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1 CURSO: LETRAS DISCIPLINA: LITERATURA BRASILEIRA II CONTEUDISTAS: Marcélia Guimarães Paiva; Luiz Fernando Medeiros de Carvalho Aula 10 – RELÂMPAGOS EM “POEMA SUJO” DE FERREIRA GULLAR Meta Apresentar a poesia brasileira da década de 1970. Objetivos Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: 1. Reconhecer algumas características da poesia de Ferreira Gullar, um dos poetas brasileiros mais significativos, presentes em “Poema sujo”. 2. Perceber o diálogo que existe entre a poesia de Ferreira Gullar e a tradição literária e a literatura contemporânea. 1. INTRODUÇÃO Figura 10.1 – Ferreira Gullar em uma rua de Paraty/RJ, em 8 de julho de 2011. Fonte: acervo pessoal de Marcélia Guimarães Paiva. 2 Ferreira Gullar sempre afirma que sua poesia nasce do espanto. Esse espanto surge do cotidiano como quando o poeta observa o apodrecimento de frutas sobre um prato. Esse é um acontecimento notável e único, rotineiro, mas que não se repete (GULLAR, 2011 apud ASSIS, 2011, p. 265). Espantar-se também marca seu nascimento para a poesia. Aos 13 anos, Ferreira Gullar descobriu que a poesia não era “ofício de defuntos” ao conhecer um poeta vivo. Esse menino que compunha versos parnasianos e com ele publicou um livro aos 18 anos com o título Um pouco acima do chão, viveria novos espantos: a descoberta da poesia de Murilo Mendes, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, a mudança para o Rio de Janeiro – deixando pra trás a cidade de São Luís que insistentemente recria em seus poemas – e a recepção a seu segundo livro, A luta corporal, publicado em 1954. No Rio de Janeiro, Ferreira Gullar envolve-se com o movimento estético Concretismo enquanto leva uma vida de pouco dinheiro e de trabalho como jornalista. Uma das marcas de sua poética é a inovação, o rompimento com a tradição literária. Assim, rompe com os concretistas e cria, junto com outros escritores e artistas plásticos, o Neoconcretismo. Boxe de curiosidade O movimento neoconcretista também teve seu manifesto como outros movimentos de vanguarda. No entanto, Ferreira Gullar, o redator desse texto, faz questão de apontar uma diferença: [...] costumo dizer que o manifesto Neoconcreto é diferente dos manifestos de vanguarda que pretendem anunciar o que vai acontecer; meu manifesto diz o que aconteceu, aqui e agora, na produção dos artistas considerados. Quem inventa a arte do futuro são os artistas, não os teóricos. Acontece que os manifestos de vanguarda nascem inspirados no modelo do Manifesto do Partido Comunista (1848). A partir daí é que começaram a ser redigidos manifestos artísticos para anunciar o futuro, só que a arte não é profecia; a arte é inventada aqui e agora pelos artistas (GULLAR, 2013 apud JIMÉNEZ, 2013, p. 67). Fim do boxe de curiosidade 3 A poesia de Ferreira Gullar sofre uma guinada e ele deseja escrever para o povo quando se integra ao Centro Popular de Cultura (CPC). Depois do golpe militar de 1964, Ferreira Gullar é preso, vive na clandestinidade e se exila em Moscou, Santiago, Lima e Buenos Aires. O espanto agora diz respeito não apenas à vida, mas à sobrevida que o exilado ganha no dia a dia. No exílio, publica os livros de poesia Dentro da noite veloz (1975) e Poema sujo (1976). De volta ao Brasil, Ferreira Gullar está decididamente envolvido com a literatura e a vida: é poeta, ensaísta, crítico de arte, dramaturgo, cronista, roteirista de tevê, tradutor, memorialista... Em 2002, Ferreira Gullar foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura por nove professores de universidades do Brasil, de Portugal e dos Estados Unidos. Entre outros prêmios, foi agraciado com o Prêmio Luís de Camões – o mais importante do setor literário concedido por países de língua portuguesa – em 2010 e o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura em 2013. Publicou ainda os livros de poesia Na vertigem do dia (1980), Barulhos (1987), Muitas vozes (1999) e Em alguma parte alguma (2010). Vamos aguardar seu próximo espanto... 2. CONTEXTO DE PRODUÇÃO DE “POEMA SUJO” Devido à ditadura civil-militar resultante do golpe de 1964, Ferreira Gullar foi preso, passou um período de tempo na clandestinidade e esteve no exílio entre agosto de 1971 e março de 1977. No exílio, em Buenos Aires, escreveu “Poema sujo” que foi publicado, em 1976, no livro de mesmo nome com 93 páginas. É interessante tratar o texto como se fossem 93 poemas, um em cada página. Cada poema é independente, mas termina com versos de ligação com o próximo. A página seguinte pode completar a anterior ou dar um novo significado ao tema tratado. A obra de Ferreira Gullar tem a característica memorialística muito marcante; notadamente em “Poema sujo”, o eu lírico refere-se a sua origem na cidade de São Luís – a capital do Maranhão onde nasceu em 1930 – e ao fato de ser um membro de uma geração situada entre seus pais e irmãos, bem como seus filhos. O poema tem essa carga emotiva de exílio, não só da pátria, mas também da família, e ainda 4 reforça a ideia de que o poeta não se desligou de sua terra e não pôde se integrar ao novo país ou aos novos países. Ao comentar a criação de “Poema sujo”, no livro de memórias Rabo de foguete: os anos de exílio, publicado em 1999, Ferreira Gullar disse que precisava vomitar o magma preso nele quando estava exilado na Argentina. Daí nasceria o poema dos temas que surgiriam nesse processo: Imaginei que o melhor caminho para realizar o poema era vomitar de uma só vez, sem ordem lógica ou sintática, todo o meu passado, tudo o que vivera, como homem e como escritor. Posto para fora esse magma, extrairia dele, depois, os temas com que construiria o poema (GULLAR, 2003, p. 237). O vômito tornou-se uma oportunidade de compartilhar com o leitor sua vida e exorcizar seus fantasmas, assumindo a forma de um inventário, do qual uma das consequências é o testamento. No inventário, faz-se uma lista do que se tem e o que se deve. Todo inventário é feito no presente. Boxe de curiosidade Ferreira Gullar foi preso no dia seguinte à promulgação do Ato Institucional Número 5 (AI-5) que endureceu a repressão no país a partir de 1968. Em seu preâmbulo, o AI-5 contém o seguinte texto: CONSIDERANDO que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, "os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria" (Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964). Reflita que essa “liberdade” e “respeito à dignidade da pessoa humana” são traduzidos na possibilidade de suspensão dos direitos políticos de acordo com o artigo 5º do AI-5: Art. 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em: I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; 5 III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política; IV - aplicação,quando necessária, das seguintes medidas de segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de frequentar determinados lugares; c) domicílio determinado, § 1º - O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados. § 2º - As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário. Veja o texto integral em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=194620. Fim do boxe de curiosidade Nesse inventário, o poeta reflete não só sobre seu passado, como também faz reflexões acerca da passagem de dois tempos: seu e do povo. O passado da infância trazido pelas imagens poéticas também é misturado ao passado recente relativo à escrita do poema. No tempo do poema, o eu lírico sofre, e a lembrança de sua cidade tanto o reconforta como o provoca a escrever. A respeito de “Poema sujo”, seu autor assim se expressa: Não se tratava, porém, de simplesmente evocar a infância e a cidade distante. Queria resgatar a vida vivida (um modo talvez de sentir-me vivo), descer nos labirintos do tempo, talvez quem sabe para encontrar amparo no solo afetivo da terra natal. Não queria fazer um discurso acerca do passado, mas torná-lo presente outra vez, matéria viva do poema, da fala, da existência atual (GULLAR, 1991, p. 8). O poeta deixa esse legado a um herdeiro (o leitor, o operário, o povo, os filhos, a mulher amada, o próprio poeta; seu legado também se dirige à literatura, mas o poeta é, igualmente, herdeiro). Existe a possibilidade de morrer, mas o planejamento e a reflexão são um instrumento de sobrevivência. Ferreira Gullar enfrentava um período muito delicado em sua família, e a situação política na Argentina e na América Latina era terrível. Por conseguinte, esse seria o “poema final” (GULLAR, 2003, p. 237), um sinal de resistência, mesmo que fosse o último. A seguir, vamos ler alguns versos e destacar temas de “Poema sujo”. 3. O NASCIMENTO DO POETA 6 Nas duas primeiras páginas de “Poema sujo”, o eu lírico narra como o poeta nasce para uma vida que o poema recria em todas suas contradições: turvo turvo a turva mão do sopro contra o muro escuro menos menos menos que escuro menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo escuro mais que escuro: claro como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma e tudo (ou quase) um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas azul era o gato azul era o galo azul o cavalo azul teu cu tua gengiva igual a tua bucetinha que parecia sorrir entre as folhas de [banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo [(não como a tua boca de palavras) como uma entrada para eu não sabia tu não sabias fazer girar a vida com seu montão de estrelas e oceano entrando-nos em ti (GULLAR, 1976, p. 11-12). O eu lírico sofre angústia por existir: “eu não sabia tu”. Relativo ao passado, o verbo saber mostra o desconhecimento de si próprio e de quem era o outro, seu herdeiro. Eu lírico e herdeiro não sabiam dirigir a vida. Existe um contraponto entre o “eu” do presente e o do passado que diz respeito à decifração desse enigma que atravessa o poema. O outro, da mesma forma, tem a mesma angústia, supõe o eu lírico: eu não sabia tu não sabias fazer girar a vida com seu montão de estrelas e oceano 7 entrando-nos em ti (GULLAR, 1976, p. 12). Nesses versos, poeta e herdeiro são igualados, são a mesma carne, pois trata-se de uma vida que entra nos corpos dos dois como um corpo reflexivo, penetra e confunde-se com o do outro no sexo. O corpo do outro é a porta de entrada para o universo desconhecido. O eu lírico destaca o movimento, no giro da vida, do corpo, do planeta e das estrelas. “Poema sujo” é um poema de movimento e, especialmente, nele todo, existe essa experiência de ser o outro. No início do poema, o poeta é um bicho sem importância cuja existência é anterior à criação do universo, e de características contraditórias, haja vista a citação de “mole” e “duro” e do que separa, “fosso e muro”, seguida da citação do que permite comunicação, “furo”: menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo [...] como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma [...] um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas (GULLAR, 1976, p. 11). Essa “coisa alguma”, sem importância, também é “tudo/ (ou quase)”, ou seja, é coisa poética, pluripotente, possui capacidade de criar e “poíesis” (elemento complementar de palavras para indicar formação, criação, ação de fazer algo). No livro Rabo de foguete: os anos de exílio, Ferreira Gullar (2003, p. 238), lembrando como iniciou a escrita de “Poema sujo”, diz que começaria “[...] antes da linguagem, antes de mim, antes de tudo...”. “Poema sujo” inicia-se com um momento de não existência que remete à ideia do magma, ancestral de rochas terrestres. O eu lírico diz que esse bicho está em um lugar muito escuro e muito claro. O poeta lança mão de uma antítese para designar uma situação absurda, de elementos antagônicos, na qual convivem turbidez e claridade; uma situação azul, limpa, de pureza, que expele de seus intestinos o aniquilamento. A mudança da referência à terceira pessoa (“um bicho”) para a segunda (“teu cu”) insere o leitor nesse sistema composto pelo universo e o eu lírico. O aniquilamento sai também das próprias entranhas desses três elementos – leitor, eu lírico e universo – resumidos na imagem do cavalo azul: azul era o gato azul era o galo 8 azul o cavalo azul teu cu (GULLAR, 1976, p. 11). Boxe de atenção Observe que o uso das vogais “o” e “u” nos primeiros versos do poema nos transmite uma ideia de dificuldade de movimento, fechamento e escuridão . Esse recurso também é usado por Mário de Andrade em “A meditação sobre o Tietê” na estrofe: É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável Da Ponte das Bandeiras o rio Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa. É noite e tudo é noite. Uma ronda de sombras, Soturnas sombras, enchem de noite tão vasta O peito do rio, que é como se a noite fosse água, Água noturna, noite líquida, afogando de apreensões As altas torres do meu coração exausto (ANDRADE, 2013, p. 531). Fim do boxe de atenção Em seu início, “Poema sujo” também se refere à sensualidadedo corpo humano, um ser que existe como “tua gengiva igual a tua bucetinha que parecia sorrir entre as folhas de banana/ [...] como uma entrada [...]/ entrando-nos em ti” (GULLAR, 1976, p. 12). Essa menção ao sexo que o uso da expressão “entrando- nos” evidencia, em oposição à situação de não existência do poeta, traz um sinal de fricção entre a vida e a não vida, um sinal de atração e resistência. O nascimento do poema e do poeta acontece sob violência. Eles também são expelidos pelo universo. Antes de construir “Poema sujo”, Ferreira Gullar (2008, p. 197) já afirmara que “A vida é suja”, em um verso do poema “A poesia”, publicado em 1975, no livro Dentro da noite veloz, ou “imunda”, como no poema que dá nome ao livro (GULLAR, 2008, p. 174-181). O primeiro é uma reflexão sobre a escrita em uma situação de exílio, ditadura e falta de liberdade, na qual sofrem tanto o poema como as pessoas e o eu lírico. O segundo foi escrito em 1969 e tem como tema a morte de Che Guevara. Verbete 9 Che Guevara, ou Ernesto Rafael Guevara de la Serna, comandante da Revolução Cubana de 1953. Além de ter participado do governo de Fidel Castro instalado em Cuba, Che Guevara chefiou e apoiou a guerrilha contra governos em países do então chamado Terceiro Mundo, como a Bolívia, onde foi assassinado pelo exército em 1967. Fim do verbete 4. O TEMPO E A VELOCIDADE Em “Poema sujo”, os elementos da natureza, que marcam o passar do tempo, no passado, eram eternos. A “possível eternidade” das coisas refere-se à presença na lembrança do poeta, lugar onde vários elementos importam de maneiras e níveis diferentes, como: eterna a vida, dentro e fora do armário, o certo é que tendo cada coisa uma velocidade [...] cada coisa se afastava desigualmente de sua possível eternidade (GULLAR, 1976, p. 88-89). Os mortos “voam para trás” (GULLAR, 1976, p. 92), rumo ao esquecimento, perdendo-se, cada vez mais, na memória do eu lírico. Em um poema da memória, isso é relevante. Observe que os elementos do espaço movimentam-se em relação ao eu lírico: sua presença determina o sentido do movimento do passado para o esquecimento ou do passado para o presente. Esquecer ou deixar de existir na memória do eu lírico seria acelerar o movimento no qual as coisas se afastam “de sua possível eternidade”. O fato de os retratos dos mortos estarem em molduras cômodas (GULLAR, 1976, p. 72) também demonstra falta de movimento/vida e que os mortos estão alijados dos conflitos e desafios do cotidiano. Os mortos estão se afastando do futuro, da transformação e do apodrecimento. Percebe-se que os elementos de “Poema sujo” – os cômodos da casa e o quintal, o capital e o dinheiro, os gatos e os pombos, as peras em decomposição – estão em movimento, girando em torno de muitos centros. Um desses centros é o 10 pote de água “em torno do qual/ desordenadamente giram os membros da família” (GULLAR, 1976, p. 72). Esses centros geram vida e movimento. E: não se pode também dizer que o dia tem um único centro (feito um caroço ou um sol) porque na verdade um dia tem inumeráveis centros (GULLAR, 1976, p. 95). O poema dá ideia de que não há apenas um ponto de vista, uma opinião, um elemento, um ser mais importante do que outro em uma vida. Em um dia – que é o mesmo dia de muitos outros dias – pode haver um ou vários centros. O eu lírico remete ao sistema solar ou a uma fruta, mas, paradoxalmente, aponta duas diferenças entre o dia e os sistemas citados – o dia é um sistema de vários centros, e cada centro é sustentado pelos corpos que giram em volta dele: corpos que em torno dele giram: não os sustém a mesa mas a fome não os sustém a cama e sim o sono não os sustém o banco e sim o trabalho não pago (GULLAR, 1976, p. 97). Você deve observar que esses centros movimentam-se em torno de outros, mas também do passado para o presente, ou vice-versa, quando o eu lírico evoca sua presença no poema. 5. A VIOLÊNCIA Os tempos de “Poema sujo” são marcados pela violência. São inúmeras expressões, situações ou versos que remetem à violência – “abismo de cheiros”, “abutre”, “aranha”, “arrastar”, “bufa”, “conspiração”, “canivete”, “destripá-la”, “devorá- la”, “gangsters”, “ordem”, “templo”, “treva”, “precipício”, “sol duro dos trópicos”, “azedo de lama”, “gente humilhada/ comendo pouco”. O tempo da “tarde” é o tempo da violência em forma de exclusão social; o tempo da “noite”, da “noite veloz”, é o tempo da ditadura. Mas, depois da tarde e da noite, há o tempo do “dia”. Esse dia só existe porque há certo galo que faz explodir a manhã e percebe o quanto são importantes os elementos que constroem esse tempo, ajudando o eu lírico a entender o enigma existente nesse poema. A figura do galo é usada como metáfora do poeta. A alusão ao galo já se encontra nos primeiros versos – “azul/ era o galo” – 11 quando se apresenta o nascimento do poeta. Da mesma forma, para vincular o estado de violência à possibilidade de sua própria morte, o eu lírico se expressa por meio da metáfora do galo “que vai morrer” (GULLAR, 1976, p. 87). O eu lírico invoca e reafirma que só o passado o protegerá e lhe dará certa invisibilidade, nos dias de terror, e implora pela companhia de móveis do passado para sobreviver. A repetição do pedido (ou ordem) põe em relevo a necessidade da presença dos móveis: voais comigo sobre continentes e mares E também rastejais comigo pelos túneis das noites clandestinas sob o céu constelado do país entre fulgor e lepra debaixo de lençóis de lama e de terror vos esgueirais comigo, mesas velhas, armários obsoletos gavetas perfumadas de passado, dobrais comigo as esquinas do susto e esperais esperais que o dia venha (GULLAR, 1976, p. 15). A poesia é uma tempestade de relâmpagos que clareiam o presente escuro e acendem os céus de continentes passados. Nesse trecho do poema, há uma sucessão de verbos (voar, rastejar, esgueirar, dobrar) que sugere um processo de reação e proteção para, afinal, terminar em um sentimento de esperança. Dobrar significa tornar-se mais forte, duplicar-se, vencer a resistência de algo, mudar de direção, com a possível intenção de voltar ao início. A poesia também apresenta dobras que reúnem: [...] vozes e gargalhadas que se acendem e apagam nas dobras da brisa (GULLAR, 1976, p. 90). Por outro lado, desdobrar remete à imobilidade: se penso na cidade se desdobrando em seus telhados e torres de igrejas sob um sol duro (GULLAR, 1976, p. 72). Ou, ao esquecimento: pra tantas mortes e vidas que se desdobram no escuro das claridades, (GULLAR, 1976, p. 78). Para materializar a exclusão social, o poeta cita o cheiro como nos versos em que o próprio sistema solar apodrece e a imagem do sol opõe-se/identifica-se com o 12 cheiro de vida podre. Nesse ambiente de exclusão, ou de abandono, existe a fábrica, a linha férrea, o cais, a foz do rio. Na fábrica, é construída uma tarde diferente da tarde em que o poeta vive. É sugerido que a consciência dessa exclusão dar-se-á “tarde”, não no momento narrado: Um templo seria? mas sem nichos sem altar sem santos? Que era aquilo-uma-usina? onde a tarde se fazia com faíscas de esmeril calorde forja onde a tarde era outra tarde que nada tinha daquela que eu via agora distante (GULLAR, 1976, p. 28). A violência da exclusão social continua na noite, diferente de outras noites, como diz o poema. Essa noite se interrompe para que, como animais: [...] os operários da fábrica Camboa descansem um pouco e se reproduzam nas redes ou nas esteiras (GULLAR, 1976, p. 46). Existe, no poema, uma tarde que bufa e causa pânico, prenunciando a noite, o tempo de opressão. É interessante notar que o eu lírico diz que essa tarde nasce dentro de outra e amarra o tempo presente a uma origem em seu passado: ah quantas só numa tarde geral que cobre de nuvens a cidade tecendo no alto e conosco a história branca da vida qualquer (GULLAR, 1976, p. 29). 13 Figura 10.2 – Casarão da cidade de São Luís/MA Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/24/Saoluizbrasil.jpg O poeta é impotente, porquanto, não sabia fazer girar a vida e foi forçado a embarcar em um trem sem destino que quer encontrar um “dia novo” em todos os lugares por onde passa. Dentro dessa tarde violenta, eu lírico e poesia encontram-se “no ar”, indo pelos ares, sem direção. O poeta despede-se da infância. Esse momento de “adeus” pode ser lido como uma metáfora da fase que precedeu seu exílio, como se verá adiante. O trem, a vida, está: correndo entre as estrelas a voar [...] adeus meu grupo escolar adeus meu anzol de pescar adeus menina que eu quis amar que o trem me leva e nunca mais vai parar (GULLAR, 1976, p. 31). Se, no início de “Poema sujo”, o eu lírico convoca os objetos domésticos para protegê-lo quando diz “esperais esperais/ que o dia venha”, aqui é a memória do pai que é chamada “pro dia novo encontrar”, pois “que o trem me leva e nunca mais vai parar”. As perdas não são apenas aquelas diretamente relacionadas ao exílio e à ditadura, como o fim do projeto político, tortura e morte de amigos, seu sofrimento e de seus familiares, mas a perda da proteção da família do pai, especialmente, do pai, da própria família, a ruína do paraíso perdido, seu passado e sua cidade. O luto não vai incorporar ao eu lírico, na quitanda, os fregueses ou as notícias sobre a guerra “que a guerra acabou/ faz muitos anos” e, especialmente, não encontrará o pai, embora, “inutilmente o buscarás também/ na sessão desta noite no poeira”. Também não vai incorporar os sentimentos das pessoas, pois não “voltarás a ouvir nada do que ali se falou”. O eu lírico tem consciência de “quanta coisa se perde/ nesta vida”. Boxe multimídia Vamos pensar mais sobre o que significa exílio, especialmente, nos dias de hoje. O exílio, a exclusão social, a falta de esperança e a violência andam juntos em nossa sociedade. Ouça a música “Haiti” de Caetano Veloso e leia na Folha de S. 14 Paulo o texto “Futebol e papel em missão atraem haitianos ao Brasil” e perceba que essas situações sociais resultam na sensação do sujeito de não pertencer a seu lugar ou a seu deslocamento territorial. Acesse os links http://letras.mus.br/caetano- veloso/44730/ e http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/05/1462940-futebol-e- papel-em-missao-atraem-haitianos-ao-brasil.shtml. Fim do boxe multimídia Vale ressaltar que “Poema sujo” é um texto de esperança. Esse sentimento está ancorado no passado, em cujos “[...] beirais das casas sobre as telhas cresciam capins/ mais verdes que a esperança”. A palavra “beirais” indica que a realidade está rodeada por esse sentimento. A alusão à continuidade da vida na cidade de São Luís também diz respeito à esperança, “pois quando um pote se quebra/ outro pote se faz”. Em “Poema sujo”, o tempo de Newton Ferreira – pai de Ferreira Gullar –, dentro da quitanda, é lento. Em oposição, longe do pai, o tempo é ruidoso, rápido e desorganizado e sobre ele o eu lírico não tem controle. Desgarrados da proteção do pai e da quitanda, acima da cidade, o poeta e a tarde vão: na direção do Desterro por cima da capital (como um aranha, poderia dizer? que ata e puxa a presa para devorá-la? como um abutre invisível a destripá-la num ballet e muito acima do telhado da quitanda em pleno ar?) (GULLAR, 1976, p. 71-72). Há oposição entre a velocidade de alguns elementos violentos, “escuros”, em forma de “estampido” e a vida cômoda, lenta debaixo dos telhados. 6. O EXÍLIO Entre os tipos de violência, o exílio é um “aprendizado da morte”. O poeta diz que não precisava estar onde está para ver as casas e a cidade do passado. Seu sentimento é de quem perdeu sua cidade. Mesmo que a quitanda ainda existisse, as pessoas não são as mesmas; as casas são as mesmas, mas os rostos são desconhecidos. O eu lírico sente-se voando muito acima de sua cidade e, se 15 estivesse próximo a ela, andando pelas ruas, ainda assim não reencontraria seu passado. Ferreira Gullar volta, nos versos do poema, a um pedaço da pátria perdida: “Grande parte da vida de um exilado é ocupada em compensar a perda desorientadora, criando um novo mundo para governar” (SAID, 2003, p. 53). A cidade de São Luís é recriada, e “Poema sujo” torna-se uma representação da volta para casa. O mundo real confunde-se com o da ficção. Para o exilado, tanto o ambiente atual como o da memória são vividos, reais, ocorrem juntos e se contrapõem. Boxe de atenção Observe que no poema o passado é reelaborado pela memória do eu lírico. A cidade é inventada. Lembre-se de que a literatura não é retrato ou reflexo da sociedade ou da realidade, de ações ou de intenções, de sentimentos ou de sofrimento, de pessoas ou de cidades. Considere que a palavra é um instrumento de criação e não somente de representação de uma realidade. Fim do boxe de atenção A marca da diferença refere-se à recusa de pertencer a outro lugar, como em “Poema sujo”, em que o eu lírico não se interessa pelos lugares por onde passa no exílio e não pode ouvir as vozes do passado, nem ver o pai. Comove-se ao pensar que, talvez, poderia sentir o cheiro de querosene e sabão, mercadorias da quitanda, e ver a cidade do alto. No entanto, os lugares da cidade podem permanecer os mesmos, pois têm componentes de existência autônoma em relação ao que o poeta vive. Ferreira Gullar não menciona o exílio diretamente em “Poema sujo”; no entanto, há várias alusões ao tema no texto. Em sua poesia, o poema situa-se entre três momentos do exílio: o momento de clandestinidade vivido no Brasil, o do exílio em outros países e o da volta ao país. 16 Em “Poema sujo”, a violência da ditadura e do exílio é ressaltada pelo uso de palavrões, palavras chulas, havendo certo realce da sexualidade. Pode-se pensar que essa linguagem seja um sinal de falta de compostura, como afirma Said (2003), tanto no exílio como entre os artistas que se encontravam no Brasil na época da ditadura. É possível, também, que seja reflexo da linguagem usada pelo poeta adolescente. É fato que essa linguagem não é exclusiva de “Poema sujo” e sua presença é observada nos poemas atuais de Ferreira Gullar; desse modo, não se justifica destacar tanto seu uso pinçando vocábulos dos versos. No entanto, segundo Alexandre Faria (2007, p. 78), o vocabulário de “Poema sujo” é um desafio para o leitor, não importando se ele é herdeiro da moral burguesa ou de revolucionários de esquerda, “[...] o corpo é interdito. Mas é esta máquina suja o que mobiliza o discurso do sujeito no poema, a memória que aflora é tanto visual e discursiva, quanto táctil, olfativa, gustativa, tanto sexual quanto erótica”. Éinteressante observar o Ferreira Gullar disse recentemente: Dei o título de ‘Poema sujo’ porque, em primeiro lugar, é estilisticamente sujo. Não tinha compromisso algum com o que eu havia feito antes, nem com nenhuma norma literária. Em segundo lugar, porque é obsceno. Não tem nenhum compromisso com a moralidade que poderia supostamente governar a poesia. Terceiro, porque fala de nossa miséria brasileira (GULLAR, 2013 apud JIMÉNEZ, 2013, p. 196). Ainda a respeito da linguagem em “Poema sujo”, o eu lírico usa muitos adjetivos para indicar sinais de decadência nos elementos do passado, que não estão apenas mudados, mas encardidos, perdidos, gastos, caídos, quebrados, enferrujados, esquecidos. Essas alusões são metáforas da violência e sempre são feitas em um contexto de questionamento e oposição: “e as facas se perdem e os garfos/ se perdem pela vida caem/ pelas falhas do assoalho e vão conviver com ratos” (GULLAR, 1976, p. 13). Há uma grande valorização do passado onde estão as referências do eu lírico. Não existe uma certeza de que isso tudo foi efetivamente perdido devido a seu caráter de substância do real, de núcleos da vida da qual surge a poesia. As mesas velhas e os armários obsoletos, ainda que debaixo de lençóis de lama e de terror, são os sinais do futuro. O perfume, ou a lembrança dele, é importante para estabelecer o diálogo entre o passado e o futuro que surgirá do que é velho e obsoleto. É preciso resistir. Assim, o eu lírico aponta que existe um clarão de sol visto através da janela: e diziam coisas tão reais como a toalha bordada 17 ou a tosse da tia no quarto e o clarão do sol morrendo na platibanda em frente à nossa janela tão reais que se apagaram para sempre Ou não? (GULLAR, 1976, p. 14). A toalha é uma imagem de elemento plástico, móvel, vivo. Opõe-se à morte e, mais fortemente, à falta de vida assinalada, por vezes, pela citação de “molduras” e “cômodas” nos poemas de Ferreira Gullar. A noite é um movimento do tempo que atravessou o sistema de vida do poeta. Desorganizou o esquema, mudou o sentido de rotação, parou ou acelerou o tempo e deu ao poeta muitas experiências de vida positivas e negativas. “Poema sujo” diz que existem muitas noites. A noite não é uniforme, pois há uma noite que está sendo fabricada e outra já pronta. Os substantivos que dão o caráter dessa noite, “trambolhões”, “carruagem negra”, “ferros”, “trem”, “Costela do Diabo”, indicam sua extrema violência, enquanto sua ação de “nos” envenenar sugere fascínio e vertigem: se fabricava a noite que nos envenenaria de jasmim E a noite mais tarde pronta passaria aos trambolhões com sua carruagem negra batendo ferros feito um trem pela Costela do Diabo com seu cortejo de morcegos (GULLAR, 1976, p. 43). A respeito dessa noite que tudo atropela, há uma referência no poema “Dentro da noite veloz”, publicado no livro com o mesmo nome, em 1975: “É mais veloz/ (e mais demorada)” (GULLAR, 2008, p. 178), ou seja, a noite é profunda e não é breve. Devido ao pouco conhecimento, não se pode entender essa noite violenta e cruel, assim como os dias confusos, pouco iluminados, que continham aspirações e esperanças diferentes: Era impossível distinguir com a pouca luz que havia como eram seus cavalos seu condutor e seu chicote a cavalgar no meu sono sem o testemunho dos irmãos (GULLAR, 1976, p. 43). A respeito desse trecho de “Poema sujo”, Denise Hortência Lopes Garcia (1993, p. 115) assevera que é uma “[...] referência à carruagem de Dona Ana 18 Jansen, às sextas-feiras, transportada por escravos e cavalos, com muitas correntes”, personalidade histórica da cidade de nascimento de Ferreira Gullar, São Luís. O horror mítico do passado serve para explicar o horror real do presente. 7. O CORPO DO POETA Percebe-se que um núcleo mais interno, ou seja, o corpo do poeta, aparece várias vezes em “Poema sujo”, com várias funções e movimentos. O corpo conduz o poema. É o corpo “de carne e osso”, “que mede 1,70 m” e sustenta o eu lírico e o torna igual ao “Homem morto no mercado”. O corpo leva as emoções, está ao lado do pai ou “debruçado no alpendre”. Também é o corpo de Buenos Aires cujo coração se confunde ao do eu lírico. O corpo tem a função de registrar o “alarme agora em minha carne”, traz os moradores da cidade, tem o cheiro de animal, apodrece como o rio Anil e bebe “água do pote”. O corpo do eu lírico se confunde com o da cidade em um ponto onde “lampeja/ o jasmim”. É o corpo dependente do outro. Esse tema do corpo é uma constante na poesia de Ferreira Gullar. É o corpo da linguagem presente em “Poema sujo” em expressões com sentido de sexo (“boca de palavras”, “corpo falo”, “língua”, “mais doces”) quando exerce sua função por meio da palavra. O corpo do eu lírico é o arquivo do passado e da criação do universo poético, o registro dos cheiros e das reações físico-químicas do mundo material, da vida em São Luís e das perdas pessoais. As referências ao corpo em inúmeros substantivos – tanto o corpo vivo como a “carne fria” sem vida – e ao universo situam o eu lírico em um espaço ao mesmo tempo individual e amplo desde as páginas iniciais de “Poema sujo”. Corpo e universo são dois elementos concêntricos: o mais interno e o mais externo. Ao anunciar sua integração ao universo e apresentar o todo que contém todos os outros elementos, o poeta achou o “umbigo do poema” que o salvou, segundo ele próprio (GULLAR, 2003, p. 238). O eu lírico vive seu tempo do passado, que está dentro de si, ou às suas costas, e do presente, o tempo “de fora”, “diante dos olhos”. A intersecção entre os dois tempos é o corpo do poeta, onde esses dois tempos vazam “um no outro”, misturam-se e confundem-se nos corações do eu lírico e da cidade de exílio: um às minhas costas o outro diante dos olhos 19 vazando um no outro através de meu corpo dias que se vazam agora ambos em pleno coração de Buenos Aires às quatro horas desta tarde de 22 de maio de 1975 trinta anos depois (GULLAR, 1976, p. 39). Enquanto na memória vários elementos se juntam, como o riso da irmã, a morte, os móveis, o quintal, o presente tem indicação precisa e simples de data e hora. O eu lírico tenta congelar o presente em um momento. O passado vem como fluxo, como se fosse um dia que atropela o outro. O eu lírico de “Poema sujo” não apresenta uma postura romântica, de eu fonte, eu centro do universo. Ele está comprometido com seu passado e “[...] se abrindo aos outros dias/ que estão em volta”, o futuro: dias de fronteiras impalpáveis feitos de – por exemplo – frutas e folhas frutas que em si mesmas são um dia de açúcar se fazendo na polpa ou já se abrindo aos outros dias que estão em volta como um horizonte de trabalhos infinitos (GULLAR, 1976, p. 40). Abrir-se ao futuro significa que o corpo, em “Poema sujo”, refere-se a um eu em constante diálogo, em movimento, para se fundir com o outro e expressá-lo. Tornar-se sua voz. A partir do corpo do eu lírico, os elementos se confundem, não há mais diferença entre o que está dentro e fora ou entre pontos diferentes. 8. O ENIGMA O eu lírico diz que há um “enigma” em “Poema sujo”. É o mesmo enigma do galo no poema “Galo galo”: “– que faço entre coisas?/ – de que me defendo?” (GULLAR,1976, p. 13). Esse enigma é desvelado pelo poeta, mais à frente, no poema, quando conhece o pássaro vermelho e azul. Há várias alusões a esse enigma: o eu lírico está dentro de um quase dia na “cinzentura”, as tardes e as noites são mais de uma. O dia não é exatamente um tempo de clareza. Existe dificuldade em entender os “dias enlaçados como anéis de fumaça” repletos do som confuso do alarido das pipiras. O eu lírico adquire consciência das condições de vida e das contradições de sua cidade em um 20 processo de amadurecimento parecido com o desenrolar da tarde no dia. Essa “matéria-tempo/ suja ou/ não” fez o poeta chegar ao seu desaguadouro como um rio em um país tropical. A exclusão social também diz respeito a esse enigma, quando o poeta está entre “coisas da natureza e do homem”, confuso no mangue, entre mato e sal e a vida degradante de pessoas, que são como bichos, como peixes de baixo valor econômico e que trabalham no galpão da fábrica. Do mesmo modo, a cidade está postada na “desembocadura suja de dois rios” e perdida em meio às contradições do poeta, cuja miséria é invisível para quem a olha de longe. As “altas esferas azuis” estranhas à cidade não percebem o “olho sujo/ do querosene” e o “vermelho/ entardecer” ou a revolta que surge da miséria. Ou, como afirma Lafetá (2004, p. 238), no ensaio intitulado “Dois pobres, duas medidas”, publicado em 1983: Entre os miseráveis moradores das palafitas e os remediados pequeno- burgueses de casas e roupas gastas, o poeta descobriu algo de comum, o pano de fundo do cotidiano, com suas agruras e seus breves relâmpagos de vida. Há uma preocupação, no poema, em buscar a verdade da tarde, da noite, dos “inumeráveis centros” do dia e dos “pássaros pássaros”. No passado, a vida era plena de saúde e alegria “ainda que suja e secreta” , quando seres humanos a construíam, em um bordado de flores, em jarros: Ah, minha cidade suja de muita dor em voz baixa de vergonhas que a família abafa em suas gavetas mais fundas de vestidos desbotados de camisas mal cerzidas de tanta gente humilhada comendo pouco mas ainda assim bordando de flores suas toalhas de mesa suas toalhas de centro de mesa com jarros – na tarde durante a tarde durante a vida – cheios de flores de papel crepom (GULLAR, 1976, p. 81). Na fala desses habitantes da cidade, o eu lírico descobre as pistas para resolver o enigma: Mundo sem voz, coisa opaca. Nem Bilac, nem Raimundo. Tuba de alto clangor, lira singela? 21 Nem tuba nem lira grega. Soube depois: fala humana, voz de gente, barulho escuro do corpo, intercortado de relâmpagos Do corpo. Mas que é o corpo? Meu corpo feito de carne e de osso (GULLAR, 1976, p. 18). Boxe de curiosidade Até sua adolescência, Ferreira Gullar escrevia poemas parnasianos. Ao citar Raimundo Correia e Olavo Bilac, o eu lírico alude à chamada "Tríade Parnasiana" composta pelos dois poetas citados e Alberto de Oliveira. Fim do boxe de curiosidade O corpo do outro indica que a decifração do enigma vincula-se à descoberta “do teu corpo do meu corpo”. O corpo do outro é indecifrável e cheio de vida: cheiros de umbigo e de vagina graves cheiros indecifráveis como símbolos do corpo do teu corpo do meu corpo (GULLAR, 1976, p. 19). As pistas não estão apenas no presente da cidade de São Luís, mas em seu passado, porquanto, seus antigos moradores, os índios timbiras, além dos estivadores, fregueses, operários e vizinhos, igualmente vêm à memória do poeta. A integração do “eu” é feita por meio de seu corpo, que pertence ao corpo do outro e vice-versa, o corpo – que é carne de sua própria carne. Entre os sujeitos de todos os tempos, há o poeta, em todos os tempos, como um galo importante para provocar o processo do amanhecer. Junto com seus semelhantes, o galo faz a manhã explodir: até que de galo em galo um galo rente a nós explode (no quintal) e a torneira do tanque de lavar roupas desanda a jorrar manhã (GULLAR, 1976, p. 47). 22 Não existe no poema uma valorização excessiva do poeta. Ele está em transformação como se pode ver quando sua imagem e a de um rio são aproximadas. Segundo o poema, ao transformar-se, ou apodrecer, um rio, sinônimo de tempo ou de vida, não apodrece como as outras coisas ou no lugar delas. O rio, vida ou tempo, não faz vinagre, não apodrece como peras, bananas, jardim ou o corpo das pessoas, que fermenta na fábrica ou fermenta na casa do poeta: era preciso que viesse por esse mesmo caminho passasse no Matadouro e misturasse seu cheiro de rio ao cheiro de carniça e tivesse permanentemente a sobrevoá-lo uma nuvem de urubus como acontece com o Anil antes de dobrar à esquerda para perder-se no mar (para de fato afogar-se, convulso, nas águas salgadas da baía que se intrometem por ele, por suas veias, por sua carne doce de rio que o empurra para trás o desarruma e envenena de sal e o obriga a apodrecer – já que não pode fluir – debaixo das palafitas (GULLAR, 1976, p. 58). Esse apodrecimento também é permanente. Não é um processo individual, pois são dois rios submetidos a ele: o poeta e o rio Anil. O poeta se vira “à esquerda” e apodrece “ao leste” da cidade, ou seja, decidiu-se por/foi forçado a ir em direção ao nascer do sol. Para apodrecer, o eu lírico, o “outro rio” precisou ir pelos mesmos caminhos do rio de sua cidade, não teve opção, pois a vida “o envenena de sal/ e o obriga a apodrecer”. Boxe de curiosidade Palafitas são habitações construídas em áreas alagadas existentes no Brasil e em vários países. Veja uma ilustração de palafitas em Altamira/PA: 23 Figura 10.3 – Palafitas Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Palafita_Brasil.JPG Fim do boxe de curiosidade Para entender a história dos homens – suja e limpa, vermelha e azul – foi preciso que, a partir do passado, mas, distanciado da cidade, “longe/ [...] e mais longe ainda”, o poeta conhecesse “o outro”. Assim, o poeta descobre sua identidade e constrói sua história. O enigma foi desvelado: Para me dar conta da história dos pássaros foi preciso ver o pássaro vermelho e azul mal pousado no galho grande demais para aqueles matos como um fantasma (a balançar no vento) foi preciso vê-lo dentro daquele silêncio feito de pequenos barulhos E ele – fazendo sua história – voou sem se saber por que e foi pousar noutra árvore já agora quase oculto (GULLAR, 1976, p. 63-64). O pássaro vermelho e azul, como um fantasma, acompanha o eu lírico. Não tem corporalidade definida: ele se oculta, ora parece “flor ora folha colorida”. O eu lírico se identifica com esse fantasma balançando no vento, sem pátria, sem cidade, pois é sua testemunha e herdeiro. 24 Segundo Ferreira Gullar (2009 apud ASSIS, 2011, p. 236), em entrevista concedida a Maria do Socorro de Assis, “Poema sujo” tem “[...] uma visão comprometida com a problemática social”. A imagem do pássaro vermelho e azul resume essa posição, pois o pássaro é a representação do fantasma que conjura o poeta a agir politicamente. No início de “Poema sujo”, o poeta é um bicho que recebe um “sopro” o qual rompe o que o prende. Esse pneuma é revelado ao longo da leitura do poema e faz surgir tanto o poeta como o ser humano, fazendo-o renascer em um momento de muita dor, o exílio. Pode-se considerar que “Poema sujo” é uma descrição dacriação e de momentos da trajetória de Ferreira Gullar como poeta. A poesia, “sopro” inicial criador, transforma-se em “vento nas árvores” e, mais tarde, torna-se “esferas de ventania”. 9. A CIDADE DO POETA A poesia, apresentada em forma de “ventos verdes” pelo eu lírico, também é vítima da violência ao ser atropelada pela tarde locomotiva, que, à maneira da fábrica, é um templo ou uma catedral “de aço”: ah ventos soprando verdes nas palmeiras dos Remédios gramas crescendo obscuras sob meus pés entre os trilhos e dentro da tarde a tarde- locomotiva que vem como um paquiderme de aço tarda pesada maxilares cerrados e cabeça zinindo uma catedral que se move envolta em vapor bufando pânico prestes a explodir (GULLAR, 1976, p. 30). Tanto a poesia como a cidade têm a cor verde: Ah, minha cidade verde minha úmida cidade constantemente batida de muitos ventos rumorejando teus dias à entrada do mar minha cidade sonora esferas de ventania rolando loucas por cima dos mirantes e dos campos de futebol verdes verdes verdes verdes 25 ah sombra rumorejante que arrasto por outras ruas (GULLAR, 1976, p. 78). Percebe-se, no poema, que o eu lírico sugere um movimento circular, indicando tanto o movimento de ir e voltar do passado ao presente como a vida, que não pode ser caracterizada como um movimento retilíneo. A palavra “esferas” indica um espaço mais completo com objetos em uma velocidade infinita. É nesse espaço que mora a poesia. Ao escrever, o corpo do poeta confunde-se com o corpo da cidade, ele se vê na cidade e vê a cidade em si mesmo. O eu lírico deixa transparecer que ele e sua cidade são uma só “carne”. Mesmo no exílio, sob ditaduras, conclui que o poema, agora, sob a forma de jasmim, e a vida, ainda estão na cidade e nele: (minha cidade canora) de trevas que já não sei se são tuas se são minhas mas nalgum ponto do corpo (do teu? do meu corpo? lampeja o jasmim ainda que sujo da pouca alegria reinante (GULLAR, 1976, p. 79). O poeta ouve as vozes dos personagens de São Luís e dialoga, diretamente, com sua cidade: o que era cenário torna-se personagem! Para o eu lírico, a cidade que tem valor é a aquela que ele tornou atual, é a cidade do passado trazida ao presente. Ela lhe dá consciência de sua história. Houve a infância e a adolescência, o tempo vivido no Rio de Janeiro, a poesia, a ditadura e o exílio. Todas essas experiências acumularam-se. Essa é a paisagem que ele vê. É a cidade do poema, uma paisagem resultante de uma acumulação de tempos. ATIVIDADE 1 (Atende aos objetivos 1) Todos nós temos um paraíso perdido e São Luís, a cidade da infância que Ferreira Gullar evoca em vários poemas, é a metáfora de todas as cidades em “Poema sujo”. Mas em qual cidade está o homem nesse poema? Utilizando os versos citados nesta aula, anote as características da cidade do poeta e as páginas em que aparecem em “Poema sujo”. 26 DEIXAR 15 LINHAS Resposta comentada: Espera-se que o aluno cite, entre outras, as seguintes características da cidade de “Poema sujo” como um espaço de: convivência e não oposição de situações contraditórias (p. 95); realidade adversa (p. 72); fábrica (p. 28); exclusão social (p. 46); vida comum (p. 29); proteção (p. 72); gente que esconde suas vergonhas e de gente humilhada (p. 81); matadouro, urubus e palafitas (p. 58); um tempo violento (p. 30). A cidade também é viva (p. 78) e canora (p. 79). FIM DA ATIVIDADE A cidade do poeta não tem dignidade especial a não ser a do riso e do afeto. Mas essa importância não era compreendida, “como se não tivesse sentido rir/ numa cidade tão pequena”. Mas, afinal, o eu lírico conclui que, embora o poema o faça confundir-se com a cidade, um homem está na cidade não como esta é apresentada em sua poesia, o “vento” que folheia a cidade em um livro. Assim, pode-se afirmar que, mais do que dentro do poema, a cidade existe dentro do homem. Da mesma forma, “o susto do pássaro” está nele de um modo diferente daquele que está no poema, cujo tema é o pássaro azul e vermelho. No final do poema, o eu lírico parece afirmar que reencontrou sua cidade e que, novamente, está com ela: a cidade está no homem mas não da mesma maneira que um pássaro está numa árvore não da mesma maneira que um pássaro (a imagem dele) está/va na água e nem da mesma maneira que o susto do pássaro está no pássaro que eu escrevo a cidade está no homem quase como a árvore voa no pássaro que a deixa cada coisa está em outra [...] a cidade não está no homem do mesmo modo que em suas quitandas praças e ruas (GULLAR, 1976, p. 102-103). 27 Toda a poesia de Ferreira Gullar é construída a partir da valorização de coisas miúdas, do cotidiano. O poeta vincula essas pequenas coisas ao passado para lhe dar, mais ainda, valor e também para dizer que tudo isso era muito. Em “Poema sujo”, o poeta percebe que a vida está perdida no presente, mas, por meio da memória, resgata a vida da cidade. A cidade é a metáfora de um universo complexo, cheio de ambiguidades, comum a todo e qualquer ser humano. O eu lírico declara sua definição de vida – a sua e a de todos: mistura de tudo o que existe nesse universo. Daí ele tira o título do poema. CONCLUSÃO Ferreira Gullar compôs “Poema sujo” longe do Brasil, sem sentir o peso da militância política. Mais que um poema político, ele pôde mostrar-se como um homem afastado do país e da família em crise política e existencial. Em “Poema sujo”, São Luís é recriada para provocar uma reflexão sobre a vida tanto no poeta como no leitor. ATIVIDADE FINAL (Atende aos objetivos 1 e 2) 1. Compare “Poema sujo” com “Canção do exílio” de Gonçalves Dias. Retire da lista de características da cidade, que você fez, aquelas que afastam a cidade de “Poema sujo” da pátria edênica do poeta romântico e faça um texto comparando os dois poemas: Kennst du das Land, wo die Citronen blühen, Im dunkeln die Gold-Orangen glühen, Kennst du es wohl? - Dahin, dahin! Möcht ich... ziehn. -- Goethe Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. 28 Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar – sozinho, à noite – Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. Coimbra – Julho 1843 DEIXAR 20 LINHAS 2. Agora compare “Poema sujo” com a letra da música Haiti: Quando você for convidado pra subir no adro Da fundação casa de Jorge Amado Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos Dando porrada na nuca de malandros pretos De ladrões mulatos e outros quase brancos Tratados como pretos Só pra mostrar aos outros quase pretos (E são quase todos pretos) E aos quase brancos pobres como pretos Como é que pretos, pobres e mulatos E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados E não importa se os olhos do mundo inteiro Possam estar por um momento voltados para o largo Onde os escravos eram castigados E hoje um batuque um batuqueCom a pureza de meninos uniformizados de escola secundária Em dia de parada E a grandeza épica de um povo em formação Nos atrai, nos deslumbra e estimula Não importa nada: Nem o traço do sobrado Nem a lente do fantástico, Nem o disco de Paul Simon Ninguém, ninguém é cidadão Se você for a festa do pelô, e se você não for Pense no Haiti, reze pelo Haiti O Haiti é aqui O Haiti não é aqui E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer 29 Plano de educação que pareça fácil Que pareça fácil e rápido E vá representar uma ameaça de democratização Do ensino do primeiro grau E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto E nenhum no marginal E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco Brilhante de lixo do Leblon E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo Diante da chacina 111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos E quando você for dar uma volta no Caribe E quando for trepar sem camisinha E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba Pense no Haiti, reze pelo Haiti O Haiti é aqui O Haiti não é aqui DEIXAR 15 LINHAS Respostas comentadas: 1. Espera-se que o aluno redija um texto em que mostre que a imagem que “Poema sujo” faz da cidade de São Luís afasta-se da imagem de pátria edênica, pois é um espaço de : convivência e não oposição de situações contraditórias; realidade adversa; atividades capitalistas; exclusão social; seres humanos com problemas reais. O aluno também pode destacar as diferenças ou pontos de contato entre os poemas como a linguagem empregada pelos autores, a intensidade da oposição entre o “lá” e o “cá”, as diferenças espaçotemporais, as questões formais relativas à métrica e ao ritmo, o vocabulário, a falta de individualismo e o tom coloquial de “Poema sujo”, entre outros aspectos. 2. De maneira semelhante à questão anterior proposta, espera-se que o aluno redija um texto em que mostre a abordagem da exclusão social, das contradições sociais, e de seres humanos com problemas reais. É relevante também observar o uso da linguagem chula e cotidiana nos dois poemas, a repetição de palavras, a falta de individualismo do eu lírico, entre outros aspectos. RESUMO 30 Nós vimos alguns aspectos de “Poema sujo”. Nesta aula foi ressaltada a presença de temas como a violência, o movimento, o exílio, a importância do corpo do poeta e de sua cidade. O poema é longo e riquíssimo em significados. É fundamental que você o leia inteiramente para explorá-lo mais. REFERÊNCIAS ANDRADE, Mário de. Poesias completas. Edição de texto apurado, anotada e acrescida de documentos por Tatiana Longo Figueiredo e Telê Ancona Lopez. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013. v. 1. ASSIS, Maria do Socorro Pereira de. Poema sujo de vidas: alarido de vozes. 2011. 275 f. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 20211. Disponível em: <http://tede.pucrs.br/tde_arquivos/16/TDE-2011- 07-29T164741Z-3389/Publico/432764.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2014. FARIA, Alexandre. “Poema sujo”: a viagem, o corpo, apontamentos para leitura de outra canção de exílio. In: FARIA, Alexandre (Org.). Poesia e vida: anos 70. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2007. p. 71-81. GARCIA, Denise Hortência Lopes. A casa do poeta. 1993. 179 f. Dissertação (Mestrado em Artes) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1993. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/? code=vtls000069905>. Acesso em: 21 ago. 2014. DIAS, Gonçalves. Primeiros cantos. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000115.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2014. GULLAR, Ferreira. A história do poema. In: GULLAR, Ferreira. Toda poesia. 5. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991. p. 7-11. _____. Cadernos de Literatura Brasileira, São Paulo, n. 6, p. 31-55, set. 1998. Entrevista concedida a Cadernos de Literatura Brasileira. _____. Em alguma parte alguma. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010a. _____. O poeta e suas histórias. 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