias) ou da licença por aborto (duas semanas). – As ausências justificadas pelo empregador, entendi- das como aquelas que não determinaram o corres- pondente desconto no salário do empregado. – As licenças por doença que não forem superiores a seis meses consecutivos ou intercalados dentro do mesmo período aquisitivo. – A licença remunerada até 30 dias. – Saída do empregado do emprego, sem readmissão dentro dos 60 dias subsequentes. – Gozo de licença remunerada por maisde 30 dias. – Falta de trabalho com percepção de salário por mais de 30 dias em virtude de paralisação parcial ou total dos serviços da empresa. – Afastamento por doença, seja ou não decorrente de acidente de tra- balho, ou gozo de benefício previ- denciário por mais de seis meses, embora descontínuos. 1 Nesses casos, a contagem é interrompida e reiniciada apenas após o retorno do empregado ao serviço. Após cada período de doze meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias, na seguinte proporção: I – trinta dias corridos, quando não houver faltado ao serviço mais de cinco vezes; II – vinte e quatro dias corridos, quando houver tido de seis a quatorze faltas; III – dezoito dias corridos, quando houver tido de quinze a vinte e três faltas; IV – doze dias corridos, quando houver tido de vinte e quatro a trinta e duas faltas. Ausências A legislação prevê ainda que, dependendo do motivo da ausência, o período de férias pode ou não ser modificado, como podemos observar no quadro a se- guir: 103 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 ExCESSO DE HORAS ExTRAS PODE PROvOCAR DISTÚRBIOS E DEPRESSÃO NO TRABALHADOR Algumas organizações utilizam as horas extras para aumentar a produção, porém sem gerar novos postos de trabalho A Delegacia Regional do Trabalho do Paraná (DRT/PR) informa aos tra- balhadores sobre as implicações que o excesso de jornada pode provocar à saúde. Os principais sintomas que podem ser percebidos naqueles que traba- lham além das duas horas extras diárias permitidas por lei são distúrbios psi- cológicos, ansiedade, dificuldade de concentração, disfunção sexual, além de poderem apresentar resultados insatisfatórios na função, desânimo e sensa- ção de perseguição. Ou seja, estão mais expostos aos acidentes de trabalho. De acordo com o artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a jornada de trabalho semanal do trabalhador não pode ultrapassar 44 horas e as horas extras trabalhadas não podem passar de duas horas diárias. De acor- do com o chefe do Setor de Saúde e Segurança do Trabalho (Segur) da DRT/ PR, Sérgio Silveira de Barros, a curto prazo o excesso de horas extras não gera malefícios, porém durante um longo período ocasiona fadiga, estresse e envelhecimento precoce. Para ele, alguns trabalhadores optam por trabalhar horas a mais com o intuito de incrementar a renda ou apenas para manter-se no emprego, tendo em vista que muitos acreditam que a empresa irá demiti-los. “A maior parte das empresas utiliza as horas extras para aumentar a produção, sem precisar contratar novos empregados ou implantar novos turnos de produção, repre- sentando baixos custos para as firmas”, destaca Barros, alertando ainda que os trabalhadores devem respeitar os limites do corpo, evitando que a hora extra vire uma rotina. Remuneração Com o advento da Constituição Federal de 1988, o empregado em férias tem direito a receber, além da remuneração que lhe for devida na data da concessão, um acréscimo correspondente a um terço desse valor. É importante frisar que o pagamento deverá ser realizado até dois dias antes do início das férias. Caso o empregador não conceda as férias do empregado durante o período concessivo, ou seja, durante os 12 meses subsequentes ao período aquisitivo, o empregado deverá receber em dobro a remuneração que lhe seria devida pelo período em que estaria em gozo de férias. Leitura complementar 104 Nas profissões com alto índice de periculosidade, como, por exemplo, eletricistas, químicos e motoristas, normalmente ocorrem acidentes de traba- lho e problemas ergonômicos devido ao excesso de horas em determinada posição, uso incorreto de equipamentos, insônia e cansaço. “Como essas pro- fissões precisam de atenção e em grande parte utilizam máquinas, o funcioná- rio deve estar descansado para exercer a função”, esclarece. Além da hora extra, outro recurso que empresas e trabalhadores utilizam é o banco de horas. Essa prática só é legal se for acordada em convenção ou acordo coletivo de trabalho com a participação do Sindicato dos Trabalhado- res. Os valores das horas trabalhadas, horários, período de ressarcimento do banco de horas, entre outros direitos, devem constar na convenção. “A deci- são também deve ser discutida com os trabalhadores, pois é a eles que cabe disponibilizar essa força de trabalho prolongada além das oito horas diárias”, destaca o chefe da Seção de Relações do Trabalho (Seret) da DRT, Fabio Lantmann. Ele explica que, de acordo com a Lei n.o 9.601/1998, a empresa tem até um ano para compensar tanto as horas positivas quanto negativas do banco de horas do trabalhador. Segundo Lantmann, caso a empresa não cumpra o prazo que a lei determina, ela terá de pagar essas horas nos valores das horas extras, além dos encargos previstos nos instrumentos coletivos de trabalho e na legislação trabalhista. “O recurso serve também para compensar o funcio- nário que necessite sair mais cedo ou que chega atrasado”, esclarece. O chefe da Seret salienta que o banco de horas não pode ser descon- tado de férias. “Fica a critério da empresa escolher quando o empregado irá utilizar as horas a mais trabalhadas, não ultrapassando o limite de um ano”, diz. A tolerância diária para entrada e saída do funcionário é de 10 minutos – 5 minutos para a entrada e 5 minutos para a saída –, não podendo ser inclusa no banco de horas. Multas Caso o funcionário esteja trabalhando mais de duas horas extras por dia, a empresa pode ser multada em R$ 2.874,00 e R$ 4.025,00, dobrando em caso de reincidência. Já se o empregador não pagar as horas extras trabalha- das, o valor é de R$ 170,25 por empregado. Nos casos em que o banco de horas, proposto por acordo ou convenção coletiva, é descumprido, a empresa sofrerá a penalidade firmada no acordo, sendo o valor da multa variável. [...] Como surgiu o banco de horas O banco de horas surgiu no Brasil em um momento de recessão econô- mica, no ano de 1997, a qual forçou muitas empresas a encerrarem as ativi- dades e a demitirem centenas de trabalhadores. Com tamanha gravidade da situação, o grande número de negociações entre a representação sindical dos 105 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 Buscamos caracterizar a jornada de trabalho e as limitações impostas pela legislação trabalhista a essa jornada, voltadas a proteger o empregado. Tratamos também das possibilidades de ultrapassar esses limites impostos, que visam ga- rantir ao empregador que as atividades não sejam interrompidas de forma prejudi- cial. Buscamos entender, também, as regras referentes ao cálculo e à garantia do direito de férias e de repouso semanal. Retorne à 1. situação 1, apresentada na página 96. De posse das informações obtidas ao longo deste estudo, como você responderia às questões propos- tas? Compartilhe suas respostas no fórum Trabalho em horário extraordinário: quando pode ser exigido? – estudo de caso, no ambiente virtual de aprendi- zagem. Releia a 2. situação 2, na mesma página, e responda à pergunta proposta, com- partilhando sua resposta no fórum Pagamento de adicional de horas extraordi- nárias: como evitá-lo? – estudo de caso. A resposta à questão apresentada na 3. situação 3 você deverá postar no fórum Contagem de férias: estudo de caso. Em razão do ramo de negócio explorado pela XYZ Serviços de Informática 4. Ltda., essa empresa constantemente solicita, mesmo fora da jornada de traba- lho e dos dias de trabalho normais, os serviços do sr. José da Silva, mantendo-o por diversas vezes sem sobreaviso, a fim de atender a chamados. Pode a XYZ exigir do sr. José a prestação de serviços nessas condições? Pesquise sobre o assunto e compartilhe suas descobertas e opiniões no fórum Sobreaviso: estudo de caso. trabalhadores e empregadores fez com que fossem discutidas não apenas amelhoria na condição de vida do trabalhador, mas também a manutenção de postos de trabalho. Em virtude disso, o governo procurou flexibilizar alguns direitos previs- tos na CLT para amenizar essa situação, criando, assim, o banco de horas, que autoriza a empresa no período em que tivesse dificuldades temporárias a conceder folga aos trabalhadores com base no crédito de horas, mantendo os postos de trabalho nas empresas. [...] SOUZA, Renata.; AMARAL, Jéssica. Excesso de horas extras pode provocar distúrbios e depressão no trabalhador. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/delegacias/pr/noticias/ default172.asp>. Acesso em: 15 abr. 2008. Atividades Síntese 106 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. BRASIL. Ministério do Trabalho. Consolidação das Leis do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2007. SOUZA, Renata; AMARAL, Jéssica. Excesso de horas extras pode provocar distúrbios e depressão no trabalhador. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/delegacias/pr/noticias/ default172.asp>. Acesso em: 15 abr. 2008. Referências Anotações Capítulo 3 DIREITO DO TRABALHO: CONTRATO DE TRABALHO MODALIDADES DE CONTRATO DE TRABALHO Conteúdo programático Contrato por tempo indeterminado Contrato por tempo determinado: hipóteses, prazo e prorrogação, sucessividade de contratos, forma Objetivos Promover a compreensão das principais modalidades de contrato de trabalho. Fornecer subsídios para a celebração correta de contratos de trabalho por tempo determinado, especialmente contrato de experiência. 108 Estudamos os conceitos referentes a “salário”, “remuneração”, “jornada de traba- lho”, “repouso semanal” e “férias”, principais direitos trabalhistas assegurados aos empregados. Agora, estudaremos as modalidades de contrato de trabalho que, nos termos do direito do trabalho, podem ser celebradas por tempo determinado ou indeterminado. cOntratO pOr tempO indeterminadO No direito do trabalho, numa aplicação prática dos princípios da continuida- de da relação de emprego e da condição mais benéfica, os contratos por tempo indeterminado são a regra, pois garantem ao empregado uma maior possibilidade de adquirir direitos trabalhistas ao longo da relação de emprego, como promoções, novas gratificações e benefícios deferidos pelo empregador aos seus emprega- dos mais antigos. Além disso, dessa forma, asseguram-se um conjunto maior de direitos rescisórios e indenizações no momento da ruptura da relação de emprego e o cumprimento das normas referentes à interrupção ou suspensão do contrato de trabalho (sendo impossível ao empregador dispensar o empregado enquanto perdurar a causa da interrupção ou suspensão). O empregado tem ainda direito a verbas rescisórias específicas, não devidas quando há rescisão de contrato por tempo determinado, a exemplo de aviso prévio, 40% sobre o FGTS, projeção do aviso prévio sobre o tempo de serviço, etc. Para refletir sobre os temas que estudaremos a seguir, vamos retornar ao exemplo de José da Silva, coordenador do setor de tecnologia da informação da XYZ Serviços de Informática Ltda. Situação 1 Suponha que ele foi admitido me- diante a assinatura de um contrato de experiência, com prazo inicial de 60 dias. Querendo a XYZ prorro- gar o prazo dessa experiência, por quanto tempo poderá fazê-lo? Qual a data-limite de vigência do contrato de experiência? Situação 2 Considerando o ramo de negócio ex- plorado pela empresa e as funções que José exerce, poderia ser feito um contrato de trabalho pelo tempo de- terminado de seis meses? 109 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 É importante ressaltar que, ainda com o intuito de proteger o empregado, o direito do trabalho estabelece que, se o contrato por tempo determinado foi elabo- rado em desacordo com os casos previstos em lei, é imediatamente convertido em contrato por tempo indeterminado, como veremos mais adiante. cOntratO pOr tempO determinadO A legislação trabalhista definiu, ainda, os casos em que é permitido contratar empregados para prestar serviços por tempo determinado e criou regras específi- cas a serem observadas ao efetuar esses contratos. Como regra geral, a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 443, parágrafo 2.o (BRASIL, 2001), definiu o seguinte: O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando: de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do a) prazo; de atividades empresariais de caráter transitório;b) de contrato de experiência.c) Assim, só existem três hipóteses de contratação de empregados por tempo determinado: Necessidade transitória de prestação de serviço, que justifique a predeterminação do prazo do contrato, a exemplo do que pode ocor- rer numa fábrica que contrata um técnico para montar uma unidade de produção. Atividades empresariais de caráter transitório , a exemplo da confec- ção de ovos de chocolate, por uma fábrica de doces no período que ante- cede a Páscoa, o que leva essa empresa a contratar novos empregados, de acordo com a demanda do mercado, que define a necessidade de aumentar ou não a produção. Contrato de experiência , que tem dois objetivos: permitir ao empregador avaliar o desempenho e a capacitação técnica do empregado no exercício das funções para as quais foi contratado e, por outro lado, permitir ao tra- balhador observar se o trabalho e a empresa estão de acordo com seus objetivos profissionais. Além dessas hipóteses genéricas, a legislação trabalhista prevê situações específicas em que é permitida a celebração de contrato por tempo determinado, a exemplo da contratação de atletas ou artistas profissionais. Esses trabalhadores que são beneficiados pela sua vinculação temporária, uma vez que a valorização de sua performance no mercado de trabalho dá a eles um poder maior de barganha para renegociar as condições de prestação de serviços quando, aproximando-se o término do contrato, são procurados pela empresa à qual estão vinculados para celebração de novo contrato. 110 O direito do trabalho permite, ainda, a contratação de trabalhadores temporá- rios, na forma prevista na Lei n.o 6.019/74, como vimos, e mais recentemente sob a forma de celebração de contrato provisório, previsto na Lei n.o 9.601/98. Prazo e prorrogação A legislação trabalhista brasileira preocupou-se também em prever o prazo máximo de duração desse tipo de contrato da seguinte forma: Contrato de experiência – Pode ser celebrado por um prazo máximo de 90 dias. A CLT prevê que esse prazo tenha duração de 90 dias, e não de três meses. Assim, a contagem deve considerar cada dia, os meses de 30 e 31 dias, além do mês de fevereiro, que, a depender do ano, pode ter 28 ou 29 dias. Demais hipóteses previstas na CLT (artigo 443, § 2. o) – O contrato por tempo determinado pode ser celebrado por um prazo máximo de dois anos. Demais hipóteses previstas em leis específicas – Nesses casos, a lei específica em questão determina o prazo máximo de duração do contrato a ser celebrado, adotando-se a regra geral de dois anos se não houver determinação própria de prazo na lei especial. A duração do contrato de trabalho inicialmente estipulada pelas partes pode ser prorrogada em comum acordo entre empregado e empregador. Entretanto, isso só pode acontecer uma vez e desde que o prazo máximo de duração do contrato não seja ultrapassado. Assim, um contrato de experiência celebrado por um prazo inicial de 30 dias pode ser prorrogado por mais um único período de 20, 30, 45, 50 ou, no máximo, 60 dias, desde que empregado e empregador concordeme que exista no contrato de trabalho uma cláusula específica a esse respeito. Sucessividade de contratos A lei previu a possibilidade de o empregador se utilizar da sucessão de vários contratos para não ter de celebrar um contrato de trabalho por tempo indetermi- nado. Para evitar isso, determinou que, após o término de um contrato por tempo determinado, deve haver um prazo de pelo menos seis meses até que empregado e empregador possam efetuar um novo contrato. Veja o que afirma a CLT, no artigo 452 (BRASIL, 2001): Considera-se por prazo indeterminado todo contrato que suceder, dentro de seis me- ses, a outro contrato por prazo determinado, salvo se a expiração deste dependeu da execução de serviços especializados ou da realização de certos acontecimentos. 111 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 OS DIREITOS DOS TRABALHADORES TEMPORÁRIOS Legislação garante registro em carteira, remuneração igual, jornada de até oito horas, repouso semanal, férias proporcionais e proteção previdenciária Brasília, 17/11/2006 – Os três últimos meses do ano geram grande pro- cura por mão de obra temporária. Para atender à vasta lista das festas de fim de ano, as empresas de todo o país geralmente lançam mão de trabalhadores temporários para acelerar tanto a produção como as vendas. Somente nos últimos três meses de 2005, de acordo com os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Em- prego (MTE), foram admitidos formalmente 27,9% dos 912 mil trabalhadores temporários contratados ao longo do ano. Nessa modalidade temporária, cerca de 255 mil pessoas trabalharam de outubro a dezembro, o que representa 53,9% dos 473 mil, de julho a dezembro. A maioria desses trabalhadores se concentra na Região Sudeste e no setor terciário da economia, de acordo com a Rais. A renda média desses trabalhadores ficou em torno de R$ 680, o que gerou injeção de massa salarial de R$ 160 milhões nos últimos três meses daquele ano. Direitos O trabalhador precisa ficar atento para que a oportunidade de emprego, mesmo que por três meses, não se torne um tormento. É importante conhecer os seus direitos. Leitura complementar Isso não diz respeito aos contratos de experiência, pois, em virtude da função desse tipo de contrato, é de se duvidar que uma experiência que não foi bem- -sucedida na primeira vez o seja na segunda. Desse modo, independentemente do prazo, não é possível celebrar dois contratos de experiência entre o mesmo empregado e o empregador. Forma Como você já sabe, não se exige forma específica para a celebração de contratos de trabalho. Contudo, dada a peculiaridade e a excepcionalidade, na legislação trabalhista, da aceitação de celebração de contratos de trabalho por tempo determinado, exige-se, especialmente na contratação de atleta ou artista profissional ou na celebração de contratos de trabalho provisório ou de trabalho temporário, conforme determinado nas leis específicas, que esses contratos sejam celebrados por escrito. Mesmo que isso não esteja previsto na CLT, para efeito de prova do prazo acordado entre empregado e empregador e da previsão de sua prorrogação, exige- -se também que o contrato de experiência seja celebrado por escrito, ou que, ao menos, sua celebração conste na carteira de trabalho do empregado. 112 A mão de obra temporária é contratada por meio de empresas que ter- ceirizam o serviço a empresas que se tornam clientes. O trabalho temporário é regido pela Lei n.o 6.019, de 3 de janeiro de 1974, e no capítulo sobre trabalho da Constituição Federal de 1988. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) é utilizada somente nos casos em que a lei para ela remete. As empresas de mão de obra para trabalho temporário têm que ter registro no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para atuarem nesse segmento. Já as empresas clientes, por sua vez, firmam contrato escrito com a fornecedora. A lei só permite esse tipo de contratação para substituição de pessoal do quadro permanente da empresa cliente, ou para ampliar o seu quadro de pessoal nos momentos de acúmulo de serviço, limitado a 90 dias. Pela lei, no artigo 8.o, a prorrogação do contrato pelo mesmo período deve ser autorizada pelas Delegacias Regionais do Trabalho (DRT). O trabalhador temporário deve ter seu contrato de trabalho anotado na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), onde estará registrada a condição de temporário. Ele deverá receber a mesma remuneração dos de- mais empregados da empresa cliente, ter jornada de trabalho de até oito horas, horas extras com adicional de 50%, no mínimo, repouso semanal remunerado, férias proporcionais, adicional noturno (quando for o caso), seguro acidente e proteção previdenciária. Também se aplicam aos trabalhadores temporários os motivos de justa causa para rescisão do contrato de trabalho, com amparo nos artigos 482 e 483, da CLT, tanto para as relações entre o trabalhador e a empresa de tra- balho temporário ou entre ele e a empresa-cliente em que estiver prestando serviços (artigo 13, da Lei 6.019/74). A indenização ao término do contrato de três meses, prevista no artigo 12, letra “f”, da Lei n.o 6.019/74, foi substituída pelo FGTS, a partir da promulgação da Constituição de 1988, sem a multa de 40%. A lei, no entanto, não prevê o pagamento de qualquer indenização em razão de rescisão do contrato de trabalho temporário antes do término, ainda que sem justa causa. O contrato de trabalho temporário difere do contrato por prazo determi- nado, este sim regido pela CLT que, em seu artigo 479, prevê o pagamento de indenização pela rescisão antecipada desse contrato. No caso de, ao término do contrato, a empresa tomadora do serviço que- rer contratar o trabalhador, não poderá fazê-lo mantendo os três meses de experiência em carteira. Esse contrato já será feito por tempo indeterminado. Legislação Pela Lei n.° 6.019/74, o trabalhador temporário deve ficar atento aos se- guintes direitos: remuneração equivalente à dos empregados de mesma categoria da empresa tomadora ou cliente, calculados à base horária. Em qualquer hipótese, esse valor não pode ser inferior ao salário mínimo; 113 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 Buscamos compreender as principais modalidades de contrato de trabalho possíveis na legislação trabalhista brasileira, com especial enfoque para a compre- ensão das hipóteses, regras e limites dos contratos de trabalho por tempo determi- nado, devido ao seu caráter excepcional. jornada de até oito horas diárias, remuneradas as horas extraordiná- rias, desde que não excedam a duas, com acréscimo na remuneração em 50%; férias proporcionais; repouso semanal remunerado; adicional noturno; indenização por dispensa, sem justa causa ou término normal do con- trato, correspondente a 1/12 da remuneração; seguro contra acidente do trabalho; proteção previdenciária. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Os direitos dos trabalhadores temporários. Disponível em: <http://www.declatra.adv.br/ler_informativo.php?cod=50&tipo=n>. Acesso em: 16 abr. 2008. Síntese 1. Volte à situação 1, apresentada na página 108. De posse das informações que obteve ao longo deste estudo, como você responderia às questões propostas? Compartilhe suas respostas no fórum Prazo e prorrogação de contrato de ex- periência: estudo de caso, no ambiente virtual de aprendizagem. 2. Agora, releia a situação 2, na mesma página, e busque responder à pergunta proposta, compartilhando a sua resposta no fórum Possibilidades de contrato de trabalho por tempo determinado: estudo de caso. 3. Para você, como seria o contrato de trabalho entre José da Silva e a XYZ Ser- viços de Informática Ltda.? Pesquise outros contratos de trabalho, procure ler a CLT e outras leis específicas que mencionamose elabore uma minuta de con- trato. Compartilhe-a no ambiente virtual de aprendizagem no fórum Elaboração de contrato de trabalho, para que possamos trabalhar nisso juntos. Atividades BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. BRASIL. Ministério do Trabalho. Consolidação das Leis do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. Referências 114 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. BRASIL. Ministério do Trabalho. Consolidação das Leis do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. ______. Os direitos dos trabalhadores temporários. Disponível em: <http://www.declatra. adv.br/ler_informativo.php?cod=50&tipo=n>. Acesso em: 16 abr. 2008. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2007. Referências Anotações ______. Os direitos dos trabalhadores temporários. Disponível em: <http://www.declatra. adv.br/ler_informativo.php?cod=50&tipo=n>. Acesso em: 16 abr. 2008. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2007. Capítulo 3 DIREITO DO TRABALHO: CONTRATO DE TRABALHO ExTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO Conteúdo programático Pedido de demissão e dispensa sem justa causa: garantias de emprego e aviso prévio Dispensa por justa causa do empregado: requisitos e espécies de justa causa Objetivos Promover a compreensão acerca das distinções entre o pedido de demissão e a dispensa do empregado sem justa causa como formas de extinção do contrato de trabalho. Promover a compreensão acerca dos motivos que justificam a dispensa do empregado por justa causa. 116 Vamos estudar as principais e mais comuns formas de extinção do contrato de trabalho. É importante mencionar que outras causas podem levar a essa extinção, como a morte do empregado, a aposentadoria, a adesão a um Plano de Dispensa Voluntária (PDV), a extinção do estabelecimento sem que haja sucessão de em- pregadores. Agora, vamos nos dedicar a entender o pedido de demissão formulado pelo empregado, a dispensa sem justa causa e por justa causa. Vamos imaginar mais duas situações envolvendo o sr. José da Silva, para dar continuidade aos nossos estudos. Situação 1 Em virtude de um acidente ocorrido em seu local de trabalho, José da Silva ficou afastado de suas atividades, recebendo auxílio-acidente pago pela Previdência Social. Após receber alta e retornar à empresa para assumir suas ativi- dades, ele foi informado de que, por causa da sua ausência, outra pessoa foi contratada para o seu cargo. Dada a situação, pode a XYZ Ser- viços de Informática Ltda. dispensá-lo? Situação 2 Tendo ofendido gravemente um colega de trabalho no dia 26 de maio, pode José da Sil- va ser despedido por justa causa no dia 1.o de junho do mesmo ano, dia de seu retorno às atividades após ter cumprido uma suspen- são de cinco dias por força da agressão? pedidO de demissãO e dispensa sem justa causa As causas mais comuns de extinção do contrato de trabalho são o pedido de demissão formulado pelo empregado e a sua dispensa pelo empregador sem justa causa. De início, é importante pontuar a diferença básica entre essas duas situa- ções: enquanto o pedido de demissão é iniciativa do empregado, a dispensa sem justa causa é iniciativa do empregador. Assim, ou o empregado pede demissão ou é despedido/dispensado. Por mais que, usualmente, tenha se tornado comum dizer que um empregado foi “demitido”, juridicamente essa expressão está incorreta. 117 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 Feita essa diferença, passaremos a estudar as situações que podem afetar o empregado durante a vigência do contrato de trabalho e que impedirão o emprega- dor de dispensá-lo sem justa causa. Posteriormente, estudaremos aspectos específicos associados à necessida- de de cumprimento do aviso prévio, tanto quando o empregado pede demissão quanto ao ser dispensado. garantias de empregO Existem determinadas situações em que o direito do trabalho instituiu em favor do empregado a garantia do seu emprego, impondo ao empregador a impossibilida- de de dispensá-lo sem justa causa nessas ocasiões, sob pena de ser obrigado a reintegrar o trabalhador à empresa e manter a relação de emprego vigente até o final do prazo da garantia. Tais garantias são tão rígidas que, em respeito ao princípio da irrenunciabi- lidade dos direitos trabalhistas, nem mesmo o empregado pode abrir mão de ter seu emprego garantido, não podendo ele, portanto, pedir demissão, enquanto essa situação existir. Nesse sentido, o direito do trabalho garante o emprego dos empregados que se encontram nas seguintes situações: Dirigente sindical (artigo 543, § 3. o e 5.o da CLT) – Garante-se o empre- go do dirigente sindical desde o registro de sua candidatura até um ano após o final do mandato, sendo o emprego garantido para o titular e para o suplente. Porém, devemos mencionar que o sindicato deve necessa- riamente comunicar à empresa sobre a candidatura do trabalhador em questão. Membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (artigo 10, II, “a”, ADCT; enunciado 339, TST) e membro da Comissão de Con- ciliação Prévia (artigo 625-B, § 1.o, CLT) – Garante-se o emprego do empregado integrante da Cipa ou da CCP desde o registro de sua can- didatura até um ano após o final do mandato, se eleito, sendo o emprego garantido para o titular e para o suplente. Gestante (artigo 10, II, “b”, ADCT) – Garante-se o emprego da gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Vítima de acidente de trabalho ou doença ocupacional – Garante-se o emprego do empregado que sofreu afastamento em razão de ter sido vítima de acidente de trabalho ou de doença ocupacional pelo prazo mí- nimo de 12 meses a contar do final do auxílio-doença e do consequente retorno às atividades. As garantias de emprego ora estudadas, com exceção da última, não se estendem aos trabalhadores contratados por tempo determinado. 118 Aviso prévio O aviso prévio é a comunicação que qualquer uma das partes da relação de emprego deve fazer à outra quando desejar extinguir injustificadamente um contra- to de trabalho por tempo indeterminado. Em cada um desses dois casos, há uma finalidade específica para essa co- municação. Quando o empregado pede demissão – Deve avisar previamente o empregador de sua intenção, a fim de dar a ele um prazo suficiente para encontrar um substituto. Quando o empregador dispensa o empregado sem justa causa – Deve avisar previamente o empregado de sua intenção, a fim de dar a ele um prazo para procurar um novo emprego. A duração do aviso prévio concedido pelo empregado ou pelo empregador deverá ser de, no mínimo, 30 dias corridos. No caso de aviso prévio concedido pelo empregador em decorrência de dispensa sem justa causa, é garantido ao empregado o direito de escolher entre a redução de sua jornada diária em duas horas ou o direito de desfrutar de sete dias corridos sem trabalhar, a fim de que lhe seja permitido buscar um novo emprego. Em qualquer hipótese, mesmo se o empregador dispensar o empregado de trabalhar durante o prazo do aviso prévio, esse tempo deverá ser computado para todos os efeitos, inclusive para cálculo das parcelas devidas em decorrência da extinção do contrato de trabalho. O empregado terá direito à remuneração pelo tempo de aviso prévio cumprido ou dispensado. Por fim, é importante ressaltar que as hipóteses de garantia de emprego não surtirão efeito se o início do prazo da garantia se confirmar durante o curso do aviso prévio, tendo em vista que, uma vez iniciado o prazo do aviso,considera-se que o contrato anteriormente celebrado por tempo indeterminado passa a ter um prazo de- terminado de duração. Assim, se, por exemplo, a trabalhadora confirmar sua gravidez após a comunicação do aviso prévio pelo empregador, não terá direito à garantia de emprego. dispensa pOr justa causa Além da possibilidade de o empregado ou o empregador optarem, sem mo- tivo justificado, pela extinção do contrato de trabalho, existe a possibilidade de o empregado, no curso da relação de emprego, cometer determinados atos que mo- tivem a sua dispensa pelo empregador por justa causa. Contudo, dada a proteção instituída pelo direito do trabalho em favor do trabalhador, a fim de se evitarem abusos do empregador no que diz respeito à aplicação de sanção tão grave como é a dispensa do empregado por justa causa, o direito do trabalho previu alguns requisitos para que a extinção do contrato de trabalho ocorra dessa forma. 119 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 Requisitos para a dispensa por justa causa Como você já sabe, a dispensa por justa causa, em razão de se fundamentar na atribuição ao trabalhador do cometimento de ato tão grave que leva o emprega- dor a não ver outra solução que não a extinção do contrato de trabalho, somente pode ocorrer se observados os seguintes requisitos: Previsão legal – As faltas cometidas pelo empregado que podem levar à sua dispensa por justa causa são aquelas previstas em lei, especial- mente no artigo 482 da CLT (BRASIL, 2001). Caso o ato cometido pelo trabalhador, por mais grave que seja para o empregador, não se enquadre em uma das hipóteses previstas em lei, não poderá haver a dispensa por justa causa. Imediatidade – A decisão do empregador de dispensar o empregado por justa causa deve ser tomada imediatamente após tomar conhecimento da falta cometida, sob pena de se considerar a falta perdoada. Além disso, o empregado não pode ter sido punido de outra forma por ter cometido a falta, ou seja, se o empregador decide advertir o empregado ou suspendê-lo, não poderá despedi-lo por justa causa com base na mesma falta que fundamen- tou a aplicação da pena de advertência ou suspensão. Proporcionalidade – A sanção aplicada deve ser proporcional à falta cometida. A falta deve ser de gravidade tal que impossibilite a normal continuação da relação de emprego, dada, normalmente, a quebra de confiança entre empregado e empregador. Faltas de menor gravidade de- vem ser punidas com penas mais leves – como a advertência, verbal ou escrita, ou mesmo a suspensão, dependendo do caso – e não justificam a extinção do contrato de trabalho. Caráter determinante da falta – A falta grave deve ser efetivamente o motivo determinante da dispensa por justa causa, devendo haver relação de causa e consequência entre o cometimento da falta e a dispensa do empregado. Espécies de dispensa por justa causa Depois de ver os requisitos para que o empregador possa dispensar o empre- gado por justa causa, conheça as faltas previstas no artigo 482 da CLT (BRASIL, 2001) que podem justificar a extinção do contrato de trabalho. Constituem justas causas para rescisão do contrato de trabalho pelo empre- gador: ato de improbidade;a) incontinência de conduta ou mau procedimento;b) 120 Observe, agora, as explicações mais detalhadas dessas faltas mais frequen- tes no dia a dia empresarial: Ato de improbidade – Ato voltado à obtenção de uma vantagem indevi- da, normalmente caracterizado pelo crime de furto, roubo, estelionato ou apropriação indébita. Assim, por exemplo, comete ato de improbidade o empregado de um hotel que, tendo acesso ao estoque do restaurante, furta alimentos ou bebidas. Incontinência de conduta – Ato de afronta ao pudor e à moral sexual, como gestos, palavras ou atos obscenos direcionados contra qualquer pessoa em serviço. Mau procedimento – Comportamento que fere a discrição pessoal, as regras da boa convivência, o respeito ou que demonstre falta de com- postura, sendo capaz de ofender a dignidade de colegas e prejudicar as boas condições do ambiente de trabalho. Desídia – Ato que demonstra desleixo, falta de zelo, má vontade do traba- lhador no exercício de suas funções, refletindo na queda da qualidade de seu trabalho e na redução de sua produtividade. Atualmente, por exemplo, podemos citar o fato de o empregado passar grande parte do tempo de sua jornada de trabalho em sites de relacionamento ou conversando com outras pessoas por meio de serviços de mensagens instantâneas, como o MSN, prejudicando o trabalho e o seu próprio rendimento. negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do em-c) pregador e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado ou for prejudicial ao serviço; condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha d) havido suspensão da execução da pena; desídiae) no desempenho das respectivas funções; embriaguez habitual ou em serviço;f) violação de segredo da empresa;g) ato de indisciplina ou de insubordinação;h) abandono de emprego;i) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer j) pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o k) empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; prática constante de jogos de azar.l) Desídia Preguiça; desleixo, descaso; negligência. 121 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 Indisciplina e insubordinação – Mesmo que ambas as faltas possam motivar a dispensa por justa causa, elas são diferentes. A indisciplina é a desobediência a uma regra geral instituída pelo empregador, que deve ser obedecida por todos no ambiente de trabalho ou em um determinado setor da empresa. A insubordinação é a desobediência do empregado a uma ordem que lhe foi dada por seu superior hierárquico. Abandono de emprego – Essa falta depende da existência de dois ele- mentos: um objetivo, que é a ausência injustificada do empregado ao tra- balho por 30 dias ou mais, e um subjetivo, que é a intenção de não voltar a trabalhar. Assim, para dispensar esse empregado por justa causa, o em- pregador precisa comprovar não apenas que ele esteve ausente por esse período, mas também que, mesmo sendo intimado a retornar ao trabalho, não o fez. Exige-se hoje que essa intimação seja feita da forma mais dire- ta possível, como envio de correspondência endereçada ao empregado e com aviso de recebimento. A Justiça do Trabalho normalmente avalia com reservas a simples publicação de nota em jornal de grande circulação. O qUE é E COMO FUNCIONA O PLANO DE DEMISSÃO vOLUNTÁRIA Em geral, os profissionais de recursos humanos se veem com um desa- fio muito grande quando recebem o encargo de implantar o Plano de Demissão Voluntária (PDV) em razão de necessidades conjunturais da empresa. Uma conjuntura acentuada nestes dias de crise argentina, a supervalorização do dólar e a redução dramática de fornecimento de energia elétrica. [...] Exemplos Várias empresas de grande porte estão com programas de desliga- mento voluntário em andamento. É o caso da Ford, que promoveu um PDV específico para mensalistas e executivos de suas unidades de São Bernar- do, Taubaté e Tatuí (SP) – embora a empresa não admita que o racionamen- to de energia tenha ocasionado a decisão. A Mercedes-Benz (hoje Daimler Chrysler) abriu também um PDV no final de julho para reduzir o quadro em 583 funcionários no ABC paulista. E a LG Philips acaba de concluir um PDV que conseguiu adesão de apenas 50 funcionários, quando a expectativa da empresa de São José dos Campos – SP era alcançar 250 funcionários. [...] Existem outras justas causas previstas na legislaçãotraba- lhista, voltadas especialmente para determinadas catego- rias profissionais. É o caso do artigo 508 da CLT (BRASIL, 2001), que determina a dispensa por justa causa do ban- cário que falta, de forma frequente, com o pagamento de dívidas legalmente exigíveis. Leitura complementar 122 Estudamos as formas mais frequentes de extinção do contrato de trabalho e alguns procedimentos e requisitos a serem observados pelo empregado, quando pede demissão, e pelo empregador, quando decide dispensar o empregado, com ou sem justa causa. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. BRASIL. Ministério do Trabalho. Consolidação das Leis do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. Releia a 1. situação 1, apresentada na página 116. De posse das informações que obteve até aqui, como você responderia às questões propostas? Compar- tilhe suas respostas no fórum Extinção do contrato de trabalho: garantias de emprego, estudo de caso, no ambiente virtual de aprendizagem. Agora, volte à 2. situação 2, na mesma página, e procure responder à pergunta proposta, compartilhando sua resposta no fórum Extinção do contrato de tra- balho: dispensa por justa causa do empregado, estudo de caso. Premissas legais O programa é regulamentado por lei e tem uma série de premissas. É um recurso utilizado para reduzir custos, ao mesmo tempo que se compensa, por assim dizer, os desconfortos causados ao funcionário desligado. A empresa consegue se adequar ao tamanho do mercado. O documento de adesão ao plano de demissão voluntária por parte do empregado, embora contenha uma transação, não envolve quitação am- pla e geral de todos os direitos decorrentes do contrato de trabalho e nem produz efeito de coisa julgada. O ministro Carlos Alberto Reis de Paula, num processo que relatou contra o Banespa, observa que a transação contida no acordo de demissão voluntária envolve apenas a legitimação da resci- são do contrato de trabalho mediante o pagamento das verbas rescisórias. O acórdão foi publicado no DJ de 22/06/2001. [...] OLIVEIRA, José Alberto Alves de. O que é e como funciona o plano de demissão voluntária. Disponível em: <http://www.catho.com.br/jcs/inputer_view.phtml?id=2869>. Acesso em: 23 maio 2008. Síntese Atividades Referências 123 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 3 Anotações NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2007. OLIVEIRA, José Alberto Alves de. O que é e como funciona o plano de demissão voluntária. Disponível em: <http://www.catho.com.br/jcs/inputer_view.phtml?id=2869>. Acesso em: 23 maio 2008. 124 Capítulo 4 DIREITO SOCIETÁRIO: NOÇÕES DE TRIBUTAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INTRODUÇÃO AO DIREITO SOCIETÁRIO: CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE CONTRATUAL Conteúdo programático Conceito de “sociedade empresária” Classificação das sociedades empresárias Pressupostos fáticos das sociedades Constituição de sociedade contratual: requisitos genéricos, requisitos específicos, cláusulas essenciais, cláusulas acidentais Objetivos Promover a compreensão dos principais conceitos referentes ao direito societário. Promover a compreensão dos requisitos necessários para a elaboração de um contrato social e para a consequente constituição de uma sociedade contratual. 126 Neste momento, vamos nos concentrar nos conceitos necessários à gestão das sociedades das quais podemos participar ou com as quais podemos negociar em nossa vida profissional. Após uma introdução aos conceitos básicos do direito societário, vamos tratar dos requisitos que devem ser observados na constituição de uma socieda- de contratual e as cláusulas que devem constar no contrato social. sOciedades empresárias Segundo o professor Fábio Ulhoa Coelho (2007), a “sociedade empresária” pode ser conceituada como “a pessoa jurídica de direito privado não estatal” que explora empresarialmente seu objeto social ou a forma de sociedade por ações”. Para entender melhor esse conceito, são necessários alguns esclareci- mentos. A empresarialidade, que caracteriza a sociedade empresária, não está so- mente no fato de ter como objetivo a obtenção de lucros, pois determinadas sociedades simples também têm essa finalidade, caso, por exemplo, de uma sociedade de advogados. A distinção, nesse caso, está na forma de explorar o objeto social. É considerada empresária a sociedade que organiza profis- sionalmente sua produção no intuito de explorar uma atividade econômica, visando à produção e circulação de produtos e serviços.2 Pessoas jurídicas de direito privado não estatal são aquelas cujo ca- pital social é formado em sua maior parte ou totalmente por recursos da iniciativa privada. As pessoas jurídicas de direito privado estatal, como a sociedade de economia mista e a empresa pública, por terem seu capital social constituído majoritária ou totalmente por recursos do poder público, são regulamentadas principalmente pelo direito administrativo e não são consideradas sociedades empresárias. Vale ressaltar que, uma vez constituída, a sociedade em- presária tem personalidade jurídica distinta da personali- dade dos sócios ou acionistas que a compõem. É fato que a atuação da sociedade nos negócios de que ela partici- pa se dá por meio de seu representante legal. Contudo, quem efetivamente se torna parte do negócio celebrado e responde pelas obrigações assumidas é a sociedade, 2 Por determinação legal, as sociedades por ações serão sempre sociedades empresárias, mesmo que não estejam organiza- das da forma mencionada. 127 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 mediante o comprometimento de seu próprio patrimônio, que é diferente do patrimônio de seus sócios e acionistas, que não respondem pelos débitos da sociedade – exceto no caso das limitações legais e das hipóteses em que se desconsidera a personalidade jurídica, que estudaremos ao longo desta unidade. Classificação das sociedades empresárias Entre as diversas classificações apontadas pelo direito societário para as sociedades empresárias, apenas três nos interessam especificamente, pois nos orientarão no estudo da sociedade limitada: quanto à responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais Ilimitada – Caracteriza-se pelo fato de todos os sócios responderem, pessoal e ilimitadamente, pelas obrigações sociais, comprometendo, assim, seu patrimô- nio próprio com os negócios da sociedade. Mista – Determinadas categorias de sócios, definidas em lei (normalmente aqueles que assumem posição de administração/direção da sociedade), res- pondem pessoal e ilimitadamente pelas obrigações sociais, ao passo que os demais têm responsabilidade limitada. Limitada – Como o próprio nome diz, a responsabilidade dos sócios é limitada a determinados critérios previstos em lei, no caso de serem intimados a assu- mir as obrigações da sociedade. quanto ao regime de constituição e dissolução da sociedade Contratual – É regida pelo Código Civil. Sua constituição ocorre por meio da elaboração e do registro de um contrato social na Junta Comercial. Nesse con- trato estão as regras específicas de seu funcionamento. Ela não pode ser dis- solvida pela vontade da maioria dos sócios, mas pode ser mantida por vontade dos sócios minoritários. Institucional – É regida pela Lei n.o 6.404/76. Sua constituição ocorre com a aprovação de um estatuto social, no qual estão contidas as regras específicas de seu funcionamento e operação. Essas sociedades podem ser dissolvidas pela vontade da maioria dos sócios. quanto às condições de alienação da participação societária Sociedade de pessoas – Caracteriza-se por uma valorização maior da pessoa do sócio, e não necessariamente docapital que ele pode trazer para a socieda- de, o que resulta, por exemplo, no direito de os sócios preexistentes vetarem a entrada de um novo sócio. Sociedade de capital – O que importa é o capital, que poderá ser obtido com o ingresso de novos sócios. Nesse tipo de sociedade, os sócios preexistentes não podem se opor ao ingresso de novos sócios, desde que tenham o capital necessário para participar da sociedade. 128 Pressupostos fáticos das sociedades Antes de estudarmos especificamente os requisitos para a constituição de so- ciedades contratuais, é necessário apontar os pressupostos fáticos para a exis- tência de qualquer sociedade. Eles são os elementos anteriores à constituição da sociedade, sem os quais ela não pode existir. Se forem desfeitos, isso levará à disso- lução total ou parcial da sociedade. São eles: Affectio societatis – É a vontade de conjugar esforços para a exploração de um negócio comum e se reunir em sociedade, suportando os lucros e perdas desse negócio. Pluralidade de sócios – Não existe, no direito brasileiro, sociedade for- mada por apenas um sócio, exceto por duas situações específicas: a sub- sidiária integral, sociedade cujo único sócio é uma sociedade anônima, e a unipessoalidade incidental temporária, que ocorre quando uma sociedade contratual, por qualquer motivo, vê-se reduzida a um único só- cio. Caso isso ocorra, ele tem um prazo de 180 dias para restabelecer a pluralidade de sócios, sob pena de dissolução da sociedade. Constituição de sociedade contratual Depois dessas noções introdutórias, agora podemos conhecer os requisitos a serem observados na constituição de uma sociedade contratual, para que ela seja considerada regular e válida de acordo com o direito societário. Assim, passemos ao estudo dos requisitos genéricos e específicos para a constituição das socieda- des contratuais. Requisitos genéricos Como você sabe, o que caracteriza a sociedade contratual é o fato de ser necessariamente constituída e regulamentada em um contrato social registrado na Junta Comercial. Como todo e qualquer contrato, este também deve observar os requisitos para a validade de todo e qualquer ato jurídico, estudados anteriormente. Agora, vamos rever esses requisitos, sob a perspectiva específica do direito societário. Agente capaz (requisito subjetivo) – Na análise desse requisito, é im- portante assinalar a restrição imposta pela jurisprudência à possibilidade de pessoa relativa ou absolutamente incapaz ser sócia de sociedade con- tratual. Isso só é possível se essa pessoa for assistida ou representada no momento de sua integração à sociedade, a qual deverá contar com capital social totalmente integralizado, desde que não tenha poderes de administração na sociedade. Objeto lícito e possível (requisito objetivo) – A atividade econômica a ser explorada pela sociedade deverá ser lícita e possível, à luz da lei, da moral e dos bons costumes, assim, não sendo válida, por exemplo, uma sociedade constituída para operar um cassino. 129 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 Forma prescrita ou não defesa em lei (requisito formal) – A lei exige que o contrato social seja escrito, por instrumento público ou particular, a fim de que possa ser registrado na Junta Comercial. Além disso, deve apresentar determinadas cláusulas essenciais (que ainda estudaremos) e conter o visto de um advogado. Requisitos específicos Além dos requisitos genéricos referentes a qualquer contrato, a constituição de sociedades contratuais também deve observar requisitos específicos, decorren- tes do conceito de “contrato social”, previsto no artigo 981 do Código Civil brasileiro (BRASIL, 2007): Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contri- buir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Assim, a sociedade somente será válida se preencher estes dois requisitos: Todos os sócios devem contribuir para a formação do capital so- cial, em dinheiro, bens ou crédito, como forma de materializar a affectio societatis. Todos os sócios devem participar dos resultados da sociedade , posi- tivos ou negativos. Não se pode, mediante deliberação contida no contra- to social, excluir a participação de qualquer um dos sócios dos resultados sociais, ainda que se permita uma distribuição diferenciada dos lucros, que não são necessariamente proporcionais ao porcentual de cotas de cada um. Cláusulas essenciais A lei exige que o contrato social apresente algumas cláusulas consideradas essenciais para que a sociedade exista e funcione de forma regular. Sem essas cláusulas, não é possível obter o registro na Junta Comercial. São elas: qUALIFICAÇÃO DOS SóCIOS Sendo o sócio pessoa física, devem constar seu nome, nacionali- dade, estado civil, profissão, CPF e endereço. No caso de pessoa jurídica, devem constar nome, nacionalidade, endereço da sede e número do CNPJ. OBjETO SOCIAL A definição do objeto no contrato social deve ser feita de forma mais detalhada e direcionada possível. A Junta Comercial normal- mente veta o registro de sociedades cujo objeto visa à exploração econômica de atividades muito distintas e não relacionadas, por exemplo o comércio varejista de roupas e de peças para veículos automotores. 130 SOCIEDADES UNIPESSOAIS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA – ESTAMOS PREPARADOS PARA RECEPCIONÁ-LAS? Na década de 1980, os europeus conceberam a figura da sociedade uni- pessoal de responsabilidade limitada. Ela foi o meio jurídico encontrado para limitar os riscos dos empreendedores individuais, estimulando-os ao investi- mento. No Brasil, por enquanto, não existe autorização legal para a constituição de sociedades limitadas com apenas um sócio. Apenas se admite que, após a sua constituição, a sociedade tenha o quadro de sócios reduzido a um, pelo prazo máximo de 180 dias (artigo 1.033, IV, do Código Civil). Mas, na esteira do direito europeu, é certo que no futuro breve teremos uma lei neste sentido. Cláusulas acidentais Além das cláusulas essenciais, os sócios podem optar por incluir no con- trato social cláusulas denominadas “acidentais”, voltadas a regulamentar outros aspectos. Por exemplo, pode haver uma cláusula que defina como proceder no caso da morte de um dos sócios, que institua um conselho fiscal e regule o seu funcionamento, etc. Integralização Quando uma sociedade comercial é constituída, seus sócios subscrevem capital, ou seja, comprometem-se a investir valores na empresa, tanto em dinheiro como em bens ou direi- tos. A integralização do capital é o cumprimento da promessa, quando o sócio efetivamente entrega os valores ou bens para a empresa. Leitura complementar NOME EMPRESARIAL O nome empresarial não precisa ser o nome-fantasia, que é utili- zado no mercado. Contudo, a Junta Comercial exige que se faça alusão ao menos à principal atividade econômica a ser explorada (por exemplo, XYZ Serviços de Informática Ltda.) SEDE Devem constar no contrato social o endereço em que estará se- diada a sociedade e de onde seu administrador pode ser localiza- do. Normalmente, esse endereço é o do principal estabelecimento da sociedade. DURAÇÃO O contrato pode ser feito com prazo determinado ou indeterminado. O prazo determinado não requer que seja especificado um limite de tempo, podendo estar associado à conclusão da atividade para a qual a sociedade está sendo constituída. Por exemplo, uma cons- trutora pode durar até a finalização de uma determinada obra. CAPITAL SOCIAL E COTAS DOS SóCIOS Deve constar no contrato o montante do capital social, o valor das cotas assumidas pelos sócios e o modo e prazo de integraliza- ção das cotas para cada um. NOMEAÇÃO DO ADMINISTRADOR Deve constar o nome do administradorou administradores eleitos pelos sócios, podendo ainda prever seus poderes e atribuições. 131 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 E o que parece ser um ato de modernização de nosso direito societário pode se tornar uma medida inócua, se não for resolvido outro problema: o exagero na desconsideração da personalidade jurídica. A lei que pela primeira vez previu a possibilidade de uma sociedade limi- tada ser constituída por apenas um sócio foi editada na Alemanha, em 1980. Na França, a possibilidade foi contemplada na reforma do Código das Socie- dades Comerciais, em 1985. Quatro anos depois, foi editada a XII Diretiva da Comunidade Econômica Europeia, que motivou a adoção desta espécie societária em toda a Europa. Pode parecer estranho que uma sociedade seja criada e mantida com apenas um sócio. Contraria-se a boa lógica, que parte da simples e correta premissa de que uma sociedade é, essencialmente, uma reunião de pessoas. Pessoas, no plural, e não pessoa, no singular. Se nos limitássemos a esta linha de raciocínio, poderíamos concluir que a sociedade unipessoal seria um absurdo jurídico. E concluiríamos mal. As leis europeias que autorizaram a constituição destas sociedades fo- ram concebidas com um objetivo claro: incentivar o desenvolvimento de ativi- dade econômica de pequeno porte. E foram bem-sucedidas. Antes das referidas leis, o direito europeu dava aos sócios de uma sociedade limitada um tratamento muito mais protetivo do que o oferecido aos empresários individuais. Os integrantes de uma sociedade limitada go- zavam do benefício da limitação de responsabilidade pessoal em relação às dívidas da sociedade. Segundo a regra geral, os sócios somente respondiam pela integralização do capital social. Se o capital estivesse integralizado, e a sociedade não tivesse condições de pagar as suas dívidas, a solução se- ria a decretação da falência da sociedade, e não a responsabilização dos patrimônios pessoais dos sócios. Já os empresários individuais não tinham nenhuma forma de limitação de sua responsabilidade. O fracasso no desen- volvimento da atividade empresarial levava à responsabilização de todo o seu patrimônio pessoal, atingindo-se não só os bens e direitos vinculados à exploração da atividade empresarial, como também os bens e direitos parti- culares do empresário. A conclusão era evidente: ser empresário individual era muito mais arris- cado do que ser sócio de uma sociedade limitada. Esta distinção de tratamento, e de riscos, gerava um problema de ordem econômica. Os empreendedores se viam obrigados a constituir uma sociedade (com todos os litígios em potencial derivados da divisão de poderes entre os sócios) ou a assumir riscos pessoais maiores (o que é um resultado economicamente ineficiente, na medida em que os riscos são naturalmente considerados na precificação dos produtos ou serviços oferecidos ao mercado). Diante deste problema, o legislador europeu encontrou um caminho lógi- co coerente com os princípios do direito empresarial. Por meio do alargamento do conceito de sociedade (permitindo a unipessoalidade originária), aproxi- 132 mou o empreendedor individual do regime jurídico oferecido aos sócios de uma sociedade limitada. O resultado foi uma diminuição dos riscos jurídicos envolvidos no empreendedorismo individual, e a consequente expansão das atividades econômicas de pequeno porte. No Brasil, a questão das sociedades unipessoais de responsabilidade limitada é um clássico nos debates acadêmicos. Praticamente todos os auto- res defendem a sua adoção. E tudo indica que em breve as veremos no plano normativo. O PLC [Projeto de Lei da Câmara] n.o 118/2007, em trâmite no Se- nado (derivado do Projeto de Lei n.o 3667/2004, originado na Câmara), prevê a possibilidade de as sociedades limitadas (assim como as sociedades simples) serem constituídas com apenas um sócio. A reforma é bem-vinda, não há dúvida. Mas os benefícios econômicos não serão percebidos, a menos que seja solucionado outro problema de apli- cação do direito societário, ainda mais sensível: o exagero na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. A desconsideração da personalidade jurídica foi concebida como uma exceção ao princípio da autonomia patrimonial. De acordo com este princí- pio, o patrimônio da sociedade não se confunde com os patrimônios pessoais dos sócios. Assim, as dívidas da sociedade devem ser pagas com os bens e direitos encontrados no patrimônio social. Esta é a regra lógica que permite a limitação da responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais. A limitação da responsabilidade foi um inegável benefício concedido aos empreendedores e que impulsionou enormemente o desenvolvimento econô- mico dos países a partir do momento em que a regra foi adotada. Mas, desde o início da aplicação do princípio da autonomia patrimonial às sociedades limi- tadas (no final do século XIX), fraudes foram praticadas por meio da utilização das pessoas jurídicas. Em sua formulação mais simples, tais fraudes consis- tiam em concentrar as dívidas em uma pessoa jurídica, protegendo os ativos por meio de alocação formal em outro patrimônio, de outra pessoa (usualmen- te, dos próprios sócios). A reação do direito a tais fraudes foi imediata. Concebeu-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que afastava o princípio da auto- nomia patrimonial (e permitia a responsabilização do patrimônio de todos os envolvidos para o pagamento das dívidas) quando houvesse a comprovação de fraude. Dentro desse sistema, o benefício da limitação da responsabilidade seria a regra geral, que só poderia ser afastada excepcionalmente, quando se comprovasse a atuação fraudulenta por meio da utilização da pessoa jurídica. No Brasil, contudo, criou-se um sistema peculiar, e nada eficiente, de desconsideração da personalidade jurídica. Ainda que a lei diga o contrário, respeitando o princípio da autonomia patrimonial e a regra da limitação da res- ponsabilidade (vejam-se os artigos 50 e 1.052 do Código Civil), o entendimento mais encontrado nos julgados vem no sentido de autorizar a desconsideração 133 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 da personalidade jurídica sempre que os bens e direitos da sociedade forem insuficientes para a satisfação de suas dívidas. De exceção, a desconsidera- ção tornou-se uma nova regra, segundo a qual a limitação da responsabilidade não existe, com os sócios sempre tendo seus bens e direitos pessoais atingi- dos em caso de insolvência da sociedade. Quando comparamos a evolução do direito societário europeu com a ve- rificada em nosso país, percebemos que nossa estratégia foi diametralmente oposta à deles. Na Europa, aproximou-se o empreendedor individual do regi- me jurídico (de limitação de responsabilidade) criado para os sócios de socie- dades limitadas. No Brasil, aproximaram-se os sócios de sociedades limitadas do regime jurídico (de responsabilidade pessoal e ilimitada) ainda previsto para os empresários individuais. Este fato motiva o alerta. Não adianta aprovar uma lei permitindo que uma sociedade limitada seja criada por apenas um sócio enquanto nossos tribunais não compreenderem e aplicarem o princípio da autonomia patrimo- nial aos sócios das sociedades limitadas em geral. Antes de debatermos a unipessoalidade originária em sociedades limitadas, devemos disseminar um conceito bem mais simples: o de sociedade limitada. A breve análise comparativa entre o direito europeu e o brasileiro dá a entender, em análise superficial, que estamos duas décadas atrasados, por não autorizarmos a constituição de sociedades limitadas com apenas um só- cio. Mas a situação é muito pior. Estamos um século atrasados, já que não compreendemos o conceito de limitação de responsabilidade. Somente depois de entendermos o que é uma sociedade limitada será útilautorizarmos a uni- pessoalidade originária. TOKARS, Fábio. Sociedades unipessoais de responsabilidade limitada – estamos preparados para recepcioná-las? Disponível em: <http://www.parana-online.com.br/noticias/index. php?op=ver&ano=temp&id=339012&caderno=5>. Acesso em: 17 abr. 2008. Após rever as classificações das sociedades empresárias, assinale a alterna-1. tiva que corresponde à classificação de uma sociedade limitada quanto ao regime de constituição e dissolução da sociedade e também quanto às condi- ções de alienação da participação societária. Atividades Após algumas noções introdutórias sobre o direito societário, enfatizamos a sociedade limitada, objeto específico de nossos futuros estudos. Tratamos dos requisitos de constituição das sociedades contratuais e suas principais cláusulas. Síntese 134 BRASIL. Presidência da República. Código Civil brasileiro atualizado 2007. 1. ed. São Paulo: Escala, 2007. COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. TOKARS, Fábio. Sociedades unipessoais de responsabilidade limitada – estamos prepara- dos para recepcioná-las? Disponível em: <http://www.parana-online.com.br/noticias/index. php?op=ver&ano=temp&id=339012&caderno=5>. Acesso em: 17 abr. 2008. Referências Contratual e de pessoas.a) Contratual e de capital.b) Institucional e de pessoas.c) Institucional e de capital.d) O que você acha de analisar um contrato social? Procure obter o contrato de 2. uma sociedade limitada. Pode ser da empresa em que você trabalha ou outra que faça parte do seu cotidiano. Analise o contrato identificando as cláusulas essenciais e acidentais e observe as relações com os outros conteúdos estu- dados. Compartilhe suas observações no ambiente virtual de aprendizagem, no fórum Contrato social: estudo de caso. Anotações Capítulo 4 DIREITO SOCIETÁRIO: NOÇÕES DE TRIBUTAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ASPECTOS DA SOCIEDADE LIMITADA Conteúdo programático Direitos dos sócios Limitação da responsabilidade dos sócios Exclusão de um sócio Objetivos Promover a compreensão dos direitos do sócio de sociedade limitada. Promover a compreensão sobre a limitação da responsabilidade do sócio da sociedade limitada. Apresentar as hipóteses de exclusão de sócio de sociedade limitada por deliberação dos demais sócios. 136 A sociedade limitada é a mais adotada quando as pessoas decidem se reunir para explorar uma atividade econômica. Isso ocorre em razão de algumas vanta- gens, que veremos mais adiante. Antes, porém, analise a situação abaixo: Para trabalhar com comércio de equipamentos de infor- mática e prestação de serviços de assistência técnica em computadores, três empresários decidiram reunir-se em sociedade, constituindo a empresa XYZ Serviços de Informática Ltda., que conta com o capital social e a distri- buição de cotas entre os sócios demonstrados abaixo: Sh ut te rs to ck /P e te r H an se n Cotas do sócio A: R$ 13.000,00 Cotas do sócio B: R$ 7.000,00 Cotas do sócio C: R$ 5.000,00 Capital social: R$ 25.000,00 De acordo com o contrato social, cada sócio se comprome- teu a integralizar de forma parcelada as cotas que assumiu. Os sócios A e B já cumpriram sua obrigação, mas o sócio C integralizou apenas R$ 3.000,00 de suas cotas no prazo prometido. No exercício de sua atividade, a sociedade contraiu uma dívida no valor de R$ 30.000,00, que não pôde quitar. O patrimônio disponível para saldar a dívida é de apenas R$ 20.000,00. Considerando essa situação, reflita sobre as seguintes perguntas: Se todo o patrimônio disponível for utilizado para pagar a) parte da dívida, com quanto arcaria cada um dos sócios para pagar o restante? Como o sócio C não integralizou totalmente suas cotas b) no prazo, os outros podem reduzir sua participação aos R$ 3.000,00 que já foram pagos e, consequentemente, reduzir o capital social a R$ 23.000,00? Nesse caso, poderiam ainda excluir a participação do c) sócio C nos lucros obtidos pela sociedade? Antes de encontrar respostas para essas perguntas, va- mos conhecer os principais direitos dos sócios de uma socie dade limitada. 137 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 direitOs dOs sóciOs Participação nos resultados sociais Como vimos anteriormente, a participação dos sócios nos resultados positi- vos e negativos é um requisito de qualquer sociedade contratual e, é claro, também da sociedade limitada. É também um dos direitos dos sócios. Conforme determi- nado no contrato social ou acordado entre os sócios ao final de cada exercício social, os resultados podem ter três finalidades: capitalização constituição de reserva distribuição entre os sócios Se optarem por esta última alternativa, todos os sócios terão direito à sua parte nos lucros, que será proporcional à sua participação na sociedade, ou de acordo com a proporção específica prevista no contrato social. Esse direito não pode ser revogado em hipótese alguma. Além disso, em caso de dissolução da sociedade, o sócio também terá o direito de participar na partilha do acervo social, sendo reembolsado na proporção de sua contribuição inicial ou de outra prevista em contrato. Sh ut te rs to ck /M al eW itc h Exercício social É o período de 12 meses ao final do qual as pessoas jurídicas apuram seus re- sultados. Ele pode coincidir ou não com o ano-calendário, de acordo com o que dispuser o estatuto ou o contrato social. Não se deve confundir o direito de participação nos lucros da sociedade com o eventual pagamento, a um ou a alguns dos sócios, de pró-labore. 138 Administração da sociedade e fiscalização da administração Independentemente de suas cotas, todos os sócios têm o direito de participar da administração da sociedade, votando na eleição do administrador e opinando e aprovando o plano de negócios a ser desenvolvido, por exemplo. Consequente- mente, há também o direito de fiscalizar a administração da sociedade e observar se as deliberações estão sendo cumpridas. Segundo a lei, esse direito pode ser exercido de duas formas: Por meio do exame, a qualquer momento, ou nas épocas previstas em contrato, dos livros, documentos e caixa da sociedade. Pelo recebimento, na forma prevista no contrato ou ao final de cada exer- cício social, da prestação de contas elaborada pelos administradores. Na prática, normalmente os sócios minoritários são vencidos diante do poder superior de voto dos sócios majoritários com relação às decisões administrativas. Apesar disso, a lei preserva o direito de todo sócio opinar na administração da sociedade, bem como fiscalizá-la. Direito de retirada Esse direito se fundamenta no princípio da affectio societatis, que, como já vimos, é um requisito essencial para a existência de qualquer sociedade, que se refere à vontade das pessoas de se reunirem para explorar uma atividade econô- mica. Todo sócio tem o direito de reconhecer, em dado momento, que não há mais essa vontade e se retirar da sociedade. Nos termos previstos em lei, esse sócio terá o direito de receber, após a apu- ração do patrimônio líquido, um reembolso proporcional à sua cota de participação no capital social. Se a sociedade foi contratada por prazo indeterminado, o sócio pode se retirar sem qualquer justificativa, apenas de- vendo notificar os demais sócios, a fim de que eles façam, num prazo de 60 dias, a alteração necessária do contrato A participação nos lucros, quando se decide distribuí-los entre os sócios, é um direito que não depende de os sócios participarem ativamente nas atividades da sociedade. Já o pró-labore é uma forma de remuneração que pode ser prevista no contrato social e paga ao sócio que efetivamente trabalha parao desenvolvimento da sociedade. Assim, pode haver um sócio que, em determinada situação, recebe sua cota de participação nos lucros e o pró-labore definido em contrato social, ao passo que outros recebem apenas a participação nos lucros. 139 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 Limitação da responsabilidade dos sócios Para compreender essa regra, é importante relembrar alguns pontos vistos anteriormente: Na formação de uma sociedade, os sócios contribuem com cotas para o capital social, que se torna o patrimônio dessa pessoa jurídica, com o qual será possível dar início às suas atividades. Essas cotas podem ser integralizadas em dinheiro, bens ou créditos, de uma única vez ou em parcelas. É uma cláusula essencial do contrato social que determina o valor da participação de cada sócio, a forma e o prazo de integralização de suas cotas. Um dos principais motivos de se optar pela sociedade limitada é a regra geral a qual prevê que a responsabilidade dos sócios quanto às obrigações as- sumidas pela sociedade limita-se ao total do capital social subscrito e não inte- gralizado. Para entender melhor essa limitação, vamos retomar um exemplo dado anteriormente. social. No caso de o prazo ser determinado e o sócio dese- jar sair antes do término, precisa comprovar em processo judicial a causa da perda da sua affectio societatis. Vimos que o capital social da empresa XYZ Serviços de Informática Ltda. é constituído da seguinte forma: Cotas do sócio A: R$ 13.000,00 Cotas do sócio B: R$ 7.000,00 Cotas do sócio C: R$ 5.000,00 Capital social: R$ 25.000,00 Vimos ainda que os sócios A e B já haviam integralizado suas cotas, mas o sócio C integralizou apenas R$ 3.000,00 no prazo prometido. A sociedade havia contraído uma dívida no valor de R$ 30.000,00 e apenas uma parte foi paga, usando os R$ 20.000,00 que haviam disponíveis. Nesse caso, considerando que a responsabilidade dos sócios limita-se ao total do capital social subscrito mas não integralizado, pode ser cobrado de qualquer um dos sócios o valor correspondente às cotas não integralizadas pelo sócio C, ou seja, R$ 2.000,00. Contudo, caso o sócio A ou o B venha a pagar esse valor, poderá exigir que o sócio C o reembolse por isso. 140 Esse exemplo, permite-nos compreender melhor as consequências da regra da limitação da responsabilidade dos sócios da sociedade limitada: Os sócios respondem solidariamente, perante terceiros, pelo valor das cotas não integralizadas, ou seja, se houver cotas a integralizar, qualquer um dos sócios pode ser intimado a contribuir com o valor ainda não integralizado. Entre os sócios, a responsabilidade é apurada individualmente . Isso significa que a responsabilidade é daquele que subscreveu cotas e não as integralizou na forma e prazo com que se comprometeu. É necessário ressaltar que, uma vez integralizada a totalidade das cotas subscritas pelos sócios, eles não assumem mais a responsabilidade pelas obriga- ções da sociedade, exceto nos seguintes casos: O sócio que atuar de forma contrária à lei ou ao contrato social na ges- tão da sociedade responde pelas obrigações sociais relacionadas a essa atuação, obrigando-se a arcar pessoalmente com qualquer prejuízo cau- sado. O sócio que enganar credores, gerindo mal a sociedade e fazendo mau uso da sua limitação de responsabilidade, será ilimitadamente respon- sabilizado pelas obrigações que a sociedade contraiu devido à sua má gestão, conforme descreve o artigo 50 do Código Civil brasileiro (BRASIL, 2007): Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de fi- nalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Em caso de reclamações trabalhistas, de acordo com os princípios do direito do trabalho, que já estudamos, a Justiça do Trabalho não tem apli- cado a regra da limitação de responsabilidade e considera que, caso a sociedade não tenha patrimônio para arcar com as despesas trabalhistas devidas, os sócios assumem esses encargos. Qualquer sócio de sociedade limitada também pode ser intimado a quitar possíveis débitos com o Seguro Social (INSS), de acordo com o artigo 13 da Lei n.o 8.620/93. Exclusão de um sócio A regra geral prevê que um sócio não pode ser excluído pela simples vontade dos outros, considerando que ele contribuiu para a formação do capital social, im- buído de affectio societatis. Entretanto, a lei admite essa possibilidade em alguns casos, que veremos a seguir. justa causa Um sócio pode ser excluído por deliberação dos demais caso tenha viola- do ou descumprido suas obrigações para com a sociedade em questão. Alguns 141 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 Os sócios não precisam necessariamente excluir o sócio remisso, podendo adotar uma das seguintes alternativas: Cobrar judicialmente o valor pendente, acrescido de ju- ros, além de eventual indenização por danos causados à sociedade em decorrência desse atraso na integrali- zação. Reduzir a cota do sócio remisso ao valor já integraliza- do, reduzindo, consequentemente, o capital social. Reduzir a cota do sócio remisso ao valor integralizado e atribuir a outros sócios ou a terceiros a subscrição e integralização do valor ainda pendente, para não haver redução do capital social. ASPECTOS POSITIvOS E NEGATIvOS DA SOCIEDADE LIMITADA FRENTE AO NOvO CóDIGO CIvIL A sociedade limitada sempre foi considerada uma sociedade intuito per- sonae, ou seja, predominantemente de pessoas, e sua base reside na con- fiança que os sócios têm, mutuamente, nos seus atributos pessoais. Nesse tipo societário, o posicionamento individual de cada sócio é importante e pode influenciar a condução dos negócios sociais, independentemente de sua par- ticipação no capital ser majoritária ou não. Assim, um sócio dissidente pode, em certos casos, criar problemas à sociedade, dificultando seriamente o seu desenvolvimento. O novo Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, traz importantes mudanças no regime jurídico das empresas, em especial das sociedades limitadas, que representam o tipo societário mais usado em nosso país e que são, na sua grande maioria, so- ciedades de poucos sócios e com uma estrutura administrativa simples. Estas novas regras alteram profundamente o perfil das sociedades limitadas, que doravante têm obrigações que são típicas de sociedades de grande porte. Leitura complementar exemplos são o desenvolvimento de uma atividade concorrente ou a violação de informações sigilosas que venha a prejudicar os negócios dessa sociedade. Mora na integralização Se algum sócio não integralizar as cotas que subscreveu dentro do prazo a que se obrigou, os demais podem optar por excluí-lo do quadro social e, nesse caso, ele é denominado “sócio remisso”. Assim, o capital social é reduzido ao valor das cotas que já foram integralizadas e o sócio remisso recebe de volta o que já pagou, descontados eventuais juros ou outros prejuízos que tenham resultado desse atraso. 142 Cabe ao empresário uma análise cuidadosa na adequação das cláusulas do contrato social de sua empresa, verificando inclusive se o tipo societário adotado de sociedade limitada, frente ao novo Código Civil, irá trazer benefí- cios ou dificuldades. Muitos especialistas entendem que as novas regras das limitadas burocratizam a vida das empresas, aumentam os custos, restringem o poder do sócio majoritário e aumentam as vantagens dos sócios minoritários. Ela passará a ter muitas obrigações até então restritas às sociedades anôni- mas, sem ter as vantagensdas S.A. [sociedades anônimas]. Em diversos ca- sos o quórum exigido para algumas deliberações é mais elevado nas limitadas do que nas S.A. Isso levará muitas sociedades limitadas a se transformarem em sociedades anônimas. Destacamos alguns pontos para análise: Administração – A figura do sócio-gerente é substituída pela do ad- ministrador, que poderá ser um sócio da empresa ou não. A socie- dade só poderá ser administrada por não sócio se houver cláusula permissiva no contrato. A pessoa jurídica não pode ser administra- dora. No regime anterior era comum o sócio pessoa jurídica delegar seus poderes de gerência a uma pessoa física, não sócio, designado “gerente delegado”. Não existe mais a figura do gerente delegado. Legislação subsidiária – Os empresários, com a nova lei, deverão definir, no contrato social, qual legislação será aplicada subsidiaria- mente à sua sociedade limitada, se a lei das sociedades anônimas ou das sociedades simples (antigas sociedades civis). Tal definição é fundamental, pois implicará em decisões que terão um forte reflexo nas relações societárias e com terceiros. Vale ressaltar o fato de que a responsabilidade dos sócios nas sociedades simples é ilimitada, enquanto que nas sociedades limitadas e nas sociedades anônimas tal responsabilidade é limitada. Deliberações e quóruns – As deliberações dos sócios para que tenham validade terão, a partir da vigência do novo código, forma- lidades que outrora não existiam, aumentando com isto o poder dos quotistas minoritários. Vale ressaltar que a maioria do capital não garante mais ao seu titular a aprovação de todas as matérias, pois o novo Código estabeleceu quóruns mínimos para a aprovação de determinados assuntos, como, por exemplo, três quartos do capital social para a alteração do contrato social. Os quóruns mínimos exi- gidos por lei devem ser rigorosamente observados, a fim de evitar futuras nulidades arguidas pelo sócio dissidente. Conselho fiscal – A faculdade de constituição de um conselho fis- cal para as sociedades limitadas é outra novidade da lei. O conselho fiscal não é subordinado aos administradores, nem aos próprios só- cios. 143 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 Responsabilidade dos sócios – Deve constar do contrato social a declaração da responsabilidade dos sócios ser restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. Impedimentos para ser sócio – Entre os impedimentos, a novidade é que os cônjuges casados em regime de comunhão universal de bens ou de separação obrigatória não podem ser sócios entre si ou com terceiros. Reunião ou assembleia obrigatória – A reunião ou assembleia de sócios deve ser realizada ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social, com o objetivo de: a) tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico; b) designar administradores, quando for o caso; c) tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia. Exclusão de sócio [por] justa causa – O sócio somente poderá ser excluído da sociedade pelos sócios que detenham mais da metade do capital social, se prevista no contrato social a exclusão por justa causa. A exclusão por justa causa somente poderá ser determinada em reu- nião ou assembleia especialmente convocadas para este fim com a ciência do acusado em tempo hábil, para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa. MONEZI, Mariângela. Aspectos positivos e negativos da sociedade limitada frente ao novo Código Civil. Disponível em: <http://www.jornalempresasenegocios.com.br/site/index.php? topgroupid=&groupid=15&subgroupid=20&contentid=1784>. Acesso em: 18 abr. 2008. Iniciamos nossos estudos definindo os direitos próprios adquiridos pelo sócio de sociedade limitada. Tratamos, em seguida, de um dos principais motivos da opção pelas sociedades limitadas: a limitação da responsabilidade dos sócios ao total do capital social subscrito e não integralizado. Essa limitação, contudo, tem algumas exceções, que foram apontadas. Por fim, estudamos as possibilidades de exclusão de sócios da sociedade limitada. Síntese Atividades Com as informações que você obteve, procure responder às questões pro-1. postas na página 136. Apresente a resposta à questão a) no fórum Limitação da responsabilidade dos sócios: estudo de caso, e a resposta às questões b) e c) no fórum Direitos dos sócios: estudo de caso, no ambiente virtual de aprendizagem. 144 BRASIL. Presidência da República. Código Civil brasileiro atualizado 2007. 1. ed. São Pau- lo: Escala, 2007. COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. MONEZI, Mariângela. Aspectos positivos e negativos da sociedade limitada frente ao novo Código Civil. Disponível em: <http://www.jornalempresasenegocios.com.br/site/index.php? topgroupid=&groupid=15&subgroupid=20&contentid=1784>. Acesso em: 18 abr. 2008. Referências Anotações Que atitude pode ser adotada pelo sócio minoritário que não concorda mais com 2. os rumos negociais que a sociedade vem adotando? De que forma ele deve proceder? Pesquise sobre o tema e compartilhe suas respostas no fórum Admi- nistração e sócio minoritário, no ambiente virtual de aprendizagem. Retomando o exemplo da XYZ Serviços de Informática Ltda., imagine que o 3. sócio C – que havia subscrito R$ 5.000,00 em cotas, integralizando apenas R$ 3.000,00 no prazo – decide se retirar da sociedade em um momento em que ela conta com um patrimônio líquido de R$ 100.000,00. Quanto ele irá re- ceber por sua participação? Justifique sua resposta e compartilhe-a no fórum Retirada de sócio, no ambiente virtual de aprendizagem. Capítulo 4 DIREITO SOCIETÁRIO: NOÇÕES DE TRIBUTAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CONTRATUAL Conteúdo programático Espécies de dissolução de sociedade contratual Dissolução total: causas, liquidação e partilha Dissolução parcial: causas, apuração de haveres e reembolso Objetivos Promover a compreensão das causas de dissolução total e parcial de sociedades contratuais. Apresentar os procedimentos a serem adotados em caso de dissolução total ou parcial de sociedades contratuais. 146 A sociedade limitada é regida por um contrato social, elaborado de acordo com a affectio societatis, ou seja, a intenção que levou aquelas pessoas a conjugarem seus esforços. Contudo, diversos fatores podem interferir no cumprimento regular do contrato, afetando a vontade inicial de constituir esse vínculo, e isso pode acar- retar a dissolução da sociedade. Agora, vamos nos dedicar ao estudo desses fatores que podem levar a al- terações na estrutura da sociedade ou mesmo à sua extinção. Mas, antes, vamos pensar sobre as seguintes situações: espécies de dissOluçãO É importante frisar, inicialmente, que a dissolução de uma sociedade só ocor- re se existirem fatores que impossibilitem totalmente a sua continuidade, a explo- ração de sua atividade econômica ou que afetem os vínculos entre os sócios, de forma a anular por completo a intenção inicial de sua formação (affectio societatis), ou, ainda, a pluralidade dos sócios, ou seja, descaracterizando os pressupostos de existência de qualquer sociedade contratual. Se os pressupostos forem descaracterizados a ponto de impossibilitar a con- tinuidade da sociedade, estaremos diante de uma causa de dissolução total. Contudo, se apenas um ou alguns dos vínculos que deram origem à socieda- de forem afetados, preservando-se a pluralidade de sócios e a affectio societatis en- tre ao menos dois deles, a sociedade poderá continuar existindo, sofrendo apenas alguma alteração em sua estrutura. O fator que levou a essa alteração é, portanto,uma causa de dissolução parcial. Com essas informações, podemos avaliar quais são essas causas e como os sócios devem proceder na ocorrência de alguma delas. Mais uma vez tomando como exemplo a XYZ Serviços de Informática Ltda., constituída por três sócios (A, B e C), imagine as seguintes situações: Situação 1 Devido a uma discordância quanto à administração da empresa, os sócios B e C decidem se retirar da sociedade. Quais as consequências dessa decisão para a continuidade dessa sociedade? Situação 2 O sócio C morre e não há nenhuma cláusula no contrato social que defina como proceder nesse caso. Como os outros sócios deverão agir? Situação 3 Suponha que a sociedade foi constituída pelo prazo determinado de três anos e essa informação consta no contrato social. Perto do final desse período, os sócios concluem que a empresa é bem-sucedida e optam por mantê-la em atividade. Como eles devem proceder? 147 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 De acordo com o direito societário, para que a dissolução ocorra, devem ser respeitadas certas regras impostas pelo princípio geral de preservação das empresas: Em se tratando de sociedade constituída por prazo de- terminado, sua dissolução total somente pode ocorrer por vontade da unanimidade dos sócios. Em se tratando de sociedade constituída por prazo in- determinado, basta a vontade de um ou mais sócios que representem mais da metade do capital social. En- tretanto, a jurisprudência aceita que um sócio minoritá- rio tenha o direito de preservar a sociedade, desde que admita no quadro social pelo menos mais um sócio, preservando, assim, a pluralidade. Dissolução total Como vimos, a dissolução total da sociedade ocorrerá quando a sua continui- dade se tornar impossível ou, ainda, quando um ou ambos os seus pressupostos de existência – a affectio societatis e a pluralidade de sócios – forem anulados. Vejamos como isso pode ocorrer. vontade dos sócios Assim como os sócios, no exercício de sua affectio societatis, decidiram se unir em sociedade, ao reconhecerem que não existe mais a intenção inicial de ex- plorar em conjunto determinada atividade econômica, podem decidir dissolvê-la. Decurso do prazo determinado de duração Se a sociedade tem prazo determinado de duração, ao final desse período não poderá mais efetuar novos negócios e deverá ser dissolvida mediante a celebração de um distrato entre os sócios, determinando de que forma ela será liquidada. Por vontade da unanimidade dos sócios, pode ocorrer a prorrogação do prazo de duração da sociedade ou mesmo a conversão em prazo indeterminado. Entretanto, o contrato social deve ser alterado e registrado na Junta Comercial antes do final do prazo. Se não houver esse registro e a sociedade continuar atuando economicamente após o final do prazo, ela será considerada irregular e os sócios assumirão responsabilidade ilimitada pelas obrigações sociais. 148 Falência da sociedade A decretação da falência da sociedade, ou seja, a incapacidade de cumprir as obrigações assumidas, também levará à sua dissolução total. Nesse caso, de acordo com a legislação específica, avaliam-se os ativos e passivos da sociedade e ambos são reunidos na denominada massa fa- lida. A partir de então, os credores são pagos até o esgotamento dos ativos. Exaurimento do objeto social A sociedade pode ser constituída exclusivamente para a realização de uma obra ou serviço. Nesse caso, com a conclusão dessa obra ou serviço – seu objeto social – a sociedade perde a razão de existir e, por isso, deve ser totalmente dissol- vida. Isso ocorre com certa frequência no ramo da construção civil, em que grandes construtoras constituem filiais para administrar especificamente uma determinada obra e, uma vez concluída, dissolvem a sociedade. Inexequibilidade do objeto social Diferentemente do caso anterior, em que o objeto da constituição da socie- dade é concluído, neste caso ele não pode ser realizado, seja por fatores internos ou externos. Por exemplo, se o Governo Federal instituísse uma lei determinando que somente as empresas públicas podem fornecer o serviço de acesso à Internet, uma sociedade particular que atuasse exclusivamente nessa área teria seu objeto social anulado e, assim, seria dissolvida. Unipessoalidade Como você sabe, a pluralidade de sócios é um dos pressupostos de exis- tência de qualquer sociedade contratual. Assim, se, por qualquer motivo, as cotas representativas do capital social pertencerem a um único sócio, a pluralidade é descaracterizada e a sociedade é dissolvida. Causas contratuais Os próprios sócios podem inserir em uma cláusula acidental do contrato so- cial causas específicas que podem levar à dissolução total da sociedade. Pode-se estabelecer, por exemplo, que ela será dissolvida ao final do exercício social se o patrimônio líquido for inferior ao capital social ou se não se mantiver uma quantida- de mínima de sócios. Ativos O conjunto de bens, direitos e valores que se possui ou que se tem a receber. Massa falida Formada no momento da decretação da falência de uma empresa, consiste no acer- vo do ativo e passivo de seus bens e interesses. Divide-se em massa ativa e massa passiva. Passivos O conjunto das obrigações financeiras que se tem para com terceiros. De acordo com o princípio da preservação da empresa, o direito societário prevê que a dissolução não é imediata. O único sócio restante tem um prazo de 180 dias para admitir o ingresso na sociedade de ao menos mais um sócio, recompondo, assim, a pluralidade. 149 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 Liquidação e partilha Ocorrendo alguma dessas situações que levam à dissolução da sociedade, ela deverá ser liquidada. A liquidação tem por objetivos a apuração e arrecadação de todos os bens e créditos e a quitação dos débitos. Quitados todos os débitos sociais, se ainda existirem bens e créditos em nome da sociedade, ocorrerá a partilha do patrimônio líquido restante entre os sócios, na proporção de suas cotas ou em proporção específica prevista no contrato social, se houver. Somente após essa partilha a sociedade será considerada dissolvida. Durante a realização da liquidação, a sociedade deverá observar algumas regras específicas: Deverá ser acrescida ao nome da sociedade a expressão “em liquida- ção”. Os atos sociais não mais serão conduzidos por seu administrador, deven- do ser nomeado um liquidante responsável exclusivamente pela condu- ção e conclusão do processo de liquidação. A sociedade não poderá mais assumir novas obrigações, sendo todos os atos exclusivamente voltados para o processo de liquidação. Se, após a dissolução da sociedade, for constatada alguma irregularidade na liquidação decorrente de obrigações sociais ainda pendentes, a responsabili- dade será dos antigos sócios e dos liquidantes, que responderão pessoalmente por essas dívidas. Dissolução parcial Existem causas que, apesar de afetarem os vínculos mantidos por um ou alguns sócios com a sociedade, não levam à sua dissolução total, principalmente porque não chegam a descaracterizar a pluralidade de sócios. Nesses casos, não há a dissolução total da sociedade, apenas parcial, levando a uma reorganização do quadro social. A seguir, saiba quais são essas causas. vontade dos sócios A dissolução parcial por vontade dos sócios ocorre de forma semelhante ao que acontece na dissolução total. Um sócio pode reconhecer, em um dado momen- to, que não tem mais a intenção inicial que o fez se integrar àquela sociedade e decidir se desvincular. Se os demais estiverem de acordo com essa decisão, ocor- rerá a dissolução parcial da sociedade. Assim, ele é desvinculado do quadro social e reembolsado pela sua participação na formação do capital social, conforme o procedimento previsto em lei, que veremos adiante.Retirada de sócio Pode ocorrer, entretanto, de um sócio desejar se desvincular do quadro social e os demais sócios não concordarem. Nessa situação, também ocorre a dissolução 150 Exclusão de sócio Além das causas que podem levar à exclusão de um sócio, estudadas ante- riormente, o direito societário prevê outra: o sócio se tornar absoluta ou relativa- mente incapaz após o ingresso no quadro social. Morte de sócio No caso da morte de algum dos sócios, suas cotas serão transferidas para seus sucessores ou herdeiros, que podem não ter interesse em ingressar na sociedade e optar por receber o reembolso que seria devido ao sócio falecido por sua participa- ção na formação do capital social. Isso resultaria, consequentemente, na dissolução parcial da sociedade. Entretanto, se os herdeiros tiverem interesse em integrar o quadro social, a cota do sócio falecido é transferida para eles e a sociedade não será dissolvida – isso se nenhum dos outros sócios se opor. Se houver oposição, é feita a dissolução parcial e os sucessores recebem o reembolso. Pode constar no contrato social uma cláusula acidental definindo procedimentos específicos para o caso do falecimento de um sócio, por exemplo determinando que os demais sócios não poderão se opor à transferência das cotas do sócio falecido aos seus herdeiros. parcial, pois, conforme já estudamos, o sócio tem o direito de retirada e recebe, como na situação anterior, o reembolso pela sua participação na formação do ca- pital social. São procedimentos que devem ser observados pelo sócio que deseja exercer seu direito de retirada: Se a sociedade foi contratada por prazo indetermina- do, ele não precisa apresentar qualquer justificativa, apenas notificar os demais sócios para que possam fazer a alteração necessária do contrato social, num prazo de 60 dias. No caso de sociedade contratada por prazo determinado, antes de vencido o período de vigência, o sócio somente pode exercer seu direito de retirada mediante a compro- vação, em processo judicial próprio, da justa causa que motivou a perda da sua affectio societatis. 151 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 Falência de sócio Ao contrário do que estudamos sobre a falência da sociedade, que leva à sua dissolução total, a falência de apenas um de seus sócios – lembrando que pessoas jurídicas também podem ser sócias – acarreta apenas a dissolução parcial. Nessa hipótese, o valor do reembolso devido pela participação do sócio falido na formação do capital social integrará a massa falida e será utilizado para satisfazer os credores do sócio falido, nos termos específicos do seu processo de falência. Liquidação da cota a pedido de credor de sócio Considerando que a cota é um bem do sócio, ela pode ser penhorada no caso de ele possuir uma dívida e o credor exigir a penhora por meio de processo judicial. Nesse caso, a sociedade deverá apurar o valor devido e depositá-lo em uma conta judicial em um prazo de 90 dias após o recebimento do mandado judicial. Uma vez realizado esse depósito, o sócio executado não terá mais participação na sociedade, o que levará à dissolução parcial da sociedade. Em uma sociedade composta de apenas dois sócios, o advento de uma das causas que, em princípio, acarretaria a dissolução parcial da sociedade pode levar à sua dissolução total caso o sócio remanescente não restabeleça, num prazo de 180 dias, a pluralidade de sócios. O valor patrimonial da cota a ser reembolsado ao sócio desvinculado, seus sucessores, herdeiros ou credores, em decorrência da dissolução parcial da sociedade, é obtido de um balanço específico do patrimônio líquido da socie- dade. O valor a ser reembolsado corresponde à proporção das cotas de participação do sócio na formação do capital social ou a uma proporção específica, se estiver prevista no contrato social. Apuração de haveres e reembolso Ocorrida alguma das causas de dissolução parcial da sociedade contratual, conforme você estudou ao longo desta aula, o sócio desvinculado deverá ser re- embolsado em valor equivalente à sua participação na formação do capital social. Nesse caso, a dissolução parcial assemelha-se à dissolução total: o sócio recebe o mesmo valor em ambos os casos. O processo de liquidação da sociedade, que é realizado quando há dissolu- ção total, é diferente da apuração dos haveres do sócio desvinculado, que ocorre no caso de dissolução parcial. A liquidação tem por objetivo quitar todas as obriga- ções da sociedade, enquanto a apuração dos haveres avalia apenas o que deve ser pago ao sócio desvinculado. 152 DISSOLUÇÃO E ExTINÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA As sociedades são constituídas para cumprir seus objetos sociais previs- tos nos seus atos constitutivos. Quando por alguma razão, seja decorrente de decisão dos seus sócios ou mesmo por imposição legal ou judicial, a socieda- de precisar encerrar suas atividades de forma definitiva, faz-se necessário o cumprimento de procedimento próprio através da dissolução. A dissolução da sociedade constitui um conjunto de atos visando à extin- ção da pessoa jurídica. Finalizada a dissolução, entra-se na fase de liquidação, fase esta em que são levantados os valores que compõem o patrimônio da so- ciedade – ativo e passivo, sendo pagas as dívidas, finalizando o procedimento com a partilha do resultado líquido final, que, se for positivo, será distribuído entre os sócios conforme estabelecer o contrato social. Normalmente esta di- visão é feita na proporção de suas cotas de capital, podendo entretanto, a critério dos sócios, se efetivar em proporções diferentes. Ressaltamos que, uma vez procedida a dissolução, a pessoa jurídica dei- xa de existir para as operações normais, sendo ainda utilizada com a finalidade de concretizar a liquidação e partilha do acervo patrimonial. Visando tornar público o processo de dissolução e liquidação da sociedade, em todos os atos, documentos ou publicações, o liquidante empregará a firma ou denominação social sempre seguida da cláusula “em liquidação” e de sua assina- tura individual, com a declaração de sua qualidade (artigo 1.103, parágrafo único). Destacamos que a dissolução de uma sociedade não deve ser feita de forma irregular ou contrariando a legislação ou o contrato social. Mesmo assim, no meio empresarial tem sido comum a chamada dissolução de fato, sem a observância das determinações da lei. Na hipótese de dissolução irregular ou de fato, a responsabilidade dos sócios aumenta. No caso da sociedade limitada, por exemplo, embora contra- tualmente e pela lei haja limitação da responsabilidade do sócio neste tipo de sociedade, ocorrendo irregularidade na sua dissolução, eles responderão de forma ilimitada pelas obrigações da sociedade. Isto tem sido comum, sobretudo no caso de pequenas empresas quando não alcançam sucesso, os sócios ao invés de formalizarem a dissolução e extinguirem legalmente a pessoa jurídica, simplesmente fecham as portas e fa- zem a “liquidação” do patrimônio, dividindo os haveres entre si, caracterizando a dissolução de fato e não de direito, passando assim a responsabilidade dos sócios de limitada para ilimitada. A sociedade limitada em processo de liquidação não poderá mais ser representada pelos seus administradores, sendo necessária a presença de um outro personagem para a gestão da liquidação, que é a pessoa do liquidante. Leitura complementar 153 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 Embora na dissolução extrajudicial seja comum manter um dos admi- nistradores como sendo o liquidante, este não mais atuará como diretor da sociedade, em que seus atos quando administrador representando a socie- dade eram assumidos pela pessoa jurídica. Neste caso, pratica atos somente visando à liquidação da sociedade. Os deveres do liquidante estão enumerados no artigo1.103 do Código Civil, quais sejam: I – averbar e publicar a ata, sentença ou instrumento de dissolução da sociedade; II – arrecadar os bens, livros e documentos da sociedade, onde quer que estejam; III – proceder, nos quinze dias seguintes ao da sua inves- tidura e com a assistência, sempre que possível, dos administradores, à elaboração do inventário e do ba- lanço geral do ativo e do passivo; IV – ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas; V – exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à so- lução do passivo, a integralização de suas quotas e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da responsabilidade de cada um e proporcionalmente à respectiva participação nas perdas, repartindo-se, entre os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo insolvente; VI – convocar assembleia dos quotistas, a cada seis me- ses, para apresentar relatório e balanço do estado da liquidação, prestando conta dos atos praticados duran- te o semestre, ou sempre que necessário; VII – confessar a falência da sociedade e pedir concordata, de acordo com as formalidades prescritas para o tipo de sociedade liquidanda; VIII – finda a liquidação, apresentar aos sócios o relatório da liquidação e as suas contas finais; IX – averbar a ata da reunião ou da assembleia, ou o instru- mento firmado pelos sócios, que considerar encerrada a liquidação. [...] FORTES, José Carlos. Dissolução e extinção da sociedade limitada. Disponível em: <http://www.classecontabil.com.br/servlet_art.php?id=288>. Acesso em: 18 abr. 2008. Identificamos as causas que podem levar à dissolução total ou parcial de uma sociedade contratual e delimitamos os procedimentos a serem adotados caso ocorra(m) alguma(s) das hipóteses apresentadas, no intuito de satisfazer os credo- res da sociedade e o valor devido aos sócios em decorrência de sua participação na formação do capital social. Síntese 154 Releia as três situações propostas na página 146. Publique suas respostas no 1. ambiente virtual de aprendizagem, da seguinte forma: A questão apresentada naa) situação 1 deve ser respondida no fórum Efei- tos da retirada de sócios: estudo de caso. A questão apresentada na b) situação 2 deve ser respondida no fórum Efei- tos do falecimento de sócios: estudo de caso. A questão apresentada na c) situação 3 deve ser respondida no fórum Tér- mino do prazo determinado de duração: estudo de caso. Considere a empresa XYZ Serviços de Informática Ltda., constituída da se-2. guinte forma: BRASIL. Presidência da República. Código Civil brasileiro atualizado 2007. 1. ed. São Paulo: Escala, 2007. COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. FORTES, José Carlos. Dissolução e extinção da sociedade limitada. Disponível em: <http:// www.classecontabil.com.br/servlet_art.php?id=288>. Acesso em: 18 abr. 2008. Atividades Referências Cotas do sócio A: R$ 13.000,00 Cotas do sócio B: R$ 7.000,00 Cotas do sócio C: R$ 5.000,00 Capital social: R$ 25.000,00 Ocorrendo sua dissolução total por vontade dos sócios e, após a conclusão do processo de liquidação, restando um patrimônio líquido de R$ 50.000,00, qual será o resultado financeiro, para cada sócio, da partilha desse valor? Compar- tilhe sua resposta no fórum Dissolução total e partilha: estudo de caso. Anotações Capítulo 4 DIREITO SOCIETÁRIO: NOÇÕES DE TRIBUTAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NOÇÕES DE TRIBUTAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Conteúdo programático Noções de tributação: princípios jurídicos, espécies de tributos Princípios da administração pública Objetivos Promover a compreensão dos princípios jurídicos que regem a atividade tributária do Estado. Promover a compreensão dos princípios que regem a administração pública. 156 Anteriormente, estudamos conceitos relacionados à teoria geral dos contratos, ao direito do trabalho e ao direito societário. Agora, vamos conhecer algumas noções básicas que nos ajudarão a entender como devem proceder o Governo Federal, os estados e os municípios na arrecadação de tributos. Vamos estudar ainda os princípios que devem nortear a prestação dos serviços públicos. A atividade tributária do Governo Federal, do Estado ou do município é vol- tada especialmente à arrecadação de fundos necessários à administração pública. Essa arrecadação deve obedecer a determinados princípios do direito tributário, que vamos conhecer agora. princípiOs jurídicOs da tributaçãO Legalidade Como princípio geral do direito público, e não apenas do direito tributário, a legalidade deve nortear todas as atividades a serem desenvolvidas pelo Governo Federal, pelos estados, pelos municípios e pelos órgãos administrativos a eles vin- culados. Aplicado especificamente ao direito tributário, o princípio da legalidade de- termina que nenhum tributo poderá ser instituído, aumentado ou ter sua base de cálculo alterada se não houver uma lei específica que preveja esse fato. Igualdade e capacidade contributiva No exercício de sua atividade tributária, a administração pública não pode tratar de forma desigual contribuintes que estejam em situação equivalente; por isso, eles deverão ter carga tributária semelhante. Esse princípio geral da igualdade é complementado pelo princípio da capaci- dade contributiva, segundo o qual os tributos devem, sempre que possível, ser ins- tituídos e graduados respeitando-se a capacidade econômica de cada contribuinte. É por isso que o Imposto de Renda tem alíquotas diferenciadas de acordo com a capacidade econômica dos contribuintes, a fim de evitar que eles sejam onera- dos excessivamente. vedação de efeitos confiscatórios Ainda para evitar a oneração excessiva do contribuinte, esse princípio, tam- bém denominado “princípio da proporcionalidade razoável”, estipula que o Governo Federal, os estados e os municípios ajam de forma razoável na instituição ou alte- Alíquota Porcentual com que determinado tributo incide sobre o valor da coisa tributada (FERREI- RA, 2001). Onerado Cobrado, debitado. 157 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 ração das alíquotas ou da base de cálculo dos tributos. Eles não podem instituir ou alterar tributos, de forma a impossibilitar o contribuinte de realizar uma atividade lícita, ou confiscar uma parte significativa de sua propriedade, o que seria contrário ao direito de propriedade garantido pela Constituição Federal. Irretroatividade Segundo esse princípio, fatos ocorridos antes do início da vigência de lei que institui um novo tributo ou altera algum já existente não serão tributados. As novas regras somente incidirão sobre fatos ocorridos a partir do início da vigência da lei. Anterioridade De acordo com a Constituição Federal, as regras previstas em uma lei que institui um novo tributo ou que altera um tributo já instituído somente entram em vigor a partir do dia 1.o de janeiro do ano seguinte ao da sua publicação. Além dessa regra, denominada “anterioridade comum”, em emenda à Cons- tituição Federal, criou-se a anterioridade nonagesimal, definindo que somente poderão ser cobrados tributos novos ou alterados após um prazo de 90 dias a partir da publicação da nova lei. Essas regras devem ser aplicadas conjuntamen- te. Isso significa que tributos novos ou alterados somente poderão ser cobrados nos termos previstos na nova lei que os instituiu ou alterou a partir do dia 1.o de janeiro do ano seguinte e do 91.o dia após a publicação da lei. Além dos princípios gerais de tributação que apresentamos, existem outros, próprios do direito tributário, que não iremos estudar, pois não estão diretamente ligados à área de interesse da nossa disciplina.Se você tiver interesse, pode encontrar informações sobre o tema no artigo de Hamilton Dias de Souza, publicado no site Consultor Jurídico: http:// conjur.estadao.com.br/static/text/48531,1. Existem algumas exceções às regras de anterioridade co- mum e nonagesimenal: Exceção à regra da anterioridade comum : o IPI. Exceções à regra da anterioridade nonagesimal : o Imposto de Renda e a fixação da base de cálculo do IPTU e do IPVA. Exceções às regras da anterioridade comum e no- nagesimal: o empréstimo compulsório criado para atender a despesas extraordinárias decorrentes de ca- lamidade pública, de guerra externa ou de sua iminên- cia, os impostos de importação e exportação e o IOF. 158 espécies de tributOs Empréstimo compulsório Trata-se de um empréstimo que pode ser exigido dos contribuintes apenas pelo Governo Federal. No entanto, isso só será possível se: ocorrerem despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou de sua iminência; houver necessidade de investimento público de caráter urgente e de re- levante interesse nacional; ressaltando-se, contudo, que, nesse caso, a cobrança deverá ser feita de acordo com o princípio da anterioridade, que vimos há pouco. É importante ressaltar que a lei que institui o empréstimo compulsório deve prever não apenas a cobrança, mas também a devolução e o prazo de resgate dos valores emprestados. Contribuições sociais Também denominadas “especiais” ou “parafiscais”, essas contribuições têm por objetivo custear os serviços de determinados órgãos da administração pública, na sua área específica. O destino do dinheiro arrecadado deve ser definido na lei que institui essa contribuição, a exemplo do PIS/Pasep, que é usado para o pagamento do seguro- -desemprego e do abono anual no valor de um salário mínimo para os trabalhado- res que recebem até dois salários mínimos por mês. Outros exemplos de contribuições sociais vigentes no Brasil são o FGTS, a contribuição sindical, as contribuições para a seguridade social, além das contri- buições para órgãos profissionais, como a OAB, ou mesmo para entidades que colaboram com o poder público, como o Senai. Contribuições de melhoria Esse tributo tem a função de custear obras públicas que venham a valorizar o imóvel do contribuinte, como a instalação de uma nova rede elétrica na rua onde fica esse imóvel, por exemplo. Sua cobrança deve obedecer a dois parâmetros: O total arrecadado não pode ultrapassar o custo da obra. O valor cobrado do contribuinte não pode ultrapassar a valorização de seu imóvel. Taxas Taxas são tributos cuja cobrança pode estar relacionada a um destes dois fatores: 159 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 Tarifas A tarifa também pode ser cobrada por um serviço público específico e divisí- vel posto à disposição do usuário. Contudo, ao contrário do que ocorre com as ta- xas, os serviços públicos que possibilitam a cobrança de tarifa são os considerados facultativos – aqueles que os particulares podem aceitar ou recusar – que sejam prestados pela administração pública. Impostos A cobrança de impostos, ao contrário dos outros tributos, não depende de uma ação estatal específica ou da prestação de um serviço público, e o dinheiro arrecadado não tem destinação previamente especificada. Assim, pode-se dizer que o direito tributário conceitua o imposto por exclu- são. Isso significa que é considerado imposto todo tributo que o poder público entenda que é necessário cobrar dos contribuintes e que não se enquadra em nenhum dos casos vistos anteriormente (empréstimo compulsório, contribuição social, contribuição de melhoria, taxa e tarifa). Apesar disso, o imposto deve ter um fato gerador próprio definido em lei, que normalmente se enquadra em uma das seguintes situações: A prestação de serviços é o fato gerador da cobrança do ISS (Imposto sobre Serviços). Ser proprietário de imóvel localizado na zona urbana de um município é o fato gerador da cobrança de IPTU (Imposto sobre Propriedade Territorial e Predial Urbana). Os serviços públicos que justificam a cobrança de taxa são os considerados compulsórios, ou seja, os que são disponibilizados somente pela administração pública e, assim, não podem ser recusados pelos particulares, como o serviço de esgoto. Divisível Nesse caso, indica que pode ser calculado individualmente. O serviço público é conside- rado divisível quando houver a possibilidade de se apurar a utilização individual pelo usuário. O poder de polícia é o poder que a administração pública tem de limitar ou instituir regras específicas para o exercício de certos direitos e deveres. Ela pode regulamentar, por exemplo, questões referentes à segurança, higiene, ordem pública, etc. e, consequentemente, cobrar taxas como a de publicidade ou a licença de localização e funcionamento, entre outras. A utilização por parte do contribuinte de um serviço público específico e divisível, que lhe tenha sido prestado ou colocado à sua disposição. Isso justifica, por exemplo, a cobrança da taxa pela emissão de certidões públicas. 160 princípiOs da administraçãO pública Legalidade Conforme já mencionamos anteriormente, a legalidade é um princípio geral do direito público, e não apenas do administrativo, e, assim, deve orientar todas as atividades do Governo Federal, dos estados, dos municípios e dos órgãos vincu- lados a eles. Sob a perspectiva específica do direito administrativo, o princípio da legalida- de define que a atuação dos agentes e órgãos públicos deve se limitar ao que a lei permite e determina. Moralidade Em complementação à legalidade, o princípio da moralidade prevê que a atuação dos agentes e órgãos públicos deve também ocorrer de acordo com a moral, os princípios éticos, a boa-fé e os bons costumes. Impessoalidade Este princípio deve ser interpretado de três formas: A atuação do agente ou órgão público deve sempre ser voltada ao aten- dimento do interesse público, buscando a satisfação do interesse coletivo, e não do interesse particular do administrador. O ato praticado pelo agente público é sempre atribuído ao órgão a que ele está vinculado, e não ao agente como pessoa física. Os agentes e órgãos públicos devem dispensar tratamento igual a todos os administrados, exceto nos casos especiais previstos em lei. Publicidade O poder público deve divulgar todos os seus atos administrativos, para ga- rantir que esses atos possam ser controlados e avaliados. Porém, reconhecendo que a divulgação de determinadas ações pode acarretar prejuízo para a sociedade ou colocar em risco sua segurança, a Constituição Federal prevê determinadas hipóteses em que é permitida a manutenção do sigilo. Vimos como o poder público pode arrecadar fundos para a prestação de serviços à população. Agora, vamos estudar os princípios gerais que definem como esses serviços são prestados. 161 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 Eficiência O agente público deve usar os padrões e técnicas de gestão ou de admi- nistração mais modernos, buscando atingir, do modo mais eficiente possível, o resultado mais satisfatório em sua atuação, em favor do interesse público. Supremacia do interesse público Em uma situação de confronto entre o interesse particular e o interesse pú- blico, prevalecerá o interesse público, o interesse da coletividade. É nesse princípio que se fundamenta, por exemplo, a possibilidade de desapropriação de bens parti- culares em prol da realização de um interesse público maior. Continuidade Os serviços públicos não podem ser paralisados e os agentes de órgãos públicos devem sempre atender às necessidades públicas, sem interrupção da ati- vidade administrativa. É por isso que se impõem limitações ao exercício do direito de greve pelosagentes públicos, que não pode, em hipótese alguma, ser exercido pelos militares e que somente pode ser exercido, nos demais casos, dentro dos li- mites da lei. É importante ressaltar, contudo, que a prestação dos serviços públicos considerados essenciais, como segurança pública, transporte público, saúde, etc., não pode sofrer paralisação. Razoabilidade e proporcionalidade O agente público não pode interpretar ou aplicar a lei segundo seus valores pessoais, devendo ter como base valores comuns a toda a sociedade e observar a adequação entre os meios e os fins no exercício da atividade administrativa. Dessa forma, não pode, por exemplo, adotar medidas abusivas, desproporcionais ou em intensidade superior à permitida em lei. Motivação Também visando garantir um controle mais eficaz da atuação dos órgãos e agentes públicos, esse princípio prevê que todas as medidas a serem adotadas por eles, no exercício da atividade administrativa, devem ser motivadas, devendo-se, obrigatoriamente, indicar os pressupostos que justificam tais medidas e a compati- bilidade entre esses pressupostos. Autotutela O princípio da autotutela administrativa é decorrente da súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, que afirma o seguinte: Súmula Breve resumo, sinopse. No direito, a súmula sintetiza os casos parecidos, que foram decididos da mesma maneira. 162 Observe que a súmula menciona que devem ser “respeitados os direitos ad- quiridos”. Isso significa que, caso o ato administrativo que foi revogado já tenha produzido efeitos, gerando algum direito para o particular, sua anulação não pode ferir esse direito. Controle judicial Sendo constatada alguma ilegalidade ou irregularidade na atuação de órgãos ou agentes públicos, o Poder Judiciário pode ser acionado, para que seja reparada qualquer lesão ou ameaça a direito ou interesse, particular ou público. Esse princípio busca garantir a segurança nas relações entre a administração pública e seus administrados e evitar os abusos e irregularidades. PARA LULA, BRASIL NÃO PODE DIMINUIR CARGA DE IMPOSTOS Presidente disse que governo precisa financiar programas sociais. Empresá- rios defendem menos tributos para estimular o crescimento do país. Em reunião com cerca de cem executivos das maiores empresas que atuam no Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta quarta- -feira (24) que para manter o processo de redução da pobreza e da desigual- dade social o governo não pode abdicar da atual carga tributária. O presidente da Votorantim Indústria, José Roberto Ermírio de Moraes, disse que Lula fez um discurso conclamando os empresários. “Nesse mo- mento, é importante que o Brasil continue com os seus programas sociais e de transferência de renda. O presidente reconhece que é o momento em que o Brasil ainda precisa dessa carga tributária”, disse José Roberto Ermírio de Moraes. A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados dos vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de con- veniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. No direito administrativo, existem ainda outros princípios além dos que foram apresentados; no entanto, não iremos estudá-los por não estarem diretamente relacionados aos objetivos desta disciplina. Em http://jus2.uol.com.br/ doutrina/lista.asp?assunto=17, você encontra artigos que tratam mais detalhadamente de alguns desses princípios. Eivados Manchados, infectados. Leitura complementar 163 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que a proposta de re- forma tributária está praticamente pronta e que o governo aguarda o melhor momento para encaminhá-la ao Congresso. A atual carga de imposto do Brasil supera um pouco os 34%, enquanto o governo sustenta que não houve aumento do peso dos impostos no bolso dos brasileiros. A tese é contestada pelos partidos de oposição que citam os seguidos recordes batidos na arrecadação tributária. O presidente da Nestlé no Brasil, Ivan Zurita, afirmou que a reforma tributária é necessária para reduzir a burocracia e aliviar o peso sobre os investimentos. “Quanto menos impostos tivermos, maior será o consumo e isso ajuda ao desenvolvimento do Brasil”, afirmou Zurita após o encontro com Lula. “Nós precisamos de um conjunto de impostos que estimule o consumo e combata a evasão”, acrescentou Zurita. O executivo da Votorantim instou o governo e demonstrou interesse em, pelo menos no longo prazo, diminuir o peso dos tributos. “A questão é o governo sinalizar que no longo prazo a carga tributária possa vir a diminuir e, consequentemente, o Estado se adaptar a essa carga tributária. Esse é o caminho para uma receita de crescimento ainda mais sustentável e mais vigoroso”, disse. A empresária Luiza Trajano, das lojas Magazine Luiza, acredita que a carga tributária induz a informalidade e acaba prejudicando os inves- timentos em linha com a legislação. “Muita gente que não paga imposto burlando a lei acaba nos prejudicando e deixando o nosso negócio menos competitivo”, disse. PARIZ, Tiago. Para Lula, Brasil não pode diminuir carga de impostos. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL156957-5601,00-PARA+LULA+BRASIL+NA O+PODE+DIMINUIR+CARGA+DE+IMPOSTOS.html>. Acesso em: 25 abr. 2008. Estudamos os princípios gerais que regem as atividades tributárias e ad- ministrativas desenvolvidas pelo poder público. Estudamos também as espécies de tributos existentes no ordenamento jurídico brasileiro e que compõem a carga tributária dos contribuintes. Instou Questionou, inqueriu. Síntese Aplicando os conceitos estudados, a partir de quando poderia ser cobrado 1. um tributo instituído em lei publicada no dia 1.o de setembro de 2007? E no dia 1.o de novembro de 2008? Compartilhe suas respostas no fórum Cobran- ça de tributos, no ambiente virtual de aprendizagem. Atividades 164 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Direito tributário: com anotações sobre direito financeiro, direito orçamentário e lei de responsabilidade fiscal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo; FÜHRER, Maximilianus Roberto Ernesto. Resumo de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. _____. Resumo de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. IPCDIGITAL.COM.BR. Brasileiros pagaram neste ano R$ 200 bilhões em impostos. Disponível em: <http://www.ipcdigital.com/ver_noticiaA.asp?descrIdioma=br&codNoticia=1 2275&codPagina=12742&codSecao=368>. Acesso em: 25 abr. 2008. PARIZ, Tiago. Para Lula, Brasil não pode diminuir carga de impostos. Disponível em: <http:// g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL156957-5601,00-PARA+LULA+BRASIL+NAO+POD E+DIMINUIR+CARGA+DE+IMPOSTOS.html>. Acesso em: 25 abr. 2008. ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. Referências Com relação à leitura complementar, qual a sua opinião sobre a carga tribu-2. tária no Brasil? Que relação você pode encontrar entre os impostos que você paga e os princípios que estudamos? Será que a carga tributária brasileira é compatível com os serviços prestados pela administração pública? Que me- didas poderiam ser adotadas para melhorar essa situação? Compartilhe suas experiências e opiniões no fórum Reflexões para um Brasil melhor. No link http://www.sbdp.org.br/cidades.php?pg=a62, você vai encontrar a transcrição de uma palestra realizada pelo professor Marcos Joaquim sobre tributos e administração municipal. PÁGINA 13 b1. F, V, F, V2. PÁGINA 24 2. V, F, V PÁGINA 31 c1. PÁGINA 40 1. F, F, V, V PÁGINA 48 e2. PÁGINA 134 1. a Respostas das atividades 165 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4 Anotações166 167 Direito Aplicado à Gestão – Capítulo 4