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Atualmente tem sido assunto polêmico e discutido na imprensa a questão da internação contra a vontade do paciente para dependentes químicos. Algumas perguntas são aqui expostas para contribuir ao conhecimento sobre o tema. A dependência química é uma síndrome caracterizada pela perda de controle do uso de determinada substância psicoativa. Os agentes psicoativos atuam sobre o sistema nervoso central, provocando sintomas psíquicos e estimulando seu consumo repetido. Alguns exemplos são o álcool, as drogas ilícitas e a nicotina. A característica essencial da Dependência de Substância é a presença de sintomas cognitivos (ou da consciência), comportamentais e fisiológicos indicando que a pessoa continua utilizando uma substância, apesar de problemas significativos relacionados a ela. Existe um padrão de consumo repetido que geralmente resulta em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de consumo da droga. O termo tolerância é usado quando o organismo do dependente se adapta à droga e sua ação passa a não ter mais efeito desejado, assim há necessidade de aumentar-se progressivamente ao longo do tempo a dose da substância para se obter o efeito desejado. A abstinência, um dos critérios para diagnóstico de dependência, é uma alteração comportamental e fisiológica, que ocorre quando as concentrações de uma substância da dependência no sangue baixam. Os sintomas da abstinência são extremamente desagradáveis, de forma que o dependente é compelido a consumir a substância para aliviar esse sofrimento. No caso do crack e algumas outras substâncias, a abstinência ou o medo de sofrer abstinência fazem com que o dependente use a droga praticamente o dia inteiro ou várias vezes ao dia. Os sintomas de abstinência variam bastante entre as diversas substâncias, mas em geral quadro de Dependência é bastante parecido entre as várias categorias de substâncias. A dependência química é uma das doenças psiquiátricas mais freqüentes da atualidade. A dependência do cigarro tem uma prevalência de 25% a 35% dos adultos, seguida pela prevalência da dependência do álcool, que é de 17,1% entre os homens e de 5,7% entre as mulheres, segundo o 1o Levantamento Domiciliar Sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no país, realizado pela Universidade Federal de São Paulo há mais de 10 anos (2001). A simples observação permite arriscar um certo pessimismo em relação aos dias atuais. Esse estudo revelou ainda que quase 20% dos entrevistados já haviam experimentado alguma droga que não álcool ou tabaco. Entre elas, destacaram-se a maconha (6,9%), os solventes (5,8%) e a cocaína (2,3%). Segundo o Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA), do Hospital das Clínicas da USP, observa-se nos últimos 10 anos uma mudança no consumo da cocaína. Houve uma diminuição o número de pacientes que injetam cocaína, ao passo que aumentou a quantidade de usuários do crack. Essa apresentação da cocaína atinge o sistema nervoso central de maneira mais rápida e intensa e a taxa de complicações clínicas é maior. O crack desenvolve rapidamente dependência grave e de difícil tratamento. Segundo pesquisas da Unifesp – Universidade Federal de São Paulo, após o tratamento da dependência, as recaídas são frequentes, em torno de 50% nos seis primeiros meses e de 90% no primeiro ano. Mas essas altas taxas de reincidência não significam que o tratamento seja ineficiente. Trata-se de uma doença crônica e os resultados do tratamento são semelhantes aos de outras enfermidades igualmente crônicas, como por exemplo a asma, hipertensão, diabetes. Além da gravidade do problema, um dos fatores mais importantes e mais difícil para o sucesso do tratamento é a motivação. Outro inimigo poderoso do tratamento é a falta de autocrítica, pois a grande maioria dos pacientes não se considera doentes. Há duas abordagens principais para o tratamento da dependência química: a psicoterapia e a farmacoterapia. O modelo psicoterápico mais bem fundamentado atualmente é o cognitivo-comportamental, que prevê abstinência da substância, evitação de situações que induzam ao consumo e treinamento para resistir ao uso em circunstâncias que não possam ser evitadas. O tratamento tende a ser mais eficaz se for acompanhado por atendimento familiar, mas sempre partindo da abstinência. A internação é indicada em casos onde haja riscos ao próprio paciente ou à terceiros, agressividade, sintomas psicóticos (delírios de perseguição, alucinações...) e uso descontrolado da substância a ponto de comprometer a continuidade do tratamento. Os críticos da internação para o dependente químico devem entender que, para o grosso da população brasileira, inegavelmente, as chances de sucesso para o abandono das drogas é muito maior no tratamento em regime de internação do que mantendo o paciente nas ruas. Perguntas sobre internação compulsória 1- A internação compulsória é uma anomalia jurídica, é uma tirania de exceção? Não, de forma alguma. Quando a pessoa não quer se internar voluntariamente, pode-se recorrer às internações involuntária ou compulsória, e isso já foi definido pela lei há mais de 10 anos. É a Lei Federal de Psiquiatria (Nº 10.216, de 2001 – vide na coluna ao lado). De acordo com essa lei referida acima o familiar ou terceiros pode solicitar a internação involuntária, desde que o pedido seja feito por escrito e aceito como procedente pelo médico psiquiatra. A lei determina ainda que, nesses casos, os responsáveis técnicos do estabelecimento de saúde têm prazo de 72 horas para informar ao Ministério Público da comarca sobre a internação e seus motivos. O objetivo é evitar a possibilidade desse tipo de internação ser utilizado para a prática de cárcere privado. Para a internação compulsória não é necessária a autorização familiar. O artigo 9º da lei 10.216 estabelece a possibilidade da internação compulsória quando determinada pelo juiz competente, depois do pedido formal feito por um médico atestando que a pessoa não tem domínio sobre a sua condição psicológica e física, ou seja, está incapaz de autodeterminar-se em decorrência da dependência. De forma geral, a internação involuntária é um procedimento médico realizada no mundo todo há muitos anos e obedece a critérios objetivos, técnicos e médicos. A visão médica não vai deixar o dependente químico se matar em nome do demagógico e fictício discurso em prol da liberdade de se fazer o que se quer. O médico, no mundo todo, não acha que é um direito do ser humano se matar, pois entende que esse paciente geralmente está doente e tem de ser tratado. 2) Se já está previsto por lei, porque toda essa polêmica atualmente presente na imprensa? Recentemente o governo apenas criou medidas para o cumprimento mais eficiente da lei de 2001. Viabilizou-se uma parceria entre o Poder Judiciário, o Poder Executivo e a OAB, ou seja, entre médicos, juízes e advogados, com o objetivo de tornar a tramitação do processo de internação compulsória previsto em lei mais rápida e menos burocrática para proteger as vidas daqueles que mais precisam. As famílias com recursos econômicos já utilizam o mecanismo da internação involuntária para resgatar os seus parentes das drogas em clínicas particulares. O que o governo passou a fazer em 2013 foi aplicar a lei para atender pessoas que não têm recursos e perderam totalmente os laços familiares. Estando essas pessoas abandonadas ao próprio vício ou com a consciência severamente prejudicada (veja Alterações da Personalidade), o governo se obrigou a tirá-las desse autoabandono. 3) Como esse movimento se ampara judicialmente e para preservar direitos dos pacientes? O Tribunal de Justiça de SP instalou-se nas dependências CRATOD - Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas em regime de plantão de segunda a sexta-feiracom o objetivo de atender as medidas de urgência relacionadas aos dependentes químicos em hipóteses de internação compulsória ou involuntária. Há concomitante presença da Defensoria Pública para fiscalizar eventuais distorções e abusos das medidas para internação. Também está presente o Ministério Público para permitir que promotores permaneçam acompanhando o plantão do Judiciário. Finalmente a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, acompanhará de forma gratuita e voluntária os trâmites dos pedidos para internação nos casos necessários. 4) O que vai mudar agora para a aplicação da Lei 10.216? Principalmente a agilidade das indicações formais para internação involuntária e, principalmente, compulsória estabelecidos pela psiquiatria. Até então, a indicação médica para internação compulsória, em muitos casos se perdia devido a demora na emissão da ordem judicial. Isso impedia que a equipe médica mantivesse o paciente na instituição psiquiátrica. O processo continua a ser promovido pelos agentes de saúde, como antes. A diferença, com a presença do Poder Judiciário no local e em tempo integral fará com que a determinação judicial seja mais rápida e descomplicada. Após receber o primeiro atendimento o dependente químico será avaliado por médicos que vão oferecer o tratamento adequado. Caso a pessoa não queira ser internada e havendo indicação psiquiátrica, tais como risco a si mesmo e a terceiros, prejuízo no discernimento e na capacidade de autodeterminar-se, o juiz poderá determinar a internação imediata. 5) Antes de toda essa movimentação já eram realizadas internações compulsórias? Sim. Dados da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de São Paulo mostram que a internação compulsória já é praticada desde 2009 através da chamada Operação Centro Legal. Entre as cerca de 2.800 internações realizadas em equipamentos municipais de 2009 a 2012 a prefeitura confirma mais de 300 casos do tipo compulsória, ou seja, cerca de 11% do total das internações. O processo começava com a abordagem dos agentes de saúde. Se o dependente concordasse, ele era enviado a um equipamento – no caso do município, CATS ou Complexo Prates, no caso do Estado, CRATOD –,onde médicos e uma equipe multidisciplinar decidiam qual deveria ser o processo terapêutico adotado para aquela pessoa. Em casos específicos, sempre com laudo médico, optava-se pela internação compulsória para proteger a integridade física e mental do paciente. Nos casos mais graves de dependência química a internação é a alternativa mais segura e eficaz. O ideal seria que ninguém precisasse disso, que o dependente tivesse controle de sua vontade, mas a dependência química é uma doença que faz com que a pessoa perca esse controle e fique à mercê da droga caminhando para uma piora progressiva. 6) A internação compulsória pode ser uma regra a ser seguida ou é um a arbitrariedade brasileira? Não. Casos de internação compulsória continua sendo sempre a exceção e não a regra. A política prioritária continua sendo a internação voluntária, através do convencimento do dependente por agentes de saúde, assistentes sociais e outros segmentos ligados à essa área. Além disso, existem outras várias formas de tratamento para dependência química. A internação compulsória é, de fato, um recurso extremo. A psiquiatria não é ingênua em acreditar que o dependente será uma pessoa totalmente nova e diferente depois de três meses de internação compulsória. A doença é muito mais séria que isso. Infelizmente, muitos pacientes internados compulsoriamente ou voluntariamente vão voltar às drogas, notadamente ao crack. Mas, pelo menos, através de uma internação bem conduzida eles terão uma chance muito maior de superarem esse problema do que teriam se continuassem no meio patogênico de onde vieram. Segundo o National Institute on Drug Abuse, EUA, considerada uma das instituições mais respeitadas do mundo nessa questão, a internação compulsória funciona tanto quanto a internação voluntária do paciente. Na publicação Principles of Drug Addiction Treatment: A Research-Based Guide (Princípios do Tratamento do Vício em Drogas: Um Guia Baseado em Pesquisa), o instituto apresenta quais são os princípios de um tratamento eficaz. Esse trabalho diz que “o tratamento não precisa ser voluntária para ser eficaz. Sanções ou incentivos impostos pela família, pelo ambiente de trabalho ou pelo sistema judicial podem aumentar significativamente a taxa de internação e de permanência – e finalmente o sucesso das intervenções de tratamento”. Doze estados norte-americanos, entre eles a Califórnia, possuem leis específicas sobre a internação compulsória ou involuntária. A Flórida, por exemplo, tem o Marchman Act, aprovado em 1993. O Canadá tem legislação que permite o tratamento forçado de viciados em heroína. O Heroin Treatment Act foi aprovado na província de British Columbia em 1978. A lei foi contestada na Justiça, mas foi mantida posteriormente pela Suprema Corte. A Austrália possui legislação que permite aos juízes condenar ao tratamento compulsório dependentes de drogas que cometeram crimes. A Nova Zelândia também tem legislação que permite à Justiça ou à família internar um dependente compulsoriamente. A Suécia, tão propalado paraíso dos usuários de drogas, possui o Act on the Forced Treatment of Abusers, que permite a internação compulsória de dependentes que representem risco para si próprios ou para terceiros; a lei é utilizada principalmente para menores de idade. A OMS – Organização Mundial da Saúde, ONU, através de sua publicação Principles of Drug Dependence Treatment, de 2008, considera que o tratamento de dependência de drogas, como qualquer procedimento médico, não deve ser forçado. Porém, admite que “em situações de crise de alto risco para a pessoa ou outros, o tratamento compulsório deve ser determinado sob condições específicas e período especificado por lei”.
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