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Morfofisiologia do Sistema Endócrino Fisiologia dos Hormônios Adrenocorticais As duas glândulas adrenais estão localizadas nos polos superiores dos rins e possuem forma de semicírculo, sendo a direita mais pontiaguda. Elas estão divididas em duas partes, um córtex mais periférico e grande, que compõe cerca de 80% do volume glandular, e uma pequena medula central que completa o volume, sendo esta originada de células embrionárias nervosas. Assim, tem-se que o córtex produz hormônios denominados corticosteroides, derivados do colesterol, e a medula produz catecolaminas, como dopamina, epinefrina e norepinefrina, que atuam sob controle do sistema nervoso simpático. Por essa razão, serão discutidos aqui apenas os hormônios adrenocorticais, visto que os hormônios medulares serão estudados juntos com o sistema nervoso. O córtex adrenal é dividido histologicamente em três zonas, uma glomerulosa, uma fasciculada e outra reticular, que estão relacionadas à produção de diferentes hormônios. Os três tipos de hormônios produzidos são os mineralocorticoides, os glicocorticoides e os androgênios. Essas substâncias, apesar de derivarem ambas do colesterol e possuírem composições químicas semelhantes, estão relacionadas a funções totalmente distintas. Os androgênios são secretados em quantidades diminutas e, por isso, também serão discutidos em outra aula, sendo aqui detalhadas as funções dos mineralocorticoides, cujos 90% são compostos pela aldosterona, e os glicocorticoides, cujos 95% são compostos pelo cortisol. - Síntese e secreção dos hormônios adrenocorticais: A partir da divisão das camadas do córtex adrenal, observa-se que: - A zona glomerulosa compõe cerca de 15% do córtex, localiza-se mais externamente e produz grande quantidade de mineralocorticoides, sendo o principal a aldosterona. Sua produção é controlada pelas concentrações de angiotensina II e potássio do liquido extracelular, ambos estimulando a secreção de aldosterona. - A zona fasciculada é intermediária e grande, compondo cerca de 75% do córtex. Ela produz quase todos os glicocorticoides, sendo o principal o cortisol, além de alguns poucos androgênios. Sua secreção é controlada pelo ACTH produzido na hipófise. - A zona reticular é a menor e mais interna, compondo apenas 10% do córtex. Sua produção diz respeito principalmente aos androgênios desidroepiandrosterona (DHEA) e androstenediona, além de poucos estrogênios e glicocorticoides. Também tem ação controlada pelo ACTH. - Funções dos mineralocorticoides: A ação desses hormônios é vital e está relacionada principalmente à concentração dos íons do organismo e aos volumes dos líquidos extracelulares. Assim, na ausência total da secreção adrenocortical, o indivíduo vai a óbito em 3 dias a 2 semanas, no máximo, pois a concentração de potássio dispara, e os íons sódio e cloreto são rapidamente eliminados do corpo, diminuindo acentuadamente os volumes dos líquidos extracelulares e sanguíneos. Isso causa redução do débito cardíaco e estado de choque, seguido pelo óbito em poucos dias. Nesse contexto, o principal hormônio responsável por esse controle é a aldosterona, que exerce mais de 90% da função mineralocorticoide. No entanto, o cortisol também pode ajudar na função mineralocorticoide, pois liga-se aos receptores desses hormônios, mas geralmente esse efeito é anulado pela ação da enzima 11-beta- hidroxiesteroide desidrogenase II, que converte esse cortisol em cortisona e anula o efeito sobre os minerais, já que a cortisona é inativa para essa função. Porém, na Síndrome do Excesso Aparente de Mineralocorticoides (AME), um defeito nessa enzima acaba por permitir uma ação substancial do cortisol sobre os minerais. O mecanismo de ação da aldosterona se dá principalmente nos néfrons renais, onde esse hormônio estimula diretamente a reabsorção de sódio e a eliminação de potássio pelos túbulos renais, sendo responsável também pelo controle do volume sanguíneo e dos líquidos extracelulares do organismo. A aldosterona, em quantidades elevadas, induz a uma intensa retenção de sódio e eliminação de potássio pelos rins, fazendo também que muita água seja reabsorvida junto com o sódio, o que resulta em um aumento significativo do volume sanguíneo e da pressão arterial, bem como numa maior concentração da urina. A concentração de sódio acaba não sendo modificada devido a maior quantidade de água no corpo, assim como sua retenção acaba sendo transitória, visto que, entre 24 e 48 horas após uma elevada concentração de aldosterona, a pressão arterial é aumentada até atingir um nível que aumenta bastante a excreção de sal e água, estabilizando a retenção crescente de sódio pelo hormônio. No entanto, o quadro de hipertensão é constante nessas condições. Outras consequências que as alterações nos níveis normais de aldosterona podem causar são a hipocalemia e a hipercalemia. A primeira se dá pela elevação na quantidade do hormônio, que além de estimular a eliminação do potássio pela urina, induz a deposição dele nas células, reduzindo consideravelmente sua concentração plasmática. A falta de potássio no sangue denomina-se hipocalemia e é causadora de uma fraqueza muscular grave, derivada de uma alteração na excitabilidade elétrica que impede a normalidade dos impulsos de potenciais de ação. Já na ausência da aldosterona, as elevadíssimas concentrações de potássio levam à hipercalemia, que gera toxicidade cardíaca, incluindo diminuição na força da contração e surgimento de arritmias, o que se chama de insuficiência cardíaca. Ademais, a ação desse hormônio nos rins também provoca uma eliminação de íons hidrogênio pelo organismo, em troca pela reabsorção de sódio, o que frequentemente pode causar alcalose no sangue devido a baixa concentração de H+ quando a aldosterona está alta. Por fim, a aldosterona também induz a reabsorção de sódio e eliminação de potássio nas glândulas salivares e sudoríparas, de forma semelhante ao que ocorre nos túbulos renais. Umas vez no sangue, a aldosterona é ligada a receptores nos tubulos excretores dessas glândulas e promove uma maior absorção de sódio, eviatando que muito sal seja perdido pelo suor em ambientes quentes ou durante a alimentação pela saliva. A mesma coisa acontece no intestino, durante a digestão, o que evita que muito sódio se perca pelas fezes. A ausência de aldosterona pode levar a um impedimento da reabsorção de água e sal pelo intestino, resultando em diarreia. Nesse contexto, a aldosterona age da seguinte forma dentro das células epiteliais. Primeiramente, ela é difundida para o meio intracelular devido à lipossolubilidade das membranas celulares. Depois, no citoplasma, ela se liga a receptores mineralocorticoides (MR) altamente específicos, formando um complexo ligante. O complexo aldosterona-receptor é então difundido até o núcleo, onde pode passar por maiores alterações, e acaba induzindo a produção de RNA’s mensageiros que estão relacionados ao transporte de sódio e potássio da célula. E, então, esse RNA é transportado de volta ao citoplasma, agindo com os ribossomos para formar proteínas de transporte de membranas que realizam a entrada e saída dos íons. Assim, tem-se que o efeito da aldosterona sobre o organismo não é imediato, sendo necessário aproximadamente 30 minutos para formação do RNA mensageiro e cerca de 45 minutos para que o transporte de íons seja realizado. O pico máximo do efeito hormonal se dá em várias horas após sua secreção. - Regulação da secreção de aldosterona: Quatro fatores essenciais que controlam a concentração de aldosterona no sangue são conhecidos, sendo eles, por ordemde importância: - A concentração de íons potássio no meio extracelular, que, quando alta, induz ao aumento significativo da secreção de aldosterona pela glândula adrenal, sendo o principal mecanismo de controle. - A concentração de angiotensina II, produzida pelo fígado, que, quando alta, também aumenta consideravelmente a secreção de aldosterona. - A concentração de íons sódio no meio extracelular, que, quando alta, reduz um pouco a secreção de aldosterona. - A concentração de ACTH produzido pela hipófise anterior, que é necessário para a secreção desse hormônio mas possui efeito pequeno sobre o controle de sua secreção. Nota-se que os principais meios de controle são o potássio, que aumenta em muitas vezes a secreção do hormônio, e o sistema renina-angiotensina, ativado pelo fígado quando o sódio se encontra em baixa concentração, o que aumenta também em muitas vezes essa secreção. A ação da aldosterona, no entanto, controla por feedback o sistema renina- angiotensina, já que aumenta a concentração de sódio no sangue. - Função dos glicocorticoides: Um animal consegue sobreviver sem a glândula adrenal se houver reposição endógena de mineralocorticoides, que manterão a sobrevida do organismo. Contudo, suas atividades fisiológicas estarão muito longe do normal sem a ação dos glicocorticoides, hormônios adrenais que possuem influência direta sobre o metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios, além de permitir a resistência do corpo ao estresse e aos processos inflamatórios, como será explicado a seguir. Dentre esses hormônios, cerca de 95% da atividade é realizada pelo cortisol, conhecido popularmente por hormônio do estresse. A primeira influência do cortisol é sobre o metabolismo dos carboidratos, que ocorre por meio de um forte estímulo à gliconeogênese, mecanismo de formação de carboidratos pelo fígado a partir de algumas proteínas. Dois efeitos do cortisol são importantes para esse estímulo. Primeiramente, esse hormônio age no núcleo das células hepáticas, causando alterações na transcrição do DNA para formar RNA’s mensageiros que realizam a formação de um grupo de enzimas, as quais são necessárias para a conversão de alguns aminoácidos em glicose por essas células. Esse mecanismo é semelhante à ação da aldosterona sobre as células dos túbulos renais. Por outro lado, o cortisol também promove a mobilização de aminoácidos de outros tecidos para o plasma sanguíneo, permitindo que estejam disponíveis para entrar no processo de gliconeogênese pelo fígado. Além disso, a utilização da glicose pelas células do corpo é reduzida sob ação desse hormônio, o que, em conjunto com o aumento da gliconeogênese, acaba aumentando consideravelmente a concentração de açúcar no sangue. Também o cortisol faz que os tecidos, principalmente o músculo esquelético e o tecido adiposo, percam a sensibilidade à insulina, possuindo menos capacidade de captação da glicose. Tudo isso acontece para que o organismo resista melhor a uma situação de estresse. No entanto, altas taxas de glicocorticoides podem aumentar tanto o nível de carboidratos no sangue que chega a causar a chamada Diabetes Adrenal, doença que é pouco aliviada pela insulina devido à ação do cortisol que atrapalha o efeito dessa enzima. A segunda característica desse hormônio é sua influência sobre o metabolismo das proteínas no organismo, que ocorre principalmente devido à redução na deposição de proteínas em praticamente todas as células, com exceção das hepáticas. Isso torna possível a conclusão de que o cortisol é também um hormônio de envelhecimento, visto que promove a mobilização de aminoácidos para fora dos tecidos, a redução na síntese de proteínas pelas células, principalmente musculares, e o aumento no catabolismo de proteínas já presentes nessas células. Em altas taxas, o cortisol estimula a degeneração natural do corpo pelo catabolismo e enfraquece o organismo pela escassez proteica. Contudo, ao passo que essa proteína é retirada dos tecidos, sua concentração, excepcionalmente, aumenta no sangue e no fígado devido ao efeito desse glicocorticoide de transportar aminoácidos para o tecido hepático e impedir o transporte deles para outros tecidos, resultando nessa redução de reservas teciduais para aumento das reservas sanguíneas e hepáticas das proteínas. Isso promove uma maior atividade hepática e, por isso, aumenta a gliconeogênese. O terceiro aspecto consiste no efeito sobre o metabolismo de lipídios, que também é significativo entre as ações do cortisol. Dessa forma, de maneira muito semelhante ao que ocorre com as proteínas, os lipídios do tecido adiposo sofrem o efeito desse hormônio, que mobiliza os ácidos graxos para o plasma sanguíneo, além de aumentar a oxidação dessas moléculas pelas células adiposas. Parte desse efeito se deve, como foi visto, ao menor transporte de glicose para o tecido adiposo, o que impede a manutenção dos triglicerídeos nessas células, que acabam liberando eles para o sangue. A maior concentração de lipídios no sangue faz, então, que as células utilizem mais essas moléculas para gerar energia em momentos de estresse, em vez de utilizar glicose, mais um motivo pelo qual o cortisol diminui a utilização do açúcar para poupá-la. Contudo, apesar dessa maior mobilização de lipídios, existe um tipo peculiar de obesidade desenvolvida a partir do excesso de cortisol, gerando uma grande deposição de gordura no tórax e na cabeça e promovendo sintomas clínicos denominados “giba de búfalo” e “face em lua cheia”. Essa obesidade ocorre devido ao estímulo do cortisol para a grande ingestão alimentar, o que faz que essa deposição de gordura seja mais rápida que sua degradação e mobilização pelo hormônio. A quarta influência do cortisol é sua capacidade de resposta ao estresse, aspecto que deu a ele a fama de hormônio do estresse, devido aos estímulos que acentuam a resistência do organismo a situações fora do esperado. Qualquer situação que ponha o animal em estresse físico ou neurológico aumenta rapidamente a secreção de ACTH pela hipófise e, minutos depois, dispara a concentração de cortisol secretado pela glândula adrenal no sangue. Assim, diante de traumas, infecções, mudanças acentuadas de temperatura, injeção de norepinefrina no sangue ou de substâncias necrosantes sobre a pele, cirurgias, restrição dos movimentos e doenças debilitantes, os níveis de cortisol são aumentados pelo organismo a fim de que mais gordura e mais açúcar esteja disponível para geração de energia, recuperação física ou controle da situação. Por fim, esse glicocorticoide também é responsável por efeitos anti-inflamatórios no organismo, que podem ocorrer tanto pelo bloqueio dos estágios iniciais da inflamação, até mesmo antes de ela começar, como pela aceleração do processo regenerativo após o início do processo inflamatório. De forma preventiva, o cortisol age estabilizando as membrana dos lisossomos celulares, o que evita que proteínas proteolíticas, que causam inflamação, sejam liberadas em grandes quantidades; reduzindo a permeabilidade dos capilares, evitando que o plasma sanguíneo seja perdido para os tecidos e cause eritemas; reduzindo a migração de leucócitos para a área lesada, o que impede o processo de fagocitose das células danificadas; suprimindo o sistema imune e a produção de linfócitos, o que diminui a quantidade de anticorpos na área inflamada e, consequentemente, as reações teciduais que causam a inflamação, e, por último, amenizando a febre, pela liberação de interleucina-1, o que controla a temperatura corporal e atenua a vasodilatação nas áreas inflamadas. Até mesmo após a instalação de um processoinflamatório, esse hormônio ajuda na recuperação e rápida resolução dele, provavelmente por permitir uma maior disponibilidade de proteínas e carboidratos que atuam na reparação tecidual. Pode-se dizer, desse modo, que o cortisol é um hormônio de efeito anti-inflamatório global, agindo em todos os aspectos relacionados ao controle da inflamação, e é administrado no tratamento de várias doenças cujo o principal dano ao corpo provém das consequências desse processo. - Regulação da secreção de cortisol: Ao contrário do controle da aldosterona, que responde às concentrações eletrolíticas e a outros estímulos químicos, a secreção dos glicocorticoides é controlada quase inteiramente pelo ACTH, hormônio indutor da atividade adrenocortical, que também estimula a secreção de androgênios por essa glândula. O cortisol tem, portanto, forte relação com o sistema nervoso, visto que o ACTH é também controlado pelo fator liberador de corticotropina (CRF), hormônio produzido pelo hipotálamo. Como muitos outros hormônios hipotalâmicos que controlam a hipófise anterior, o CRF é liberado no sistema de vasos porta para alcançar rapidamente a glândula, estimulando, então, a secreção de ACTH no sangue. Esse, por sua vez, alcança as glândulas suprarrenais e se liga à membrana das células corticais, principalmente da zona fasciculada e reticular, que possuem mais receptores para esse hormônio. A partir daí o ACTH leva à formação de AMPc pelo citoplasma dessas células, que gera a ativação de enzimas intracelulares relacionadas à produção dos hormônios adrenocorticais, sendo esse processo mais um exemplo do sistema de segundo mensageiro. Um dos aspectos mais importantes do controle do ACTH sobre a glândula adrenal é a capacidade de ativação da enzima proteinocinase A, responsável pela conversão de colesterol em pregnenolona. Essa é a etapa limitante da formação dos hormônios adrenocorticais, sendo o ACTH essencial para a produção de qualquer um deles. Dessa forma, qualquer estresse mental é motivo para uma rápida resposta do organismo por meio da elevação na taxa de cortisol, visto que esses estímulos atuam diretamente no hipotálamo, região do diencéfalo responsável pelo controle das emoções e do humor, causando um aumento da secreção de CRF, que leva a produção de cortisol, por consequência. Caso ocorra um estresse físico, como traumas e inflamações, os estímulos dolorosos e imunológicos são transmitidos por meio do tronco encefálico até a eminência mediana do hipotálamo, onde é secretado o CRF. O cortisol apresenta ainda um efeito de feedback negativo sobre o hipotálamo e sobre a adeno-hipófise, suprimindo as secreções de CRF e ACTH, respectivamente, e permitindo o controle fisiológico da concentração desse hormônio no sangue. - Síndrome de Cushing: É uma doença que possui diversos efeitos provindos de taxas altas e anormais dos hormônios adrenocorticais, principalmente do cortisol, mas também de alguns androgênios. Pode ocorrer devido a vários fatores, como adenomas da hipófise, que produzem mais ACTH que o normal, função anormal do hipotálamo, que resulta em altos níveis de CRF, secreção ectópica de ACTH devido a tumores em outras partes do corpo ou, ainda, adenomas do córtex adrenal. Tudo isso culmina em efeitos resultantes do excesso de cortisol, como deposição de gordura no tórax, no pescoço e no rosto, invadindo a região da clavícula e a região malar, o que causa uma obesidade centrípeta, além da diminuição dos braços e das pernas e de uma fraqueza muscular intensa.
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