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Aceito para publicação em 24/05/2010. significados e práticas sobre educação psicomotora na pré-escola elane bahia lemos1 robson da fonseca neves2 suzane tavares de carvalho3 (1) Fisioterapeuta pela Universidade Católica do Salvador. (2) Fisioterapeuta, Docente da Universidade Federal da Paraíba. (3) Fisioterapeuta, Docente da Universidade Católica do Salvador. Universidade Católica do Salvador, BA. Correspondência Elane Bahia Lemos Conjunto Guilherme Marback St 2, Bloco 10 / 202 – 41.720-005 – Salvador – BA. lanebahia@hotmail.com. RESUMO SIGNIFICADOS E PRÁTICAS SOBRE EDUCAÇÃO PSICOMOTORA NA PRÉ-ESCOLA: Este estudo teve por objetivo conhecer as repre- sentações sociais dos professores de pré-escola da rede pública municipal de Salvador, BA, sobre educação psicomotora. Realizou-se pesquisa qualitativa, alicerçada na análise do discurso de 16 professores que trabalhavam com crianças na fase pré-escolar, sem experi- ência em escolas de educação especial, e que integravam o corpo docente de oito instituições públicas de ensino selecionadas. Foi elabo- rado um roteiro de entrevista semiestruturado. A produção de dados foi obtida a partir de entrevista face a face, pesquisa documental, além de um diário de campo. Os resultados sugeriram que a educação psicomotora é representada por distorções quanto à noção de corpo, movimento e desenvolvimento infantil, com reflexos sobre a práxis da psicomotricidade idealizada pelos professores. Verificou-se, portanto, que a educação psicomotora permeia o imaginário dos professores da pré-escola; todavia suas distorções podem apresentar-se como um empecilho para sua efetivação como prática profissional. Descritores: Representações sociais, Educação psicomotora, Educação infantil, Desenvolvimento infantil. ABSTRACT MEANINGS AND PRACTICE ON PSYCHOMOTOR EDUCATION IN THE PRESCHOOL: This work intends to identify the social representa- tion on psychomotor education of the elementary school teachers in public schools from the city of Salvador, BA, Brazil. It was developed a qualitative research based on the speech analysis of 16 teachers working with elementary school children, without experience at special education schools and integrating the docent body of eight selected public schools. It was planned a semi-structured interview. Data pro- duction was obtained from face-to-face interview, documental research and a field register. The results suggested that psychomotor educa- tion is present in elementary school teachers’ imaginary, although it is not applied on their professional actions. In this context, one can ve- rify the need to encourage discussions that promote the effectiveness of psychomotor education and support new researches in order to raise the comprehension of the meanings and professional actions in infant education. Keywords: Social representations, Psychomotor education, Children education, Children development. Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99). 122 A educação psicomotora é entendida como uma metodo- logia de ensino que instrumentaliza o movimento humano1. Neste sentido, o movimento humano equivale à linguagem, e é construído a partir de uma intenção, transformando-se em comportamento significante2. O trabalho da educação psico- motora, portanto, permite a compreensão da forma como a criança adquire a consciência do seu corpo e das possibili- dades de se expressar por meio desse corpo, propiciando o desenvolvimento infantil pleno, favorecendo, ainda, as a- prendizagens pré-escolares e escolares1,3,4. Diferentes correntes científicas estabelecem relação entre a motricidade e o desenvolvimento cognitivo do homem5-7. Ao considerar, por exemplo, os preceitos filogenéticos e ontogenéticos, pode-se inferir que as aquisições da motrici- dade precedem as aquisições do pensamento, funcionando como pré-requisito para o desenvolvimento intelectual5,6. A neurociência, por sua vez, afirma que o aprimoramento motor gradativo implicará na corticalização progressiva do Sistema Nervoso Central (SNC) e no consequente desenvolvimento cognitivo7. Ademais, a teoria construtivista determina que o conhecimento é construído a partir da interação do sujeito com o meio, admitindo que a criança necessita explorar o ambiente a fim de construir, por meio do corpo, o seu conhe- cimento de mundo8,9 . O desenvolvimento cognitivo é, portanto, um processo complexo que envolve desde estruturas do SNC até habili- dades motoras e psicoafetivas10. Por conseguinte, a criança para aprender necessita de conscientização e organização do esquema corporal, elaboração de noções de tempo e espaço, desenvolvimento da lateralidade, além de equilíbrio psicoafetivo8,11,12. Logo, um corpo não organizado gera preju- ízos ao desenvolvimento infantil e à aprendizagem escolar12. Somado a isso, verifica-se que a origem das maiores dificul- dades de aprendizado está situada nos primeiros anos esco- lares9, além do fato de os problemas relativos à coordenação motora serem comuns na infância, podendo interferir no desempenho escolar13. No Brasil, o Referencial Curricular Nacional para a Educa- ção Infantil (RCNEI) estabelece parâmetros de qualidade que norteiam o trabalho das creches e pré-escolas. De acordo com a proposta oficial, o movimento deve integrar a estrutura curri- cular das atividades educativas, considerando os seus aspec- tos instrumentais, assim como a sua dimensão subjetiva, ou seja, expressiva14. Neste sentido, a educação psicomotora introduzida, a princípio, nas escolas especiais como recurso psicopedagógico passa a ser discutida na atualidade como instrumento indispensável à educação infantil4,8. Assim, a Lei 12.205, de 2007, autoriza o poder executivo a instituir ativida- des de Psicomotricidade Relacional como uma prática educa- tiva de valorpreventivo na rede pública municipal de ensino da cidade de Curitiba, nos níveis de Educação Infantil e das sé- ries iniciais do Ensino Fundamental15. No âmbito escolar, os profissionais diretamente envolvi- dos com a criança são os professores, e a condução do processo de aprendizagem requer desses profissionais co- nhecimento adequado. A falta de compreensão, no que tan- ge aos mecanismos do desenvolvimento infantil, os leva a cometer falhas, além de propor situações em momentos inoportunos8,9. Desta forma, faz-se necessário questionar os significados e práticas sobre educação psicomotora no con- texto de professores da pré-escola, o que pode contribuir para reflexão mais profunda desses atores sobre sua práxis. Consequentemente, pode resultar na elaboração de estraté- gias para a implementação de novos projetos educacionais e incitar discussões inerentes ao tema, visando à maximização da capacidade de aprendizado e à profilaxia dos problemas de desempenho escolar. O objetivo deste estudo, portanto, foi conhecer as representações sociais dos professores da pré-escola, da rede pública municipal de Salvador, BA, sobre a educação psicomotora. MétodoMétodoMétodoMétodo Esta pesquisa de natureza qualitativa, que visou a conhe- cer os fatos e fenômenos relativos aos significados e práticas apresentados por professores da pré-escola sobre educação psicomotora, foi realizada no âmbito do ensino pré-escolar da rede pública municipal de Salvador, BA. Foram selecionadas oito instituições de ensino, a partir da relação de Escolas de Educação Infantil da Rede Pública Municipal disponível no site da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC) da cidade de Salvador. A escolha das escolas levou em conside- ração dois fatores: o interesse da instituição em participar da pesquisa e o endereço das escolas, visando à diversificação geográfica aliada à facilidade de acesso ao local. Desta forma, as instituições de ensino que participaram do estudo estavam localizadas em seis bairros distintos da cidade de Salvador (Costa Azul, Pituaçu, Piatã, Cabula, Boca do Rio e Rio Verme- lho). A pesquisa foi realizada, então, com 16 professores que integravam o corpo docente das instituições de ensino selecio- nadas. Foram considerados como informantes-chave os pro- fessores que trabalhavam com crianças na fase pré-escolar, sem experiência em escolas de educação especial. A produção de dados foi obtida a partir das entrevistas face a face, que foram gravadas e posteriormente transcritas, além da análise documental com base nos planejamentos anuais de aula fornecidos pelos informantes. Foi utilizado roteiro de entrevista semiestruturado composto de duas par- tes. A primeira continha questionamentos a respeito dos dados do informante, a fim de possibilitar a caracterização do perfil da população pesquisada. A segunda, por sua vez, foi constituída por seis perguntas organizadas em três referen- ciais temáticos: percepção de corpo e sua inter-relação com a psicomotricidade; percepção sobre o desenvolvimento infantil; e a função da educação infantil. Além disso, foi utili- zado um diário de campo, objetivando a compreensão de aspectos observados que não seriam obtidos diretamente de perguntas. A compreensão de Minayo16 serviu como parâme- Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99). 123 tro para determinação das técnicas e dos instrumentos de coleta que foram empregados. O período de coleta de dados correspondeu ao segundo semestre de 2008, meses de julho e agosto. As entrevistas foram previamente agendadas com o diretor responsável por cada instituição de ensino e realizadas nas próprias institui- ções, em um único encontro com cada informante. Os relatos dos informantes-chave foram classificados em categorias analíticas. Entendem-se como categoria analítica importante a este estudo as representações sociais subsidia- das pelos construtos teóricos que compõem a operacionali- zação do conceito de educação psicomotora. Neste contexto, Minayo17 afirmou que as representações sociais são pensa- mentos, ações e sentimentos que expressam a realidade em que vivem as pessoas, servindo para explicar, justificar e questionar essa realidade. Ademais, Minayo16 determinou que as representações podem ser consideradas matéria- prima para análise do social e também para a ação pedagó- gico-política de transformação. Matrizes de dados foram elaboradas, identificando-se, a partir delas, as convergências e divergências dos discursos e os padrões de pensamentos recorrentes que confluíram nas categorias. As entrevistas foram interpretadas com base na proposta de Minayo16, que entende a análise do discurso como um mecanismo que permite a compreensão do pro- cesso produtivo do texto e suas significações, a partir de um olhar diferenciado sobre a linguagem, diferente da lógica positivista da análise dos conteúdos das falas. Do material empírico produzido emergiram as seguintes categorias de campo que orientarão a discussão e a análise deste estudo: corpo e psicomotricidade, desenvolvimento infantil e educação infantil. Em respeito aos princípios éticos estabelecidos pela Re- solução 196/96, do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos, que garante aos participantes o anonimato e a confidencialidade dos dados, os nomes dos informantes-chave foram substituídos pelas suas iniciais. Resultados e DResultados e DResultados e DResultados e Discussãoiscussãoiscussãoiscussão Perfil dos informantes-chave Todos informantes-chave eram do sexo feminino e a faixa etária variou de 27 a 60 anos. Dois (12,5%) desses informan- tes haviam concluído apenas o segundo grau, modalidade magistério; 14 (87,5%) apresentavam curso superior comple- to, sendo 12 (75%) graduados em Pedagogia, um (6,25%) em Pedagogia e Psicologia, além de um (6,25%) em Letras. Ademais, 11 (68,75%) haviam realizado pós-graduação em diversas áreas (psicopedagogia, psicologia social, coordena- ção pedagógica, metodologia do ensino superior, consultoria educacional, tecnologia em educação, educação ambiental e metodologia da cultura africana). O tempo de trabalho em pré-escola variou de três a 25 anos. No que se refere à expe- riência de trabalho em outras atividades de educação, a maioria dos informantes já havia vivenciado experiências em mais de uma área no cenário escolar. Neste sentido, um informante havia trabalhado em creche, quatro com alfabeti- zação, oito com ensino fundamental, quatro com ensino médio, dois com formação de professores de educação in- fantil, um com recreação, e apenas dois não possuíam expe- riência em outra área. Representações sobre a educação psicomotora As representações concernentes à educação psicomotora estão estratificadas no ideário que os informantes têm sobre corpo e psicomotricidade, desenvolvimento infantil e educa- ção infantil. De maneira geral, as representações evidencia- ram o distanciamento dos informantes desse tema, à medida que demonstraram em seus discursos falta de conhecimento consistente. Dos relatos, inferiu-se relação ingênua entre motricidade e cognição, assim como um paralelo, sem profundidade, entre os aspectos psicológicos e as aquisições motoras, que restringiram a concepção da psicomotricidade na escola à experiência de reconhecimento do corpo e às atividades motoras. Desta forma, é interessante notar que, ao falar de educação psicomotora, os entrevistados se referiram, exclu- sivamente, aos exercícios de coordenação motora, estrutura- ção espacial e lateralidade, como pode ser verificado nos discursos a seguir: Olhe, educação psicomotora eu entendo assim, eu não sei se tem a ver, né, a lateralidade é o que eu mais trabalho aqui [...] é a coisa do embaixo, em cima, esquerda, direita (sic) [...] (PS).[...] a psicomotricidade é tudo que envolve movimento, contato, né, coordenação motora, tem diversas atividades, diversos exercícios que vão desenvolver essa parte psico- motora da criança, né? (sic) (MJN). Entretanto, de acordo com Le Boulch4, a educação psi- comotora não tem o objetivo de ensinar à criança comporta- mentos motores. Carvalho3 definiu que o exercício da psico- motricidade, no contexto educacional, se vincula a um projeto mais amplo, que visa ao autoconhecimento, à auto- organização e à descoberta dos mundos interno e externo da criança, e, por conseguinte, não compreende a execução mecânica de atividades. A educação psicomotora se funda- menta, então, no propósito de criar um espaço na escola, no qual atividades psicomotoras sejam incentivadas, possibili- tando ao escolar a elaboração de seus conflitos, além do desenvolvimento integral de suas habilidades motoras, cogni- tivas e afetivas8,18. Corpo e Psicomotricidade A partir da análise dos discursos, sobressaíram duas re- presentações que foram agrupadas nas subcategorias empí- ricas: corpo-matéria e corpo-funcional. A primeira represen- Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99). 124 tação diz respeito à dimensão material associada ao corpo. Logo, denota-se nas transcrições a seguir que foi marcante os entrevistados se referirem ao corpo como estrutura física do homem, conjunto das partes que integram o indivíduo e porção limitada da matéria: Pergunta estranha (risos). Nunca me fizeram essa per- gunta. É toda parte material de ser vivo, né? (sic) (ILLM). [...] corpo, então, é isso, são os membros, são os órgãos, tudo que faz parte do corpo, nosso espaço, né? Nosso limite é o nosso corpo (sic) (PS). A segunda representação, por sua vez, corresponde à dimensão funcional atribuída ao corpo. Neste caso, verificou- se que o corpo é entendido como instrumento que possibilita ao indivíduo, por meio da motricidade, das percepções e sensações, o desempenho das suas atividades e sua relação com o mundo: Corpo ... é difícil explicar o que é corpo, porque assim, quando eu penso no corpo eu não penso meramente no cor- po físico, de mãos, braços e pernas. Isso faz parte, mas eu penso no corpo também assim como um instrumento que te auxilia a realizar suas atividades [...] O que conduz a gente à vida material é o corpo (sic) (SMCS). Significa a forma física de estar no mundo, um instru- mento de sua vida, que você pode se relacionar no meio (sic) (ENO). Para Cabral8, o objeto da psicomotricidade é o corpo in- teiro, integrado, ou seja, o corpo definido a partir de quatro dimensões interligadas: corpo instrumento de ação, corpo instrumento de conhecimento, corpo fantasmático e relacio- nal, além de corpo social. Segundo Levin2, o conceito de corpo se torna ainda mais amplo ao considerar que a psico- motricidade surge quando o corpo deixa de ser só carne e passa a ser falado, entra no discurso. O corpo é, antes de tudo, um receptáculo, um lugar de inscrição simbólica. Ao considerar a força das falas que tratam da representa- ção “corpo-instrumento”, percebe-se a existência de uma compreensão de corpo que se aproxima mais dos preceitos da psicomotricidade. Contudo, a representação associada ao corpo-matéria e a ausência de reflexões sobre o significado de corpo-funcional remetem à necessidade de se discutir mais, no âmbito da pré-escola, a perspectiva de corpo útil para a potencialização da prática psicomotora. Desenvolvimento Infantil O desenvolvimento infantil foi representado na idealiza- ção dos informantes sob uma ótica reducionista, revelando a falta de conhecimento adequado no que diz respeito às ques- tões próprias da infância. De acordo com a fala dos entrevis- tados, a percepção da criança na fase pré-escolar sugere que o desenvolvimento fica restrito ao processo de matura- ção biológica, ou seja, vinculado ao crescimento orgânico e ao aprendizado sensório-motor. Neste sentido, salientam-se os fragmentos a seguir: A gente percebe de forma que eles estão se desenvol- vendo, né? Eles chegam de maneira menores e vão se de- senvolvendo... Crescendo, né?(sic) (MCMS). Um corpo que está descobrindo, né? Que na verdade tá conhecendo, experimentando os movimentos, tá testando mesmo os movimentos, basicamente isso (sic) (RCSP). Jerusalinsky19, no entanto, tratando da questão na clínica psicomotora, afirmou que o desenvolvimento inclui o cresci- mento e a maturação, mas não se restringe a um caráter orgânico. Ele engloba o processo das aquisições psicomoto- ras, cognitivas e de linguagem e está atrelado à estruturação psíquica da criança, a partir da sua inserção em um mundo simbólico. A despeito da carência de informações sólidas tangentes à criança em desenvolvimento, identificou-se no relato dos professores, a noção de que é necessário promover, na fase pré-escolar, a consciência corporal. Nos próximos discursos se constata, no entanto, que os aspectos considerados rele- vantes na elaboração dessa consciência ficaram restritos à identificação dos segmentos e funções corporais: Eu percebo assim, né, como eu disse, a forma deles es- tarem no mundo, que é uma situação que eles ainda não têm muita consciência desse corpo, entendeu? Quer dizer, tem mais assim dentro das possibilidades, a gente precisa tá ori- entando, trabalhando com eles... é... desenvolvendo mesmo um trabalho pedagógico p’ra que eles possam tomar consci- ência desse corpo, que é com esse corpo que ele está no mundo (sic)(ENO). Eles precisam se tocar, precisam... precisam conhecer como o corpo... como se dá a evolução do corpo... ah.... tem que conhecer tudo, como é formado, a importância, é... a es- trutura, p’ra que serve cada parte, tudo é importante e a pré- escola, a partir da pré-escola é importante que eles conhe- çam isso (sic) (ISM). É sabido que uma das funções básicas do desenvolvi- mento na primeira infância é o conhecimento do próprio cor- po. E o desenvolvimento da consciência corporal, com base nos fundamentos psicomotores, perpassa a elaboração do esquema e da imagem do corpo, o que envolve a conquista gradativa de aspectos gnósicos, práxicos, assim como impli- cações psicoafetivas8. Portanto, ultrapassa a representação dos informantes, que cerceia o desenvolvimento infantil na maturação biológica e nas aquisições sensório-motoras. Educação Infantil As representações a respeito da educação infantil se re- velaram a partir da compreensão inicial dos informantes sobre o papel do professor pré-escolar e a relação entre Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99). 125 atividades corporais e educação infantil; depois, quanto à percepção do professor frente à socialização do aluno. Desta forma, os entrevistados associaram o papel do educador infantil ao desenvolvimento do potencial da criança, a partir de um trabalho que envolve o corpo, visando, com isto, à aquisição futura de habilidades instrumentais, representadas nas suas falas pela capacidade de leitura e escrita. O traba- lho corporal foi percebido como um recurso necessário ao processo de educação infantil, à medida que os professores identificaram no cotidiano escolar a associação positiva entre atividades corporais e aprendizado. Isto pode ser constatado nos seguintes recortes: Eu acho fundamental todo o processo de desenvolvi- mento da criança esse motor. Sabe, a gente tem ideia de que dar aula é só ficar sentadinho e assistir o que a profes- sora fala e responder ou usar a boca. Na fase pré-escolar, não. A gente tem que usar realmente o corpo, que é a partir do corpo que a criança vai se colocar dentro do mundo p’ra poder desenvolver (sic)(GFM). [...] o papel do professor é estar mesmo ali colocando ele pra riscar,rabiscar, cortar, pular, rasgar, tudo que eles pos- sam fazer com o seu corpo sendo preparado para lá na fren- te eles encontrarem um lápis (sic) (CSM). O estudo de Albuquerque20 a respeito do uso de ativida- des corporais para alunos com dificuldades de aprendiza- gem, realizado nas Faculdades Integradas da Terra de Brasí- lia, corrobora a percepção dos entrevistados sobre trabalho corporal. Para esse autor, a aplicação da psicomotricidade possibilitou o avanço no desempenho escolar, além de ter melhorado o desenvolvimento psicomotor e o amadureci- mento psicoafetivo dos alunos. Observou-se que os informantes salientaram a escassez de práticas psicomotoras na rotina em sala de aula. De acor- do com os discursos, a falta de capacitação continuada foi o responsável por esse fato. Além disso, o caráter de antecipa- ção da escolaridade das pré-escolas, que prioriza a alfabeti- zação em detrimento de um trabalho psicomotor de base, foi considerado fator cerceador das práticas corporais. Isto pode ser entendido nos seguintes recortes das entrevistas: [...] dizer que a gente ouve falar e que se trabalha edu- cação psicomotora é muito por cima, muito vago [...] criança de educação infantil quer movimento, ela não quer ficar sen- tada [...] surgiram os parâmetros, mas as escolas não são preparadas para, eu não vejo o município preparar os pro- fessores para isso [...] desde quando eu entrei, eu tenho 25 anos que eu trabalho na rede e eu nunca vi curso (sic) (CSM). [...] tá se exigindo muito da escrita, da leitura, da oralida- de da criança e, no entanto, a psicomotricidade que é neces- sária não está assim tendo muito na pré-escola [...] hoje em dia a criança já vai diretamente pro lápis [...] a globalização quer isso, quer quantidade e a qualidade tá ficando lá em- baixo (sic) (MLSP). Em consonância com o fato observado, Goulart9 informa que os professores de pré-escola e de primeiro grau come- tem falhas na condução do processo de aprendizagem, em virtude da falta de conhecimento adequado no que atinge o desenvolvimento dos seus alunos. Para Le Boulch4, os pro- fessores sempre concedem espaço insuficiente às vivências corporais e às atividades lúdicas, em função do ensino for- mal. Fonseca10 reitera esse relato ao considerar que ainda hoje há predomínio de um método de ensino expositivo e competitivo, característico dos modelos de formação tradi- cional. Silva21, por sua vez, afirmou que, independentemente de a temática corpo-movimento compor as diretrizes do RCNEI, a proposta oficial apresentada não permite superar o modo mecanicista de concepção de corpo e movimento, pois norteia seus objetivos apenas para o desenvolvimento dos aspectos funcionais da motricidade. Uma outra parcela dos entrevistados vinculou, ainda, o papel do professor pré-escolar não apenas à educação for- mal, mas também à socialização. Neste aspecto, as transcri- ções a seguir demonstram a importância da relação profes- sor-aluno, no sentido da formação pessoal e social do esco- lar: [...] você hoje não é só um professor, né? Você acaba sendo até tudo para a criança, hoje no mundo de hoje eu te- nho crianças que necessitam tanto de mim, do que eu posso passar, eu vou formar não... é... eu vou formar uma é... não só na parte da educação, como caráter em todos os senti- dos... eu quero é formar pessoas, né? (sic) (RCR). [..] a criança vai chegando e vai desenvolvendo a perso- nalidade, então imagine a importância do professor nessa fase... o professor primeiro ele tem que ser conhecer e res- peitar muito as crianças. Porque cada uma aqui dentro dessa classe representa uma família (sic) (PS). Ao considerar a psicomotricidade na pré-escola, Cabral8 enfatizou que as relações interpessoais não podem ser colo- cadas em segundo plano. Ademais, Martins22, no seu estudo sobre práticas e socialização entre adultos e crianças e des- sas entre si, no interior da creche, defendeu a ideia de que as crianças, no tocante às relações interpessoais, devem ser consideradas atores sociais ativos. No discurso dos infor- mantes deste estudo, evidenciou-se forte valorização do professor no papel de formador da personalidade da criança. No entanto, a criança é situada na esfera do objeto a ser manipulado, e seu corpo é visto como o campo no qual a prática psicomotora está dissociada da intersubjetividade. É importante salientar que, além da análise dos discur- sos, a produção de dados desta pesquisa objetivou a análise documental alicerçada nos planejamentos anuais de aula dos informantes. Todavia, os planejamentos anuais de aula for- necidos pelos informantes corresponderam apenas aos mar- cos de aprendizagem da educação infantil da SMEC que compõem as diretrizes do RNCEI. Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99). 126 ConsideraçõesConsideraçõesConsideraçõesConsiderações finaisfinaisfinaisfinais A partir desta investigação, constatou-se que a educação psicomotora é um conceito distante da realidade do educador infantil e, embora perpasse o imaginário dos professores de pré-escola, não se reflete na sua prática profissional. Obser- vou-se que os significados sobre educação psicomotora estão reduzidos, em geral, à ideia de um saber corporal, enquanto que as práticas são subordinadas às atividades de coordenação motora, estruturação espacial e lateralidade, visando somente à alfabetização. Assim, concluiu-se que os professores não se apropriam de forma satisfatória dos pre- ceitos psicomotores fundamentais relativos às noções de corpo e desenvolvimento infantil. Contudo, a despeito dessa carência de informações, há valorização das questões perti- nentes ao corpo, que está vinculada à associação positiva com o processo de aprendizado resultante das vivências cotidianas em sala de aula. Além disso, a inexistência de atividades psicomotoras na rotina escolar se deve à falta de capacitação continuada dos profissionais, assim como ao predomínio do ensino formal em detrimento de uma educa- ção psicomotora de base. A relevância da psicomotricidade, na Educação Infantil, é verificada nas próprias diretrizes do RCNEI, assim como na existência de projetos contemporâneos que vislumbram a implementação da educação psicomotora. No entanto, a partir deste estudo, o que se observou na realidade das pré- escolas pesquisadas da rede pública municipal de Salvador foi um contrassenso. Neste sentido, faz-se necessário de- senvolver um debate crítico sobre o distanciamento entre o marco legal e a incorporação prática do fazer a psicomotrici- dade, a fim de que medidas sejam criadas para favorecer a real efetividade da educação psicomotora. Ademais, ressalta- se, também, que novas pesquisas devem ser realizadas, com o objetivo de ampliar a compreensão dos significados e das práticas profissionais em educação infantil. Referências Referências Referências Referências 1. Le Boulch J. O desenvolvimento psicomotor do nascimento até os 6 anos: A psicocinética na idade pré-escolar. 2ª ed. 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