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DISCIPLINA: LITERATURA BRASILEIRA II
Conteudistas: Luiz Fernando Medeiros de Carvalho e Marcélia Guimarães 
Paiva
Aula 5 - MÁRIO DE ANDRADE E O JORRO IMPETUOSO DA LITERATURA
Meta
Apresentar a poesia de Mário de Andrade, um dos poetas mais significativos do 
Modernismo.
Objetivos:
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
1. Reconhecer algumas características da poesia modernista. 
2. Identificar a influência do Modernismo na poesia contemporânea.
1. INTRODUÇÃO
Nas duas primeiras décadas do século XX, no Brasil, surgiram escritores de 
formação realista-naturalista com uma obra preocupada com as questões sociais e 
uma proposta de intervenção maior na sociedade. Com uma linguagem que se 
aproximava da usada pelos excluídos pelo país oficial, esses escritores criticaram e 
elite e denunciaram a sociedade desigual. Propuseram uma redescoberta do país 
existente longe dos centros de poder, nos subúrbios metropolitanos e nas regiões 
afastadas do litoral. Esse chamado Pré-Modernismo brasileiro teve como destaque 
Euclides da Cunha, Graça Aranha, Lima Barreto, Monteiro Lobato, Augusto dos 
Anjos, entre outros precursores que influenciaram o movimento modernista na 
década de 1920.
O Modernismo no Brasil foi um movimento de ampla difusão geográfica, que 
se estendeu até o final da década de 1978, reinventando a produção nas áreas de 
literatura e artes plásticas. Os modernistas foram influenciados pelos movimentos 
vanguardistas europeus de antes da Primeira Guerra. No entanto, não houve cópia e 
aqui está a grande novidade brasileira. O movimento distinguiu-se pela liberdade de 
estilo e aproximação com a língua falada. 
A primeira fase do Modernismo brasileiro é radical e irreverente, com seus 
adeptos dispostos a serem diferentes do que existia, especialmente do romantismo. 
O movimento espalhou-se pelo país com a criação de manifestos e revistas. 
2
Começou uma busca por tudo que fosse autenticamente nacional e pudesse 
representar o verdadeiro Brasil. 
Em 1922, vivia-se uma efervescência cultural e política. Na cidade de São 
Paulo aconteceu a Semana de Arte Moderna, houve eleições presidenciais e a 
fundação do Partido Comunista em Niterói. O objetivo da Semana de Arte Moderna 
era comemorar o centenário da independência. Os participantes e organizadores 
tinham a preocupação de mostrar uma arte que fosse imanente à cultura popular 
brasileira. Um dos participantes foi Oswald de Andrade, autor do Manifesto da 
Poesia Pau-Brasil e o Manifesto Antropófago, e seu amigo Mário de Andrade. 
INÍCIO DO BOXE DE ATENÇÃO 
É interessante que você pesquise a respeito desses manifestos modernistas 
citados e também sobre: “Revista Klaxon”: Mensário de Arte Moderna (1922-1923); 
Verde-Amarelismo ou Escola da Anta (1926-1929); Manifesto Regionalista (1926); 
“Revista de Antropofagia” (1928-1929); “Revista Verde” (1927-1928); Manifesto do 
Grupo Verde de Cataguases (1927).
FIM DO BOXE DE ATENÇÃO 
A partir de 1930, surge a segunda geração modernista com os poetas Carlos 
Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Cecília Meireles, Emílio Moura, Jorge de 
Lima, Vinícus de Moraes, e os romancistas Érico Veríssimo, Cornélio Penha, Lúcio 
Cardoso, José Américo de Almeida, Marques Rebelo, Graciliano Ramos, Rachel de 
Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado, augusto Frederico Schmidt, entre outros. 
A chamada Geração 45 (1945-1978, terceira fase modernista) tem expoentes como 
Guimarães Rosa, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Antônio Olinto, 
Ariano Suassuna, Lygia Fagundes Telles, Domingos Carvalho da Silva, Ferreira 
Gullar, Geraldo Vidigal, Nélson Rodrigues, entre outros. 
Nesta aula, veremos três poemas de Mário de Andrade, o modernista que 
produziu uma obra variada, tanto agressiva e galhofeira como comprometida com 
as questões sociais. Mário de Andrade tem uma obra extensa publicada em jornais, 
3
revistas e livros. Foi ensaísta, poeta, romancista, crítico e teórico nas áreas de 
literatura, música, cinema, folclore e artes plásticas. 
INÍCIO DO BOXE DE CURIOSIDADE
Veja uma foto de Mário de Andrade no Palace Hotel, Rio de Janeiro, 1936: 
Da esquerda para a direita Cândido Portinari, Antônio Bento, Mário de Andrade e 
Rodrigo Melo Franco.
Fonte: 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Cândido_Portinari,_Antônio_Bento,_Mário_de_An
drade_e_Rodrigo_Melo_Franco_1936.jpg
FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE
2. “DOIS POEMAS ACREANOS”
O conjunto chamado “Dois poemas acreanos”, publicado no livro Clã do 
Jabuti, em 1927, foi dedicado por Mário de Andrade a Ronald de Carvalho. Ronald 
de Carvalho participou da Semana de Arte Moderna lendo o poema “Os sapos” - 
uma sátira mordaz de Manuel Bandeira à poesia remanescente parnasiana - 
no Teatro Municipal de São Paulo. Ronald de Carvalho foi poeta e diplomata. Dirigiu 
com Luís de Montalvor o primeiro número da polêmica revista literária “Orpheu”, 
publicado em Lisboa em março de 1915. Embora tenham sido publicados apenas 
4
dois números, a revista foi uma das responsáveis pela introdução do Modernismo 
em Portugal. Vítima de acidente automobilístico, no Rio de Janeiro, Ronald de 
Carvalho morreu em 15 de fevereiro de 1935.
 O primeiro poema de “Dois poemas acreanos” de Mário de Andrade chama-se 
“Descobrimento”:
Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei que lá no norte, meu Deus! muito longe de mim,
Na escuridão ativa da noite que caiu,
Um homem pálido, magro, de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu... (ANDRADE, M., 2013, p. 287)
O título sugere uma paródia da carta de Pero Vaz de Caminha quando os 
portugueses “descobriram” o Brasil. Afinal, os modernistas também pretendiam 
descobrir o país, deglutindo as culturas europeias para recriá-las aqui. Esse 
descobrimento provoca a necessidade de acalentar o seringueiro em um segundo 
poema do conjunto. 
INÍCIO DO BOXE DE ATENÇÃO 
Mário de Andrade viajou para conhecer o Brasil. Em 1927, conheceu a 
Amazônia. Ele foi um grande estudioso preocupado em registrar as manifestações 
da cultura nacional. Oswald de Andrade também tem um poema intitulado “A 
descoberta” dentro de um conjunto intitulado “Pero Vaz de Caminha”, que parodia a 
carta de Caminha a respeito do descobrimento do Brasil:
a descoberta 
Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa 
Topamos aves 
E houvemos vista de terra 
os selvagens 
Mostraram-lhes uma galinha 
5
Quase haviam medo dela 
E não queriam por a mão 
E depois a tomaram como espantados 
primeiro chá 
Depois de dançarem 
Diogo Dias 
Fez o salto real 
as meninas da gare 
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis 
Com cabelos mui pretos pelas espáduas 
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas 
Que de nós as muito bem olharmos 
Não tínhamos nenhuma vergonha (ANDRADE, O., 1974, p. 80)
FIM DO BOXE DE ATENÇÃO
O poema “Descobrimento” de Mário de Andrade faz uma descoberta: o 
livro é “palerma”. Ora, o que acontece é que o eu lírico transfere sua estupefação ao 
objeto ao descobrir um ser humano diferente que a erudição do poeta não explica. 
Ainda descobre que se trata de um brasileiro, que mora em um lugar remoto. O eu 
lírico solidariza-se com o seringueiro, tem sentimentos nobres, não é um invasor 
violento. Pelo contrário, ele está sujeito a uma noite ativa que “cai”.INÍCIO DO BOXE DE ATENÇÃO 
O poema “Descobrimento” possui apenas uma estrofe de 11 versos livres 
(de métrica variável) e brancos (ou soltos, sem rima). Sem rimas, os poemas 
modernistas foram dessonorizados, a poesia “[...] se aproximou sob este aspecto da 
sonoridade normal e mais discreta da prosa” (CANDIDO, 2006, p. 42).
FIM DO BOXE DE ATENÇÃO
O poema “Descobrimento” termina com o seringueiro dormindo. No poema 
seguinte, “Acalanto do seringueiro”, em “Dois poemas acreanos” de Mário de 
6
Andrade, o eu lírico está conversando com o seringueiro. Essa sequência – 
seringueiro dormindo e seringueiro desperto – é surpreendente e pode indicar que o 
acalanto é destinado a fazer dormir o poeta.
A palavra acalanto designa uma canção de ninar para fazer adormecer uma 
criança. O poema introduz uma dúvida na sintaxe do título, pois não fica claro quem 
é o ser frágil que está sendo embalado. A assonância entre seringueiro e brasileiro 
contribui para aproximar o eu lírico ao seringueiro, pois, como está no poema 
anterior – “Descobrimento” –, ambos são brasileiros:
Seringueiro brasileiro,
Na escureza da floresta
Seringueiro, dorme.
Ponteando o amor eu forcejo
Pra cantar uma cantiga
Que faça você dormir.
Que dificuldade enorme!
Quero cantar e não posso,
Quero sentir e não sinto
A palavra brasileira
Que faça você dormir...
Seringueiro, dorme... (ANDRADE, M., 2013, p. 288)
O poema é construído por versos heptassílabos que obedecem ao ritmo 
natural do português coloquial. O verso “Seringueiro, dorme.”, que será repetido com 
algumas variações, tem um número menor de sílabas. Essa quebra sugere uma 
pausa no acalanto para uma admoestação ou reflexão de quem canta. 
INÍCIO DO BOXE EXPLICATIVO
Mário de Andrade foi músico e musicólogo e um pioneiro no estudo da 
etnomusicologia. Observe, no poema “Acalanto do seringueiro”, as várias alusões ao 
mundo da música. A palavra “ponteio” sugere que o poema é uma canção de ninar 
cantada acompanhada de um violão.
FIM DO BOXE EXPLICATIVO
Tanto no poema “Descobrimento” como em “Acalanto do seringueiro”, 
observa-se um tom coloquial e o uso do vocabulário popular, características do 
Modernismo, com o intuito de aproximar o poeta do povo brasileiro. 
7
O poema “Acalanto do seringueiro” de Mário de Andrade assinala que o eu 
lírico tem dificuldade para cantar e sentir. Não se espera que a menção a 
dificuldades seja objeto de uma cantiga de ninar. Esse detalhe reforça a ideia de que 
o acalanto não é feito para fazer o seringueiro dormir. A dificuldade do canto se 
estende ao espaço do seringueiro, feito de “escureza”. Na segunda estrofe, a 
assonância se dá entre escureza, macieza e aspereza que indica a reunião tensa, 
no mesmo espaço da floresta, de características diferentes:
Como será a escureza
Desse mato-virgem do Acre?
Como serão os aromas
A macieza ou a aspereza
Desse chão que é também meu?
Que miséria! Eu não escuto
A nota do uirapuru!...
Tenho de ver por tabela,
Sentir pelo que me contam,
Você, seringueiro do Acre,
Brasileiro que nem eu.
Na escureza da floresta 
Seringueiro, dorme. (ANDRADE, M., 2013, p. 288-289)
A ideia de dificuldade se completa com a “miséria” do eu lírico. Ele tem 
necessidade de “enxergar” não apenas “ver” por meio dos sentidos de outro, 
necessidade de sentir o seringueiro mais proximamente, de tocá-lo para tentar 
diminuir a distância:
Seringueiro, seringueiro,
Queria enxergar você...
Apalpar você dormindo,
Mansamente, não se assuste,
Afastando esse cabelo
Que escorreu na sua testa.
Algumas coisas eu sei...
Troncudo você não é.
Baixinho, desmerecido,
Pálido, Nossa Senhora!
Parece que nem tem sangue.
Porém cabra resistente
Está ali. Sei que não é
Bonito nem elegante...
Macambúzio, pouca fala,
Não boxa, não veste roupa
De palm-beach... Enfim não faz
Um desperdício de coisas
Que dão conforto e alegria. (ANDRADE, M., 2013, p. 289)
INÍCIO DO BOXE EXPLICATIVO
8
Durante a Segunda Guerra Mundial, um exército de 55 mil nordestinos foi 
mobilizado com pulso firme, propaganda forte e promessas delirantes para deslocar-
se rumo à Amazônia e cumprir uma agenda do Estado Novo: produzir borracha. Ao 
fim do conflito, em 1945, os sobreviventes foram abandonados a sua própria sorte. 
Getúlio Vargas resolveu três problemas com essa migração: “[...] a produção de 
borracha, o povoamento da Amazônia e a crise do campesinato provocada por uma 
seca devastadora no Nordeste. [...] Estima-se que 31 mil homens tenham morrido 
na Batalha da Borracha - de malária, febre amarela, hepatite e onça” (MAGESTE, 
2014).
FIM DO BOXE EXPLICATIVO
Nessa terceira estrofe, o poema faz uma descrição estereotipada do “exótico” 
seringueiro estabelecendo a distância entre ele e o eu lírico. Apesar de ter um 
conhecimento superficial do outro, o eu lírico ainda tenta, por meio da ironia, 
ressaltar sua semelhança no trato das dificuldades relativas à política brasileira, 
referindo-se ao pagamento da dívida externa resultante da proclamação da 
República ou ao pagamento das benesses dos políticos. Outra tentativa é chamar o 
outro de “companheiro”:
Mas porém é brasileiro,
Brasileiro que nem eu...
Fomos nós dois que botamos
Pra fora Pedro II...
Somos nós dois que devemos
Até os olhos da cara
Pra esses banqueiros de Londres...
Trabalhar nós trabalhamos
Porém pra comprar as pérolas
Do pescocinho da moça
Do deputado Fulano.
Companheiro, dorme!
Porém nunca nos olhamos
Nem ouvimos e nem nunca
Nos ouviremos jamais...
Não sabemos nada um do outro,
Não nos veremos jamais! (ANDRADE, M., 2013, p. 289-290)
Nesse trecho, percebe-se a importância dos sentidos para estabelecer a 
comunicação direta, sem depender dos sentidos de terceiros. Os sentidos do 
seringueiro são relevantes, embora ele devesse estar dormindo. Paradoxalmente, 
9
essa proximidade não se concretiza no mundo do eu lírico que nota que não sabe 
nada, ao contrário do que afirmou na terceira estrofe:
Seringueiro, eu não sei nada!
E no entanto estou rodeado
Dum despotismo de livros,
Estes mumbavas que vivem
Chupitando vagarentos
O meu dinheiro o meu sangue
E não dão gosto de amor...
Me sinto bem solitário
No mutirão de sabença
Da minha casa, amolado
Por tantos livros geniais,
"Sagrados" como se diz...
E não sinto os meus patrícios!
E não sinto os meus gaúchos!
Seringueiro dorme ...
E não sinto os seringueiros
Que amo de amor infeliz... (ANDRADE, M., 2013, p. 290)
Há uma diferença grande entre essa e a quarta estrofe. Na quarta estrofe, 
existe um “nós” explorado pelos políticos. Nessa última estrofe citada, é o “eu” que 
tem o sangue chupado pelos livros impedindo-o de sentir. A imagem dos livros é 
muito negativa. Rafael Climent-Espino (2012) afirma que “[...] os modernistas 
conotam negativamente tudo o que é ligado ao textual, aparecendo sempre como 
prejudicial nos poemas”. O livro “palerma” do poema “Descobrimento” é um 
exemplo. Um contra-exemplo é a “palavra brasileira”, em “Acalanto do seringueiro”, 
“[...] que tem conotações positivas, refere-se à palavra falada, não à escrita” 
(CLIMENT-ESPINO, 2012). 
Em “Acalanto do seringueiro”, há uma tensão nas tentativas de aproximação 
entre o poeta letrado e o povo analfabeto. Essa impossibilidade de aproximação 
gera o que Climent-Espino (2012) chama de “textualidade negativa” nos textos 
modernistas. A oralidade tem prioridade e conotações positivas. Daí a preferência 
do Modernismo pelo verso livre que se aproxima mais da oralidade: “Se para os 
parnasianos o poema deve se converter num objeto,para os modernistas essa 
materialidade do poema é considerada negativa porque tira do texto a liberdade que 
tem a palavra falada” (CLIMENT-ESPINO, 2012).
O verso “Seringueiro dorme...” do poema “Acalanto do seringueiro” de Mário 
de Andrade, tem um tom suave de quem fala baixinho, constatando que o 
trabalhador já dormiu. O seringueiro não escuta o lamento do sábio nem se comove 
com os sentimentos nobres do eu lírico ou suas tentativas de aproximação:
10
Nem você pode pensar 
Que algum outro brasileiro
Que seja poeta no sul
Ande se preocupando
Com o seringueiro dormindo,
Desejando pro que dorme
O bem da felicidade...
Essas coisas pra você
Devem ser indiferentes,
Duma indiferença enorme...
Porém eu sou seu amigo
E quero ver se consigo
Não passar na sua vida
Numa indiferença enorme.
Meu desejo e pensamento
 (...numa indiferença enorme...)
Ronda sob as seringueiras
 (...numa indiferença enorme...)
Num amor-de-amigo enorme... (ANDRADE, M., 2013, p. 290-291)
INÍCIO DO BOXE DE CURIOSIDADE
Na época em que foi criado o poema “Acalanto do seringueiro”, e até o ano de 
1969, o Estado de São Paulo se encontrava na região Sul do Brasil.
FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE
O eu lírico está adormecendo e mergulha, ao final da estrofe, no sono em 
meio a uma “indiferença enorme”. Em seguida, parece despertar e lembrar-se de 
ninar o seringueiro:
Seringueiro, dorme!
Num amor-de-amigo enorme
Brasileiro, dorme!
Brasileiro, dorme.
Num amor-de-amigo enorme
Brasileiro, dorme.
Brasileiro, dorme,
Brasileiro... dorme...
Brasileiro... dorme... (ANDRADE, M., 2013, p. 291)
Nessas estrofes finais, aposto e verbo se sucedem suavemente como se 
tratasse de uma única frase. São versos suaves, para adormecer o brasileiro 
vencido pela indiferança ou constatar que ele já dorme. Esses versos encerram o 
11
acalanto não assertivo, feito de muitas reticências e dúvidas. O eu lírico sente-se 
impedido de cantar, de sentir, de escutar. Afinal, não consegue vencer a indiferença 
nem a distância física e socioeconômica que o separam do seringueiro. O diálogo 
não aconteceu entre o Norte e o Sul, entre a sofisticação e a rusticidade.
3. O POEMA “A MEDITAÇÃO SOBRE O TIETÊ”
Poema publicado em 1945 no livro Lira paulistana, tem como subtítulo a 
indicação de seu tempo de criação “(30 de novembro de 1944 a 12 de fevereiro de 
1945)”. O poema possui 22 estrofes, algumas com mais de uma dezena de versos. 
Pode-se pensar que é tão longo para acompanhar a passagem do rio pela metrópole 
e cortando a área rural existente na época em que foi escrito. No entanto, o poema 
se fixa nos acontecimentos e aspectos do rio na região da cidade de São Paulo. O 
leitor também é levado a acreditar que a palavra “meditação” do título refere-se a 
uma reflexão profunda a respeito do Tietê, mas a primeira estrofe o surpreende, pois 
se trata de uma evocação que sinaliza que o rio terá papel ativo e transformará a 
meditação em um diálogo com o eu lírico (ou um monólogo em que o eu lírico tanto 
assume sua posição quanto a do interlocutor):
Água do meu Tietê, 
Onde me queres levar?
- Rio que entras pela terra
E que me afastas do mar...
É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável
Da Ponte das Bandeiras o rio
Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa.
É noite e tudo é noite. Uma ronda de sombras,
Soturnas sombras, enchem de noite tão vasta
O peito do rio, que é como se a noite fosse água,
Água noturna, noite líquida, afogando de apreensões
As altas torres do meu coração exausto. De repente
O ólio das águas recolhe em cheio luzes trêmulas,
É um susto. E num momento o rio
Esplende em luzes inumeráveis, lares, palácios e ruas,
Ruas, ruas, por onde os dinossauros caxingam
Agora, arranha-céus valentes donde saltam
Os bichos blau e os punidores gatos verdes,
Em cânticos, em prazeres, em trabalhos e fábricas,
Luzes e glória. É a cidade... É a emaranhada forma
Humana corrupta da vida que muge e se aplaude.
E se aclama e se falsifica e se esconde. E deslumbra.
Mas é um momento só. Logo o rio escurece de novo,
Está negro. As águas oliosas e pesadas se aplacam
12
Num gemido. Flor. Tristeza que timbra um caminho de morte.
É noite. E tudo é noite. E o meu coração devastado
É um rumor de germes insalubres pela noite insone e humana. (ANDRADE, 
M., 2013, p. 531-532)
O poema recria um Tietê lento, asfixiado pelas margens, que por sua vez cria 
uma imagem da metrópole agitada e cheia de contradições. O rio é humanizado, 
tem sentimentos, e ora se aproxima da figura do eu lírico, ora da figura dos homens. 
O eu lírico transfere ao rio as suas angústias de morador dessa cidade, 
desconfortável e tenso entre sua arte e que ele chama de “a dor humana” 
(ANDRADE, M., 2013, p. 98).
Depois de começar o poema com uma estrofe de sete sílabas – o tipo mais 
popular de métrica – e com dois versos rimados, o autor muda de forma e 
desenvolve versos de métrica variada e sem rima. Além dessa, as duas estrofes 
iniciais mostram outras características modernistas que acompanharam o criador do 
Modernismo, Mário de Andrade: a primeira estrofe posicionada à direita para 
destacar o diálogo, o uso de palavras e expressões populares, a temática cotidiana.
A segunda estrofe tem três movimentos em que noite, luz e novamente noite 
se sucedem. Essa estrofe também dá o tom geral do poema ao descrever o espaço 
submetido à opressão de um tempo, a noite. A troca de adjetivos em “Água noturna, 
noite líquida” sugere uma aproximação entre a noite e o rio. A noite também está 
envolta em tristeza. Assim como a palavra “soturnas”, que tanto pode se referir ao 
que é escuro ou é melancólico, o “banzeiro” do rio parece se referir à melancolia do 
eu lírico, de coração apreensivo, devastado e sem firmeza. Existe um ar de 
opressão realçado pela presença de sombras que rondam o rio ou o eu lírico.
O eu lírico se posiciona no espaço, “Debaixo do arco admirável”, bem próximo 
ao rio. Sua imagem também se confunde à da ponte quando evoca “As altas torres 
do meu coração exausto” que são, na verdade, as torres da ponte das Bandeiras. 
O espaço é uma confusão de sons: a vida que “muge” é aquela que berra, faz 
barulho; as águas apenas gemem; e o eu lírico, o menos importante entre a cidade e 
o rio, tem dentro do peito um ínfimo “rumor de germes”. Do mesmo modo, chama a 
atenção a presença de um elemento solitário, perdido nesse espaço: “Flor”. Essa 
pequena palavra, margeada por dois pontos finais, dá uma pista do real objeto 
dessa “meditação” do poema de Mário de Andrade.
13
INÍCIO DO BOXE DE CURIOSIDADE
Veja a ilustração de um anúncio de um empreendimento imobiliário de 1942, 
que mostra as duas torres da ponte das Bandeiras, em: 
http://blogs.estadao.com.br/reclames-do-estadao/2011/01/15/ponte-das-bandeiras/. A 
imobiliária responsável informava que os terrenos foram valorizados pela construção 
da ponte.
FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE
O rio flui e recolhe, em um momento fugaz, as imagens da cidade com 
estranhos seres humanizados e uma vida humana reificada, que muge. O poema 
“A meditação sobre o Tietê” de Mário de Andrade trata com ironia a cidade em 
antíteses que misturam a nobreza dos palácios, os bichos blau (que têm a cor azul 
dos brasões) e os dinossauros mancos. Isso contribui para afastar a ideia de que 
essa meditação é um processo de desligamento de preocupações do mundo real. 
Se o poema não é apenas uma meditação, se a figura do eu lírico se 
aproxima a do rio, se a imagem de objetos materiais e a vida humana têm um 
tratamento invertido, se o espaço é noturno – “tudo énoite” – e à noite são 
atribuídos sentimentos que são do eu lírico, pode-se pensar que o poema usa o 
simbolismo do rio como a imagem da transformação das formas, das águas que 
trazem renovação, fertilidade e morte. Seu fluxo é o fluxo da existência humana e da 
existência do poeta. 
A terceira estrofe retoma o diálogo com o rio:
Meu rio, meu Tietê, onde me levas?
Sarcástico rio que contradizes o curso das águas
E te afastas do mar e te adentras na terra dos homens,
Onde me queres levar?...
Por que me proíbes assim praias e mar, por que
Me impedes a fama das tempestades do Atlântico
E os lindos versos que falam em partir e nunca mais voltar?
Rio que fazes terra, húmus da terra, bicho da terra,
Me induzindo com a tua insistência turrona paulista
Para as tempestades humanas da vida, rio, meu rio!... (ANDRADE, M., 
2013, p. 532)
O rio, como símbolo da vida humana, desafia o eu lírico ao levá-lo não para o 
mar, o lugar em que submergiria em meio ao nada, mas para dentro da “terra dos 
14
homens”, o lugar de “tempestades humanas”. Aqui está mais uma característica dos 
modernistas, o comprometimento social. A questão da escrita, engajada e longe dos 
“lindos versos” românticos, vai aparecer mais vezes no poema. 
INÍCIO DO BOXE DE CURIOSIDADE
Mário de Andrade também foi político e fundador do Partido Democrático em 
1926. Ele tinha uma preocupação pedagógica, provocando outros poetas a se 
engajarem em uma poesia participante. Veja o que ele disse a Carlos Drummond de 
Andrade em carta datada de 10 de novembro de 1924:
Carlos, devote-se ao Brasil, junto comigo. Apesar de todo o ceticismo, apesar de 
todo o pessimismo e apesar de todo o século 19, seja bobo, mas acredite que é um 
sacrifício lindo. O natural da mocidade é crer e muitos moços não creem. Que 
horror! Veja os moços modernos da Alemanha, da Inglaterra, da França, dos 
Estados Unidos, de toda a parte: ele creem, Carlos, e talvez sem que o façam 
conscientemente, se sacrificam. Nós temos que dar ao Brasil o que ele não tem e 
que por isso até agora não viveu, nós temos que dar uma alma ao Brasil e para isso 
todo sacrifício é grandioso, é sublime. E nos dá felicidade. Eu me sacrifiquei 
inteiramente e quando eu penso em mim nas horas de consciência, eu mal posso 
respirar, quase gemo na pletora da minha felicidade. 
O texto inteiro da carta você encontra em:
http://www.revistabula.com/1466-uma-carta-de-mario-de-andrade-para-carlos-
drummond/
FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE
Percebe-se que o eu lírico está em uma situação que manifesta a origem 
bíblica do homem criado do barro, um “bicho da terra”. Em função dessa origem, ele 
está inserido em uma maldição da qual não pode escapar, pois está sob um fluxo de 
águas teimosas como seriam os paulistas. 
Essa referência à origem bíblica continua na próxima estrofe quando o eu 
lírico pondera que sua salvação será feita pelo “barro” do qual se constituem os 
“sofrimentos dos homens”:
Já nada me amarga mais a recusa da vitória
Do indivíduo, e de me sentir feliz em mim.
Eu mesmo desisti dessa felicidade deslumbrante,
E fui por tuas águas levado,
A me reconciliar com a dor humana pertinaz,
15
E a me purificar no barro dos sofrimentos dos homens.
Eu que decido. E eu mesmo me reconstituí árduo na dor
Por minhas mãos, por minhas desvividas mãos, por
Estas minhas próprias mãos que me traem,
Me desgastaram e me dispersaram por todos os descaminhos,
Fazendo de mim uma trama onde a aranha insaciada
Se perdeu em cisco e pólen, cadáveres e verdades e ilusões. (ANDRADE, 
M., 2013, p. 532)
O eu lírico rejeita a individualidade e a felicidade individual devido ao seu 
compromisso social por meio da escrita. A meditação sobre si é também sobre o ato 
de escrever. Nessa estrofe, ainda reflete que, em alguns momentos, perdeu de vista 
seu objetivo e tornou-se uma “aranha insaciada”. Aqui a aranha não é dona de seu 
destino, não teve autonomia para tecer sua teia, ou seu texto. Nota-se que a dor 
humana “pertinaz” tem algo em comum com o rio: a teimosia. 
Enquanto na última citada o barro purifica o eu lírico, na estrofe seguinte as 
“infâmias, egoísmo e traições” o sujam. Para completar, nas estrofes seguintes, o eu 
lírico enfatiza que no rio está sua salvação, afastando-se do mito bíblico da criação 
do homem, pois ele vence a “serpente”. Sua poesia mergulha no rio ou na vida 
humana:
Eu vejo; não é por mim, o meu verso tomando
As cordas oscilantes da serpente, rio.
Toda a graça, todo o prazer da vida se acabou.
Nas tuas águas eu contemplo o Boi Paciência 
Se afogando, que o peito das águas tudo soverteu.
Contágios, tradições, brancuras e notícias,
Mudo, esquivo, dentro da noite, o peito das águas, fechado, mudo, 
Mudo e vivo, no despeito estrídulo que me fustiga e devora.
Destino, predestinações... meu destino. Estas águas
Do meu Tietê são abjetas e barrentas,
Dão febre, dão a morte decerto, e dão garças e antíteses.
Nem as ondas das suas praias cantam, e no fundo
Das manhãs elas dão gargalhadas frenéticas,
Silvos de tocaias e lamurientos jacarés.
Isto não são águas que se beba, conhecido, isto são
Águas do vício da terra. Os jabirus e os socós
Gargalham depois morrem. E as antas e os bandeirantes e os ingás,
Depois morrem. Sobra não. Nem sequer o Boi Paciência
Se muda não. Vai tudo ficar na mesma, mas vai!... e os corpos
Podres envenenam estas águas completas no bem e no mal. (ANDRADE, 
M., 2013, p. 533-534)
INÍCIO DO BOXE MULTIMÍDIA
16
Veja um texto sobre a história do rio Tietê (e outros rios de São Paulo) neste 
endereço: http://vivendocidade.com/boi-paciencia-os-rios-de-nossa-sao-paulo. 
Compare essa foto de 1905 do rio Tietê com a imagem das “águas oliosas” de que 
fala o poema de Mário de Andrade:
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d6/Rio_tiete.jpg
FIM DO BOXE MULTIMÍDIA
Em “A meditação sobre o Tietê”, o eu lírico percebe que o rio afoga sua 
paciência. Junto com essa passividade do eu lírico, o rio faz sumir os valores 
burgueses: “Contágios, tradições, brancuras e notícias”. O rio é capaz de engolir 
todos os elementos da história da cidade como mais uma evocação de que o rio 
representa o destino comum de todos os homens. A ironia se volta especialmente 
contra a Escola da Anta – as “antas” – e os bandeirantes
As transformações históricas podem não ser grandes, mas é movimento, 
avisa o irônico eu lírico imitando a fala popular. As águas do rio são a origem de seu 
sofrimento e de sua poesia quando dão “antíteses”. Esse poder de destruição e 
criação do rio (ou do eu lírico) é reforçado na nona e décima estrofes:
Me sinto o Pai Tietê! ôh força dos meus sovacos!
Cio de amor que me impede, que destrói e fecunda!
Nordeste de impaciente amor sem metáforas,
Que se horroriza e enraivece de sentir-se
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Demagogicamente tão sozinho! Ôh força!
Incêndio de amor estrondante, enchente magnânima que me inunda,
Me alarma e me destroça, inerme por sentir-me
Demagogicamente tão só!
A culpa é tua, Pai Tietê? A culpa é tua
Se as tuas águas estão podres de fel
E majestade falsa? A culpa é tua
Onde estão os amigos? onde estão os inimigos?
Onde estão os pardais? e os teus estudiosos e sábios, e
Os iletrados?
Onde o teu povo? e as mulheres! dona Hircenuhdis Quiroga!
E os Prados e os crespos e os pratos e os barbas e os gatos e os línguas
Do Instituto Histórico e Geográfico, e os mu-
seus e a Cúria, e os senhores chantres reverendíssimos,
Celso nihil estate varíolas gide memoriam,
Calípedes flogísticos e a Confraria Brasiliense e Clima
E os jornalistas e os trustkistas e a Light e as
Novas ruas abertas e a falta de habitações e
Os mercados?... E a tiradeira divina de Cristo!... (ANDRADE, M., 2013, p. 
534-535)
Se o rio é o símbolo da existênciahumana, suas águas são o símbolo da 
literatura. Essas águas estão contaminadas (“Isto não são águas que se beba, 
conhecido”), apodrecidas pelas lutas de egos. O poema “A meditação sobre o Tietê” 
foi terminado em 1945, quando o Modernismo já estava maduro. Assim, o texto 
medita sobre sua história ao citar as famílias e pessoas que foram importantes para 
o movimento modernista, como a família que patrocinou seu início, a do poeta 
modernista Paulo Prado, e a revista Clima de artes e ciências humanas, criada por 
estudantes paulistas e editada de 1941 a 1944. Outra crítica presente na estrofe é à 
história de São Paulo: ao fixar um ponto específico do rio Tietê, a ponte das 
Bandeiras, o eu lírico torna-se um anti-bandeirante que já não entra pelo mato 
conquistando como Borba Gato - ou “os barbas e os gatos” – e se mistura à 
metrópole. Ao separar a sílaba “mu” da palavra museu, cria uma onamatopeia que, 
no poema, é um dos exemplos “da vida que muge” evocada na segunda estrofe. 
O poema abusa das imagens inusitadas: “Calípedes flogísticos” seriam 
bichos preguiça capazes de provocar combustão; “trustkistas” junta a palavra 
símbolo do capitalismo, trust, ao trotskismo contrarrevolucionário da União Soviética; 
“tiradeira divina de Cristo” transforma o Cristo em um animal de carga levando a 
cruz. A ironia do eu lírico se volta contra si e as instituições:
Tu és Demagogia. A própria vida abstrata tem vergonha
De ti em tua ambição fumarenta.
És demagogia em teu coração insubmisso.
18
És demagogia em teu desequilíbrio anticéptico
E antiuniversitário.
És demagogia. Pura demagogia.
Demagogia pura. Mesmo alimpada de metáforas.
Mesmo irrespirável de furor na fala reles:
Demagogia.
Tu és enquanto tudo é eternidade e malvasia:
Demagogia.
Tu és em meio à (crase) gente pia:
Demagogia.
És tu jocoso enquanto o ato gratuito se esvazia:
Demagogia.
És demagogia, ninguém chegue perto!
Nem Alberto, nem Adalberto nem Dagoberto
Esperto Ciumento Peripatético e Ceci
E Tancredo e Afrodísio e também Armida
E o próprio Pedro e também Alcibíades,
Ninguém te chegue perto, porque tenhamos o pudor, 
O pudor do pudor, sejamos verticais e sutis, bem
Sutis!... E as tuas mãos se emaranham lerdas,
E o Pai Tietê se vai num suspiro educado e sereno,
Porque és demagogia e tudo é demagogia. (ANDRADE, M., 2013, p. 535-
536)
O eu lírico está mais enraivecido, perdeu a paciência com ele próprio e os 
outros. Essa raiva o faz repetir várias vezes a palavra demagogia e considerar, no 
final da estrofe, que o eu lírico é “demagogia e tudo é demagogia”. É interessante 
notar que, no início do poema “A meditação sobre o Tietê”, é enfatizado que “tudo é 
noite”. Existe uma aproximação entre essa situação de “noite” e a “demagogia”. É 
como se o eu lírico representasse todos os setores da sociedade que manipulam as 
necessidades do povo. A sua poesia também é demagógica, uma literatura de 
fachada: “Demagogia / Tu és em meio à (crase) gente pia: / Demagogia”. Além 
dessa alusão à escrita, o poema cita uma demagogia sem metáforas, o que 
pretensamente a diferencia da tradição literária. Observam-se nesse trecho um uso 
especial de palavras para criar uma atmosfera falsa, inútil, de fachada, como 
“ambição fumarenta”; a homofonia de “anticéptico”, que lembra “antisséptico”; e a 
brincadeira da rima “erto” nos nomes próprios. 
Nota-se que o único ser não demagógico no poema é o Tietê. Por outro 
lado, as mãos emaranhadas e lerdas são uma alusão às complicações e aos 
embaraços do ato de escrever. Em oposição à delicadeza e à serenidade educada 
do rio, o poema cita a grosseria do eu lírico que é um vestígio da demagogia 
generalizada dos políticos:
Olha os peixes, demagogo incivil! Repete os carcomidos peixes!
19
São eles que empurram as águas e as fazem servir de alimento
Às areias gordas da margem. Olha o peixe dourado sonoro,
Esse um é presidente, mantém faixa de crachá no peito,
Acirculado de tubarões que escondendo na fuça rotunda
O perrepismo dos dentes, se revezam na rota solene,
Languidamente presidenciais. Ei-vem o tubarão-martelo
E o lambari-spitfire. Ei-vem o boto-ministro.
Ei-vem o peixe-boi com as mil mamicas imprudentes, 
Perturbado pelos golfinhos saltitantes e as tabaranas
Em zás-trás dos guapos Pêdêcê e Guaporés.
Eis o peixe-baleia entre os peixes muçuns lineares,
E os bagres do lodo oliva e bilhões de peixins japoneses;
Mas é asnático o peixe-baleia e vai logo encalhar na margem,
Pois quis engolir a própria margem, confundido pela facheada.
Peixes aos mil e mil, como se diz, brincabrincando
De dirigir a corrente, com ares de salva-vidas.
E lá vem por debaixo e por de-banda os interrogativos peixes
Internacionais, uns rubicundos sustentados de mosca,
E os espadartes a trote chique, esses são espadartes! e as duas
Semanas Santas se insultam e odeiam, na lufa-lufa de ganhar
No bicho o corpo do Crucificado. Mas as águas,
As águas choram baixas num murmúrio lívido, e se difundem
Tecidas de peixe e abandono, na mais incompetente solidão. (ANDRADE, 
M., 2013, p. 536-537)
INÍCIO DO BOXE EXPLICATIVO
Palavra-valise ou palavra entrecruzada “[...] designa o vocábulo resultante 
de partes de outros vocábulos, não raro a primeira e a última. [...] Empregada 
notadamente por escritores experimentalistas ou de vanguarda” (MOISÉS, 2004, p. 
333). No poema “A meditação sobre o Tietê”, são exemplos desse tipo as palavras 
“brincabrincando” e “murmulho”.
FIM DO BOXE EXPLICATIVO
Para falar dos políticos, o eu lírico usa uma linguagem bem popular como a 
expressão “Ei-vem” e os adjetivos que personificam os peixes. Reforça o sentido 
pejorativo quando faz uma quase homofonia ao usar “imprudente” e “asnático” em 
vez de “impudente” e “asiático”. A falta de respeito aos partidos e políticos que 
exploram o povo – inclusive aquele que seria criado em 1945, o Partido Democrata 
Cristão (PDC), e o Partido de Representação Popular (PRP), proprietário do Correio 
20
Paulistano, que apoiou a vanguarda da Semana de Arte Moderna (BOSI, 2006, p. 
339) – continua nos seguintes versos:
Vamos, Demagogia! eia! sus! aceita o ventre e investe!
Berra de amor humano impenitente,
Cega, sem lágrimas, ignara, colérica, investe!
Um dia hás-de ter razão contra a ciência e a realidade,
E contra os fariseus e as lontras luzidias.
E contra os guarás e os elogiados. E contra todos os peixes.
E também os mariscos, as ostras e os trairões fartos de equilíbrio e
Pundhonor.
 Pum d'honor. (ANDRADE, M., 2013, p. 537)
ATIVIDADE 1 
(Atende ao objetivo 1. Reconhecer algumas características da poesia modernista)
O estudo do vocabulário do poema “A meditação sobre o Tietê” é uma fonte 
para se conhecer as opções estéticas e ideológicas do grupo modernista. As figuras 
de linguagem também. Uma delas é a prosopopeia “[...] que consiste em atribuir 
vida, ou qualidades humanas, a seres inanimados, irracionais, ausentes, mortos ou 
abstratos. Espécie de humanização ou animismo, pode dar-se de vários modos” 
(MOISÉS, 2004, p. 374). Identifique e comente as ocorrências de prosopopeia no 
poema. 
DEIXAR 10 LINHAS
Resposta comentada: Espera-se que o aluno destaque que a prosopopeia modifica 
o sentido das palavras rio e águas, contribuindo para aproximá-las da imagem dos 
seres humanos, como nos casos em que se observa essa figura de linguagem: na 
segunda estrofe: “peito do rio”; águas” que “se aplacam / Num gemido”; na terceira 
estrofe: “Sarcástico rio”; e outros exemplos. Também outras palavras têm seu 
sentido modificado pela prosopopeia como “mãos que me traem” na quarta estrofe; 
ondas que “cantam”na sétima estrofe; “cauda de pavão, tão pesada e ilusória” na 
décima sexta estrofe. Na décima terceira estrofe, os peixes têm características 
humanas em um recurso à prosopopeia.
FIM DA ATIVIDADE
21
Mesmo sendo uma literatura de fachada, o eu lírico a desafia. 
Posteriormente, retoma o tom soturno da primeira estrofe e volta-se para a 
observação do rio:
É noite... Rio! meu rio! meu Tietê!
É noite muito!... As formas... Eu busco em vão as formas
Que me ancorem num porto seguro na terra dos homens.
É noite e tudo é noite. O rio tristemente
Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa.
Água noturna, noite líquida... Augúrios mornos afogam
As altas torres do meu exausto coração.
Me sinto esvair no apagado murmulho das águas.
Meu pensamento quer pensar, flor, meu peito
Quereria sofrer, talvez (sem metáforas) uma dor irritada...
Mas tudo se desfaz num choro de agonia
Plácida. Não tem formas nessa noite, e o rio
Recolhe mais esta luz, vibra, reflete, se aclara, refulge,
E me larga desarmado nos transes da enorme cidade. (ANDRADE, M., 
2013, p. 538)
Essa estrofe é uma meditação sobre a escrita do poeta também recolhida 
pelo rio. Mas não é um processo sossegado: as imagens da água e da noite se 
misturam. O eu lírico alude às metáforas e usa o vocativo “flor”, imagem tradicional 
de poesia. A escrita é um processo contraditório feito de “choro de agonia / Plácida”. 
No entanto, o eu lírico deseja que rio ilumine-se ao refletir seu poema. Mas o peso 
da tradição arquitetônica, familiar, legislativa, religiosa e de toda a civilização 
esmagam o eu lírico. Se os homens se comprometessem com suas ideias, o rio se 
tornaria uma cauda de pavão “orgulhosa e reflorescente”. Enquanto isso não 
acontece, o rio é como um escravo melancólico, segundo o eu lírico. Os dois – rio e 
eu lírico – não podem fluir em linha reta, sem amarras, e sofrem presos pelas 
curvas:
Vem de trás o estirão. É tão soluçante e tão longo,
E lá na curva do rio vêm outros estirões e mais outros,
E lá na frente são outros, todos soluçantes e presos
Por curvas que serão sempre apenas as curvas do rio.
Há de todos os assombros, de todas as purezas e martírios
Nesse rolo torvo das águas. Meu Deus! meu
Rio! como é possível a torpeza da enchente dos homens!
Quem pode compreender o escravo macho
E multimilenar que escorre e sofre, e mandado escorre
Entre injustiça e impiedade, estreitado
Nas margens e nas areias das praias sequiosas?
Elas bebem e bebem. Não se fartam, deixando com desespero
Que o resto do galé aquoso ultrapasse esse dia,
Pra ser represado e bebido pelas outras areias
Das praias adiante, que também dominam, aprisionam e mandam
22
A trágica sina do rolo das águas, e dirigem
O leito impassível da injustiça e da impiedade.
Ondas, a multidão, o rebanho, o rio, meu rio, um rio
Que sobe! Fervilha e sobe! E se adentra fatalizado, e em vez
De ir se alastrar arejado nas liberdades oceânicas,
Em vez se adentra pela terra escura e ávida dos homens,
Dando sangue e vida a beber. E a massa líquida
Da multidão onde tudo se esmigalha e se iguala,
Rola pesada e oliosa, e rola num rumor surdo,
E rola mansa, amansada imensa eterna, mas
No eterno imenso rígido canal da estulta dor. (ANDRADE, M., 2013, p. 539-
540)
O poema apresenta uma posição inversa aos donos do poder da época 
que, em nome do progresso, controlava as inundações do rio e inaugurava a ponte 
das Bandeiras. Nessa estrofe, em oposição ao rio de “suspiro educado e sereno”, 
existem a baixeza da “torpeza da enchente dos homens” e “a massa líquida / da 
multidão”. Pode-se observar que a representação do eu lírico por meio da figura do 
rio transforma-se em representação da imagem dos homens nos últimos cinco 
versos da estrofe. Fiel aos valores modernistas, Mário de Andrade quer, no poema, 
estabelecer diferenças entre o poeta e pessoas e instituições, mas, ao mesmo 
tempo, preocupa-se em apresentá-los muito próximos, sem o poeta posicionar-se 
em uma torre de marfim.
O poema também critica a inauguração da ponte quando reflete que os 
homens não escutam o rio ou o eu lírico e preferem os discursos cheios de asneiras, 
as “béstias”, e a falsidade generalizada:
Porque os homens não me escutam! Por que os governadores
Não me escutam? Por que não me escutam
Os plutocratas e todos os que são chefes e são fezes?
Todos os donos da vida? 
[...] porque preferem
O retrato a ólio das inaugurações espontâneas,
Com béstias de operário e do oficial, imediatamente inferior,
E palminhas, e mais os sorrisos das máscaras e a profunda comoção, 
(ANDRADE, M., 2013, p. 540)
 
Nesse trecho, o eu lírico é irônico e agressivo, ao citar as “fezes” e “chefes” 
tão próximos graficamente e ao citar a realidade e as inaugurações pretensamente 
“espontâneas” tanto quanto as demonstrações de agrado no último verso citado. 
“Fezes” parece também uma provocação àqueles que consideram a poesia uma 
“flor”. Por outro lado, o eu lírico é realmente espontâneo, já se entregou ao amor 
apaixonado e romântico:
23
Pois que mais uma vez eu me aniquilo sem reserva,
E me estilhaço nas fagulhas eternamente esquecidas,
E me salvo no eternamente esquecido fogo de amor...
Eu estalo de amor e sou só amor arrebatado
Ao fogo irrefletido do amor.
...eu já amei sozinho comigo; eu já cultivei também
O amor do amor, Maria!
E a carne plena da amante, e o susto vário
Da amiga, e a inconfidência do amigo... Eu já amei
Contigo, Irmão Pequeno, no exílio da preguiça elevada, escolhido
Pelas águas do túrbido rio do Amazonas, meu outro sinal.
E também, ôh também! na mais impávida glória
Descobridora da minha inconstância e aventura,
Desque me fiz poeta e fui trezentos, eu amei
Todos os homens, odiei a guerra, salvei a paz!
E eu não sabia! Eu bailo de ignorâncias inventivas,
E a minha sabedoria vem das fontes que eu não sei!
Quem move meu braço? Quem beija por minha boca?
Quem sofre e se gasta pelo meu renascido coração?
Quem? senão o incêndio nascituro do amor?...
Eu me sinto grimpado no arco da Ponte das Bandeiras,
Bardo mestiço, e o meu verso vence a corda
Da caninana sagrada, e afina com os ventos dos ares, e enrouquece
Úmido nas espumas da água do meu rio,
E se espatifa nas dedilhações brutas do incorpóreo Amor. (ANDRADE, M., 
2013, p. 541)
 
Ao evocar “Maria”, uma entidade poética, o eu lírico considera que sua 
poesia demonstrou esse amor quando era “trezentos” – uma alusão ao poema “Eu 
sou trezentos...” de Mário de Andrade publicado em 1943. Trata-se de um poema 
irônico que evoca o desprezo do eu lírico pelo mundo (ANDRADE, M., 2013, p. 307). 
Mudando de tom, em “A meditação sobre o Tietê”, o eu lírico faz questão de 
acentuar que seu amor é de um “bardo mestiço”, de um modernista atento à cultura 
brasileira. Ele se sente como uma voz que tem uma missão, que é sinal de alerta, 
que se orgulha de pertencer a esse rio e estar próximo às suas águas, “grimpado no 
arco da Ponte das Bandeiras”. 
No entanto, o eu lírico lembra-se da atmosfera sufocante e retoma o verso 
“E tudo é noite” de outras estrofes. Dentro dessa noite, a vigésima estrofe mostra o 
eu lírico em uma conversa delirante com a poesia:
É noite! é noite!... E tudo é noite! E os meus olhos são noite!
Eu não enxergo sequer as barcaças na noite.
Só a enorme cidade. E a cidade me chama e pulveriza,
E me disfarça numa queixa flébil e comedida,
Onde irei encontrar a malícia do Boi Paciência
Redivivo. Flor. Meu suspiro ferido se agarra,
Não quer sair, enche o peito de ardência ardilosa,
Abre o olhar, e o meu olhar procura, flor, um tilintar
24
Nos ares, nas luzes longe, no peito das águas,
No reflexo baixo das nuvens. (ANDRADE, M., 2013, p. 542)
O poema quer resgatar a paciência, masaquela que tem a malícia do verso. 
O eu lírico é um ser pequeno diante da cidade, mas ainda a reflete como um espelho 
enquanto declara sua insignificância:
São formas... Formas que fogem, formas
Indivisas, se atropelando, um tilintar de formas fugidias
Que mal se abrem, flor, se fecham, flor, flor, informes inacessíveis,
Na noite. E tudo é noite. Rio, o que eu posso fazer!...
Rio, meu rio... mas porém há-de haver com certeza
Outra vida melhor do outro lado de lá
Da serra! E hei-de guardar silêncio
Deste amor mais perfeito do que os homens?... 
Estou pequeno, inútil, bicho da terra, derrotado. (ANDRADE, M., 2013, p. 
542-543)
 
Em uma reviravolta, depois de evocar o rio como fez na primeira estrofe, o 
eu lírico sente-se importante devido a sua humanidade:
No entanto eu sou maior... Eu sinto uma grandeza infatigável!
Eu sou maior que os vermes e todos os animais.
E todos os vegetais. E os vulcões vivos e os oceanos,
Maior... Maior que a multidão do rio acorrentado,
Maior que a estrela, maior que os adjetivos,
Sou homem! vencedor das mortes, bem-nascido além dos dias,
Transfigurado além das profecias! 
Eu recuso a paciência, o boi morreu, eu recuso a esperança.
Eu me acho tão cansado em meu furor.
As águas apenas murmuram hostis, água vil mas turrona paulista
Que sobe e se espraia, levando as auroras represadas
Para o peito dos sofrimentos dos homens.
... e tudo é noite. Sob o arco admirável
Da Ponte das Bandeiras, morta, dissoluta, fraca, 
Uma lágrima apenas, uma lágrima,
Eu sigo alga escusa nas águas do meu Tietê. (ANDRADE, M., 2013, p. 543)
Como homem, o eu lírico pode ser maior que os outros homens, a natureza e 
até que sua poesia. Vence a “noite” que o assombrou por todo o poema. É senhor 
de seu destino e pode prescindir da esperança e da paciência. Mas esse furor é 
fugaz, pois ele descobre ser apenas uma parcela mínima de água escondida nas 
águas do rio.
Esse balanço do eu lírico entre a “grandeza infatigável” e a derrota, que 
encerra o poema, parece prenunciar a morte física do poeta. Mário de Andrade 
morreu em 25 de fevereiro de 1945.
25
CONCLUSÃO
Os poemas vistos aqui trazem, em dois momentos diferentes de produção, a 
novidade e o engajamento da escrita modernista. Revelam, especialmente, uma 
poesia social e de circunstância, como definiu o próprio Mário de Andrade em carta a 
Henriqueta Lisboa:
Pra esclarecer, eu acho que não se deve chamar de poesia ‘social’ a que 
tem preocupações com a coletividade . Porque toda poesia, toda obra-de-
arte é ‘social’, porque, mesmo se preocupando exclusivamente com as 
reações pessoais do artista, interessa à coletividade. Muito embora não 
cante, não se preocupe com a coletividade. O que em geral andamos por aí 
chamando de poesia social, é poema de circunstância, é arte de combate 
(ANDRADE, M., 2013, p. 42).
 
Essa preocupação social diferenciou a obra de Mário de Andrade e 
influenciou seus contemporâneos e outros escritores. Especialmente, em “A 
meditação sobre o Tietê”, há uma reflexão sobre o ato de escrever que escancara as 
tensões entre o poeta, seus temas e sua arte que pertencem à coletividade citada.
ATIVIDADE FINAL 
(Atende aos objetivos: 1. Reconhecer algumas características da poesia modernista; 
2. Identificar a influência do Modernismo na poesia contemporânea)
Torre de marfim:
"Expressão bíblica (Cântico dos cânticos, 7, 4), posta em uso literariamente por 
Sainte-Beuve, em 1835, para designar a atitude quimérica, aristocrática, idealista, 
egocêntrica e melancólica de certos poetas, como, por exemplo, Vigny.
Difundida largamente pelo século XIX, a expressão acabou por avizinhar-se da ‘arte 
pela arte’, sinalizando a recusa do escritor em participar das controvérsias de vária 
ordem que agitam o ambiente social à sua volta. Virado totalmente para a sua obra, 
num egotismo marcado de sofisticação e requinte estético, não se compromete com 
as lutas sociais, em especial de feição política: concentra-se exclusivamente na sua 
arte, apurando-a ao extremo da sutileza estética. Encerrado na sua torre de marfim, 
vislumbra a produção do seu artefato literário como o destino máximo que a vida lhe 
reservou.
A expressão ‘torre de marfim’ acabou adquirindo sentido pejorativo: aponta a 
indiferença do artista e do escritor em relação às pugnas socioeconômicas e o 
desdém por todas as formas estéticas de ação sobre o meio circulante” (MOISÉS, 
2004, p. 448).
Observe que no poema “A meditação sobre o Tietê”, há várias passagens que 
demonstram que seu autor não se isolava em uma torre de marfim. Inclusive, há a 
26
alusão às torres da ponte das Bandeiras. Analise a posição do eu lírico em relação 
a essas duas torres. Ele é protegido por elas? Elas são um elemento que o 
envolvem ou que fazem parte dele? Quais são os versos dos poemas vistos – “Dois 
poemas acreanos” e “A meditação sobre o Tietê” – que atestam que Mário de 
Andrade não se refugiava em uma torre de marfim? 
DEIXAR 20 LINHAS
Resposta comentada: Espera-se que o aluno perceba que Mário de Andrade tem 
uma posição crítica em relação ao motivo da torre de marfim. O poema “A meditação 
sobre o Tietê” expressa as tensões de um indivíduo burguês, de um poeta 
“humano”, impedido de ter a “fama das tempestades do Atlântico”, “melancólico e 
frágil”, “engruvinhado” (encarquilhado) e outros exemplos.
O mesmo pode ser observado no conjunto de poemas “Dois poemas 
acreanos”, que mostra o poeta como um ser que tem dúvidas ou se sente miserável 
por não conhecer o outro, como uma pessoa comum que joga boxa e tem dívidas 
financeiras, ou que deseja se aproximar do outro embora não consiga.
FIM DA ATIVIDADE FINAL
RESUMO
Nesta aula vimos três poemas de duas fases diferentes de Mário de Andrade. 
Embora separados no tempo, os dois primeiros escritos no auge do movimento 
modernista e o terceiro, após o poeta já ter realizado uma avaliação do Modernismo, 
esses poemas trazem igualmente preocupações sociais do autor com críticas à 
exclusão social e a abordagem de temas brasileiros, não só paulistas. Nos poemas, 
há uma necessidade do eu lírico aproximar-se do objeto criado no texto: a imagem 
do seringueiro ou a do rio.
Neles se percebem as inovações que marcaram o movimento modernista. 
Podem-se ressaltar as características do movimento como a liberdade em relação à 
métrica e à rima, o uso de vocabulário e sintaxe populares, a sintaxe e a sonoridade 
próximas da prosa, a preocupação com temas do cotidiano, a ironia, as 
onamatopeias, o uso de reticências. 
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O poema “A meditação sobre o Tietê” não foi inteiramente transcrito neste 
texto. É interessante que você o leia por inteiro, chegando às suas próprias 
conclusões, meditando sobre a literatura e fazendo a atividade final proposta.
REFERÊNCIAS
ANCONA LOPEZ, Telê Porto. Mário de Andrade leitor e escritor: uma abordagem de 
sua biblioteca e de sua marginália. Revista da Casa de Rui Barbosa, p. 53-75. 
Disponível em: 
<http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/revistas/Escritos_5/FCRB_Escritos_5
_4_Tele_Ancona_Lopez.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2014.
ANDRADE, Mário de. Poesias completas. Edição de texto apurado, anotada e 
acrescida de documentos por Tatiana Longo Figueiredo e Telê Ancona Lopez. Rio de 
Janeiro: Nova Fronteira, 2013. v. 1.
ANDRADE, Oswald. Obras completas: poesias reunidas. 4. ed. Rio de Janeiro: 
Civilização Brasileira, 1974. v. 7.
BELÉM, Euler de França. Uma carta de Mário de Andrade para Carlos Drummond. 
Disponível em: <http://www.revistabula.com/1466-uma-carta-de-mario-de-andrade-
para-carlos-drummond/>. Acesso em: 31 mar. 2014. 
BOSI, Alfredo. História concisa da literaturabrasileira. 43. ed. São Paulo: Cultrix, 
2006.
CANDIDO, Antonio. O estudo analítico do poema. São Paulo: Associação Editorial 
Humanitas, 2006.
CORREIA, Marlene de Castro. Poesia de dois Andrades (e outros temas). Rio de 
Janeiro: Beco do Azougue, 2010.
CLIMENT-ESPINO, Rafael. Textualidades negativas: um novo traço de coesão na 
poesia modernista brasileira. LLJournal, v. 7, n. 1, maio 2012. Disponível em: 
<http://ojs.gc.cuny.edu/index.php/lljournal/article/view/1105/1279>. Acesso em: 31 
mar. 2014.
MAGESTE, Paula. Exército da borracha. Disponível em: 
<http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT703947-1664,00.html>. 
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MATOSINHO, Eduardo. Boi Paciência: os rios de nossa São Paulo. 2012. 
Disponível em: <http://vivendocidade.com/boi-paciencia-os-rios-de-nossa-sao-
paulo>. Acesso em: 31 mar. 2014. 
28
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 12. ed. rev. e ampl. São Paulo: 
Cultrix, 2004.
SCHOLZ, Cley. Ponte das Bandeiras. São Paulo, O Estado de S. Paulo, 15 jan. 
2011. Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/reclames-do-
estadao/2011/01/15/ponte-das-bandeiras/>. Acesso em: 31 mar. 2014. 
SILVA, Anderson Pires da. Mário e Oswald: uma história privada do Modernismo. 
Rio de janeiro: 7Letras, 2009.
	A partir de 1930, surge a segunda geração modernista com os poetas Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Cecília Meireles, Emílio Moura, Jorge de Lima, Vinícus de Moraes, e os romancistas Érico Veríssimo, Cornélio Penha, Lúcio Cardoso, José Américo de Almeida, Marques Rebelo, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado, augusto Frederico Schmidt, entre outros. A chamada Geração 45 (1945-1978, terceira fase modernista) tem expoentes como Guimarães Rosa, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Antônio Olinto, Ariano Suassuna, Lygia Fagundes Telles, Domingos Carvalho da Silva, Ferreira Gullar, Geraldo Vidigal, Nélson Rodrigues, entre outros.
	Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Cândido_Portinari,_Antônio_Bento,_Mário_de_Andrade_e_Rodrigo_Melo_Franco_1936.jpg
	2. “DOIS POEMAS ACREANOS”
	O título sugere uma paródia da carta de Pero Vaz de Caminha quando os portugueses “descobriram” o Brasil. Afinal, os modernistas também pretendiam descobrir o país, deglutindo as culturas europeias para recriá-las aqui. Esse descobrimento provoca a necessidade de acalentar o seringueiro em um segundo poema do conjunto.
	O poema “Descobrimento” de Mário de Andrade faz uma descoberta: o livro é “palerma”. Ora, o que acontece é que o eu lírico transfere sua estupefação ao objeto ao descobrir um ser humano diferente que a erudição do poeta não explica. Ainda descobre que se trata de um brasileiro, que mora em um lugar remoto. O eu lírico solidariza-se com o seringueiro, tem sentimentos nobres, não é um invasor violento. Pelo contrário, ele está sujeito a uma noite ativa que “cai”.
	O poema “Descobrimento” possui apenas uma estrofe de 11 versos livres (de métrica variável) e brancos (ou soltos, sem rima). Sem rimas, os poemas modernistas foram dessonorizados, a poesia “[...] se aproximou sob este aspecto da sonoridade normal e mais discreta da prosa” (CANDIDO, 2006, p. 42).
	O poema “Descobrimento” termina com o seringueiro dormindo. No poema seguinte, “Acalanto do seringueiro”, em “Dois poemas acreanos” de Mário de Andrade, o eu lírico está conversando com o seringueiro. Essa sequência – seringueiro dormindo e seringueiro desperto – é surpreendente e pode indicar que o acalanto é destinado a fazer dormir o poeta.
	A palavra acalanto designa uma canção de ninar para fazer adormecer uma criança. O poema introduz uma dúvida na sintaxe do título, pois não fica claro quem é o ser frágil que está sendo embalado. A assonância entre seringueiro e brasileiro contribui para aproximar o eu lírico ao seringueiro, pois, como está no poema anterior – “Descobrimento” –, ambos são brasileiros:
	Como será a escureza Desse mato-virgem do Acre? Como serão os aromas A macieza ou a aspereza Desse chão que é também meu? Que miséria! Eu não escuto A nota do uirapuru!... Tenho de ver por tabela, Sentir pelo que me contam, Você, seringueiro do Acre, Brasileiro que nem eu. Na escureza da floresta Seringueiro, dorme. (ANDRADE, M., 2013, p. 288-289)
	A ideia de dificuldade se completa com a “miséria” do eu lírico. Ele tem necessidade de “enxergar” não apenas “ver” por meio dos sentidos de outro, necessidade de sentir o seringueiro mais proximamente, de tocá-lo para tentar diminuir a distância:
	Seringueiro, seringueiro, Queria enxergar você... Apalpar você dormindo, Mansamente, não se assuste, Afastando esse cabelo Que escorreu na sua testa. Algumas coisas eu sei... Troncudo você não é. Baixinho, desmerecido, Pálido, Nossa Senhora! Parece que nem tem sangue. Porém cabra resistente Está ali. Sei que não é Bonito nem elegante... Macambúzio, pouca fala, Não boxa, não veste roupa De palm-beach... Enfim não faz Um desperdício de coisas Que dão conforto e alegria. (ANDRADE, M., 2013, p. 289)
	Nessa terceira estrofe, o poema faz uma descrição estereotipada do “exótico” seringueiro estabelecendo a distância entre ele e o eu lírico. Apesar de ter um conhecimento superficial do outro, o eu lírico ainda tenta, por meio da ironia, ressaltar sua semelhança no trato das dificuldades relativas à política brasileira, referindo-se ao pagamento da dívida externa resultante da proclamação da República ou ao pagamento das benesses dos políticos. Outra tentativa é chamar o outro de “companheiro”:
	Mas porém é brasileiro,
	Brasileiro que nem eu...
	Fomos nós dois que botamos
	Pra fora Pedro II...
	Somos nós dois que devemos
	Até os olhos da cara
	Pra esses banqueiros de Londres...
	Trabalhar nós trabalhamos
	Porém pra comprar as pérolas
	Do pescocinho da moça
	Do deputado Fulano.
	Companheiro, dorme!
	Porém nunca nos olhamos
	Nem ouvimos e nem nunca
	Nos ouviremos jamais...
	Não sabemos nada um do outro,
	Não nos veremos jamais! (ANDRADE, M., 2013, p. 289-290)
	Nesse trecho, percebe-se a importância dos sentidos para estabelecer a comunicação direta, sem depender dos sentidos de terceiros. Os sentidos do seringueiro são relevantes, embora ele devesse estar dormindo. Paradoxalmente, essa proximidade não se concretiza no mundo do eu lírico que nota que não sabe nada, ao contrário do que afirmou na terceira estrofe:
	Seringueiro, eu não sei nada! E no entanto estou rodeado Dum despotismo de livros, Estes mumbavas que vivem Chupitando vagarentos O meu dinheiro o meu sangue E não dão gosto de amor... Me sinto bem solitário No mutirão de sabença Da minha casa, amolado Por tantos livros geniais, "Sagrados" como se diz... E não sinto os meus patrícios! E não sinto os meus gaúchos! Seringueiro dorme ... E não sinto os seringueiros Que amo de amor infeliz... (ANDRADE, M., 2013, p. 290)
	Há uma diferença grande entre essa e a quarta estrofe. Na quarta estrofe, existe um “nós” explorado pelos políticos. Nessa última estrofe citada, é o “eu” que tem o sangue chupado pelos livros impedindo-o de sentir. A imagem dos livros é muito negativa. Rafael Climent-Espino (2012) afirma que “[...] os modernistas conotam negativamente tudo o que é ligado ao textual, aparecendo sempre como prejudicial nos poemas”. O livro “palerma” do poema “Descobrimento” é um exemplo. Um contra-exemplo é a “palavra brasileira”, em “Acalanto do seringueiro”, “[...] que tem conotações positivas, refere-se à palavra falada, não à escrita” (CLIMENT-ESPINO, 2012).
	Em “Acalanto do seringueiro”, há uma tensão nas tentativas de aproximação entre o poeta letrado e o povo analfabeto. Essa impossibilidade de aproximação gera o que Climent-Espino (2012) chama de “textualidade negativa” nos textos modernistas. A oralidade tem prioridade e conotações positivas. Daí a preferência do Modernismo pelo verso livre que se aproxima mais da oralidade: “Se para os parnasianos o poema deve se converter num objeto, para os modernistas essa materialidade do poema éconsiderada negativa porque tira do texto a liberdade que tem a palavra falada” (CLIMENT-ESPINO, 2012).
	O verso “Seringueiro dorme...” do poema “Acalanto do seringueiro” de Mário de Andrade, tem um tom suave de quem fala baixinho, constatando que o trabalhador já dormiu. O seringueiro não escuta o lamento do sábio nem se comove com os sentimentos nobres do eu lírico ou suas tentativas de aproximação:
	Nem você pode pensar Que algum outro brasileiro Que seja poeta no sul Ande se preocupando Com o seringueiro dormindo, Desejando pro que dorme O bem da felicidade... Essas coisas pra você Devem ser indiferentes, Duma indiferença enorme... Porém eu sou seu amigo E quero ver se consigo Não passar na sua vida Numa indiferença enorme. Meu desejo e pensamento (...numa indiferença enorme...) Ronda sob as seringueiras (...numa indiferença enorme...) Num amor-de-amigo enorme... (ANDRADE, M., 2013, p. 290-291)
	Na época em que foi criado o poema “Acalanto do seringueiro”, e até o ano de 1969, o Estado de São Paulo se encontrava na região Sul do Brasil.
	O eu lírico está adormecendo e mergulha, ao final da estrofe, no sono em meio a uma “indiferença enorme”. Em seguida, parece despertar e lembrar-se de ninar o seringueiro:
	Seringueiro, dorme! Num amor-de-amigo enorme Brasileiro, dorme! Brasileiro, dorme. Num amor-de-amigo enorme Brasileiro, dorme. Brasileiro, dorme, Brasileiro... dorme... Brasileiro... dorme... (ANDRADE, M., 2013, p. 291)
	Nessas estrofes finais, aposto e verbo se sucedem suavemente como se tratasse de uma única frase. São versos suaves, para adormecer o brasileiro vencido pela indiferança ou constatar que ele já dorme. Esses versos encerram o acalanto não assertivo, feito de muitas reticências e dúvidas. O eu lírico sente-se impedido de cantar, de sentir, de escutar. Afinal, não consegue vencer a indiferença nem a distância física e socioeconômica que o separam do seringueiro. O diálogo não aconteceu entre o Norte e o Sul, entre a sofisticação e a rusticidade.
	Água do meu Tietê,
	Onde me queres levar?
	- Rio que entras pela terra
	E que me afastas do mar...
	É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável
	Da Ponte das Bandeiras o rio
	Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa.
	É noite e tudo é noite. Uma ronda de sombras,
	Soturnas sombras, enchem de noite tão vasta
	O peito do rio, que é como se a noite fosse água,
	Água noturna, noite líquida, afogando de apreensões
	As altas torres do meu coração exausto. De repente
	O ólio das águas recolhe em cheio luzes trêmulas,
	É um susto. E num momento o rio
	Esplende em luzes inumeráveis, lares, palácios e ruas,
	Ruas, ruas, por onde os dinossauros caxingam
	Agora, arranha-céus valentes donde saltam
	Os bichos blau e os punidores gatos verdes,
	Em cânticos, em prazeres, em trabalhos e fábricas,
	Luzes e glória. É a cidade... É a emaranhada forma
	Humana corrupta da vida que muge e se aplaude.
	E se aclama e se falsifica e se esconde. E deslumbra.
	Mas é um momento só. Logo o rio escurece de novo,
	Está negro. As águas oliosas e pesadas se aplacam
	Num gemido. Flor. Tristeza que timbra um caminho de morte.
	É noite. E tudo é noite. E o meu coração devastado
	É um rumor de germes insalubres pela noite insone e humana. (ANDRADE, M., 2013, p. 531-532)
	Meu rio, meu Tietê, onde me levas?
	Sarcástico rio que contradizes o curso das águas
	E te afastas do mar e te adentras na terra dos homens,
	Onde me queres levar?...
	Por que me proíbes assim praias e mar, por que
	Me impedes a fama das tempestades do Atlântico
	E os lindos versos que falam em partir e nunca mais voltar?
	Rio que fazes terra, húmus da terra, bicho da terra,
	Me induzindo com a tua insistência turrona paulista
	Para as tempestades humanas da vida, rio, meu rio!... (ANDRADE, M., 2013, p. 532)
	Mário de Andrade também foi político e fundador do Partido Democrático em 1926. Ele tinha uma preocupação pedagógica, provocando outros poetas a se engajarem em uma poesia participante. Veja o que ele disse a Carlos Drummond de Andrade em carta datada de 10 de novembro de 1924:
	Carlos, devote-se ao Brasil, junto comigo. Apesar de todo o ceticismo, apesar de todo o pessimismo e apesar de todo o século 19, seja bobo, mas acredite que é um sacrifício lindo. O natural da mocidade é crer e muitos moços não creem. Que horror! Veja os moços modernos da Alemanha, da Inglaterra, da França, dos Estados Unidos, de toda a parte: ele creem, Carlos, e talvez sem que o façam conscientemente, se sacrificam. Nós temos que dar ao Brasil o que ele não tem e que por isso até agora não viveu, nós temos que dar uma alma ao Brasil e para isso todo sacrifício é grandioso, é sublime. E nos dá felicidade. Eu me sacrifiquei inteiramente e quando eu penso em mim nas horas de consciência, eu mal posso respirar, quase gemo na pletora da minha felicidade. 
	O texto inteiro da carta você encontra em:
	http://www.revistabula.com/1466-uma-carta-de-mario-de-andrade-para-carlos-drummond/
	FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE
	Percebe-se que o eu lírico está em uma situação que manifesta a origem bíblica do homem criado do barro, um “bicho da terra”. Em função dessa origem, ele está inserido em uma maldição da qual não pode escapar, pois está sob um fluxo de águas teimosas como seriam os paulistas.
	Já nada me amarga mais a recusa da vitória
	Do indivíduo, e de me sentir feliz em mim.
	Eu mesmo desisti dessa felicidade deslumbrante,
	E fui por tuas águas levado,
	A me reconciliar com a dor humana pertinaz,
	E a me purificar no barro dos sofrimentos dos homens.
	Eu que decido. E eu mesmo me reconstituí árduo na dor
	Por minhas mãos, por minhas desvividas mãos, por
	Estas minhas próprias mãos que me traem,
	Me desgastaram e me dispersaram por todos os descaminhos,
	Fazendo de mim uma trama onde a aranha insaciada
	Se perdeu em cisco e pólen, cadáveres e verdades e ilusões. (ANDRADE, M., 2013, p. 532)
	O eu lírico rejeita a individualidade e a felicidade individual devido ao seu compromisso social por meio da escrita. A meditação sobre si é também sobre o ato de escrever. Nessa estrofe, ainda reflete que, em alguns momentos, perdeu de vista seu objetivo e tornou-se uma “aranha insaciada”. Aqui a aranha não é dona de seu destino, não teve autonomia para tecer sua teia, ou seu texto. Nota-se que a dor humana “pertinaz” tem algo em comum com o rio: a teimosia.
	Enquanto na última citada o barro purifica o eu lírico, na estrofe seguinte as “infâmias, egoísmo e traições” o sujam. Para completar, nas estrofes seguintes, o eu lírico enfatiza que no rio está sua salvação, afastando-se do mito bíblico da criação do homem, pois ele vence a “serpente”. Sua poesia mergulha no rio ou na vida humana:
	Eu vejo; não é por mim, o meu verso tomando
	As cordas oscilantes da serpente, rio.
	Toda a graça, todo o prazer da vida se acabou.
	Nas tuas águas eu contemplo o Boi Paciência
	Se afogando, que o peito das águas tudo soverteu.
	Contágios, tradições, brancuras e notícias,
	Mudo, esquivo, dentro da noite, o peito das águas, fechado, mudo,
	Mudo e vivo, no despeito estrídulo que me fustiga e devora.
	Destino, predestinações... meu destino. Estas águas
	Do meu Tietê são abjetas e barrentas,
	Dão febre, dão a morte decerto, e dão garças e antíteses.
	Nem as ondas das suas praias cantam, e no fundo
	Das manhãs elas dão gargalhadas frenéticas,
	Silvos de tocaias e lamurientos jacarés.
	Isto não são águas que se beba, conhecido, isto são
	Águas do vício da terra. Os jabirus e os socós
	Gargalham depois morrem. E as antas e os bandeirantes e os ingás,
	Depois morrem. Sobra não. Nem sequer o Boi Paciência
	Se muda não. Vai tudo ficar na mesma, mas vai!... e os corpos
	Podres envenenam estas águas completas no bem e no mal. (ANDRADE, M., 2013, p. 533-534)
	Veja um texto sobre a história do rio Tietê (e outros rios de São Paulo) neste endereço: http://vivendocidade.com/boi-paciencia-os-rios-de-nossa-sao-paulo.
	Compare essa foto de 1905 do rio Tietê com a imagem das “águas oliosas”de que fala o poema de Mário de Andrade:
	Em “A meditação sobre o Tietê”, o eu lírico percebe que o rio afoga sua paciência. Junto com essa passividade do eu lírico, o rio faz sumir os valores burgueses: “Contágios, tradições, brancuras e notícias”. O rio é capaz de engolir todos os elementos da história da cidade como mais uma evocação de que o rio representa o destino comum de todos os homens. A ironia se volta especialmente contra a Escola da Anta – as “antas” – e os bandeirantes
	As transformações históricas podem não ser grandes, mas é movimento, avisa o irônico eu lírico imitando a fala popular. As águas do rio são a origem de seu sofrimento e de sua poesia quando dão “antíteses”. Esse poder de destruição e criação do rio (ou do eu lírico) é reforçado na nona e décima estrofes:
	Me sinto o Pai Tietê! ôh força dos meus sovacos!
	Cio de amor que me impede, que destrói e fecunda!
	Nordeste de impaciente amor sem metáforas,
	Que se horroriza e enraivece de sentir-se
	Demagogicamente tão sozinho! Ôh força!
	Incêndio de amor estrondante, enchente magnânima que me inunda,
	Me alarma e me destroça, inerme por sentir-me
	Demagogicamente tão só!
	A culpa é tua, Pai Tietê? A culpa é tua
	Se as tuas águas estão podres de fel
	E majestade falsa? A culpa é tua
	Onde estão os amigos? onde estão os inimigos?
	Onde estão os pardais? e os teus estudiosos e sábios, e
	Os iletrados?
	Onde o teu povo? e as mulheres! dona Hircenuhdis Quiroga!
	E os Prados e os crespos e os pratos e os barbas e os gatos e os línguas
	Do Instituto Histórico e Geográfico, e os mu-
	seus e a Cúria, e os senhores chantres reverendíssimos,
	Celso nihil estate varíolas gide memoriam,
	Calípedes flogísticos e a Confraria Brasiliense e Clima
	E os jornalistas e os trustkistas e a Light e as
	Novas ruas abertas e a falta de habitações e
	Os mercados?... E a tiradeira divina de Cristo!... (ANDRADE, M., 2013, p. 534-535)
	Se o rio é o símbolo da existência humana, suas águas são o símbolo da literatura. Essas águas estão contaminadas (“Isto não são águas que se beba, conhecido”), apodrecidas pelas lutas de egos. O poema “A meditação sobre o Tietê” foi terminado em 1945, quando o Modernismo já estava maduro. Assim, o texto medita sobre sua história ao citar as famílias e pessoas que foram importantes para o movimento modernista, como a família que patrocinou seu início, a do poeta modernista Paulo Prado, e a revista Clima de artes e ciências humanas, criada por estudantes paulistas e editada de 1941 a 1944. Outra crítica presente na estrofe é à história de São Paulo: ao fixar um ponto específico do rio Tietê, a ponte das Bandeiras, o eu lírico torna-se um anti-bandeirante que já não entra pelo mato conquistando como Borba Gato - ou “os barbas e os gatos” – e se mistura à metrópole. Ao separar a sílaba “mu” da palavra museu, cria uma onamatopeia que, no poema, é um dos exemplos “da vida que muge” evocada na segunda estrofe.
	O poema abusa das imagens inusitadas: “Calípedes flogísticos” seriam bichos preguiça capazes de provocar combustão; “trustkistas” junta a palavra símbolo do capitalismo, trust, ao trotskismo contrarrevolucionário da União Soviética; “tiradeira divina de Cristo” transforma o Cristo em um animal de carga levando a cruz. A ironia do eu lírico se volta contra si e as instituições:
	Tu és Demagogia. A própria vida abstrata tem vergonha
	De ti em tua ambição fumarenta.
	És demagogia em teu coração insubmisso.
	És demagogia em teu desequilíbrio anticéptico
	E antiuniversitário.
	És demagogia. Pura demagogia.
	Demagogia pura. Mesmo alimpada de metáforas.
	Mesmo irrespirável de furor na fala reles:
	Demagogia.
	Tu és enquanto tudo é eternidade e malvasia:
	Demagogia.
	Tu és em meio à (crase) gente pia:
	Demagogia.
	És tu jocoso enquanto o ato gratuito se esvazia:
	Demagogia.
	És demagogia, ninguém chegue perto!
	Nem Alberto, nem Adalberto nem Dagoberto
	Esperto Ciumento Peripatético e Ceci
	E Tancredo e Afrodísio e também Armida
	E o próprio Pedro e também Alcibíades,
	Ninguém te chegue perto, porque tenhamos o pudor,
	O pudor do pudor, sejamos verticais e sutis, bem
	Sutis!... E as tuas mãos se emaranham lerdas,
	E o Pai Tietê se vai num suspiro educado e sereno,
	Porque és demagogia e tudo é demagogia. (ANDRADE, M., 2013, p. 535-536)
	O eu lírico está mais enraivecido, perdeu a paciência com ele próprio e os outros. Essa raiva o faz repetir várias vezes a palavra demagogia e considerar, no final da estrofe, que o eu lírico é “demagogia e tudo é demagogia”. É interessante notar que, no início do poema “A meditação sobre o Tietê”, é enfatizado que “tudo é noite”. Existe uma aproximação entre essa situação de “noite” e a “demagogia”. É como se o eu lírico representasse todos os setores da sociedade que manipulam as necessidades do povo. A sua poesia também é demagógica, uma literatura de fachada: “Demagogia / Tu és em meio à (crase) gente pia: / Demagogia”. Além dessa alusão à escrita, o poema cita uma demagogia sem metáforas, o que pretensamente a diferencia da tradição literária. Observam-se nesse trecho um uso especial de palavras para criar uma atmosfera falsa, inútil, de fachada, como “ambição fumarenta”; a homofonia de “anticéptico”, que lembra “antisséptico”; e a brincadeira da rima “erto” nos nomes próprios.
	Nota-se que o único ser não demagógico no poema é o Tietê. Por outro lado, as mãos emaranhadas e lerdas são uma alusão às complicações e aos embaraços do ato de escrever. Em oposição à delicadeza e à serenidade educada do rio, o poema cita a grosseria do eu lírico que é um vestígio da demagogia generalizada dos políticos:
	Olha os peixes, demagogo incivil! Repete os carcomidos peixes!
	São eles que empurram as águas e as fazem servir de alimento
	Às areias gordas da margem. Olha o peixe dourado sonoro,
	Esse um é presidente, mantém faixa de crachá no peito,
	Acirculado de tubarões que escondendo na fuça rotunda
	O perrepismo dos dentes, se revezam na rota solene,
	Languidamente presidenciais. Ei-vem o tubarão-martelo
	E o lambari-spitfire. Ei-vem o boto-ministro.
	Ei-vem o peixe-boi com as mil mamicas imprudentes,
	Perturbado pelos golfinhos saltitantes e as tabaranas
	Em zás-trás dos guapos Pêdêcê e Guaporés.
	Eis o peixe-baleia entre os peixes muçuns lineares,
	E os bagres do lodo oliva e bilhões de peixins japoneses;
	Mas é asnático o peixe-baleia e vai logo encalhar na margem,
	Pois quis engolir a própria margem, confundido pela facheada.
	Peixes aos mil e mil, como se diz, brincabrincando
	De dirigir a corrente, com ares de salva-vidas.
	E lá vem por debaixo e por de-banda os interrogativos peixes
	Internacionais, uns rubicundos sustentados de mosca,
	E os espadartes a trote chique, esses são espadartes! e as duas
	Semanas Santas se insultam e odeiam, na lufa-lufa de ganhar
	No bicho o corpo do Crucificado. Mas as águas,
	As águas choram baixas num murmúrio lívido, e se difundem
	Tecidas de peixe e abandono, na mais incompetente solidão. (ANDRADE, M., 2013, p. 536-537)
	Palavra-valise ou palavra entrecruzada “[...] designa o vocábulo resultante de partes de outros vocábulos, não raro a primeira e a última. [...] Empregada notadamente por escritores experimentalistas ou de vanguarda” (MOISÉS, 2004, p. 333). No poema “A meditação sobre o Tietê”, são exemplos desse tipo as palavras “brincabrincando” e “murmulho”.
	Para falar dos políticos, o eu lírico usa uma linguagem bem popular como a expressão “Ei-vem” e os adjetivos que personificam os peixes. Reforça o sentido pejorativo quando faz uma quase homofonia ao usar “imprudente” e “asnático” em vez de “impudente” e “asiático”. A falta de respeito aos partidos e políticos que exploram o povo – inclusive aquele que seria criado em 1945, o Partido Democrata Cristão (PDC), e o Partido de Representação Popular (PRP), proprietário do Correio Paulistano, que apoiou a vanguarda da Semana de Arte Moderna (BOSI, 2006, p. 339) – continua nos seguintes versos:
	Vamos, Demagogia! eia! sus! aceita o

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