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Apostila Completa - LITERATURA PIAUIENSE

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1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LITERATURA PIAUIENSE 
________________________________________________ 
Wellington de Jesus Soares 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 
 
 
APRESENTAÇÃO 
 
 
 
Comparada às outras, a nossa literatura, de expressão local, é ainda muito jovem, 
criança que mal começou a dar os primeiros passos. E literatura para se firmar, como se 
sabe, demanda tempo e trabalho contínuo dos apaixonados pela arte da palavra. 
A Literatura Portuguesa data do século XII, com o lançamento da Cantiga da 
Ribeirinha (1189/1198), de Paio Soares de Taveirós, tendo, portanto, mais de oito séculos 
de existência. Nela despontam as genialidades de Camões, Eça de Queiroz, Fernando 
Pessoa e José Saramago. 
Iniciada em 1500 com a Carta de Achamento do Brasil, de Pero Vaz de Caminha, 
escrivão da frota de Cabral, a Literatura Nacional tem uns 500 e tantos anos. Entre os 
nomes conhecidos dentro e fora do país, sobressaem Alencar, Machado, Clarice, 
Graciliano, Vinícius, Guimarães Rosa e Drummond. 
Quanto à “Literatura Piauiense”, considerando Poemas, de Ovídio Saraiva, como 
marco introdutório, texto lançado em 1808, ela tem apenas 207 anos de vida, um reduzido 
número de leitores e raros autores com projeção fora do Estado. 
Entenda-se esse termo em relação, como recurso didático, aos livros produzidos 
por escritores nascidos ou não aqui, que, de uma forma ou outra, mantêm laços 
sanguíneos e afetivos com o Piauí, quer abordando temas regionais (Fontes Ibiapina) ou 
universais (Mário Faustino). 
A falta de uma cronologia oficial da literatura local, definida e aprovada pelos 
críticos, além da APL e dos cursos de Letras, tem gerado muita controvérsias nas diversas 
esferas de ensino, dificultando o aprendizado de todos, sobretudo, dos maiores 
interessados na matéria: alunos e professores. 
Daí o presente estudo, neste curso de 60 horas, priorizar nomes já consagrados 
de nossa literatura. Num primeiro momento, serão vistos quatro autores: Da Costa e Silva, 
O. G. Rego de Carvalho, Assis Brasil e Torquato Neto. No segundo, mais três: H. Dobal, 
Mário Faustino e Fontes Ibiapina. Com eles, e sem desmerecer os demais, a Literatura de 
Expressão Piauiense está devidamente representada. 
Em certa ocasião, o crítico Antônio Cândido, um dos mais respeitados no país, 
escreveu algo sobre a literatura brasileira que, provavelmente, diz respeito à nossa 
também. Ou não? 
 
“Comparada às grandes, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela, não há 
outra, que nos exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem; e se não a 
amarmos, ninguém o fará por nós. Se não lermos as obras que a compõem, ninguém as 
tomará do esquecimento, descaso ou incompreensão.” 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
 
Sumário 
Texto para reflexão 1 ...................................................................................................................................... 5 
Da Costa e Silva .............................................................................................................................................. 7 
Autor ............................................................................................................................................................ 7 
Obra ............................................................................................................................................................. 7 
Características .............................................................................................................................................. 8 
Temas ........................................................................................................................................................... 8 
Influências .................................................................................................................................................... 9 
Comentários ................................................................................................................................................. 9 
Texto para reflexão .................................................................................................................................... 10 
Poemas selecionados ................................................................................................................................. 12 
Texto complementar .................................................................................................................................. 15 
O. G. Rego de Carvalho ................................................................................................................................ 18 
Autor .......................................................................................................................................................... 18 
Obra ........................................................................................................................................................... 18 
Características ............................................................................................................................................ 19 
Temas ......................................................................................................................................................... 19 
Influências .................................................................................................................................................. 19 
Comentários ............................................................................................................................................... 20 
Texto para reflexão .................................................................................................................................... 21 
Textos selecionados ................................................................................................................................... 22 
Torquato Neto ............................................................................................................................................... 24 
Autor .......................................................................................................................................................... 24 
Obra ........................................................................................................................................................... 24 
Características ............................................................................................................................................ 26 
Temas ......................................................................................................................................................... 26 
Influências .................................................................................................................................................. 26 
Comentários ............................................................................................................................................... 26 
Texto para reflexão .................................................................................................................................... 27 
Textos selecionados ................................................................................................................................... 31 
Assis Brasil ..................................................................................................................................................... 37 
Autor .......................................................................................................................................................... 37 
Obra ........................................................................................................................................................... 37 
Características ............................................................................................................................................38 
Temas ......................................................................................................................................................... 39 
4 
 
Influências .................................................................................................................................................. 39 
Comentários ............................................................................................................................................... 39 
Texto para reflexão .................................................................................................................................... 42 
 Textos selecionados .................................................................................................................................. 43 
Fontes Ibiapina .............................................................................................................................................. 45 
Autor .......................................................................................................................................................... 45 
Obra ........................................................................................................................................................... 45 
Características ............................................................................................................................................ 46 
Temas ......................................................................................................................................................... 47 
Influências .................................................................................................................................................. 47 
Comentários ............................................................................................................................................... 47 
Texto para reflexão .................................................................................................................................... 48 
 Textos selecionados .................................................................................................................................. 50 
H. Dobal ......................................................................................................................................................... 54 
Autor .......................................................................................................................................................... 54 
Obra ........................................................................................................................................................... 55 
Características ............................................................................................................................................ 55 
Temas ......................................................................................................................................................... 56 
Influências .................................................................................................................................................. 56 
Comentários ............................................................................................................................................... 56 
Texto para reflexão .................................................................................................................................... 58 
 Textos selecionados .................................................................................................................................. 59 
Mário Faustino .............................................................................................................................................. 64 
Autor .......................................................................................................................................................... 64 
Obra ........................................................................................................................................................... 64 
Características ............................................................................................................................................ 65 
Temas ......................................................................................................................................................... 65 
Influências .................................................................................................................................................. 65 
Comentários ............................................................................................................................................... 65 
Texto para reflexão .................................................................................................................................... 66 
 Poemas selecionados ................................................................................................................................ 67 
Bibliografia .................................................................................................................................................... 71 
 
 
5 
 
 Texto para reflexão 
 
 
LITERATURA PIAUIENSE: UM CONCEITO EM CONSTRUÇÃO 
 
Ao falar de “Literatura Piauiense”, sentimos a necessidade de delimitar o que 
consideramos como tal. O que significa, afinal, essa denominação? 
Primeiro, é bom lembrar que a produção literária a que nos referimos é, ao mesmo 
tempo, parte e todo. Pertence àquele conjunto maior que chamamos literatura nacional ou 
literatura brasileira, sem, entretanto, deixar de possuir uma certa individualidade, ou seja, 
uma singularidade, que a distingue da literatura nacional e das demais literaturas 
regionais. 
Historicamente, a literatura piauiense tem enfrentado o desafio de tornar-se parte 
significativa da literatura brasileira, legitimada pela crítica nacional e, ao mesmo tempo, 
apresentar-se como uma literatura de expressão “piauiense”, contribuindo, de forma 
decisiva, para a construção da identidade cultural do Estado. 
O movimento de construção da identidade da literatura piauiense teve origem no 
início do século XX, quando emergiram os primeiros trabalhos da crítica literária local 
estimulados pelo desenvolvimento da imprensa e pelo incremento da publicação de obras 
literárias do Estado. Na visão de nossos intelectuais daquele período, a construção do 
conceito de literatura piauiense dependia de um reconhecimento nacional, que desse 
legitimidade àquela produção, afirmando o talento literário dos autores piauienses. 
O critério de legitimação da literatura piauiense por meio da crítica nacional 
restringe-se, no entanto, ao substantivo “literatura”, primeiro termo da denominação em 
análise, remetendo-nos, assim, à questão específica: a produção escrita pelos piauienses 
tem mesmo valor literário? É de fato um objetivo estético criado através da palavra? 
O outro termo, no caso, o adjetivo "piauiense” tem a função de recortar dentro 
daquele conjunto maior da literatura brasileira a parte correspondente ao Estado do Piauí, 
ou seja, a expressão genuinamente piauiense que se distingue de todas as outras 
expressões literárias produzidas no País. 
Os critérios para delimitar o significado desse adjetivo “piauiense” são vários. Um 
deles é decorrente da biografia dos autores. Nesse caso, considera-se literatura piauiense 
toda obra produzida por autores nascidos no Piauí. Privilegiando a biografia dos autores, 
podemos, ainda, considerar “piauiense” a obra de autores radicados em outros Estados. 
A vantagem desse critério é a sua abrangência, que permite a incorporação de autores 
como Ovídio Saraiva e Mário Faustino, que nasceram no Piauí e se radicaram em outros 
centros, ou, então, caso contrário, autoresque nasceram em outros Estados e que se 
radicaram, permanentemente ou temporariamente, no Piauí, como Higino Cunha, 
Adalberto Peregrino, Odilo Costa Filho, para citar apenas os mais antigos. 
Por outro lado, esse mesmo critério aplicado a outras literaturas poderia nos 
subtrair alguns dos nossos autores, por exemplo, Taumaturgo Vaz, Jonas da Silva, Félix 
Pacheco, Da Costa e Silva e Amélia de Freitas Bevilacqua, os quais não só tiveram seus 
livros editados em outros Estados, como também viveram a maior parte do tempo fora do 
Piauí. Nessa situação, ainda poderia ser citado Lucídio Freitas, que, durante algum tempo, 
viveu em Belém do Pará, exercendo a docência na Faculdade de Direito daquele Estado 
e participando do movimento cultural de Belém, onde publicou sua primeira obra 
independente Vida obscura, de 1917. 
Um critério menos abrangente recortaria aquelas obras literárias que dão conta 
de uma realidade humana e social reconhecível como essencialmente piauiense. Esse 
critério englobaria os poemas sertanejos de Hermínio Castelo Branco, grande parte da 
poesia de Da Costa e Silva e de H. Dobal, a narrativa ficcional de Francisco Gil Castelo 
Valéria
Realce
Valéria
Realce
Valéria
Realce
Valéria
Realce
Valéria
Realce
Valéria
Realce
Valéria
Realce
6 
 
Branco, Abdias Neves, João Pinheiro, Fontes Ibiapina, O.G. Rego de Carvalho, parte da 
obra de Assis Brasil e muitos outros autores, mas deixaria de contemplar as obras de 
autores, tais como: Jonas da Silva, Félix Pacheco, Celso Pinheiro, Mário Faustino, para 
não citar uma extensa lista. 
Ainda se poderia estabelecer outros parâmetros para definir o que é “literatura 
piauiense”. Um bastante interessante é o de incluir o público original da obra, ou seja, 
aquele a quem o autor destinou sua obra e com o qual pretende manter um diálogo. Seria 
o caso de perguntar-se: qual o leitor visado pelo autor no momento da publicação de sua 
obra? O leitor local? Existe um público de leitores piauienses com os quais os autores 
mantêm uma relação dialógica? É claro que uma obra que não tenha sido destinada 
originariamente ao leitor piauiense pode posteriormente entrar em sintonia com este 
público e com ele estabelecer um diálogo significativo. É talvez o caso de Ataliba, o 
vaqueiro, de Francisco Gil Castelo Branco, que passou mais de cem anos totalmente 
desconhecido do público local e que, atualmente, vem sendo lido e discutido por um 
considerável número de leitores piauienses. 
Sem querer estender a discussão, que comporta ainda muitos outros argumentos, 
queremos apenas afirmar que nenhum critério definidor da literatura piauiense deve ser 
utilizado de maneira excludente. Tratando-se de uma literatura emergente, não devemos 
recusar nem descartar autores e obras; pelo contrário, precisamos engrossar o caldo da 
literatura piauiense, absorvendo o maior número possível de componentes. Acreditamos 
que o papel da crítica literária é fazer um recorte mais abrangente possível e depois 
classificar, colocando em ordem no conjunto, organizando autores e obras de acordo com 
critérios claros e coerentes, sem, entretanto, abrir mão de nada; ao contrário, apropriando-
se do maior número possível de autores e obras. 
 
Profª. Dra. Maria do Socorro Rios Magalhães. In: Correio Corisco 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DA COSTA E SILVA 
Valéria
Realce
7 
 
 
Fez-me Poeta o Destino 
 
Quando nasci, o Destino 
Fez-me poeta, ainda no berço; 
Tanto assim que, pequenino, 
Minha mãe, rezando o terço, 
Pensava no meu destino, 
Entre os vaivéns do meu berço.. 
 
 (Da Costa e Silva. In: Verônica) 
 
 O AUTOR 
 
Seu nome completo é Antônio Francisco da Costa e Silva, mas responde pelo 
nome literário de Da Costa e Silva. Nasceu em Amarante, na rua das Flores, em 23 de 
novembro de 1885. 
Ainda na terra natal, teve alguns poemas publicados na Revista do Grêmio 
Amarantino. Já em Teresina, concluiu os preparatórios no Liceu Piauiense, transferindo-
se depois para Recife, onde cursou Direito. 
Como Delegado Fiscal do Tesouro Nacional, órgão do Ministério da Fazenda, 
emprego conquistado por concurso, morou em vários estados no exercício da função: 
Minas, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Amazonas e Maranhão. 
Casou-se duas vezes: com a primeira mulher, Alice Salles Salomon, teve três 
filhos - Márcio, Mário e Benedito; com a segunda, Creusa Fontenele, outros três – Alice, 
Alberto e Elisabete. 
Ainda hoje é o poeta mais popular do Estado, eleito “Príncipe dos Poetas 
Piauienses”, autor da letra do Hino do Piauí e membro da Academia Piauiense de Letras 
(APL). 
Vítima de um infarto, faleceu em 29 de junho de 1950, no Rio de Janeiro, depois 
de viver um longo tempo mergulhado em profundo silêncio (“exílio de si mesmo”) e 
afastado da escrita. 
 
 
 A OBRA 
 
Da Costa e Silva representou um papel poético da 
maior relevância em sua época, mesmo sendo autor de uma 
meia dúzia de livros, escritos e publicados ao longo de 19 
anos, entre 1908 e 1927. 
Alguns críticos o apontam tão bom quanto os poetas 
Augusto dos Anjos, paraibano, e o poeta José Albano, 
cearense. Pena não ter ainda merecido o reconhecimento 
nacional. 
Não fosse o trabalho empreendido pelo filho Alberto 
da Costa e Silva, ex-presidente da ABL e poeta da melhor 
qualidade também, provavelmente sua obra já estivesse 
esquecida. 
 
 
 
 
Livro Ano Dados 
8 
 
Sangue 1908 Estreia simbolista e de invulgar 
domínio formal. 
Zodíaco 1917 Considerado seu melhor livro. 
Pandora 1919 Preocupação formal e mitologia 
clássica 
Verônica 1927 Subjetivismo e saudade da esposa 
morta. 
Alhambra 1928/1933 Obra inconclusa. 
Poesias completas 1950 Todos os livros num único volume. 
 
 
 CARACTERÍSTICAS DA OBRA 
 
Como todos os autores do começo do século XX, Da Costa e Silva fundiu em sua 
poética traços parnasianos (rigor formal, soneto e objetivismo) e simbolistas (linguagem 
musical, sugestão e individualismo), num jogo sincrético de estilos típicos desse período. 
Embora tenha usado a destreza técnica, que conhecia a fundo, não deixou que 
sua poesia se tornasse particularmente difícil, árdua e, menos ainda, hermética a ponto 
de ser incompreensível aos leitores. 
Quanto à linguagem utilizada nos textos, embora culta e trabalhada, foi dotada, 
segundo José Guilherme Merquior, de uma dimensão de oralidade como que incorporada 
à sua própria natureza íntima. Além, de uma inserção social, destaca o crítico 
Mas o traço marcante de sua poética é, de forma inequívoca, o caráter lírico que 
perpassa o conjunto da obra, como se pode constatar nos versos abaixo: 
 
“Mas foi tamanha a minha desventura, 
Que pendurei, muda e quebrada, a lira 
No salgueiro da tua sepultura.” 
 
 
 TEMAS ABORDADOS 
 
Os críticos são unânimes em destacar a saudade como o eixo temático mais 
importante de sua obra, notadamente em relação a Amarante, ao rio Parnaíba e à sua 
mãe. 
Outro assunto muito presente em seus textos é a chamada poesia da natureza, 
sobre a qual dedica um livro completo, Zodíaco, evocando elementos diversos da flora e 
fauna. 
Impossível esquecer ainda os poemas dedicados à “musa uxória”, nos quais 
cantou a esposa morta, reunidos na segunda parte de Verônica, seu último livro completo. 
Da Costa e Silva soube também, a exemplo dos grandes poetas, refletir sobre a 
própria condição humana, tão bem retratada filosoficamente na seguinte estrofe: 
 
“Feliz daquele que os seus atos pauta 
Dentro dos dons da vida que o rodeia, 
E acha o leito macio e a mesa lauta 
Na indiferença da fortuna alheia.” 
 
 
 INFLUÊNCIAS LITERÁRIAS 
 
9 
 
Suas influências literárias foram muitas e distintas, inspirando-se sempre em 
grandes autores, nas suas obras e estilos, nunca perdendo a oportunidade de reverenciá-
los. 
Entre os franceses, destacam-se Verlaine, Baudelaire e Mallarmé. Quanto aos 
portugueses, bebeu em Antero de Quental, Antônio Nobre e Cesário Verde. Na literatura 
norte-americana, a fontefoi Edgar Allan Poe. Já da produção nacional, despontam Cruz 
e Sousa e Alphonsus de Guimaraens, nutrindo por este último especial devoção. 
Mas foi ao poeta belga Émile Verhaeren, a quem se referia como “mestre”, que 
dedicou um belo poema de caráter elegíaco, quando este faleceu num acidente de trem 
em 1916. 
 
“Mestre, tu que exaltaste a vertigem da vida 
Nas forças tumultuosas do progresso, 
Ampliando o mundo à ação da humanidade forte, 
Morres, sentindo-a sob as rodas de um expresso 
Com seus cavalos de vapor a toda a brida, 
Na fogosa pressão da máquina, seguida 
Da longa procissão dos vagões de transporte, 
Na indiferente e célere corrida, 
Ao ruidoso rumor dos seus carros de morte!” 
 
 
 COMENTÁRIO DOS LIVROS 
 
Sangue 
Lançado quando o poeta, aos 23 anos, cursava Direito em Recife. 
Livro de caráter simbolista. Escorrem pelos textos o sentimento de amor 
materno, o apego à terra natal e a identificação com o rio Parnaíba, 
batizado de “Velho Monge”. Entre os poemas consagrados da obra de 
estreia, destacam-se “Cântigo do sangue”, “Deusa pagã”, “Rio das garças”, 
“Mater”, “Madrigal de um louco”, “Ironia eterna” e, o mais consagrado de 
todos, “Saudade”, soneto tido, sob a visão dos críticos, como “um dos mais 
belos momentos da poesia de língua portuguesa”. 
 
Zodíaco 
Um verdadeiro cântico de louvor à Natureza, em toda sua beleza e amplitude. 
Como afirma Osório Borba, “mais parece trechos de música, na sua missão sutilíssima de 
produzir os diversos ruídos do mundo”. Aqui o poeta amantino presta homenagem à flora, 
à fauna, às estações do ano e, de forma telúrica, à terra natal. O livro ostenta, como 
epígrafe, um quarteto de Verhaeren e uma dedicatória – “Ao meu longínquo Piauí – na 
divina evocação de sua natureza maravilhosa”. Entre os textos, constam dois poemas de 
defesa ecológica: “A Queimada” e a “A Derrubada”. 
 
Verhaeren 
Na verdade, é apenas um poema lamentando a morte e celebrando, em versos 
polimétricos, a liberdade e a grandeza da poesia de Émile Verhaeren, simbolista belga 
falecido num acidente de trem. Texto de caráter elegíaco. 
 
Pandora 
Considerada sua obra mais parnasiana, tanto pelo rigor técnico como pela 
retomada da cultura greco-latina. Essa ortodoxia dos chamados impassíveis é observada 
logo em “Canto Espiritual”, poema de abertura do livro: “Ânsia de perfeição! Glória 
10 
 
legítima, / Por quem o meu espírito se eleva / Para o infinito, na atração da luz”. Observa-
se nos textos, do ponto de vista temático, uma bela combinação entre lirismo e 
sensualismo, harmonizados pela sensibilidade e o talento do poeta, como ilustra o soneto 
II do “Canto do Fauno”, na 4ª edição de Poesias Completas, de 2000. 
 
Verônica 
Em seu último livro publicado em vida, de espírito elegíaco e traços simbolistas, 
Da Costa e Silva lamenta a partida de Alice e expressa o amor que sentia pela esposa 
morta, sobretudo, na segunda parte da obra – “Imagens do Amor e da Morte”. De acordo 
com a crítica, a linguagem de Verônica é límpida, concisa e fluida; há menos contemplação 
realista do que em Zodíaco, ou sonhadora e lembrada do que em Pandora. 
 
Alhambra 
Não chegou a ser lançado como livro autônomo. O que aparece sob esse título, 
na edição de 1950 de Poesias Completas, são textos publicados pela imprensa entre 1928 
e 1933. Para Alberto da Costa e Silva, “melhor seria julgá-los como poemas inacabados”. 
Em experimentos modernistas, merecem destaque “O carrossel fantasma” e “Refrão do 
trem noturno”. 
 
 
 TEXTO PARA REFLEXÃO 
 
 
A Lição Perene 
 ( Fausto Cunha ) 
 
A nova edição das Poesias Completas de Da Costa e Silva (Nova Fronteira, 
1985), comemorativa do centenário de nascimento do poeta, nos põe mais uma vez em 
contato com uma das expressões mais altas da poesia brasileira deste século. Organizado 
com o maior carinho por seu filho, e também poeta, Alberto da Costa e Silva, esse belo 
volume sai num momento em que a poesia parece estar recuperando um pouco de seu 
antigo prestígio entre nós. Há uma sede de boa poesia entre os leitores mais jovens — e 
os concursos mostram que nunca se escreveu tanta poesia como agora. À parte alguns 
equívocos inevitáveis, os que têm alguma coisa a dizer já descobriram que sem os 
instrumentos de uma arte poética o melhor da inspiração, e mesmo do talento, se perderá. 
Só os ingênuos se permitem acreditar que nada existiu antes deles, e que podem 
prescindir dos liames imemoriais que fazem de cada poeta o continuador do mesmo e 
infinito poema. Em poucos poetas brasileiros essa lição é tão nítida e profunda quanto em 
Da Costa e Silva. 
Foi ele um dos poucos poetas realmente populares ao longo de várias décadas, 
presença em toda sorte de publicações e antologias, recitado e imitado. Essa 
popularidade não pode ser subestimada, porque ele a repartiu com dois outros grandes 
poetas do mesmo período, Raul de Leoni e Augusto dos Anjos. O que chama a atenção 
é que nenhum dos três escrevia na clave do popularesco e do fácil: um deles cultivava 
uma linguagem difícil, os dois outros primavam pelo requinte formal. E são exatamente 
esses três que mantêm nosso interesse crítico por todo um grupo de poetas de transição, 
situados entre as últimas manifestações do parnasianismo e do simbolismo e os primeiros 
vagidos do modernismo. 
Recapitulando alguns poemas de Da Costa e Silva que se tornaram mais 
conhecidos — e que eram literalmente antológicos — , vemos que nenhum deles 
envelheceu. Pelo contrário. Depois do modernismo, temos o distanciamento e a visão 
11 
 
armada para avaliá-los melhor, e penetrar, sem emoções de fundo temático, no que 
trazem de essencial como poesia pura. Páginas como "Saudade", "A moenda", "Minha 
terra", "Vale de lágrimas", "Visões da morte", "Rosa Mística", "Rio das Garças", "A balsa", 
"Natureza sofredora" — e, mais tarde, esse "Adeus à vida", digno de um Antero de Quental 
— revelam o delicado trabalho de elaboração da obra-prima, a que não faltam lampejos 
de genialidade. As pequenas alterações que ele introduziu nos versos — e das quais 
Alberto da Costa e Silva nos dá expressiva relação no final do volume — mostram sua 
ânsia de perfeição e uma aguçada sensibilidade para com os detalhes mínimos, a exemplo 
de Alberto de Oliveira, que o antecipa, mas não o supera, no extraordinário domínio 
técnico do verso. Basta mencionar as sutis modificações em três versos do soneto 
"Saudade", que o tornaram perfeito: "E, ao vento, as folhas lívidas cantando/ A saudade 
imortal de um sol de estio", em vez de : E à noite as folhas lívidas cantando/ A saudade 
infeliz de um sol de estio", e sobretudo "As mortalhas de névoa sobre a serra" em vez de 
"Ai ! mortalhas de névoa sobre a serra", onde a substituição do lamento interjetivo não só 
eliminou um ruído anômalo na cadência dos versos como propiciou uma imagem de forte 
sugestividade. 
Pode-se observar que muitos dos poemas antologizados de Da Costa e Silva 
pertencem ao seu primeiro livro, Sangue, de 1908, publicado no Recife; não é, pois, de 
surpreender que com ele se tenha consagrado nacionalmente. Essa consagração teria 
bastado. Mas em 1917 o poeta desponta com outro grande livro, Zodíaco. Dois anos 
depois sai Pandora. Houve outra longa pausa, até Verônica , de 1927. Ainda jovem, Da 
Costa e Silva está no auge de sua forma. A recepção crítica foi boa, um dos sonetos do 
livro, "Adeus à vida", incorporou-se àquele grupo de eleição que se aloja, misteriosamente, 
na memória do público. Penso, no entanto, que somente agora podemos vislumbrar 
alguns dos aspectos mais significativos de Verônica, e que apontam para a sua 
excepcionalidade. 
Em Pandora, a epígrafe de Rubén Darío — um poeta de larga ressonância no 
Brasil — já fazia supor que se estabelecera o contato entre Da Costa e Silva e o 
modernismo espanhol (o qual, não custa advertir, nada tem a ver com o nosso, bastante 
posterior). Em Verônica se revela a síntese formal, o pensamento criador adquire a sua 
plena maturidade. O poetadesde muito que havia aprendido o verso livre de Verhaeren e 
Maeterlinck. Darío foi a chama que incendiou e renovou a poesia espanhola. O que em 
Verônica nos chama hoje particularmente a atenção, além do impressionante domínio 
formal, e talvez mais do que este, são alguns pequenos poemas que nos lembram de 
imediato (e daí a referência a Darío) a maneira de Juan Ramón Jiménez. "Subia a lua, 
leve", "Vivo como um sonâmbulo", "Na tarde azul e triste", "Sou como um rio misterioso", 
"A última ilusão", "A escada de sonho", são pequeninas obras-primas, como aquelas 
distribuídas com aparente negligência (mas obtidas à custa de angustiada procura) pelo 
poeta de Eternidades. Exemplar dessa rara maestria é "A escada de sonho", com seu jogo 
de assonâncias que parecem fluir com naturalidade. 
As peças recolhidas em Alhambra comprovam que Da Costa e Silva estava pronto 
para o "salto modernista", numa linha semelhante à de Felipe d'Oliveira, Manuel Bandeira, 
Jorge de Lima, algo até de Mário de Andrade. Numa antologia do nosso modernismo, ele 
já tem o seu lugar com "O Refrão do trem noturno" e o "Carrossel fantasma". A página 
sonora e luminosa que é "O despertar no Amazonas", de 1928, espelha mais uma vez a 
paixão telúrica que está no sangue de toda a poesia de Da Costa e Silva. Importa notar 
aqui, mais que a facilidade com que o poeta transitava entre uma e outra estética, sua 
admirável sensibilidade à forma como o poema devia revestir-se. Sua inexaurível riqueza 
formal pode ofuscar-nos, mas não impedir-nos de descer mais fundo. Eis que o grande 
poeta é o nosso guia, ou captando e transfigurando a paisagem, ou pulsando a angústia 
12 
 
secreta e o frêmito lírico da sofredora alma humana. Se é, e por que é um poeta perene, 
a razão está aí. 
 
 
 POEMAS SELECIONADOS 
 
Texto 1: 
 
A moenda 
Na remansosa paz da rústica fazenda, 
À luz quente do sol e à fria luz do luar, 
Vive, como a expiar uma culpa tremenda, 
O engenho de madeira a gemer e a chorar. 
 
Ringe e range, rouquenha, a rígida moenda; 
E, ringindo e rangendo, a cana a triturar, 
Parece que tem alma, adivinha e desvenda 
A ruína, a dor, o mal que vai, talvez, causar... 
 
Movida pelos bois tardos e sonolentos, 
Geme, como a exprimir, em doridos lamentos, 
Que as desgraças por vir sabe-as todas de cor. 
 
Ai! dos teus tristes ais! Ai! moenda arrependida! 
– Álcool! Para esquecer os tormentos da vida 
E cavar, sabe Deus, um tormento maior! 
 
(Da Costa e Silva. In: Zodíaco) 
 
 
Texto 2: 
 
Rio das garças 
Na verde catedral da floresta, num coro 
Triste de cantochão, pelas naves da mata, 
Desce um rio a chorar o seu perpétuo choro... 
E o amplo e fluido lençol das lágrimas desata... 
 
Caudaloso a rolar, desde o seu nascedouro, 
Num rumor de orações no silêncio da oblata, 
 Ao sol – lembra um rocal todo irisado de ouro, 
Ao luar – rendas de luz com vidrilhos de prata. 
 
 Alvas garças a piar, arrepiadas de frio, 
Seguem de absorto olhar a vítrea correnteza. 
Pendem ramos em flor sobre o espelho do rio... 
 
É o Parnaíba, assim carpindo as suas mágoas, 
 – Rio da minha terra, ungido de tristeza, 
refletindo o meu ser à flor móvel das águas. 
 
13 
 
(Da Costa e Silva. In: Sangue) 
 
 
 
Texto 3: 
 
O ÚNICO BEM 
Lutei, sonhei, sofri, desde criança, 
Nesta inquietude, nesta vã tortura 
De quem jamais consegue o que procura 
E, se consegue, perde quanto alcança. 
 
Já nem me resta ao menos a esperança, 
Para a ilusão da glória e da ventura; 
Nem a fé, ante a dúvida, perdura, 
Desde que o amor, num túmulo descansa. 
 
Tanto alcancei, quanto perdi, de sorte 
Que, em suprema renúncia, a alma vencida 
Não devera aspirar senão à morte. 
 
Mas, como a sorte me foi tão funesta, 
Aprendi muito mais a amar a vida, 
Porque é o único bem que ainda me resta. 
 
(Da Costa e Silva. In: Verônica) 
 
 
 
 
Texto 4: 
 
Saudade 
Saudade! Olhar de minha mãe rezando, 
E o pranto lento deslizando em fio... 
Saudade! Amor da minha terra... O rio 
Cantigas de águas claras soluçando. 
 
Noites de junho... O caburé com frio, 
Ao luar, sobre o arvoredo... piando, piando... 
E, ao vento, as folhas lívidas cantando 
A saudade mortal de um sol de estio. 
 
Saudade! Asa de dor do pensamento! 
Gemidos vãos de canaviais ao vento... 
As mortalhas de névoa sobre a serra. 
 
Saudade! O Parnaíba – velho monge 
As barbas brancas alongando... E, ao longe, 
O mugido dos bois da minha terra... 
 
14 
 
(Da Costa e Silva. In: Sangue) 
 
 
 
Texto 5: 
 
 
REFRÃO DO TREM NOTURNO 
 
Corre o trem dentro do túnel estrelado da noite 
tonto de velocidade 
ávido de espaço 
a arrastar uma rua ruidosa de carros 
e lá vai 
acelerando mais e mais as rodas rápidas 
da máquina que marcha 
— Muita força pouca terra 
muita força pouca terra 
 
Andam, resfolegam, sopram, bufam 
os cavalos-vapor a galopar invisíveis 
nitrindo aflitos 
silva a locomotiva 
a pupila alucinada reverberando na treva 
— compasso de relâmpago 
tomando a distância 
perdida na noite 
 — Muita força pouca terra 
 muita força pouca terra 
 
 
Em disparada o comboio foge trepidando 
ao vaivém dos vagões entrechocados na carreira 
como elefantes perseguidos no deserto 
 
É um pesadelo sob o silêncio o trem que passa 
o trem que desfila como um sonho rumoroso 
o trem que leva oscilando na perspectiva fugidia 
 
montes 
o trem que se lança no espaço como a vida no tempo 
 
 — Muita força pouca terra 
muita força pouca terra 
 
(Da Costa e Silva. In: Alhambra) 
 
Texto 6: 
 
Amarante 
A minha terra é um céu, se há céu sobre a terra: 
15 
 
É um céu sob outro céu tão límpido e tão brando, 
Que eterno sonho azul parece estar sonhando 
Sobre o vale natal, que o seio à luz descerra... 
 
Que encanto natural o seu aspecto encerra! 
Junto à paisagem verde, a igreja branca, o bando 
Das casas, que se vão, pouco a pouco, apagando 
Com o nevoento perfil nostálgico da serra... 
 
Com seu povo feliz, que ri das próprias mágoas, 
Entre os três rios, lembra uma ilha, alegra e linda, 
A cidade sorrindo aos ósculos das águas. 
 
Terra para se amar com o grande amor que eu tenho! 
Terra onde tive o berço e de onde espero ainda 
Sete palmos de gleba e os dois braços de um lenho! 
 
(Da Costa e Silva. In: Zodíaco) 
 
 
 
 
 
TEXTO COMPLEMENTAR 
 
 
 AUTOBIOGRAFIA PÓSTUMA 
 
 
 
"Eu sou tal Parnaíba: existe 
Dentro em meu ser uma tristeza inata” 
 
 
 
”No dia em que nasci, fadou-me Apolo / a uma vida de júbilos e penas". Foi em 23 
de novembro de 1885. Amarante, uma cidade "debruçada sobre as águas / lentas e 
sonolentas do Parnaíba", acolheu-me em seu solo. 
“Fui o mais feliz dos meninos do meu tempo”. Tive uma "infância ruidosa". Passei-
a em contato com a natureza, "entre os rios, as árvores e a serra”. Na ponte sobre o riacho 
Mulato, um "manso riacho”, brinquei quando menino, "curvado sobre a gruta, a ouvir a 
fonte...” Pelos lajedos do morro, corri muito. Tudo isso viria, mais tarde, marcar 
profundamente a minha poesia. 
“Quando nasci, o Destino / fez-me poeta, ainda no berço". "Fui pelas musas 
embalado ao colo". Os meus primeiros versos foram publicados na Revista do 
Grêmio Amarantino, por volta de 1901. Mas não só me interessei pela poesia, dediquei-
me também à escultura em madeira, fazia imagens: "já tinha o dom divino de um criador 
de imagens". 
" Saudade! Amor da minha terra...” 
" Saudade! Olhar de minha mãe” 
16 
 
Muito cedo tive que deixar a minha terra natal, porém jamais se apagou da minha 
memória o seu "encanto natural". ”A paisagem verde, a igreja branca, o bando / das 
casas", "o povo feliz que ri das próprias mágoas” são imagens que sempre acompanharam 
os meus passos. "Vejo e sinto, / quais se fossem imagens verdadeiras,/ tudo sem mesmo 
ver, num vago instinto...” 
Em Teresina, onde concluí os preparatórios, colaborei para alguns jornais. Neles 
se encontram alguns poemas que mais tarde seriam incluídos em Sangue, livro que 
publiquei em Recife, em dezembro de 1908. 
1906 marca o meu ingresso na Faculdade de Direito, em Pernambuco.Dessa 
época é o meu soneto "Saudade”. Saudade da minha terra. Saudade de minha mãe, de 
quem nunca consegui desvencilhar-me por completo. Presença marcante em minha vida 
e em meu mundo poético, dela guardo uma "imagem de piedade", "velando pelo meu 
destino" e rogando "por mim, piedosa e triste,/ em lágrimas de afeto e de bondade". “Corpo 
humano de espírito celeste,/ ” ela "surge ante mim”, "em horas de incerteza, de amargura’, 
com suas bênçãos de amor e preces de conforto”. “Em sua imagem vemos / os 
transportes sublimes e supremos / do Amor, que se transmite, mas não finda”. 
“Lutei, sonhei, sofri” 
"E contigo, serei tudo que sonhei ser,/ redivivo e imortal no esplendor do teu ser!” 
Sim, mais tarde, o meu filho, Alberto, realizaria o sonho que eu não atingi - ser diplomata. 
Dizem que ”o estranho aspecto, feio e rude / desta figura hostil de homem selvagem" tirou-
me a oportunidade de concretizar este ideal. Mas "a natureza, que os seus dons reparte/, 
porque feio me fez, deu-me a vertigem / de lutar e vencer em toda parte”. 
Trabalhei no Ministério da Fazenda. Como funcionário da Delegacia Fiscal estive 
em vários Estados: Minas, Rio de Janeiro, São Paulo , Rio Grande do Sul, Amazonas e 
Maranhão. 
 
Em 1910 cheguei a Belo Horizonte. Nos cafés, tão famosos na época, reunia-me 
com os literatos. Cheguei a liderar um grupo de jovens acadêmicos. Fundei uma folha 
humorística Zaz-traz, que teve grande repercussão no meio literário, e colaborei para o 
Diário de Minas e para as revistas: A Vida Mineira, Vida de Minas, Vita e Tank. Dias de 
Glória, de Ventura! "Nunca julgara, nem jamais previra / o transe cruel” que me torturaria 
alguns anos mais tarde. 
Perdi a minha Alice, ”meu amor, minha vida, minha glória", com quem me casei 
em 1914. ”Tive-a a encarnar minha felicidade,/ quis detê-la, mas não pude". ”Foi tamanha 
a minha desventura", que cheguei a exclamar: "Por que me trouxe aqui o meu destino? / 
Por que de tão longe vim me prender por encarto / a Essa a quem tanto quis, a Essa que 
me quis tanto, / que, unidos pela fé, vivemos para o amor?"A desolação inspirou-me os 
poemas de Verônica, ”imagens da vida e do sonho; imagens do amor e da morte". 
Três foram os filhos domeu primeiro casamento: "Márcio, flor do meu ser, fruto do 
meu amor"; Mário,que herdou o encanto de Alice, "para mais me enlevar, para mais me 
prender"e Benedito que, ao nascer, "foi logo enfaixado de luto” - A mãe morreu porque"lhe 
deu o ser". 
Em 1921 fui para São Luís, onde permaneci até setembro de 1926, quando segui 
para o Rio de Janeiro. 
Como Delegado Fiscal do Tesouro Nacional, no Amazonas e no Acre, parti para 
Manaus em 1927. E lá o "meu coração desperta". "Dentro em meu ser, num frêmito de 
aleluia", ecoa "o canto dionisíaco do meu sangue: ama de novo! ama de novo!" 
Casei-me outra vez em 1928. Creusa foi minha segunda mulher. Em Julho de 
1929 nasce Alice, "o meu maior enlevo", em quem vi "minha mãe em miniatura”. 
17 
 
Para Porto Alegre segui em setembro de 1929. Lá convivi com vários escritores, 
chegando a dirigir, juntamente com Alberto de Andrade Queiroz, o suplemento literário do 
Diário de Notícias. 
Estive em São Paulo, onde fui incompreendido, insultado, hostilizado, por querer 
moralizar os serviços fiscais. A minha alma de poeta não poderia suportar as injustiças, 
comecei a desmoronar. O meu filho Alberto, que nasceu em 1931, foi o "meu lírio entre 
espinhos". 
 
“Alheado do mundo e de mim mesmo" 
Em 1932 nasce a minha caçula, Elisabeth. Nessa época submeti-me a uma 
intervenção cirúrgica. O que me veio depois? Somente depressão, neurastenia, tristeza e 
uma grande necessidade de isolar-me, de mergulhar-me em mim mesmo. 
" Eu já não escrevo, já não faço versos. Morreu em mim o sabiá que cantava... ” 
Foi o que declarei, em 1940, a uns rapazes piauienses que me entrevistaram em 
Fortaleza, onde vivia mergulhado em profundo silêncio. Realmente deixara de 
escrever. Um dos meus últimos poemas – O carrossel Fantasma - revela o meu vínculo à 
terra natal, de quem sempre estive perto, embora distante. 
 
“Adeus à Vida " 
 
“A morte não me assombra, nem me assusta“. “O que perturba e intimida / o meu 
espírito forte / não é a certeza da morte, mas a incerteza da vida”. "E aonde vou? " " Aonde 
vou? ” 
“Morte! Vida a buscar liberdade'."No dia 29 de junho de 1950 um enfarte, levou-
me a "atingir a perfeição que eu auguro / em resignado e místico transporte” e a "levantar 
os olhos / para o que exista em luz além do espaço”. 
 
“Passa a vida ? Continua... 
Com o tempo quem passa é a gente ”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Da Costa e Silva – Antologia e Estudo/seleção de textos, notas, estudos biográficos e histórico e exercícios por Fabiano 
de Cristo Rios Nogueira, Maria Gomes Figueiredo Reis, Maria do Socorro Rios Magalhães, Maria do Perpétuo Socorro Neiva Nunes 
do Rego – Teresina: Centro de Ciências, Humanas e Letras / Departamento de Letras – PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO, 
UFPI,1985. 
 
 
 
 
 
 
 
O. G. REGO DE CARVALHO 
 
18 
 
 
 “O autor não pode ter piedade de si mesmo, 
tem que se expor a nu, nem que seja para o 
ridículo, mas tem que se expor. E isto é o que 
falta fundamentalmente na maioria dos 
escritores piauienses. É exatamente essa 
sinceridade absoluta de escrever como se 
estivesse rasgando o coração. Eu não estou 
querendo falar com isso em obras piegas, 
pelo amor de Deus. Vocês não vão encontrar 
o pieguismo em minha obra, nem 
sentimentalismo também.” 
 
(Como e por que me fiz escritor / 
O. G. Rego de Carvalho) 
 
 O AUTOR 
 
Orlando Geraldo Rego de Carvalho nasceu em Oeiras, antiga capital do Piauí, no 
dia 25 de janeiro de 1930. Desde cedo, tomou gosto pelas letras, mas foi em 1942, ao ler 
O Guarani, romance de José de Alencar, que decidiu ser escritor. 
Foi professor de literatura no colégio Estadual Zacarias de Góis, bacharelou-se 
em direito pela antiga Faculdade de Direito do Piauí, funcionário graduado do Banco do 
Brasil e membro da Academia Piauiense de Letras (APL). 
O sonho na meninice era ser compositor, e não escritor. Ter uma mãe musicista, 
professora de vários instrumentos (piano, bandolim, violão e harmônica), o influenciava 
nessa preferência inicial. 
Aos 10 anos, teve sua primeira manifestação escrita, um trabalho escolar sobre o 
descobrimento da América e, para sua grata surpresa, publicado no jornal Fanal, que 
significa farol. 
O conto “Um filho” marca sua estreia literária em 1949, quando tinha apenas 19 
anos. Depois de umas 30 recusas, o autor oeirense finalmente tem um texto publicado 
numa revista de circulação nacional. 
Em Teresina, fez parte do Grupo Meridiano, ao lado de dois grandes nomes de 
nossa cultura: H. Dobal (poesia) e Manoel Paulo Nunes (crítica). Através de suas obras e 
do Caderno de Letras Meridiano, eles provocaram mudanças significativas na literatura 
brasileira de expressão local. 
Encantou-se em Teresina aos 83 anos, no dia 9 novembro de 2013, deixando 
esposa (Divaneide Carvalho) e filho (Orlando Victor). 
 
 
 A OBRA 
Autor de uma obra relativamente pequena, mas que o coloca ao lado dos grandes 
nomes da literatura em língua portuguesa. Com apenas três livros publicados, deixa claro 
que, em termos artísticos, importa mesmo é qualidade estética, e não quantidade. Os 
críticos piauienses o apontam como o melhor de nossos ficcionistas. 
 
 
 
 
 
Livro Ano Dados 
19 
 
Ulisses entre o amor e 
a morte 
1953 
 
Escrito pelo autor dos 19 aos 23 anos. 
Romance de caráter melancólico. 
 
 
Rio subterrâneo 
1967 
 
Escrito a partir do conto “Passeio a 
Timon”. Narrativa mais psicológica do 
autor e da qual ele mais gostava. 
Considerado sua obra-prima. Romance 
de caráter trágico. 
 
Somos todos 
inocentes 
1971 
Tributo que o autor presta a Oeiras. 
Romance de caráter dramático. 
 
 
 
 CARACTERÍSTICAS DA OBRA 
 
Enquadra-se a obra ogerreguiana na mesma linha dos autores que privilegiam o 
“coser para dentro”, uma literatura centrípeta,que busca analisar e explicar a alma 
humana, no que esta tem de mais profundo e misterioso. 
Fugindo aos velhos clichês da produção nordestina, focada em temas regionais, 
a exemplo da seca e da miséria, O. G. Rego se volta aos eternos dilemas universais, como 
o amor e a morte, sentimentos indeléveis na vida das pessoas. 
Quanto à técnica, sua ficção deve ser considerada modernista, pois não só 
abandona a linearidade narrativa (começo, meio e fim) como deixa o final sempre em 
aberto, transformando o leitor num coautor da obra. 
No tocante ao emprego da língua, opta por uma linguagem trabalhada e poética, 
mesclando termos eruditos com regionais, valorizando, sobretudo, a musicalidade das 
palavras. 
 
 
 TEMAS ABORDADOS 
 
Fugindo do tradicional regionalismo nordestino, particularmente do romance de 
30, O. G. Rego privilegiou temas universais em suas histórias: amor, morte, solidão, 
loucura, família, angústia existencial, sexualidade, preconceitos, aborto, frustração 
amorosa e religiosidade. Outro que mereceu destaque também, até pelo fato das 
personagens serem jovens, foi o da adolescência. Não à toa ele próprio fazer questão de 
se apresentar, nas palestras que ministrava, como o “romancista da juventude”. 
 
 
 INFLUÊNCIAS LITERÁRIAS 
 
Como ninguém se torna um escritor sem ter sido um grande leitor, O. G. Rego não 
poderia ser diferente. E acabou bebendo em várias fontes, tanto da nossa quanto da 
literatura estrangeira. 
Entre os autores nacionais, recebeu influências de dois ficcionistas 
extraordinários: José de Alencar, cearense e mentor do romance impressionista; e 
Machado de Assis, carioca e criador do romance psicológico. 
 
20 
 
 “O que tenho procurado fazer na minha história é fundir Alencar e Machado – O 
Romantismo de Alencar, sua linguagem poética, com o Realismo e o estilo um tanto sóbrio 
de Machado.” 
 
 (Como e por que me fiz escritor / O. G. Rego de Carvalho) 
 
 
De fora do Brasil, foi Gustave Flaubert, escritor francês, a grande paixão literária, 
a ponto de ter lido toda sua obra. No caso de A educação sentimental, inclusive, leu 
repetida vezes. 
 
“O único autor de quem li quatro livros, li todos os livros que escreveu, foi Gustave 
Flaubert – Madame Bovary, Salambô, Tentação de Santo Antão e Educação Sentimental. 
A nenhum outro autor dei esse privilégio de ler a obra inteira, pois costumo ler apenas as 
obras fundamentais, aquelas que o passado peneira e diz: ‘Esta fica’.” 
 
(Como e por que me fiz escritor/ O. G. Rego de Carvalho) 
 
 
 
 
 COMENTÁRIO DOS LIVROS 
 
Ulisses entre o amor e a morte 
 
Narrativa feita em 1ª pessoa por Ulisses, protagonista da 
história, que tem sua vida marcada tanto pela morte do pai quanto 
pela descoberta do amor em Conceição. 
No primeiro caso, ele a descreve de maneira sucinta e 
poética, tornando-se uma das mais belas metáforas de morte já 
escrita na literatura universal: “Quente era a manhã, em julho, 
quando meu pai se deitou, as pálpebras baixando. E puro, e 
distante, e feliz, encarou o céu e o tempo.” 
No segundo, o amor surge de repente, quando Ulisses vem morar com a família 
na capital, sentimento que o leva a sentir “dores” à noite. 
A história se desenrola em Oeiras e Teresina, mostrando Ulisses entre os oito e 
15 anos de idade – da meninice à adolescência. O final acaba em aberto, sem o leitor 
saber o que será do futuro desse jovem após o fim do namoro com Conceição. 
Além do par romântico, outros personagens que aparecem na trama são: pai, 
mãe, José, Anália – a família de Ulisses; Norberto e Arnaldo, primo e amigo de Ulisses, 
respectivamente. 
Em estado de graça após a leitura, Cecília Meireles, grande poeta de nosso 
modernismo, assim se manifestou a respeito do livro: “Ulisses deixou-me uma sensação 
de poesia misteriosa e comovente”. 
 
21 
 
Rio Subterrâneo 
 
Romance mais importante não só de O. G. Rego de Carvalho, 
segundo os críticos, mas de toda a literatura piauiense. Livro de um escritor 
maduro e consequente, que cria um mundo misterioso habitado por 
criaturas dilaceradas pelos sentimentos de solidão, medo, loucura, 
angústia, desespero e neurose. 
Narrativa introspectiva de 3ª pessoa que, alterando a ordem 
cronológica dos fatos, mergulha no mundo inconsciente e sofrido de 
Lucínio, Joana, Helena, Afonsina, Benoni e Neusa. História ambientada em Timon, 
Teresina e Oeiras. 
Sobre a obra, Carlos Drummond de Andrade, nome maior da poesia nacional, 
teceu o seguinte elogio: “De Rio Subterrâneo tirei forte sensação de obra calcada no que 
o homem tem de mais dolorido e profundo, e trabalhada com aguda consciência artística. 
É desses livros que a gente não esquece.” 
 
 
 
 
Somos todos inocentes 
 
Sua obra mais convencional no tocante aos aspectos temático e 
técnico. As velhas brigas entre duas grandes famílias de Oeiras (Ribeiros 
versus Barbosas) relatadas dentro de uma linearidade narrativa. No meio 
desse fogo cruzado, a frustrada história de amor entre Raul e Dulce, 
proibidos de serem felizes por causa da disputa política dos pais. 
Tributo que O. G. Rego de Carvalho paga à terra natal, primeira 
capital do Piauí, de onde o autor saiu ainda menino. A história se passa na 
Oeiras de 1929, de ares provincianos e horizontes limitados, com sobrados e primeiros 
carros simbolizando as famílias ricas. 
O livro foi agraciado com o Prêmio Coelho Neto, em 1972, pela Academia 
Brasileira de Letras (ABL). Além dos personagens citados, destacam-se também 
Amparinho e Pedrina, esta última abortando um filho de Raul. 
 
 
 TEXTO PARA REFLEXÃO 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Embora tenham sido escritos em situações diferenciadas, esses três textos 
ficcionais possuem vários elementos em comum que, de modo particular, ajudam 
igualmente a tecer um panorama dos principais dilemas enfrentados pelo autor naquela 
época, sobretudo com relação ao tipo de experiência intelectual que pretendia realizar, 
além de demonstrarem uma insistente preocupação do autor com as cidades piauienses 
onde viveu, Oeiras e Teresina, escolhidas por ele enquanto pretexto para falar das 
experiências e vivencias de seus personagens. Em uma entrevista concedida a Pompílio 
Santos (KRUEL, 2007), O. G. Rego de Carvalho ressalta que tanto Ulisses entre o amor 
e a morte como Somos todos inocentes e RioSubterrâneo, constituem sua “autobiografia 
espiritual”, ou seja, “refletem” seus sentimentos e ideias de quando os escreveu. Em todos 
eles, afirma o literato, “paira uma sombra de melancolia, em grau maior ou menor” 
(CARVALHO, 2003, p. 315). Mas essa sombra melancólica não apontaria apenas em 
22 
 
direção a um estado patológico. Conforme ressaltou o próprio escritor, ela diz respeito a 
uma condição espiritual, uma angústia em relação ao tempo, a uma dada época, na qual 
não se depositam mais esperanças, enfim, à condição humana de um individuo dividido 
entre o passado e o futuro6 . Aquilo que O. G. Rego classifica como uma “sombra 
melancólica”, ao longo das suas narrativas ficcionais constitui a configuração de um olhar 
alegórico por meio do qual o escritor pensa o seu mundo, utilizando como principal 
argamassa desse pensamento o seu próprio fazer literário. Esse olhar se traduz numa 
mistura de “luto e jogo”, na tentativa de desvelar a dialética imanente de um período 
dividido “entre nostalgias de certezas desaparecidas e a leveza trágica do herói 
nietzschiano” (GAGNEBIN, 1999, p.38), que teria de enfrentar a dura missão de ser, a um 
só e mesmo tempo, destrutivamente criativo e criativamente destrutivo (HARVEY, 1992). 
 
(ENTRE FRAGMENTOS E RUÍNAS: O. G. Rego de Carvalho e os dilemas intelectuais de uma geração / José Maria Vieira 
de Andrade / InterEspaço – Revista de Geografia e Interdisciplinaridade) 
 
 
 
 TEXTOS SELECIONADOS 
 
Texto 1 
 
AMAVA-A SIM 
Não demorou muito, notei que o tempo havia serenado: 
a chuva se foralogo, mas já não me atraía a praça: esta perdera 
toda a poesia – Conceição. 
Ao voltar para a casa, indaguei de mim, enquanto metia o pé, 
insensivelmente, numa poça d’água, por que resistia à sedução 
essa garota. Que havia nela de extraordinário, além da beleza? 
Nada descobrindo, cheguei à conclusão de que amava e tudo 
so era passageiro. 
Depois, estando prestes a dormir, tornei a pensar em 
Conceição. Vi-a agora sorrindo, tão recatada, tão doce! Seus 
menores gestos me passavam pela mente, levando-me a uma 
ansiedade nunca sentida. 
Até altas horas fiquei desperto, e apenas consegui adormecer 
quando, desistindo de enganar meu próprio coração, disse-lhe 
baixinho: 
 - Amo-a sim, meu velho. 
E repeti diversas vezes que a amava com loucura. 
 
CARVALHO, O. G. Rego de.Ulisses entre o amor e a morte, 13ª ed., 2003, pág. 95 
 
 
Texto 2 
 
 O táxi livrou-se de um engarrafamento e veio por uma rua sombreada de 
oitizeiros Adiante o Parnaíba - uma torrente obscura, agitada ao depor do sol. Ela mal 
percebeu Timon, devido à névoa que caía, empalidecendo o arvoredo do bosque e as 
luzes do porto. Embaixo, o vulto do trem na ponte. 
- Chegamos; só nos resta a travessia - gritou Lucínio, em luta com a tosse. Eis o 
rio de minha angústia. Parece que fala, dentro dos remansos: “Ser bem-vinda. É doce a 
morte”. 
23 
 
Helena empalideceu e abaixou a vista. "Não convém que me iluda. Sinto-me 
desfalecer agora". E recusou a mão que o primo lhe oferecia, para ajudá-la a desce. O 
vento fazia ondas por toda a parte, agitando o bote levemente. 
Ela hesitou a princípio, entrando nervosa, pelo braço do vareiro. 
 - Ande, que está chovendo. 
O mestre encaminhou o barco rio acima, até que adiante largou o remo e se dirigiu 
ao motor. Pingos a engrossar, nuvens a todo céu. Mas ainda dava tempo para a travessia, 
e para chegarem à quinta em sossego. Sentados no banco da popa, juntos do saco e do 
baú. Lucínio e Helena miravam a vastidão das águas, confusa dentro da neblina. Iam 
silenciosos: ele, a evocar a insônia da noite precedente, cheia de mistério e duvida, ela 
absorta na contemplação das espumas, como se visse os buraquinhos de Joana na 
parede - uma corrente secreta, viscosa, assim um rio subterrâneo: álgido escuro e 
aterrador. 
 
 CARVALHO, O. G. Rego de. Rio Subterrâneo, 1967 
 
 
Texto 3 
 
Entre as ruínas da cadeia, Dulce lembrava-se da manhã em que, protegida pelas 
rótulas da janela, entrevira a chegada de Raul. Seu porte baixo, porém garboso, era 
inconfundível. Quem não o conhecesse, logo imaginaria, ser descendente do velho 
Joaquim Ribeiro, tal a semelhança física. Como o avô, não dispensava o chapéu de 
palhinha, nos dias de muito sol. 
Viera num sedã azul, que ele próprio guiava, antes de transpor a ponte, já os 
meninos corriam à sua frente, cheios de alegria. À porta, velhas e mocinhas acenavam-
lhe a sorrir. Com exceção de alguns rapazes, que se distraíam no jogo de damas, todos 
se esforçavam para ver o automóvel e o chofer. 
Raul, um pouco envaidecido, andara sem pressa, buzinando nas esquinas, nas 
ruas estreitas por onde os burricos carregavam lenha e até mesmo na Praça da Vitória, 
onde sobressaía o Sobrado. O prazer, sendo inédito, não tinha limites, e a cada instante 
exibia as luvas, ao saudar os parentes e amigos. Dulce não pudera vê-lo bem, e 
continuava em seu posto quando a mãe entrou no quarto. 
- Não tem vergonha, menina? 
Ela corara e não conseguira responder. D. Odete, percebendo-lhe o vexame, 
abanara a cabeça em negativa. 
- Não se iluda, minha filha. Você sabe o que a esperaria, se viesse a apaixonar-
se por ele. 
Dulce olhara-a com resignação, caindo em seus braços. 
- Mamãe - dissera-lhe, enquanto a apertava com torça - por que não acabam essa 
história? Os filhos não têm culpa. 
A senhora afastara-se de leve, fitando-a carinhosamente. 
Não torne a falar nesse assunto. Eu... Eu nada posso fazer. No passado, quando 
Raul veio passar férias... - Calara-se de súbito, esmorecida. 
Ninguém consegue demover seu pai. 
Depois que ela saíra, Dulce atirara-se à rede, pensando com amargura no próprio 
destino. A mãe conhecia-lhe o segredo. E agora? O pai não lhe bateria? Não; talvez nem 
viesse a saber. "Oh, como é triste amar assim. Se ao menos pudéssemos falar- nos." 
Domingo haveria uma festa no sobrado. Lá estariam as primas de Raul com as 
colegas, dispostas a conquistá-lo: até Pedrina compareceria. Dulce não se conformava. 
Era imperioso ir, ainda que tivesse que enfrentar a zanga do pai. 
24 
 
À noite, de tanto imaginar cenas em que lhe pedia licença, sem a obter, terminara 
sentindo a cabeça tonta. Quase de manhã, a brisa dos morros, cheia de perfume silvestre, 
restituíra-lhe a calma e ela adormecera. Ao despertar com o movimento do pai que seguia 
para a “Varjota”, ocorrera-lhe uma ideia. “E se eu pedir a ajuda de Amparinho?" 
 
 
 CARVALHO, O. G. Rego de.Somos todos inocentes, 5ª ed., revista, 1955 
TORQUATO NETO 
 
 
 “um poeta desfolha a bandeira 
e a manhã tropical se inicia 
resplandente cadente fagueira 
num calor girassol com alegria 
na geleia geral brasileira 
 que o jornal do brasil anuncia” 
 
(GELEIA GERAL / TORQUATO NETO) 
 
 O AUTOR 
 
Torquato Neto nasceu à fórceps no Hospital Getúlio Vargas, em Teresina, no dia 
nove de novembro de 1944. Era filho de Heli da Rocha Nunes (Promotor Público) e Maria 
Salomé da Cunha Araújo (Professora primária). Desde cedo gostou de ler e escrever. O 
primeiro rascunho poético, com temática voltada para o universo familiar, foi produzido 
aos nove anos: “o meu nome é Torquato / o de meu pai é Heli / o da minha mãe Salomé / 
o resto ainda vem por aí”. 
Seu itinerário escolar começa em Teresina, onde fez o primário e o ginásio; passa 
por Salvador, cidade na qual fez o antigo científico e conheceu os baianos Caetano Veloso 
e Gilberto Gil; e deságua no Rio de Janeiro a fim de cursar Jornalismo e Filosofia, 
iniciando mas não concluindo nenhum. Torquato queria ser mesmo era diplomata, mas, 
infelizmente, não realizou tal sonho. A passagem por Londres ocorreu para fugir do sufoco 
que era o Brasil na época da ditadura militar. 
Projetou-se em nível nacional por ter sido um dos principais teóricos da Tropicália, 
movimento artístico que revolucionou a arte brasileira no final da década de 60. "Geleia 
Geral”, composição de sua autoria, tida como manifesto-síntese desse movimento. Além 
de poeta, Torquato foi também jornalista, cineasta, ator e letrista, tendo várias 
composições suas musicadas e interpretadas por grandes nomes da nossa MPB. 
No Rio de Janeiro, Torquato Neto se casou com Ana Duarte, com quem teve um 
único filho – Thiago Silva de Araújo Nunes, que adulto, ao invés da carreira artística, 
preferiu ser piloto de avião em companhia aérea privada. Um dos padrinhos de casamento 
foi o cantor Gilberto Gil. 
A exemplo de tantos outros artistas geniais e talentosos, tanto dentro como fora do Brasil, 
Torquato Pereira de Araújo, neto, se encantou ainda muito jovem, aos 28 anos, ao ligar o 
gás no banheiro e morrer asfixiado, no Rio de Janeiro. A data fatídica era 10 de novembro 
de 1972, depois de ter passado a noite anterior, junto com alguns amigos, comemorando 
o seu aniversário.Nosso “Anjo Torto”, como ficou conhecido no meio cultural, foi enterrado 
no cemitério São José, em Teresina. Antes do desfecho trágico, ele escreveu um bilhete 
de amor e despedida. 
“FICO. Não consigo acompanhar a marcha do progresso de minha mulher ou sou 
uma grande múmia que só pensa em múmias mesmo vivas e lindas feito a minha mulher 
na sua louca disparada para o progresso. Tenho saudades como os cariocas do tempo 
em que eu me sentia e achava que era um guia de cegos. Depois começaram a ver e 
25 
 
enquanto me contorcia de dores o cacho de banana caía. De modo q FICO sossegado 
por aqui mesmo enquanto dure. Ana é uma SANTA de véu e grinalda com um palhaço 
empacotado ao lado. Não acreditoem amor de múmias e é por isso que eu FICO e vou 
ficando por causa de este amor. Pra mim chega! Vocês aí, peço o favor de não sacudirem 
demais o Thiago. Ele pode acordar.” 
 
Seus escritos só vieram à tona postumamente, com a publicação de três livros: 
Os Últimos Dias de Paupéria, O Fato e a Coisa e Juvenílias. Sem falar também da revista 
cultural Navilouca, lançada em 1973, da qual foi um dos idealizadores. 
 
 
 A OBRA 
 
Destacou-se Torquato Neto como um artista multifacetado, 
atuando em várias frentes simultaneamente, desde a escrita de poesia 
à produção de filme. Ele deixou uma obra relativamente pequena, mas 
importante do ponto de vista estético, que influência a cultura nacional 
até hoje. 
Em termos literários, não publicou nenhum livro em vida, tendo 
vindo à tona postumamente três volumes: “Os Últimos Dias de 
Paupéria”, lançado em 1973 e organizado pelo amigo Waly Salomon e 
a viúva Ana Duarte; “O Fato e a Coisa” e “Juvelílias”, ambos de 2012, 
organizados pelo primo George Mendes e o amigo Durvalino Couto. 
No que diz respeito à cinematografia, nosso “Anjo Torto” optou pelos filmes 
marginais, chamados também de “undergrounds”, produzidos com poucos recursos e de 
forma independente, nos quais ele atuava como ator e diretor. Passados tantos anos, 
esses filmes, produzidos em bitola Super-8, são tidos hoje como “cults”. 
Foi como letrista, e dos bons, que Torquato se projetou nacionalmente, embora 
não cantasse nem tocasse instrumento algum. No fundo, foi um poeta da palavra escrita 
que se converteu à palavra falada. Ele teve suas letras musicadas e cantadas por grandes 
artistas da nossa Música Popular Brasileira: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Edu 
Lobo, Elis Regina, Jards Macalé, Luís Melodia, Carlos Pinto e a banda de rock Titãs 
(Sérgio Brito). 
 
 
 
 
Livros 
 
Os Últimos Dias de Paupéria (1973) 
O Fato e a Coisa (2012) 
Juvenílias (2012) 
 
 
Filmes 
O Terror da Vermelha ou o Forasteiro daCidade Verde 
Só matando 
Adão e Eva do Paraíso ao Consumo 
Nosferatu no Brasil 
 
 
 
 
 
Principais 
Composições 
Geleia Geral 
Lua Nova 
Louvação 
Pra Dizer Adeus 
Mamãe, Coragem 
Go back 
Let’s Play that 
Deus vos Salve a Casa Santa 
26 
 
A Rua 
Zabelê 
Veleiro 
Marginália II 
 
 CARACTERÍSTICAS DA OBRA 
 
Quanto aos principais traços de sua produção, Torquato Neto deixou uma obra 
marcada pelo sentimento de liberdade e compromissada com o ideário da contracultura. 
Daí ter sido batizado como o “poeta da ruptura” pelos críticos. 
No aspecto formal, destacam-se: - 1. fragmentação do discurso; 2. linguagem 
sintética, apoiada em elipses e subentendidos; 3. Sintaxe descontínua, utilizando-se de 
técnicas de corte, como no cinema; 4. elaboração de metáfora; 5. uso reiterado de 
antíteses; 6. uso de gradação; 
No aspecto do estilo e da temática, sobressaem: - 1. estilo em forma de colagem, 
onde são confrontados os elementos mais díspares; 2. atitudes de carnavalização diante 
da vida e da arte: redescoberta do efeito parodístico e do teatro de Oswald de Andrade. 
 
 
 TEMAS ABORDADOS 
 
Embora tenha deixado uma obra fragmentada, que veio à tona postumamente, 
é possível observar alguns temas muito recorrentes em seus textos, com destaque para 
a morte e os conflitos existenciais. Além desses, aparecem ainda o apego à terra natal, 
questões políticas e sociais, a solidão na cidade grande, infância, a procura constante pela 
fé e o lirismo amoroso. 
 
 
 INFLUÊNCIAS LITERÁRIAS 
 
As influências recebidas foram muitas e variadas, até pelo fato de ter sido, ao 
longo da vida, um leitor contumaz, daqueles de andar sempre com livro debaixo do braço. 
Há quem afirme que ao completar 14 anos pediu de presente para o pai as obras 
completas de Machado de Assis, melhor ficcionista da literatura nacional. 
Entre os brasileiros, teve preferência inicial por Castro Alves, Gonçalves Dias e 
Sousândrade, poetas românticos, trocando-os depois pela leitura dos modernos Carlos 
Drummond, Oswald de Andrade, Vinicius de Moraes, João Cabral, Mário de Andrade, 
Manuel Bandeira, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rubem Braga, Décio Pignatari e 
os irmãos Campos (Augusto e Haroldo). 
Da literatura estrangeira, sorveu as lições de Ezra Pound, Andre Gide, Rainer 
Maria Rilke e Maiakovski 
 
 
 COMENTÁRIO DOS LIVROS 
 
Os Últimos Dias de Paupéria 
 
A primeira edição do livro foi lançada em 1973, no ano seguinte à 
morte de Torquato Neto, por iniciativa de Waly Salomon (amigo baiano) e Ana 
Duarte (viúva do poeta), reunindo o conjunto de seus escritos: alguns poemas, 
letras de música, o diário do sanatório de Engenho de Dentro, cartas, estudos, 
27 
 
frases soltas, pensamentos, roteiros de filme e, sobretudo, os textos da coluna Geleia 
Geral publicados no Última Hora, jornal carioca. 
 
O Fato e a Coisa 
 
Embora tenha sido o único livro concebido em vida por Torquato, ele só foi 
publicado 40 anos após a morte do poeta, em 2012, uma iniciativa que partiu do primo 
George Mendes e do amigo Durvalino Couto. O volume reúne textos escritos entre 1962 
e 1964, trazendo poemas de inegável beleza que prenunciavam o talentoso letrista que 
viria a se tornar no futuro. 
 
 
Juvenílias 
 
Também lançado em 2012, o livro reúne poemas esparsos que Torquato deixou 
datilografados e organizados em pasta. Esse espólio inédito foi enviado a George Mendes, 
curador de sua obra, pela viúva do poeta, a artista gráfica Ana Duarte. “Qualquer rabisco 
de um grande artista é documento que informa, se não pela estética, ao menos pelo lado 
histórico”, explica o primo. 
 
 
 TEXTO PARA REFLEXÃO 
 
Os últimos dias de um romântico 
 
Tímido Nosferatu na calçada de Copacabana, Torquato Neto perfez o fadário de 
todo vampiro que se preza, percorrendo a sina dos “não mortos”. 
 
COROAS PARA TORQUATO 
um dia as fórmulas fracassam 
a atração dos corpos cessou 
as almas não combinam 
esferas se rebelam contra a lei da 
superfícies 
quadrados se abrem 
dos eixos 
sai a perfeição das coisas feitas nas coxas 
abaixo o senso das proporções 
pertenço ao número 
dos que viveram uma época excessiva 
 
Paulo Leminski 
 
 
Torquato Neto é, talvez, o único mito poético dessa geração que aí 
está, “mito”, aqui, no sentido originário de figura-síntese de uma idéia com força e valor 
coletivos. Arquétipo. Modelo. Forma-cristal. Para esta geração (como delimitá-
la?). Torquato encarna um dos mitos mais caros da nossa gente: o mito do poeta morto 
jovem. Esse mito, de extração romântica, tem uma linhagem que começa no Werther de 
Goeth, passa por Musset, Nerval, entre nós, por Álvares de Azevedo, Casimiro deAbreu, 
28 
 
Castro Alves, Augusto dos Anjos, Cruz e Souza, os “prematuros desaparecidos”, em 
contraposição às prósperas longevidades de um Drummond, por exemplo. 
Esse mito, certamente, é um pálido reflexo do mais profundo mito do mundo 
mediterrâneo e, por extensão, do ocidente: o de um deus jovem, que dá a vida pelos que 
nela crêem: Adônia, Osíris, Jesus. Essa ideia para um chinês, um japonês, um oriental, 
um budista, é perfeitamente absurda. 
 
“Credo quia absurdum”. 
Nós todos acreditamos em Torquato. 
Afinal, a autoimolação não é gesto ao alcance de qualquer um. 
 
A vida de Torquato Neto não interessa. Não interessa a vida de ninguém. Eu não 
aceito esse ponto de vista. Acho até que, em certos poetas, o desenho da vida pode ser 
um poema. Não se escreve só com palavras. Grava-se com o corpo, o gesto, a atitude, o 
comportamento, sartreanamente, com as escolhas globais. 
Tem poetas nos quais importa, também, a peripécia contextual que cerca seu 
fazer e seus feitos: a gesta total, o ser-signo inteiro. 
O que se sabe de Torquato: um poeta de província (Piauí? Goiás? Santa 
Catarina?), um dos letristas da Tropicália, suicidou-se, parece. Pouco se sabe 
de Torquato. Felizmente. Mito que se preza não tem biografia. As biografias têm a irritante 
mania de reconduzir os mitos das suas rarefeitas altitudes para as platitudes da humana 
condição. Vai ver,no fundo, Torquato era pessoa como qualquer um de nós, 
esse Qualquer Um de Nós que pena atrás da grana, engole cara feia de patrão e exulta, 
como os escravos, no dia da distribuição dos pães; Conhece “aquela pessoa”. Deixa 
traços de sua passagem. E passa. 
Ainda brilha o dia tropicalista, que raiou na poesia brasileira, nos idos de 68. Foi a 
época em que nós todos começamos a nos tratar de loucos. Até ali, loucura era insulto. 
Nós desfraldamos a loucura como o fervor de quem empunha uma bandeira. 
Freudianos, a loucura foi igual para todos. Mais alguns foram mais loucos que os outros. 
Não há democracia no reino da loucura. Torquato foi um príncipe da loucura, um Ludwig 
da Baviera no Posto Seis. E lá estava Torquato nos alvores do dia tropicáustico, 
tropicalmo, as mãos cheias de versos, frases claras, frases raras, armas, 
araras. Torquato marca uma mudança radical, um salto qualitativo, na história disso que 
se chama, na falta de termo melhor, poesia brasileira. 
Poesia que, hoje, não apenas se lê nos livros, mas se escuta nas canções, nos 
discos, nos rádios, na TV, na vida, enfim. 
Torquato tem muito que ver com isso. 
O sequestro da poesia pela literatura foi longo como o seqüestro dos diplomatas 
norte-amercianos pelos iranianos do Aiatolá Khomeini. No Brasil, foi o tropicalismo quem 
a libertou. 
Com esse des-movimento (que cuidou do próprio enterro, encenado na TV, pelas 
suas principais estrelas), irrompem na cena brasileira, como é de conhecimento de todos 
os leitores do “Folhetim”, poetas de primeiríssima ordem, se expressando, não em livros 
mas em discos. Bota Chico Buarque nisso. Absolutamente, Caetano, e seus 
companheiros, Gil, a seguir, Capinan, Tom Zé, o que a gente tem vontade de acrescentar, 
tudo de melhor que, em letra veio algo depois: Galvão, dos Novos Baianos, Waly 
Sailormoon, Duda Machado, todos letristas do período imediatamente pós-tropicália. 
Porque, com Torquato, começa a existir essa estranha estirpe de poetas: os 
letristas. Patrulhas dos mandarins das Belas Letras gostariam de lhes negar até o 
prestigioso título de poetas. E relegar a poesia da letra de música ao sub-solo da 
subliteratura. 
29 
 
A poesia da letra de música seria fácil, carregada de redundância e banalidade, 
laborando sobre sentimentos elementares, girando em torno de meia dúzia de situações 
prototípicas: boy meets girl, que bom, ela me ama, azar, ela não me ama mais, como era 
bom quando ela me amava, quem me dera uma paisagem assim e assado para transar 
com meu amor, as venturas e desventuras daquele amor romântico, inventado pelos 
trovadores provençais, os antepassados diante dos músicos-poetas do mundo pop. 
Só que a arte desses trovadores provençais (Arnaut Daniel, por exemplo) em nível 
de palavra é de teor tal, que coloca alguns deles entre os mais altos criadores da lírica de 
todas as épocas. Com ou sem música. 
Dias atrás, li, numa das principais revistas brasileiras a resenha de um disco 
de Chico Buarque, na qual o comentarista falava da poesia de Caetano, botando a 
palavra “poesia” entre aspas, acrescentando ainda 
um “digamos”, a “poesia” de Caetano. A questão é saber: mantemos ou tiramos as aspas, 
quando falarmos da poesia (ou da “poesia”) dos letristas e poetas-músicos? 
A geração à qual Torquato pertence, Caetano à proa, respondeu, criativamente, 
inundando o País com letras e canções de tamanha estatura poética que fica difícil achar 
paralelos na poesia escrita do mesmo período. Os mandarins vão ter que dormir com 
essa. 
Mas a hostilidade dos mandarins, guardiães da coroa de louros 
de Apolo, provocou o excesso contrário: o menosprezo pela poesia escrita que, 
de Guttemberg à poesia de vanguarda, tem quinhentos anos de evolução autônoma 
especialidade, diante da poesia da letra de música. 
A poesia escrita é uma criação da imprensa Guttenberguiana. Afinal, até o soneto 
foi feito, no início, para ser cantado. “Soneto” é, em italiano, um “sonzinho”. 
Mas a métrica, na poesia escrita, não se explica, se esquecermos que a poesia, 
nas origens, era “words set to music”, palavras para cantar. A ponto de Ezra Pound, poeta 
e músico, advertir que a poesia decai, quando passa muito tempo afastado da música, 
sua matriz e destino. 
No Brasil, dos anos 60 para cá, a poesia cantada e a escrita tem dialogando de 
modo fecundo, em inúmeros momentos. Basta invocar os conhecidos contactos, por 
exemplo, entre Caetano & Gil e a poesia concreta paulista (Caetano, em 
“Sampa”, introduz, na música popular, a própria expressão “poesia concreta”). Ou entre a 
poesia de Chico Buarque e as de Drummond e João Cabral. A essas influências da 
poesia escrita, acrescentou-se, nos anos 60, a da poesia de Oswald de Andrade & 
Antropofagia, ressuscitada por reedições e encenações de peças. 
A mais conhecida das letras de Torquato, “Geleia Geral” (o nome foi emprestado 
por Torquato de Décio Pignatari, que cunhou a expressão no editorial de uma 
revista “Invenção”) é oswaldiana até a medula. No ufanismo irônico. Na 
enumeração Kitsch-caótica das “relíquias do Brasil”. A mesma dança, ano que vem, mês 
que foi. A marca oswaldantropofágica, porém, está na própria linguagem de “Geleia 
Geral”: na técnica de cortes, de flashes, de montagens cinematográficas, de rimas 
trocadilho (inicia / anuncia), de malandragens verbais. 
 “Geléia Geral” traz estes dois versos: “resplandente cadente fagueira num 
calor girassol com alegria”. Percebe-se que a cafona palavra “fagueira” vira “fogueira”, 
quando você ouve / lê o ígneo verso seguinte. E esse cadente se transforma num 
incandescente candente. Alta era a arte de Torquato, poeta das elipses desconcertantes, 
dos inesperados curto-circuitos, mestre da sintaxe descontínua, que caracteriza a 
modernidade. 
 Jovens poetas do Brasil, quem não fez um poema em homenagem a 
Torquato, atire a primeira estrofe. A morte de Torquato foi um grande poema, suicídio, a 
performance máxima. A destruição da vida para a transformação em mito, com 
30 
 
nas “Metamorfoses” de Ovídio, onde os personagens morrem só para se transmutar em 
constelações, em estrelas. 
A garotada pegou o recanto. Torquato é meio-deus para vários poetas jovens que 
eu conheço. O modelo de sua vida integralmente dada à experiência poética, no fundo, 
a “trip” do barco bêbado do Rei Arthur, Arthur Rimbaud. Um grande sábio um dia disse 
que o signo é a morte da vida. Mas, sem signo, vida degradada, a vida não dura. A vida é 
curta, o signo é longo 
Como Buda, Confúcio, Sócrates ou Jesus, Torquato não deixou livros. O Livro de 
Torquato é esse “Os Últimos Dias de Paupéria”, muito bem editado por Waly 
Sailormoon, vitrina dos vários possíveis de Torquato: em letra, poesia escrita, ensaios 
jornalísticos, fragmentos de diário, retrato estilhaço de um poeta por outro poeta. 
Essa – digamos – precariedade do “corpus torquatiano” “para falar como os 
mandarins é um fato de mistério: a incompletude, a obra aberta, o poder ser. Talvez, por 
isso, Torquato tenha influenciado tanto. 
Isso que se chama, imprecisamente, de “poesia marginal” o invoca entre os 
santos do seu panteão, quando não como “heros ktistes”, deus fundador. Morto aos 28 
anos, Torquato deixou fragmentos, “rari nantes in gurgite vasto”, “disjecta membra”, cacos 
de uma explosão nuclear existencial. Mas a realidade, aí, foi de uma grande elegância e 
precisão. Atingido em cheio pela bomba da modernidade, Torquato dispersou-se em 
microepifanias, letras, poemas, textos de jornal. O que só aumenta seu pretígio numinal 
diante de uma geração televisiva, marshal-mclunaniana, descontínua, paratática. 
A flor que foi cortada antes do tempo é emblema de todas as 
virtualidades. Torquato é a divindade que, na poesia brasileira, preside o poder-ser. 
Se Torquato é o mártir auto-imolado da poesia cantada brasileira, Mário 
Faustino é seu desastrado (“hecatombado”) equivalente, na área escrita. Desaparecido 
em desastre aéreo, Faustino deixou atrás de si o perfume de uma militância poética, que 
teve seu auge no

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