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1
CURSO: LETRAS
DISCIPLINA: LITERATURA BRASILEIRA II
CONTEUDISTAS: Marcélia Guimarães Paiva; Luiz Fernando Medeiros de 
Carvalho 
Aula 10 – RELÂMPAGOS EM “POEMA SUJO” DE FERREIRA GULLAR
Meta
Apresentar a poesia brasileira da década de 1970.
Objetivos
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:
1. Reconhecer algumas características da poesia de Ferreira Gullar, um dos poetas 
brasileiros mais significativos, presentes em “Poema sujo”.
2. Perceber o diálogo que existe entre a poesia de Ferreira Gullar e a tradição 
literária e a literatura contemporânea.
1. INTRODUÇÃO
Figura 10.1 – Ferreira Gullar em uma rua de Paraty/RJ, em 8 de julho de 2011.
Fonte: acervo pessoal de Marcélia Guimarães Paiva.
2
Ferreira Gullar sempre afirma que sua poesia nasce do espanto. Esse 
espanto surge do cotidiano como quando o poeta observa o apodrecimento de frutas 
sobre um prato. Esse é um acontecimento notável e único, rotineiro, mas que não 
se repete (GULLAR, 2011 apud ASSIS, 2011, p. 265).
Espantar-se também marca seu nascimento para a poesia. Aos 13 anos, 
Ferreira Gullar descobriu que a poesia não era “ofício de defuntos” ao conhecer um 
poeta vivo. Esse menino que compunha versos parnasianos e com ele publicou um 
livro aos 18 anos com o título Um pouco acima do chão, viveria novos espantos: a 
descoberta da poesia de Murilo Mendes, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de 
Andrade, a mudança para o Rio de Janeiro – deixando pra trás a cidade de São Luís 
que insistentemente recria em seus poemas – e a recepção a seu segundo livro, A 
luta corporal, publicado em 1954.
No Rio de Janeiro, Ferreira Gullar envolve-se com o movimento estético 
Concretismo enquanto leva uma vida de pouco dinheiro e de trabalho como 
jornalista. Uma das marcas de sua poética é a inovação, o rompimento com a 
tradição literária. Assim, rompe com os concretistas e cria, junto com outros 
escritores e artistas plásticos, o Neoconcretismo. 
Boxe de curiosidade
O movimento neoconcretista também teve seu manifesto como outros 
movimentos de vanguarda. No entanto, Ferreira Gullar, o redator desse texto, faz 
questão de apontar uma diferença: 
[...] costumo dizer que o manifesto Neoconcreto é diferente dos manifestos 
de vanguarda que pretendem anunciar o que vai acontecer; meu manifesto 
diz o que aconteceu, aqui e agora, na produção dos artistas considerados. 
Quem inventa a arte do futuro são os artistas, não os teóricos. Acontece que 
os manifestos de vanguarda nascem inspirados no modelo do Manifesto do 
Partido Comunista (1848). A partir daí é que começaram a ser redigidos 
manifestos artísticos para anunciar o futuro, só que a arte não é profecia; a 
arte é inventada aqui e agora pelos artistas (GULLAR, 2013 apud JIMÉNEZ, 
2013, p. 67).
Fim do boxe de curiosidade
3
A poesia de Ferreira Gullar sofre uma guinada e ele deseja escrever para o 
povo quando se integra ao Centro Popular de Cultura (CPC). Depois do golpe militar 
de 1964, Ferreira Gullar é preso, vive na clandestinidade e se exila em Moscou, 
Santiago, Lima e Buenos Aires.
O espanto agora diz respeito não apenas à vida, mas à sobrevida que o 
exilado ganha no dia a dia. No exílio, publica os livros de poesia Dentro da noite 
veloz (1975) e Poema sujo (1976). De volta ao Brasil, Ferreira Gullar está 
decididamente envolvido com a literatura e a vida: é poeta, ensaísta, crítico de arte, 
dramaturgo, cronista, roteirista de tevê, tradutor, memorialista... 
Em 2002, Ferreira Gullar foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura por nove 
professores de universidades do Brasil, de Portugal e dos Estados Unidos. Entre 
outros prêmios, foi agraciado com o Prêmio Luís de Camões – o mais importante do 
setor literário concedido por países de língua portuguesa – em 2010 e o Prêmio 
Governo de Minas Gerais de Literatura em 2013. Publicou ainda os livros de poesia 
Na vertigem do dia (1980), Barulhos (1987), Muitas vozes (1999) e Em alguma parte 
alguma (2010).
Vamos aguardar seu próximo espanto...
2. CONTEXTO DE PRODUÇÃO DE “POEMA SUJO”
Devido à ditadura civil-militar resultante do golpe de 1964, Ferreira Gullar foi 
preso, passou um período de tempo na clandestinidade e esteve no exílio entre 
agosto de 1971 e março de 1977. No exílio, em Buenos Aires, escreveu “Poema 
sujo” que foi publicado, em 1976, no livro de mesmo nome com 93 páginas. É 
interessante tratar o texto como se fossem 93 poemas, um em cada página. Cada 
poema é independente, mas termina com versos de ligação com o próximo. A página 
seguinte pode completar a anterior ou dar um novo significado ao tema tratado.
A obra de Ferreira Gullar tem a característica memorialística muito marcante; 
notadamente em “Poema sujo”, o eu lírico refere-se a sua origem na cidade de São 
Luís – a capital do Maranhão onde nasceu em 1930 – e ao fato de ser um membro 
de uma geração situada entre seus pais e irmãos, bem como seus filhos. O poema 
tem essa carga emotiva de exílio, não só da pátria, mas também da família, e ainda 
4
reforça a ideia de que o poeta não se desligou de sua terra e não pôde se integrar 
ao novo país ou aos novos países.
Ao comentar a criação de “Poema sujo”, no livro de memórias Rabo de 
foguete: os anos de exílio, publicado em 1999, Ferreira Gullar disse que precisava 
vomitar o magma preso nele quando estava exilado na Argentina. Daí nasceria o 
poema dos temas que surgiriam nesse processo:
Imaginei que o melhor caminho para realizar o poema era vomitar de uma 
só vez, sem ordem lógica ou sintática, todo o meu passado, tudo o que 
vivera, como homem e como escritor. Posto para fora esse magma, extrairia 
dele, depois, os temas com que construiria o poema (GULLAR, 2003, p. 
237). 
O vômito tornou-se uma oportunidade de compartilhar com o leitor sua vida e 
exorcizar seus fantasmas, assumindo a forma de um inventário, do qual uma das 
consequências é o testamento. No inventário, faz-se uma lista do que se tem e o 
que se deve. Todo inventário é feito no presente. 
Boxe de curiosidade
Ferreira Gullar foi preso no dia seguinte à promulgação do Ato Institucional 
Número 5 (AI-5) que endureceu a repressão no país a partir de 1968. Em seu 
preâmbulo, o AI-5 contém o seguinte texto: 
CONSIDERANDO que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, 
conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos 
e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às 
exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem 
democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa 
humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de 
nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, "os meios 
indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e 
moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, 
os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem 
interna e do prestígio internacional da nossa pátria" (Preâmbulo do Ato 
Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964).
Reflita que essa “liberdade” e “respeito à dignidade da pessoa humana” são 
traduzidos na possibilidade de suspensão dos direitos políticos de acordo com o 
artigo 5º do AI-5: 
Art. 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, 
simultaneamente, em: 
 I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
 II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
5
 III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza 
política;
 IV - aplicação,quando necessária, das seguintes medidas de segurança:
 a) liberdade vigiada;
 b) proibição de frequentar determinados lugares;
 c) domicílio determinado,
 § 1º - O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá 
fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros 
direitos públicos ou privados. 
 § 2º - As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo 
serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de 
seu ato pelo Poder Judiciário.
 Veja o texto integral em: 
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=194620.
Fim do boxe de curiosidade
Nesse inventário, o poeta reflete não só sobre seu passado, como também 
faz reflexões acerca da passagem de dois tempos: seu e do povo. O passado da 
infância trazido pelas imagens poéticas também é misturado ao passado recente 
relativo à escrita do poema. No tempo do poema, o eu lírico sofre, e a lembrança de 
sua cidade tanto o reconforta como o provoca a escrever. A respeito de “Poema 
sujo”, seu autor assim se expressa:
Não se tratava, porém, de simplesmente evocar a infância e a cidade 
distante. Queria resgatar a vida vivida (um modo talvez de sentir-me vivo), 
descer nos labirintos do tempo, talvez quem sabe para encontrar amparo no 
solo afetivo da terra natal. Não queria fazer um discurso acerca do passado, 
mas torná-lo presente outra vez, matéria viva do poema, da fala, da 
existência atual (GULLAR, 1991, p. 8).
O poeta deixa esse legado a um herdeiro (o leitor, o operário, o povo, os 
filhos, a mulher amada, o próprio poeta; seu legado também se dirige à literatura, 
mas o poeta é, igualmente, herdeiro). Existe a possibilidade de morrer, mas o 
planejamento e a reflexão são um instrumento de sobrevivência. Ferreira Gullar 
enfrentava um período muito delicado em sua família, e a situação política na 
Argentina e na América Latina era terrível. Por conseguinte, esse seria o “poema 
final” (GULLAR, 2003, p. 237), um sinal de resistência, mesmo que fosse o último. A 
seguir, vamos ler alguns versos e destacar temas de “Poema sujo”. 
3. O NASCIMENTO DO POETA
6
Nas duas primeiras páginas de “Poema sujo”, o eu lírico narra como o poeta 
nasce para uma vida que o poema recria em todas suas contradições:
 turvo turvo
 a turva 
 mão do sopro
 contra o muro 
 escuro
 menos menos
 menos que escuro
menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo
 escuro
 mais que escuro:
 claro
como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma
 e tudo 
 (ou quase)
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas 
 azul
 era o gato
 azul
 era o galo
 azul
 o cavalo
 azul
 teu cu 
tua gengiva igual a tua bucetinha que parecia sorrir entre as folhas de 
[banana
entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo 
[(não
como a tua boca de palavras) como uma entrada para 
 eu não sabia tu
 não sabias
 fazer girar a vida
 com seu montão de estrelas e oceano
 entrando-nos em ti
 (GULLAR, 1976, p. 11-12).
O eu lírico sofre angústia por existir: “eu não sabia tu”. Relativo ao passado, o 
verbo saber mostra o desconhecimento de si próprio e de quem era o outro, seu 
herdeiro. Eu lírico e herdeiro não sabiam dirigir a vida. Existe um contraponto entre o 
“eu” do presente e o do passado que diz respeito à decifração desse enigma que 
atravessa o poema.
O outro, da mesma forma, tem a mesma angústia, supõe o eu lírico:
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
7
entrando-nos em ti (GULLAR, 1976, p. 12).
Nesses versos, poeta e herdeiro são igualados, são a mesma carne, pois 
trata-se de uma vida que entra nos corpos dos dois como um corpo reflexivo, 
penetra e confunde-se com o do outro no sexo. O corpo do outro é a porta de 
entrada para o universo desconhecido. O eu lírico destaca o movimento, no giro da 
vida, do corpo, do planeta e das estrelas. “Poema sujo” é um poema de movimento 
e, especialmente, nele todo, existe essa experiência de ser o outro. 
No início do poema, o poeta é um bicho sem importância cuja existência é 
anterior à criação do universo, e de características contraditórias, haja vista a citação 
de “mole” e “duro” e do que separa, “fosso e muro”, seguida da citação do que 
permite comunicação, “furo”:
menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo
[...]
como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma
[...]
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas 
(GULLAR, 1976, p. 11).
Essa “coisa alguma”, sem importância, também é “tudo/ (ou quase)”, ou seja, 
é coisa poética, pluripotente, possui capacidade de criar e “poíesis” (elemento 
complementar de palavras para indicar formação, criação, ação de fazer algo).
No livro Rabo de foguete: os anos de exílio, Ferreira Gullar (2003, p. 238), 
lembrando como iniciou a escrita de “Poema sujo”, diz que começaria “[...] antes da 
linguagem, antes de mim, antes de tudo...”. “Poema sujo” inicia-se com um 
momento de não existência que remete à ideia do magma, ancestral de rochas 
terrestres. O eu lírico diz que esse bicho está em um lugar muito escuro e muito 
claro. O poeta lança mão de uma antítese para designar uma situação absurda, de 
elementos antagônicos, na qual convivem turbidez e claridade; uma situação azul, 
limpa, de pureza, que expele de seus intestinos o aniquilamento. A mudança da 
referência à terceira pessoa (“um bicho”) para a segunda (“teu cu”) insere o leitor 
nesse sistema composto pelo universo e o eu lírico. O aniquilamento sai também 
das próprias entranhas desses três elementos – leitor, eu lírico e universo – 
resumidos na imagem do cavalo azul:
azul
era o gato
azul
era o galo
8
azul
o cavalo
azul
teu cu (GULLAR, 1976, p. 11).
Boxe de atenção
Observe que o uso das vogais “o” e “u” nos primeiros versos do poema nos 
transmite uma ideia de dificuldade de movimento, fechamento e escuridão . Esse 
recurso também é usado por Mário de Andrade em “A meditação sobre o Tietê” na 
estrofe:
É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável
Da Ponte das Bandeiras o rio
Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa.
É noite e tudo é noite. Uma ronda de sombras,
Soturnas sombras, enchem de noite tão vasta
O peito do rio, que é como se a noite fosse água,
Água noturna, noite líquida, afogando de apreensões
As altas torres do meu coração exausto (ANDRADE, 2013, p. 531).
Fim do boxe de atenção
Em seu início, “Poema sujo” também se refere à sensualidadedo corpo 
humano, um ser que existe como “tua gengiva igual a tua bucetinha que parecia 
sorrir entre as folhas de banana/ [...] como uma entrada [...]/ entrando-nos em ti” 
(GULLAR, 1976, p. 12). Essa menção ao sexo que o uso da expressão “entrando-
nos” evidencia, em oposição à situação de não existência do poeta, traz um sinal de 
fricção entre a vida e a não vida, um sinal de atração e resistência. O nascimento do 
poema e do poeta acontece sob violência. Eles também são expelidos pelo universo. 
Antes de construir “Poema sujo”, Ferreira Gullar (2008, p. 197) já afirmara que 
“A vida é suja”, em um verso do poema “A poesia”, publicado em 1975, no livro 
Dentro da noite veloz, ou “imunda”, como no poema que dá nome ao livro (GULLAR, 
2008, p. 174-181). O primeiro é uma reflexão sobre a escrita em uma situação de 
exílio, ditadura e falta de liberdade, na qual sofrem tanto o poema como as pessoas 
e o eu lírico. O segundo foi escrito em 1969 e tem como tema a morte de Che 
Guevara.
Verbete 
9
Che Guevara, ou Ernesto Rafael Guevara de la Serna, comandante da 
Revolução Cubana de 1953. Além de ter participado do governo de Fidel Castro 
instalado em Cuba, Che Guevara chefiou e apoiou a guerrilha contra governos em 
países do então chamado Terceiro Mundo, como a Bolívia, onde foi assassinado 
pelo exército em 1967.
Fim do verbete
4. O TEMPO E A VELOCIDADE 
Em “Poema sujo”, os elementos da natureza, que marcam o passar do tempo, no 
passado, eram eternos. A “possível eternidade” das coisas refere-se à presença na 
lembrança do poeta, lugar onde vários elementos importam de maneiras e níveis 
diferentes, como:
eterna a vida, dentro e fora do armário,
o certo é que
tendo cada coisa uma velocidade
[...]
cada coisa se afastava 
desigualmente
de sua possível eternidade (GULLAR, 1976, p. 88-89).
Os mortos “voam para trás” (GULLAR, 1976, p. 92), rumo ao esquecimento, 
perdendo-se, cada vez mais, na memória do eu lírico. Em um poema da memória, 
isso é relevante. Observe que os elementos do espaço movimentam-se em relação 
ao eu lírico: sua presença determina o sentido do movimento do passado para o 
esquecimento ou do passado para o presente. Esquecer ou deixar de existir na 
memória do eu lírico seria acelerar o movimento no qual as coisas se afastam “de 
sua possível eternidade”.
O fato de os retratos dos mortos estarem em molduras cômodas (GULLAR, 
1976, p. 72) também demonstra falta de movimento/vida e que os mortos estão 
alijados dos conflitos e desafios do cotidiano. Os mortos estão se afastando do 
futuro, da transformação e do apodrecimento. 
Percebe-se que os elementos de “Poema sujo” – os cômodos da casa e o 
quintal, o capital e o dinheiro, os gatos e os pombos, as peras em decomposição – 
estão em movimento, girando em torno de muitos centros. Um desses centros é o 
10
pote de água “em torno do qual/ desordenadamente giram os membros da família” 
(GULLAR, 1976, p. 72). Esses centros geram vida e movimento. E:
não se pode também dizer que o dia
tem um único centro
 (feito um caroço
 ou um sol)
 porque na verdade um dia
tem inumeráveis centros (GULLAR, 1976, p. 95).
O poema dá ideia de que não há apenas um ponto de vista, uma opinião, um 
elemento, um ser mais importante do que outro em uma vida. Em um dia – que é o 
mesmo dia de muitos outros dias – pode haver um ou vários centros. O eu lírico 
remete ao sistema solar ou a uma fruta, mas, paradoxalmente, aponta duas 
diferenças entre o dia e os sistemas citados – o dia é um sistema de vários centros, 
e cada centro é sustentado pelos corpos que giram em volta dele:
corpos 
que em torno dele giram:
não os sustém a mesa
mas a fome
não os sustém a cama
e sim o sono
não os sustém o banco
e sim o trabalho não pago (GULLAR, 1976, p. 97).
Você deve observar que esses centros movimentam-se em torno de outros, 
mas também do passado para o presente, ou vice-versa, quando o eu lírico evoca 
sua presença no poema.
5. A VIOLÊNCIA
Os tempos de “Poema sujo” são marcados pela violência. São inúmeras 
expressões, situações ou versos que remetem à violência – “abismo de cheiros”, 
“abutre”, “aranha”, “arrastar”, “bufa”, “conspiração”, “canivete”, “destripá-la”, “devorá-
la”, “gangsters”, “ordem”, “templo”, “treva”, “precipício”, “sol duro dos trópicos”, 
“azedo de lama”, “gente humilhada/ comendo pouco”. O tempo da “tarde” é o tempo 
da violência em forma de exclusão social; o tempo da “noite”, da “noite veloz”, é o 
tempo da ditadura. Mas, depois da tarde e da noite, há o tempo do “dia”. Esse dia só 
existe porque há certo galo que faz explodir a manhã e percebe o quanto são 
importantes os elementos que constroem esse tempo, ajudando o eu lírico a 
entender o enigma existente nesse poema. A figura do galo é usada como metáfora 
do poeta. A alusão ao galo já se encontra nos primeiros versos – “azul/ era o galo” – 
11
quando se apresenta o nascimento do poeta. Da mesma forma, para vincular o 
estado de violência à possibilidade de sua própria morte, o eu lírico se expressa por 
meio da metáfora do galo “que vai morrer” (GULLAR, 1976, p. 87). 
O eu lírico invoca e reafirma que só o passado o protegerá e lhe dará certa 
invisibilidade, nos dias de terror, e implora pela companhia de móveis do passado 
para sobreviver. A repetição do pedido (ou ordem) põe em relevo a necessidade da 
presença dos móveis:
 voais comigo
 sobre continentes e mares
E também rastejais comigo
 pelos túneis das noites clandestinas
 sob o céu constelado do país
 entre fulgor e lepra
debaixo de lençóis de lama e de terror
 vos esgueirais comigo, mesas velhas,
armários obsoletos gavetas perfumadas de passado,
 dobrais comigo as esquinas do susto
 e esperais esperais
que o dia venha (GULLAR, 1976, p. 15).
A poesia é uma tempestade de relâmpagos que clareiam o presente escuro e 
acendem os céus de continentes passados. Nesse trecho do poema, há uma 
sucessão de verbos (voar, rastejar, esgueirar, dobrar) que sugere um processo de 
reação e proteção para, afinal, terminar em um sentimento de esperança. Dobrar 
significa tornar-se mais forte, duplicar-se, vencer a resistência de algo, mudar de 
direção, com a possível intenção de voltar ao início. A poesia também apresenta 
dobras que reúnem:
[...] vozes
e gargalhadas
 que se acendem e apagam nas dobras da brisa (GULLAR, 1976, p. 90).
Por outro lado, desdobrar remete à imobilidade:
se penso na cidade se desdobrando em seus
telhados e torres de igrejas
 sob um sol duro (GULLAR, 1976, p. 72).
Ou, ao esquecimento:
pra tantas mortes e vidas
 que se desdobram
no escuro das claridades, (GULLAR, 1976, p. 78).
Para materializar a exclusão social, o poeta cita o cheiro como nos versos em 
que o próprio sistema solar apodrece e a imagem do sol opõe-se/identifica-se com o 
12
cheiro de vida podre. Nesse ambiente de exclusão, ou de abandono, existe a 
fábrica, a linha férrea, o cais, a foz do rio. Na fábrica, é construída uma tarde 
diferente da tarde em que o poeta vive. É sugerido que a consciência dessa 
exclusão dar-se-á “tarde”, não no momento narrado:
 Um templo
seria? mas
sem nichos sem altar sem santos?
Que era aquilo-uma-usina?
 onde a tarde se fazia
com faíscas de esmeril calorde forja
onde a tarde era outra
tarde
que nada tinha daquela
que eu via agora distante (GULLAR, 1976, p. 28).
 
A violência da exclusão social continua na noite, diferente de outras noites, 
como diz o poema. Essa noite se interrompe para que, como animais:
 [...] os operários da fábrica Camboa
 descansem um pouco
 e se reproduzam nas redes
ou nas esteiras (GULLAR, 1976, p. 46).
Existe, no poema, uma tarde que bufa e causa pânico, prenunciando a noite, 
o tempo de opressão. É interessante notar que o eu lírico diz que essa tarde nasce 
dentro de outra e amarra o tempo presente a uma origem em seu passado:
 ah quantas só numa
tarde geral que cobre de nuvens a cidade
 tecendo no alto e conosco
 a história branca 
 da vida qualquer (GULLAR, 1976, p. 29).
13
Figura 10.2 – Casarão da cidade de São Luís/MA
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/24/Saoluizbrasil.jpg
O poeta é impotente, porquanto, não sabia fazer girar a vida e foi forçado a 
embarcar em um trem sem destino que quer encontrar um “dia novo” em todos os 
lugares por onde passa. Dentro dessa tarde violenta, eu lírico e poesia encontram-se 
“no ar”, indo pelos ares, sem direção. O poeta despede-se da infância. Esse 
momento de “adeus” pode ser lido como uma metáfora da fase que precedeu seu 
exílio, como se verá adiante. O trem, a vida, está:
correndo entre as estrelas a voar
[...]
adeus meu grupo escolar
adeus meu anzol de pescar 
adeus menina que eu quis amar
que o trem me leva e nunca mais vai parar (GULLAR, 1976, p. 31).
Se, no início de “Poema sujo”, o eu lírico convoca os objetos domésticos para 
protegê-lo quando diz “esperais esperais/ que o dia venha”, aqui é a memória do pai 
que é chamada “pro dia novo encontrar”, pois “que o trem me leva e nunca mais vai 
parar”.
As perdas não são apenas aquelas diretamente relacionadas ao exílio e à 
ditadura, como o fim do projeto político, tortura e morte de amigos, seu sofrimento e 
de seus familiares, mas a perda da proteção da família do pai, especialmente, do 
pai, da própria família, a ruína do paraíso perdido, seu passado e sua cidade. O luto 
não vai incorporar ao eu lírico, na quitanda, os fregueses ou as notícias sobre a 
guerra “que a guerra acabou/ faz muitos anos” e, especialmente, não encontrará o 
pai, embora, “inutilmente o buscarás também/ na sessão desta noite no poeira”. 
Também não vai incorporar os sentimentos das pessoas, pois não “voltarás a ouvir 
nada do que ali se falou”. O eu lírico tem consciência de “quanta coisa se perde/ 
nesta vida”.
Boxe multimídia
Vamos pensar mais sobre o que significa exílio, especialmente, nos dias de 
hoje. O exílio, a exclusão social, a falta de esperança e a violência andam juntos em 
nossa sociedade. Ouça a música “Haiti” de Caetano Veloso e leia na Folha de S. 
14
Paulo o texto “Futebol e papel em missão atraem haitianos ao Brasil” e perceba que 
essas situações sociais resultam na sensação do sujeito de não pertencer a seu 
lugar ou a seu deslocamento territorial. Acesse os links http://letras.mus.br/caetano-
veloso/44730/ e http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/05/1462940-futebol-e-
papel-em-missao-atraem-haitianos-ao-brasil.shtml.
Fim do boxe multimídia
Vale ressaltar que “Poema sujo” é um texto de esperança. Esse sentimento 
está ancorado no passado, em cujos “[...] beirais das casas sobre as telhas cresciam 
capins/ mais verdes que a esperança”. A palavra “beirais” indica que a realidade está 
rodeada por esse sentimento. A alusão à continuidade da vida na cidade de São 
Luís também diz respeito à esperança, “pois quando um pote se quebra/ outro pote 
se faz”.
Em “Poema sujo”, o tempo de Newton Ferreira – pai de Ferreira Gullar –, 
dentro da quitanda, é lento. Em oposição, longe do pai, o tempo é ruidoso, rápido e 
desorganizado e sobre ele o eu lírico não tem controle. Desgarrados da proteção do 
pai e da quitanda, acima da cidade, o poeta e a tarde vão:
na direção do Desterro
por cima da capital
(como um aranha, poderia dizer?
que ata e puxa a presa para devorá-la?
como um abutre invisível a destripá-la
num ballet
e muito acima do telhado da quitanda
em pleno ar?) (GULLAR, 1976, p. 71-72).
Há oposição entre a velocidade de alguns elementos violentos, “escuros”, em 
forma de “estampido” e a vida cômoda, lenta debaixo dos telhados.
6. O EXÍLIO
Entre os tipos de violência, o exílio é um “aprendizado da morte”. O poeta diz 
que não precisava estar onde está para ver as casas e a cidade do passado. Seu 
sentimento é de quem perdeu sua cidade. Mesmo que a quitanda ainda existisse, as 
pessoas não são as mesmas; as casas são as mesmas, mas os rostos são 
desconhecidos. O eu lírico sente-se voando muito acima de sua cidade e, se 
15
estivesse próximo a ela, andando pelas ruas, ainda assim não reencontraria seu 
passado.
Ferreira Gullar volta, nos versos do poema, a um pedaço da pátria perdida: 
“Grande parte da vida de um exilado é ocupada em compensar a perda 
desorientadora, criando um novo mundo para governar” (SAID, 2003, p. 53). A 
cidade de São Luís é recriada, e “Poema sujo” torna-se uma representação da volta 
para casa. O mundo real confunde-se com o da ficção. Para o exilado, tanto o 
ambiente atual como o da memória são vividos, reais, ocorrem juntos e se 
contrapõem. 
Boxe de atenção
Observe que no poema o passado é reelaborado pela memória do eu lírico. A 
cidade é inventada. Lembre-se de que a literatura não é retrato ou reflexo da 
sociedade ou da realidade, de ações ou de intenções, de sentimentos ou de 
sofrimento, de pessoas ou de cidades. Considere que a palavra é um instrumento de 
criação e não somente de representação de uma realidade. 
Fim do boxe de atenção
A marca da diferença refere-se à recusa de pertencer a outro lugar, como em 
“Poema sujo”, em que o eu lírico não se interessa pelos lugares por onde passa no 
exílio e não pode ouvir as vozes do passado, nem ver o pai. Comove-se ao pensar 
que, talvez, poderia sentir o cheiro de querosene e sabão, mercadorias da quitanda, 
e ver a cidade do alto. No entanto, os lugares da cidade podem permanecer os 
mesmos, pois têm componentes de existência autônoma em relação ao que o poeta 
vive. 
Ferreira Gullar não menciona o exílio diretamente em “Poema sujo”; no 
entanto, há várias alusões ao tema no texto. Em sua poesia, o poema situa-se entre 
três momentos do exílio: o momento de clandestinidade vivido no Brasil, o do exílio 
em outros países e o da volta ao país. 
16
Em “Poema sujo”, a violência da ditadura e do exílio é ressaltada pelo uso de 
palavrões, palavras chulas, havendo certo realce da sexualidade. Pode-se pensar 
que essa linguagem seja um sinal de falta de compostura, como afirma Said (2003), 
tanto no exílio como entre os artistas que se encontravam no Brasil na época da 
ditadura. É possível, também, que seja reflexo da linguagem usada pelo poeta 
adolescente. É fato que essa linguagem não é exclusiva de “Poema sujo” e sua 
presença é observada nos poemas atuais de Ferreira Gullar; desse modo, não se 
justifica destacar tanto seu uso pinçando vocábulos dos versos. 
No entanto, segundo Alexandre Faria (2007, p. 78), o vocabulário de “Poema 
sujo” é um desafio para o leitor, não importando se ele é herdeiro da moral burguesa 
ou de revolucionários de esquerda, “[...] o corpo é interdito. Mas é esta máquina suja 
o que mobiliza o discurso do sujeito no poema, a memória que aflora é tanto visual e 
discursiva, quanto táctil, olfativa, gustativa, tanto sexual quanto erótica”.
Éinteressante observar o Ferreira Gullar disse recentemente: 
Dei o título de ‘Poema sujo’ porque, em primeiro lugar, é estilisticamente 
sujo. Não tinha compromisso algum com o que eu havia feito antes, nem 
com nenhuma norma literária. Em segundo lugar, porque é obsceno. Não 
tem nenhum compromisso com a moralidade que poderia supostamente 
governar a poesia. Terceiro, porque fala de nossa miséria brasileira 
(GULLAR, 2013 apud JIMÉNEZ, 2013, p. 196).
Ainda a respeito da linguagem em “Poema sujo”, o eu lírico usa muitos 
adjetivos para indicar sinais de decadência nos elementos do passado, que não 
estão apenas mudados, mas encardidos, perdidos, gastos, caídos, quebrados, 
enferrujados, esquecidos. Essas alusões são metáforas da violência e sempre são 
feitas em um contexto de questionamento e oposição: “e as facas se perdem e os 
garfos/ se perdem pela vida caem/ pelas falhas do assoalho e vão conviver com 
ratos” (GULLAR, 1976, p. 13).
Há uma grande valorização do passado onde estão as referências do eu 
lírico. Não existe uma certeza de que isso tudo foi efetivamente perdido devido a seu 
caráter de substância do real, de núcleos da vida da qual surge a poesia. As mesas 
velhas e os armários obsoletos, ainda que debaixo de lençóis de lama e de terror, 
são os sinais do futuro. O perfume, ou a lembrança dele, é importante para 
estabelecer o diálogo entre o passado e o futuro que surgirá do que é velho e 
obsoleto. É preciso resistir. Assim, o eu lírico aponta que existe um clarão de sol 
visto através da janela:
e diziam coisas tão reais como a toalha bordada 
17
ou a tosse da tia no quarto
e o clarão do sol morrendo na platibanda em frente à nossa
janela
 tão reais que
 se apagaram para sempre
 Ou não? (GULLAR, 1976, p. 14).
A toalha é uma imagem de elemento plástico, móvel, vivo. Opõe-se à morte e, 
mais fortemente, à falta de vida assinalada, por vezes, pela citação de “molduras” e 
“cômodas” nos poemas de Ferreira Gullar. 
A noite é um movimento do tempo que atravessou o sistema de vida do poeta. 
Desorganizou o esquema, mudou o sentido de rotação, parou ou acelerou o tempo e 
deu ao poeta muitas experiências de vida positivas e negativas. 
“Poema sujo” diz que existem muitas noites. A noite não é uniforme, pois há 
uma noite que está sendo fabricada e outra já pronta. Os substantivos que dão o 
caráter dessa noite, “trambolhões”, “carruagem negra”, “ferros”, “trem”, “Costela do 
Diabo”, indicam sua extrema violência, enquanto sua ação de “nos” envenenar 
sugere fascínio e vertigem:
 se fabricava a noite
 que nos envenenaria de jasmim
E a noite mais tarde pronta passaria aos trambolhões
 com sua carruagem negra
 batendo ferros
 feito um trem 
 pela Costela do Diabo
 com seu cortejo de morcegos (GULLAR, 1976, p. 43).
A respeito dessa noite que tudo atropela, há uma referência no poema 
“Dentro da noite veloz”, publicado no livro com o mesmo nome, em 1975: “É mais 
veloz/ (e mais demorada)” (GULLAR, 2008, p. 178), ou seja, a noite é profunda e 
não é breve. Devido ao pouco conhecimento, não se pode entender essa noite 
violenta e cruel, assim como os dias confusos, pouco iluminados, que continham 
aspirações e esperanças diferentes:
Era impossível distinguir
com a pouca luz que havia
como eram seus cavalos
seu condutor e seu chicote
a cavalgar no meu sono
sem o testemunho dos irmãos (GULLAR, 1976, p. 43).
A respeito desse trecho de “Poema sujo”, Denise Hortência Lopes Garcia 
(1993, p. 115) assevera que é uma “[...] referência à carruagem de Dona Ana 
18
Jansen, às sextas-feiras, transportada por escravos e cavalos, com muitas 
correntes”, personalidade histórica da cidade de nascimento de Ferreira Gullar, São 
Luís. O horror mítico do passado serve para explicar o horror real do presente.
7. O CORPO DO POETA
Percebe-se que um núcleo mais interno, ou seja, o corpo do poeta, aparece 
várias vezes em “Poema sujo”, com várias funções e movimentos. O corpo conduz o 
poema. É o corpo “de carne e osso”, “que mede 1,70 m” e sustenta o eu lírico e o 
torna igual ao “Homem morto no mercado”. O corpo leva as emoções, está ao lado 
do pai ou “debruçado no alpendre”. Também é o corpo de Buenos Aires cujo coração 
se confunde ao do eu lírico. O corpo tem a função de registrar o “alarme agora em 
minha carne”, traz os moradores da cidade, tem o cheiro de animal, apodrece como 
o rio Anil e bebe “água do pote”. O corpo do eu lírico se confunde com o da cidade 
em um ponto onde “lampeja/ o jasmim”. É o corpo dependente do outro.
Esse tema do corpo é uma constante na poesia de Ferreira Gullar. É o corpo 
da linguagem presente em “Poema sujo” em expressões com sentido de sexo (“boca 
de palavras”, “corpo falo”, “língua”, “mais doces”) quando exerce sua função por 
meio da palavra. O corpo do eu lírico é o arquivo do passado e da criação do 
universo poético, o registro dos cheiros e das reações físico-químicas do mundo 
material, da vida em São Luís e das perdas pessoais. 
As referências ao corpo em inúmeros substantivos – tanto o corpo vivo como 
a “carne fria” sem vida – e ao universo situam o eu lírico em um espaço ao mesmo 
tempo individual e amplo desde as páginas iniciais de “Poema sujo”. Corpo e 
universo são dois elementos concêntricos: o mais interno e o mais externo. Ao 
anunciar sua integração ao universo e apresentar o todo que contém todos os outros 
elementos, o poeta achou o “umbigo do poema” que o salvou, segundo ele próprio 
(GULLAR, 2003, p. 238).
O eu lírico vive seu tempo do passado, que está dentro de si, ou às suas 
costas, e do presente, o tempo “de fora”, “diante dos olhos”. A intersecção entre os 
dois tempos é o corpo do poeta, onde esses dois tempos vazam “um no outro”, 
misturam-se e confundem-se nos corações do eu lírico e da cidade de exílio:
 um às minhas costas o outro 
 diante dos olhos
19
 vazando um no outro
 através de meu corpo
dias que se vazam agora ambos em pleno coração
de Buenos Aires
 às quatro horas desta tarde
 de 22 de maio de 1975
 trinta anos depois (GULLAR, 1976, p. 39).
Enquanto na memória vários elementos se juntam, como o riso da irmã, a 
morte, os móveis, o quintal, o presente tem indicação precisa e simples de data e 
hora. O eu lírico tenta congelar o presente em um momento. O passado vem como 
fluxo, como se fosse um dia que atropela o outro. 
O eu lírico de “Poema sujo” não apresenta uma postura romântica, de eu 
fonte, eu centro do universo. Ele está comprometido com seu passado e “[...] se 
abrindo aos outros dias/ que estão em volta”, o futuro:
 dias de fronteiras impalpáveis
feitos de – por exemplo – frutas e folhas
 frutas que em si mesmas são
 um dia
 de açúcar se fazendo na polpa
ou já se abrindo aos outros dias 
 que estão em volta 
 como um horizonte de trabalhos infinitos (GULLAR, 1976, p. 40).
Abrir-se ao futuro significa que o corpo, em “Poema sujo”, refere-se a um eu 
em constante diálogo, em movimento, para se fundir com o outro e expressá-lo. 
Tornar-se sua voz. A partir do corpo do eu lírico, os elementos se confundem, não há 
mais diferença entre o que está dentro e fora ou entre pontos diferentes. 
8. O ENIGMA
O eu lírico diz que há um “enigma” em “Poema sujo”. É o mesmo enigma do 
galo no poema “Galo galo”: “– que faço entre coisas?/ – de que me defendo?” 
(GULLAR,1976, p. 13). Esse enigma é desvelado pelo poeta, mais à frente, no 
poema, quando conhece o pássaro vermelho e azul.
Há várias alusões a esse enigma: o eu lírico está dentro de um quase dia na 
“cinzentura”, as tardes e as noites são mais de uma. O dia não é exatamente um 
tempo de clareza. Existe dificuldade em entender os “dias enlaçados como anéis de 
fumaça” repletos do som confuso do alarido das pipiras. O eu lírico adquire 
consciência das condições de vida e das contradições de sua cidade em um 
20
processo de amadurecimento parecido com o desenrolar da tarde no dia. Essa 
“matéria-tempo/ suja ou/ não” fez o poeta chegar ao seu desaguadouro como um rio 
em um país tropical. 
A exclusão social também diz respeito a esse enigma, quando o poeta está 
entre “coisas da natureza e do homem”, confuso no mangue, entre mato e sal e a 
vida degradante de pessoas, que são como bichos, como peixes de baixo valor 
econômico e que trabalham no galpão da fábrica. 
Do mesmo modo, a cidade está postada na “desembocadura suja de dois 
rios” e perdida em meio às contradições do poeta, cuja miséria é invisível para quem 
a olha de longe. As “altas esferas azuis” estranhas à cidade não percebem o “olho 
sujo/ do querosene” e o “vermelho/ entardecer” ou a revolta que surge da miséria. 
Ou, como afirma Lafetá (2004, p. 238), no ensaio intitulado “Dois pobres, duas 
medidas”, publicado em 1983:
Entre os miseráveis moradores das palafitas e os remediados pequeno-
burgueses de casas e roupas gastas, o poeta descobriu algo de comum, o 
pano de fundo do cotidiano, com suas agruras e seus breves relâmpagos de 
vida.
 
Há uma preocupação, no poema, em buscar a verdade da tarde, da noite, dos 
“inumeráveis centros” do dia e dos “pássaros pássaros”. No passado, a vida era 
plena de saúde e alegria “ainda que suja e secreta” , quando seres humanos a 
construíam, em um bordado de flores, em jarros: 
 Ah, minha cidade suja
de muita dor em voz baixa
 de vergonhas que a família abafa
 em suas gavetas mais fundas
 de vestidos desbotados
 de camisas mal cerzidas
 de tanta gente humilhada
 comendo pouco
mas ainda assim bordando de flores
 suas toalhas de mesa
 suas toalhas de centro
de mesa com jarros
 – na tarde
 durante a tarde
 durante a vida –
cheios de flores 
de papel crepom (GULLAR, 1976, p. 81).
Na fala desses habitantes da cidade, o eu lírico descobre as pistas para 
resolver o enigma:
 Mundo sem voz, coisa opaca.
Nem Bilac, nem Raimundo. Tuba de alto clangor, lira singela?
21
Nem tuba nem lira grega. Soube depois: fala humana, voz de
gente, barulho escuro do corpo, intercortado de relâmpagos
 Do corpo. Mas que é o corpo?
 Meu corpo feito de carne e de osso (GULLAR, 1976, p. 18).
Boxe de curiosidade
Até sua adolescência, Ferreira Gullar escrevia poemas parnasianos. Ao citar 
Raimundo Correia e Olavo Bilac, o eu lírico alude à chamada "Tríade Parnasiana" 
composta pelos dois poetas citados e Alberto de Oliveira.
Fim do boxe de curiosidade
O corpo do outro indica que a decifração do enigma vincula-se à descoberta 
“do teu corpo do meu corpo”. O corpo do outro é indecifrável e cheio de vida:
cheiros de umbigo e de vagina
 graves cheiros indecifráveis
 como símbolos
 do corpo
do teu corpo do meu corpo (GULLAR, 1976, p. 19).
As pistas não estão apenas no presente da cidade de São Luís, mas em seu 
passado, porquanto, seus antigos moradores, os índios timbiras, além dos 
estivadores, fregueses, operários e vizinhos, igualmente vêm à memória do poeta. A 
integração do “eu” é feita por meio de seu corpo, que pertence ao corpo do outro e 
vice-versa, o corpo – que é carne de sua própria carne. 
Entre os sujeitos de todos os tempos, há o poeta, em todos os tempos, como 
um galo importante para provocar o processo do amanhecer. Junto com seus 
semelhantes, o galo faz a manhã explodir:
até que de galo em galo
um galo
rente a nós
explode
(no quintal)
e a torneira do tanque de lavar roupas
desanda a jorrar manhã (GULLAR, 1976, p. 47).
22
Não existe no poema uma valorização excessiva do poeta. Ele está em 
transformação como se pode ver quando sua imagem e a de um rio são 
aproximadas. Segundo o poema, ao transformar-se, ou apodrecer, um rio, sinônimo 
de tempo ou de vida, não apodrece como as outras coisas ou no lugar delas. O rio, 
vida ou tempo, não faz vinagre, não apodrece como peras, bananas, jardim ou o 
corpo das pessoas, que fermenta na fábrica ou fermenta na casa do poeta:
era preciso que viesse
por esse mesmo caminho
passasse no Matadouro
e misturasse seu cheiro de rio ao cheiro
de carniça
e tivesse permanentemente a sobrevoá-lo
uma nuvem de urubus
como acontece com o Anil antes
de dobrar à esquerda
para perder-se no mar
 (para de fato
afogar-se, convulso,
nas águas salgadas
da baía
que se intrometem por ele, por suas veias,
por sua carne doce de rio
que o empurra para trás
o desarruma
e envenena de sal
e o obriga a apodrecer
– já que não pode fluir –
debaixo das palafitas (GULLAR, 1976, p. 58).
Esse apodrecimento também é permanente. Não é um processo individual, 
pois são dois rios submetidos a ele: o poeta e o rio Anil. O poeta se vira “à esquerda” 
e apodrece “ao leste” da cidade, ou seja, decidiu-se por/foi forçado a ir em direção 
ao nascer do sol. Para apodrecer, o eu lírico, o “outro rio” precisou ir pelos mesmos 
caminhos do rio de sua cidade, não teve opção, pois a vida “o envenena de sal/ e o 
obriga a apodrecer”.
 
Boxe de curiosidade
Palafitas são habitações construídas em áreas alagadas existentes no Brasil 
e em vários países. Veja uma ilustração de palafitas em Altamira/PA:
23
Figura 10.3 – Palafitas
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Palafita_Brasil.JPG
Fim do boxe de curiosidade
Para entender a história dos homens – suja e limpa, vermelha e azul – foi 
preciso que, a partir do passado, mas, distanciado da cidade, “longe/ [...] e mais 
longe ainda”, o poeta conhecesse “o outro”. Assim, o poeta descobre sua identidade 
e constrói sua história. O enigma foi desvelado:
Para me dar conta
da história dos pássaros
foi preciso ver
o pássaro vermelho e azul
mal pousado no galho
grande demais para aqueles matos
como um fantasma
 (a balançar no vento)
foi preciso vê-lo
dentro daquele silêncio
feito de pequenos barulhos 
E ele – fazendo sua história – voou
sem se saber por que
e foi pousar noutra árvore
já agora quase oculto (GULLAR, 1976, p. 63-64).
 
O pássaro vermelho e azul, como um fantasma, acompanha o eu lírico. Não 
tem corporalidade definida: ele se oculta, ora parece “flor ora folha colorida”. O eu 
lírico se identifica com esse fantasma balançando no vento, sem pátria, sem cidade, 
pois é sua testemunha e herdeiro. 
24
Segundo Ferreira Gullar (2009 apud ASSIS, 2011, p. 236), em entrevista 
concedida a Maria do Socorro de Assis, “Poema sujo” tem “[...] uma visão 
comprometida com a problemática social”. A imagem do pássaro vermelho e azul 
resume essa posição, pois o pássaro é a representação do fantasma que conjura o 
poeta a agir politicamente.
No início de “Poema sujo”, o poeta é um bicho que recebe um “sopro” o qual 
rompe o que o prende. Esse pneuma é revelado ao longo da leitura do poema e faz 
surgir tanto o poeta como o ser humano, fazendo-o renascer em um momento de 
muita dor, o exílio. Pode-se considerar que “Poema sujo” é uma descrição dacriação e de momentos da trajetória de Ferreira Gullar como poeta. A poesia, “sopro” 
inicial criador, transforma-se em “vento nas árvores” e, mais tarde, torna-se “esferas 
de ventania”. 
9. A CIDADE DO POETA
A poesia, apresentada em forma de “ventos verdes” pelo eu lírico, também é 
vítima da violência ao ser atropelada pela tarde locomotiva, que, à maneira da 
fábrica, é um templo ou uma catedral “de aço”:
ah ventos soprando verdes nas palmeiras dos Remédios
gramas crescendo obscuras sob meus pés
 entre os trilhos
e dentro da tarde a tarde-
 locomotiva
que vem como um paquiderme
 de aço
 tarda pesada
maxilares cerrados e cabeça zinindo
 uma catedral que se move
 envolta em vapor
 bufando pânico
 prestes 
 a explodir (GULLAR, 1976, p. 30).
Tanto a poesia como a cidade têm a cor verde:
Ah, minha cidade verde
 minha úmida cidade
 constantemente batida de muitos ventos
rumorejando teus dias à entrada do mar
 minha cidade sonora
 esferas de ventania
rolando loucas por cima dos mirantes
 e dos campos de futebol
 verdes verdes verdes verdes 
25
 ah sombra rumorejante
 que arrasto por outras ruas (GULLAR, 1976, p. 78).
 
Percebe-se, no poema, que o eu lírico sugere um movimento circular, 
indicando tanto o movimento de ir e voltar do passado ao presente como a vida, que 
não pode ser caracterizada como um movimento retilíneo. A palavra “esferas” indica 
um espaço mais completo com objetos em uma velocidade infinita. É nesse espaço 
que mora a poesia.
Ao escrever, o corpo do poeta confunde-se com o corpo da cidade, ele se vê 
na cidade e vê a cidade em si mesmo. O eu lírico deixa transparecer que ele e sua 
cidade são uma só “carne”. Mesmo no exílio, sob ditaduras, conclui que o poema, 
agora, sob a forma de jasmim, e a vida, ainda estão na cidade e nele: 
 (minha cidade
 canora)
 de trevas que já não sei
 se são tuas se são minhas
mas nalgum ponto do corpo (do teu? do meu
corpo?
 lampeja
 o jasmim
ainda que sujo da pouca alegria reinante (GULLAR, 1976, p. 79).
O poeta ouve as vozes dos personagens de São Luís e dialoga, diretamente, 
com sua cidade: o que era cenário torna-se personagem! Para o eu lírico, a cidade 
que tem valor é a aquela que ele tornou atual, é a cidade do passado trazida ao 
presente. Ela lhe dá consciência de sua história. Houve a infância e a adolescência, 
o tempo vivido no Rio de Janeiro, a poesia, a ditadura e o exílio. Todas essas 
experiências acumularam-se. Essa é a paisagem que ele vê. É a cidade do poema, 
uma paisagem resultante de uma acumulação de tempos. 
ATIVIDADE 1
(Atende aos objetivos 1)
Todos nós temos um paraíso perdido e São Luís, a cidade da infância que Ferreira 
Gullar evoca em vários poemas, é a metáfora de todas as cidades em “Poema sujo”. 
Mas em qual cidade está o homem nesse poema? Utilizando os versos citados 
nesta aula, anote as características da cidade do poeta e as páginas em que 
aparecem em “Poema sujo”. 
26
DEIXAR 15 LINHAS
Resposta comentada: 
Espera-se que o aluno cite, entre outras, as seguintes características da 
cidade de “Poema sujo” como um espaço de: convivência e não oposição de 
situações contraditórias (p. 95); realidade adversa (p. 72); fábrica (p. 28); exclusão 
social (p. 46); vida comum (p. 29); proteção (p. 72); gente que esconde suas 
vergonhas e de gente humilhada (p. 81); matadouro, urubus e palafitas (p. 58); um 
tempo violento (p. 30). A cidade também é viva (p. 78) e canora (p. 79).
FIM DA ATIVIDADE
A cidade do poeta não tem dignidade especial a não ser a do riso e do afeto. 
Mas essa importância não era compreendida, “como se não tivesse sentido rir/ numa 
cidade tão pequena”. 
Mas, afinal, o eu lírico conclui que, embora o poema o faça confundir-se com 
a cidade, um homem está na cidade não como esta é apresentada em sua poesia, o 
“vento” que folheia a cidade em um livro. Assim, pode-se afirmar que, mais do que 
dentro do poema, a cidade existe dentro do homem. Da mesma forma, “o susto do 
pássaro” está nele de um modo diferente daquele que está no poema, cujo tema é o 
pássaro azul e vermelho.
No final do poema, o eu lírico parece afirmar que reencontrou sua cidade e 
que, novamente, está com ela:
a cidade está no homem
mas não da mesma maneira
que um pássaro está numa árvore
não da mesma maneira que um pássaro
(a imagem dele)
está/va na água
 e nem da mesma maneira
que o susto do pássaro
está no pássaro que eu escrevo
a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa
cada coisa está em outra
[...]
a cidade não está no homem
do mesmo modo que em suas 
quitandas praças e ruas (GULLAR, 1976, p. 102-103).
27
 
Toda a poesia de Ferreira Gullar é construída a partir da valorização de coisas 
miúdas, do cotidiano. O poeta vincula essas pequenas coisas ao passado para lhe 
dar, mais ainda, valor e também para dizer que tudo isso era muito. Em “Poema 
sujo”, o poeta percebe que a vida está perdida no presente, mas, por meio da 
memória, resgata a vida da cidade. A cidade é a metáfora de um universo complexo, 
cheio de ambiguidades, comum a todo e qualquer ser humano. O eu lírico declara 
sua definição de vida – a sua e a de todos: mistura de tudo o que existe nesse 
universo. Daí ele tira o título do poema.
CONCLUSÃO
Ferreira Gullar compôs “Poema sujo” longe do Brasil, sem sentir o peso da 
militância política. Mais que um poema político, ele pôde mostrar-se como um 
homem afastado do país e da família em crise política e existencial. Em “Poema 
sujo”, São Luís é recriada para provocar uma reflexão sobre a vida tanto no poeta 
como no leitor.
ATIVIDADE FINAL 
(Atende aos objetivos 1 e 2)
1. Compare “Poema sujo” com “Canção do exílio” de Gonçalves Dias. Retire da lista 
de características da cidade, que você fez, aquelas que afastam a cidade de 
“Poema sujo” da pátria edênica do poeta romântico e faça um texto comparando os 
dois poemas:
Kennst du das Land, wo die Citronen blühen, 
Im dunkeln die Gold-Orangen glühen, 
Kennst du es wohl? - Dahin, dahin! 
Möcht ich... ziehn. 
-- Goethe
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
28
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Coimbra – Julho 1843
DEIXAR 20 LINHAS 
2. Agora compare “Poema sujo” com a letra da música Haiti:
Quando você for convidado pra subir no adro 
Da fundação casa de Jorge Amado 
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos 
Dando porrada na nuca de malandros pretos 
De ladrões mulatos e outros quase brancos 
Tratados como pretos 
Só pra mostrar aos outros quase pretos 
(E são quase todos pretos) 
E aos quase brancos pobres como pretos 
Como é que pretos, pobres e mulatos 
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados 
E não importa se os olhos do mundo inteiro 
Possam estar por um momento voltados para o largo 
Onde os escravos eram castigados 
E hoje um batuque um batuqueCom a pureza de meninos uniformizados de escola secundária 
Em dia de parada 
E a grandeza épica de um povo em formação 
Nos atrai, nos deslumbra e estimula 
Não importa nada: 
Nem o traço do sobrado 
Nem a lente do fantástico, 
Nem o disco de Paul Simon 
Ninguém, ninguém é cidadão 
Se você for a festa do pelô, e se você não for 
Pense no Haiti, reze pelo Haiti 
O Haiti é aqui 
O Haiti não é aqui 
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado 
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer 
29
Plano de educação que pareça fácil 
Que pareça fácil e rápido 
E vá representar uma ameaça de democratização 
Do ensino do primeiro grau 
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital 
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto 
E nenhum no marginal 
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual 
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco 
Brilhante de lixo do Leblon 
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo 
Diante da chacina 
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos 
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres 
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos 
E quando você for dar uma volta no Caribe 
E quando for trepar sem camisinha 
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba 
Pense no Haiti, reze pelo Haiti 
O Haiti é aqui 
O Haiti não é aqui
DEIXAR 15 LINHAS
Respostas comentadas: 
1. Espera-se que o aluno redija um texto em que mostre que a imagem que 
“Poema sujo” faz da cidade de São Luís afasta-se da imagem de pátria edênica, pois 
é um espaço de : convivência e não oposição de situações contraditórias; realidade 
adversa; atividades capitalistas; exclusão social; seres humanos com problemas 
reais. O aluno também pode destacar as diferenças ou pontos de contato entre os 
poemas como a linguagem empregada pelos autores, a intensidade da oposição 
entre o “lá” e o “cá”, as diferenças espaçotemporais, as questões formais relativas 
à métrica e ao ritmo, o vocabulário, a falta de individualismo e o tom coloquial de 
“Poema sujo”, entre outros aspectos.
2. De maneira semelhante à questão anterior proposta, espera-se que o aluno redija 
um texto em que mostre a abordagem da exclusão social, das contradições sociais, 
e de seres humanos com problemas reais. É relevante também observar o uso da 
linguagem chula e cotidiana nos dois poemas, a repetição de palavras, a falta de 
individualismo do eu lírico, entre outros aspectos.
RESUMO 
30
Nós vimos alguns aspectos de “Poema sujo”. Nesta aula foi ressaltada a 
presença de temas como a violência, o movimento, o exílio, a importância do corpo 
do poeta e de sua cidade. O poema é longo e riquíssimo em significados. É 
fundamental que você o leia inteiramente para explorá-lo mais. 
REFERÊNCIAS
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acrescida de documentos por Tatiana Longo Figueiredo e Telê Ancona Lopez. Rio de 
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Porto Alegre, 20211. Disponível em: <http://tede.pucrs.br/tde_arquivos/16/TDE-2011-
07-29T164741Z-3389/Publico/432764.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2014.
FARIA, Alexandre. “Poema sujo”: a viagem, o corpo, apontamentos para leitura de 
outra canção de exílio. In: FARIA, Alexandre (Org.). Poesia e vida: anos 70. Juiz de 
Fora: Ed. UFJF, 2007. p. 71-81.
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(Mestrado em Artes) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1993. 
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code=vtls000069905>. Acesso em: 21 ago. 2014.
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GULLAR, Ferreira. A história do poema. In: GULLAR, Ferreira. Toda poesia. 5. ed. 
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Entrevista concedida a Cadernos de Literatura Brasileira.
_____. Em alguma parte alguma. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010a.
_____. O poeta e suas histórias. Bravo!, Rio de Janeiro, n. 158, p. 24-31, out. 2010b.
_____. Poema sucio. Edição e versão de Pablo del Barco. Madri: Visor, 1997.
_____. Poema sujo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.
_____. Poesia completa, teatro e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008.
31
GULLAR, Ferreira. Poesia e realidade contemporânea. 1989. Disponível em: 
<http://www.literal.com.br/ferreira-gullar/por-ele-mesmo/ensaios/poesia-e-realidade-
contemporanea/>. Acesso em: 21 ago. 2014.
_____. Rabo de foguete: os anos de exílio. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
JIMÉNEZ, Ariel. Ferreira Gullar conversa com Ariel Jiménez. Tradução de Vera 
Pereira. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
LAFETÁ, João Luiz. Dois pobres, duas medidas. In: LAFETÁ, João Luiz. A dimensão 
da noite e outros ensaios. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2004. p. 226-240.
ROCHA, Wesley Thales de Almeida. Metal vertiginoso: a poesia apaixonada de 
Ferreira Gullar. 2013. 240 f. Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade 
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013. Disponível em: 
<http://hdl.handle.net/1843/ECAP-97CFYD>. Acesso em: 21 ago. 2014.
SAID, Edward Wadie. Reflexões sobre o exílio. In: SAID, Edward Wadie. 
Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. Tradução de Pedro Maia Soares. São 
Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 46-60. 
	É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável
	Da Ponte das Bandeiras o rio
	Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa.
	É noite e tudo é noite. Uma ronda de sombras,
	Soturnas sombras, enchem de noite tão vasta
	O peito do rio, que é como se a noite fosse água,
	Água noturna, noite líquida, afogando de apreensões
	ASSIS, Maria do Socorro Pereira de. Poema sujo de vidas: alarido de vozes. 2011. 275 f. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 20211. Disponível em: <http://tede.pucrs.br/tde_arquivos/16/TDE-2011-07-29T164741Z-3389/Publico/432764.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2014.