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Artigo 02 Significados e Práticas Sobre Educação Psicomotora na Pré escola

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Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99). 121
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Original 
 
Lemos EB, Neves RF, Carvalho ST. Significados e práticas sobre educação psicomotora na pré-escola. Temas sobre Desenvolvimen-
to 2010: 17(99):121-6. 
 
Artigo recebido em 15/10/2009. Aceito para publicação em 24/05/2010. 
 
significados e práticas sobre educação psicomotora 
na pré-escola 
 
elane bahia lemos1 
robson da fonseca neves2 
suzane tavares de carvalho3 
 
(1) Fisioterapeuta pela Universidade Católica do Salvador. 
(2) Fisioterapeuta, Docente da Universidade Federal da Paraíba. 
(3) Fisioterapeuta, Docente da Universidade Católica do Salvador. 
 
Universidade Católica do Salvador, BA. 
 
Correspondência 
Elane Bahia Lemos 
Conjunto Guilherme Marback St 2, Bloco 10 / 202 – 41.720-005 – Salvador – BA. 
lanebahia@hotmail.com. 
 
 
RESUMO 
SIGNIFICADOS E PRÁTICAS SOBRE EDUCAÇÃO PSICOMOTORA NA PRÉ-ESCOLA: Este estudo teve por objetivo conhecer as repre-
sentações sociais dos professores de pré-escola da rede pública municipal de Salvador, BA, sobre educação psicomotora. Realizou-se 
pesquisa qualitativa, alicerçada na análise do discurso de 16 professores que trabalhavam com crianças na fase pré-escolar, sem experi-
ência em escolas de educação especial, e que integravam o corpo docente de oito instituições públicas de ensino selecionadas. Foi elabo-
rado um roteiro de entrevista semiestruturado. A produção de dados foi obtida a partir de entrevista face a face, pesquisa documental, além 
de um diário de campo. Os resultados sugeriram que a educação psicomotora é representada por distorções quanto à noção de corpo, 
movimento e desenvolvimento infantil, com reflexos sobre a práxis da psicomotricidade idealizada pelos professores. Verificou-se, portanto, 
que a educação psicomotora permeia o imaginário dos professores da pré-escola; todavia suas distorções podem apresentar-se como um 
empecilho para sua efetivação como prática profissional. 
Descritores: Representações sociais, Educação psicomotora, Educação infantil, Desenvolvimento infantil. 
 
ABSTRACT 
MEANINGS AND PRACTICE ON PSYCHOMOTOR EDUCATION IN THE PRESCHOOL: This work intends to identify the social representa-
tion on psychomotor education of the elementary school teachers in public schools from the city of Salvador, BA, Brazil. It was developed a 
qualitative research based on the speech analysis of 16 teachers working with elementary school children, without experience at special 
education schools and integrating the docent body of eight selected public schools. It was planned a semi-structured interview. Data pro-
duction was obtained from face-to-face interview, documental research and a field register. The results suggested that psychomotor educa-
tion is present in elementary school teachers’ imaginary, although it is not applied on their professional actions. In this context, one can ve-
rify the need to encourage discussions that promote the effectiveness of psychomotor education and support new researches in order to 
raise the comprehension of the meanings and professional actions in infant education. 
Keywords: Social representations, Psychomotor education, Children education, Children development. 
 
 
Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99). 122 
A educação psicomotora é entendida como uma metodo-
logia de ensino que instrumentaliza o movimento humano1. 
Neste sentido, o movimento humano equivale à linguagem, e 
é construído a partir de uma intenção, transformando-se em 
comportamento significante2. O trabalho da educação psico-
motora, portanto, permite a compreensão da forma como a 
criança adquire a consciência do seu corpo e das possibili-
dades de se expressar por meio desse corpo, propiciando o 
desenvolvimento infantil pleno, favorecendo, ainda, as a-
prendizagens pré-escolares e escolares1,3,4. 
Diferentes correntes científicas estabelecem relação entre 
a motricidade e o desenvolvimento cognitivo do homem5-7. 
Ao considerar, por exemplo, os preceitos filogenéticos e 
ontogenéticos, pode-se inferir que as aquisições da motrici-
dade precedem as aquisições do pensamento, funcionando 
como pré-requisito para o desenvolvimento intelectual5,6. A 
neurociência, por sua vez, afirma que o aprimoramento motor 
gradativo implicará na corticalização progressiva do Sistema 
Nervoso Central (SNC) e no consequente desenvolvimento 
cognitivo7. Ademais, a teoria construtivista determina que o 
conhecimento é construído a partir da interação do sujeito 
com o meio, admitindo que a criança necessita explorar o 
ambiente a fim de construir, por meio do corpo, o seu conhe-
cimento de mundo8,9 . 
O desenvolvimento cognitivo é, portanto, um processo 
complexo que envolve desde estruturas do SNC até habili-
dades motoras e psicoafetivas10. Por conseguinte, a criança 
para aprender necessita de conscientização e organização 
do esquema corporal, elaboração de noções de tempo e 
espaço, desenvolvimento da lateralidade, além de equilíbrio 
psicoafetivo8,11,12. Logo, um corpo não organizado gera preju-
ízos ao desenvolvimento infantil e à aprendizagem escolar12. 
Somado a isso, verifica-se que a origem das maiores dificul-
dades de aprendizado está situada nos primeiros anos esco-
lares9, além do fato de os problemas relativos à coordenação 
motora serem comuns na infância, podendo interferir no 
desempenho escolar13. 
No Brasil, o Referencial Curricular Nacional para a Educa-
ção Infantil (RCNEI) estabelece parâmetros de qualidade que 
norteiam o trabalho das creches e pré-escolas. De acordo com 
a proposta oficial, o movimento deve integrar a estrutura curri-
cular das atividades educativas, considerando os seus aspec-
tos instrumentais, assim como a sua dimensão subjetiva, ou 
seja, expressiva14. Neste sentido, a educação psicomotora 
introduzida, a princípio, nas escolas especiais como recurso 
psicopedagógico passa a ser discutida na atualidade como 
instrumento indispensável à educação infantil4,8. Assim, a Lei 
12.205, de 2007, autoriza o poder executivo a instituir ativida-
des de Psicomotricidade Relacional como uma prática educa-
tiva de valorpreventivo na rede pública municipal de ensino da 
cidade de Curitiba, nos níveis de Educação Infantil e das sé-
ries iniciais do Ensino Fundamental15. 
No âmbito escolar, os profissionais diretamente envolvi-
dos com a criança são os professores, e a condução do 
processo de aprendizagem requer desses profissionais co-
nhecimento adequado. A falta de compreensão, no que tan-
ge aos mecanismos do desenvolvimento infantil, os leva a 
cometer falhas, além de propor situações em momentos 
inoportunos8,9. Desta forma, faz-se necessário questionar os 
significados e práticas sobre educação psicomotora no con-
texto de professores da pré-escola, o que pode contribuir 
para reflexão mais profunda desses atores sobre sua práxis. 
Consequentemente, pode resultar na elaboração de estraté-
gias para a implementação de novos projetos educacionais e 
incitar discussões inerentes ao tema, visando à maximização 
da capacidade de aprendizado e à profilaxia dos problemas 
de desempenho escolar. O objetivo deste estudo, portanto, 
foi conhecer as representações sociais dos professores da 
pré-escola, da rede pública municipal de Salvador, BA, sobre 
a educação psicomotora. 
 
MétodoMétodoMétodoMétodo 
 
Esta pesquisa de natureza qualitativa, que visou a conhe-
cer os fatos e fenômenos relativos aos significados e práticas 
apresentados por professores da pré-escola sobre educação 
psicomotora, foi realizada no âmbito do ensino pré-escolar da 
rede pública municipal de Salvador, BA. Foram selecionadas 
oito instituições de ensino, a partir da relação de Escolas de 
Educação Infantil da Rede Pública Municipal disponível no site 
da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC) da 
cidade de Salvador. A escolha das escolas levou em conside-
ração dois fatores: o interesse da instituição em participar da 
pesquisa e o endereço das escolas, visando à diversificação 
geográfica aliada à facilidade de acesso ao local. Desta forma, 
as instituições de ensino que participaram do estudo estavam 
localizadas em seis bairros distintos da cidade de Salvador 
(Costa Azul, Pituaçu, Piatã, Cabula, Boca do Rio e Rio Verme-
lho). A pesquisa foi realizada, então, com 16 professores que 
integravam o corpo docente das instituições de ensino selecio-
nadas. Foram considerados como informantes-chave os pro-
fessores que trabalhavam com crianças na fase pré-escolar, 
sem experiência em escolas de educação especial. 
A produção de dados foi obtida a partir das entrevistas 
face a face, que foram gravadas e posteriormente transcritas, 
além da análise documental com base nos planejamentos 
anuais de aula fornecidos pelos informantes. Foi utilizado 
roteiro de entrevista semiestruturado composto de duas par-
tes. A primeira continha questionamentos a respeito dos 
dados do informante, a fim de possibilitar a caracterização do 
perfil da população pesquisada. A segunda, por sua vez, foi 
constituída por seis perguntas organizadas em três referen-
ciais temáticos: percepção de corpo e sua inter-relação com 
a psicomotricidade; percepção sobre o desenvolvimento 
infantil; e a função da educação infantil. Além disso, foi utili-
zado um diário de campo, objetivando a compreensão de 
aspectos observados que não seriam obtidos diretamente de 
perguntas. A compreensão de Minayo16 serviu como parâme-
 
Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99). 123
tro para determinação das técnicas e dos instrumentos de 
coleta que foram empregados. 
O período de coleta de dados correspondeu ao segundo 
semestre de 2008, meses de julho e agosto. As entrevistas 
foram previamente agendadas com o diretor responsável por 
cada instituição de ensino e realizadas nas próprias institui-
ções, em um único encontro com cada informante. 
Os relatos dos informantes-chave foram classificados em 
categorias analíticas. Entendem-se como categoria analítica 
importante a este estudo as representações sociais subsidia-
das pelos construtos teóricos que compõem a operacionali-
zação do conceito de educação psicomotora. Neste contexto, 
Minayo17 afirmou que as representações sociais são pensa-
mentos, ações e sentimentos que expressam a realidade em 
que vivem as pessoas, servindo para explicar, justificar e 
questionar essa realidade. Ademais, Minayo16 determinou 
que as representações podem ser consideradas matéria-
prima para análise do social e também para a ação pedagó-
gico-política de transformação. 
Matrizes de dados foram elaboradas, identificando-se, a 
partir delas, as convergências e divergências dos discursos e 
os padrões de pensamentos recorrentes que confluíram nas 
categorias. As entrevistas foram interpretadas com base na 
proposta de Minayo16, que entende a análise do discurso 
como um mecanismo que permite a compreensão do pro-
cesso produtivo do texto e suas significações, a partir de um 
olhar diferenciado sobre a linguagem, diferente da lógica 
positivista da análise dos conteúdos das falas. 
Do material empírico produzido emergiram as seguintes 
categorias de campo que orientarão a discussão e a análise 
deste estudo: corpo e psicomotricidade, desenvolvimento 
infantil e educação infantil. 
Em respeito aos princípios éticos estabelecidos pela Re-
solução 196/96, do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa 
envolvendo seres humanos, que garante aos participantes o 
anonimato e a confidencialidade dos dados, os nomes dos 
informantes-chave foram substituídos pelas suas iniciais. 
 
Resultados e DResultados e DResultados e DResultados e Discussãoiscussãoiscussãoiscussão 
 
Perfil dos informantes-chave 
Todos informantes-chave eram do sexo feminino e a faixa 
etária variou de 27 a 60 anos. Dois (12,5%) desses informan-
tes haviam concluído apenas o segundo grau, modalidade 
magistério; 14 (87,5%) apresentavam curso superior comple-
to, sendo 12 (75%) graduados em Pedagogia, um (6,25%) 
em Pedagogia e Psicologia, além de um (6,25%) em Letras. 
Ademais, 11 (68,75%) haviam realizado pós-graduação em 
diversas áreas (psicopedagogia, psicologia social, coordena-
ção pedagógica, metodologia do ensino superior, consultoria 
educacional, tecnologia em educação, educação ambiental e 
metodologia da cultura africana). O tempo de trabalho em 
pré-escola variou de três a 25 anos. No que se refere à expe-
riência de trabalho em outras atividades de educação, a 
maioria dos informantes já havia vivenciado experiências em 
mais de uma área no cenário escolar. Neste sentido, um 
informante havia trabalhado em creche, quatro com alfabeti-
zação, oito com ensino fundamental, quatro com ensino 
médio, dois com formação de professores de educação in-
fantil, um com recreação, e apenas dois não possuíam expe-
riência em outra área. 
 
Representações sobre a educação psicomotora 
As representações concernentes à educação psicomotora 
estão estratificadas no ideário que os informantes têm sobre 
corpo e psicomotricidade, desenvolvimento infantil e educa-
ção infantil. De maneira geral, as representações evidencia-
ram o distanciamento dos informantes desse tema, à medida 
que demonstraram em seus discursos falta de conhecimento 
consistente. 
 Dos relatos, inferiu-se relação ingênua entre motricidade 
e cognição, assim como um paralelo, sem profundidade, 
entre os aspectos psicológicos e as aquisições motoras, que 
restringiram a concepção da psicomotricidade na escola à 
experiência de reconhecimento do corpo e às atividades 
motoras. Desta forma, é interessante notar que, ao falar de 
educação psicomotora, os entrevistados se referiram, exclu-
sivamente, aos exercícios de coordenação motora, estrutura-
ção espacial e lateralidade, como pode ser verificado nos 
discursos a seguir: 
 
Olhe, educação psicomotora eu entendo assim, eu não 
sei se tem a ver, né, a lateralidade é o que eu mais trabalho 
aqui [...] é a coisa do embaixo, em cima, esquerda, direita 
(sic) [...] (PS).[...] a psicomotricidade é tudo que envolve movimento, 
contato, né, coordenação motora, tem diversas atividades, 
diversos exercícios que vão desenvolver essa parte psico-
motora da criança, né? (sic) (MJN). 
 
Entretanto, de acordo com Le Boulch4, a educação psi-
comotora não tem o objetivo de ensinar à criança comporta-
mentos motores. Carvalho3 definiu que o exercício da psico-
motricidade, no contexto educacional, se vincula a um projeto 
mais amplo, que visa ao autoconhecimento, à auto-
organização e à descoberta dos mundos interno e externo da 
criança, e, por conseguinte, não compreende a execução 
mecânica de atividades. A educação psicomotora se funda-
menta, então, no propósito de criar um espaço na escola, no 
qual atividades psicomotoras sejam incentivadas, possibili-
tando ao escolar a elaboração de seus conflitos, além do 
desenvolvimento integral de suas habilidades motoras, cogni-
tivas e afetivas8,18. 
 
Corpo e Psicomotricidade 
A partir da análise dos discursos, sobressaíram duas re-
presentações que foram agrupadas nas subcategorias empí-
ricas: corpo-matéria e corpo-funcional. A primeira represen-
 
Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99). 124 
tação diz respeito à dimensão material associada ao corpo. 
Logo, denota-se nas transcrições a seguir que foi marcante 
os entrevistados se referirem ao corpo como estrutura física 
do homem, conjunto das partes que integram o indivíduo e 
porção limitada da matéria: 
 
Pergunta estranha (risos). Nunca me fizeram essa per-
gunta. É toda parte material de ser vivo, né? (sic) (ILLM). 
 
[...] corpo, então, é isso, são os membros, são os órgãos, 
tudo que faz parte do corpo, nosso espaço, né? Nosso limite 
é o nosso corpo (sic) (PS). 
 
A segunda representação, por sua vez, corresponde à 
dimensão funcional atribuída ao corpo. Neste caso, verificou-
se que o corpo é entendido como instrumento que possibilita 
ao indivíduo, por meio da motricidade, das percepções e 
sensações, o desempenho das suas atividades e sua relação 
com o mundo: 
 
Corpo ... é difícil explicar o que é corpo, porque assim, 
quando eu penso no corpo eu não penso meramente no cor-
po físico, de mãos, braços e pernas. Isso faz parte, mas eu 
penso no corpo também assim como um instrumento que te 
auxilia a realizar suas atividades [...] O que conduz a gente à 
vida material é o corpo (sic) (SMCS). 
 
Significa a forma física de estar no mundo, um instru-
mento de sua vida, que você pode se relacionar no meio 
(sic) (ENO). 
 
Para Cabral8, o objeto da psicomotricidade é o corpo in-
teiro, integrado, ou seja, o corpo definido a partir de quatro 
dimensões interligadas: corpo instrumento de ação, corpo 
instrumento de conhecimento, corpo fantasmático e relacio-
nal, além de corpo social. Segundo Levin2, o conceito de 
corpo se torna ainda mais amplo ao considerar que a psico-
motricidade surge quando o corpo deixa de ser só carne e 
passa a ser falado, entra no discurso. O corpo é, antes de 
tudo, um receptáculo, um lugar de inscrição simbólica. 
Ao considerar a força das falas que tratam da representa-
ção “corpo-instrumento”, percebe-se a existência de uma 
compreensão de corpo que se aproxima mais dos preceitos 
da psicomotricidade. Contudo, a representação associada ao 
corpo-matéria e a ausência de reflexões sobre o significado 
de corpo-funcional remetem à necessidade de se discutir 
mais, no âmbito da pré-escola, a perspectiva de corpo útil 
para a potencialização da prática psicomotora. 
 
Desenvolvimento Infantil 
O desenvolvimento infantil foi representado na idealiza-
ção dos informantes sob uma ótica reducionista, revelando a 
falta de conhecimento adequado no que diz respeito às ques-
tões próprias da infância. De acordo com a fala dos entrevis-
tados, a percepção da criança na fase pré-escolar sugere 
que o desenvolvimento fica restrito ao processo de matura-
ção biológica, ou seja, vinculado ao crescimento orgânico e 
ao aprendizado sensório-motor. Neste sentido, salientam-se 
os fragmentos a seguir: 
 
A gente percebe de forma que eles estão se desenvol-
vendo, né? Eles chegam de maneira menores e vão se de-
senvolvendo... Crescendo, né?(sic) (MCMS). 
 
Um corpo que está descobrindo, né? Que na verdade tá 
conhecendo, experimentando os movimentos, tá testando 
mesmo os movimentos, basicamente isso (sic) (RCSP). 
 
Jerusalinsky19, no entanto, tratando da questão na clínica 
psicomotora, afirmou que o desenvolvimento inclui o cresci-
mento e a maturação, mas não se restringe a um caráter 
orgânico. Ele engloba o processo das aquisições psicomoto-
ras, cognitivas e de linguagem e está atrelado à estruturação 
psíquica da criança, a partir da sua inserção em um mundo 
simbólico. 
A despeito da carência de informações sólidas tangentes 
à criança em desenvolvimento, identificou-se no relato dos 
professores, a noção de que é necessário promover, na fase 
pré-escolar, a consciência corporal. Nos próximos discursos 
se constata, no entanto, que os aspectos considerados rele-
vantes na elaboração dessa consciência ficaram restritos à 
identificação dos segmentos e funções corporais: 
 
Eu percebo assim, né, como eu disse, a forma deles es-
tarem no mundo, que é uma situação que eles ainda não têm 
muita consciência desse corpo, entendeu? Quer dizer, tem 
mais assim dentro das possibilidades, a gente precisa tá ori-
entando, trabalhando com eles... é... desenvolvendo mesmo 
um trabalho pedagógico p’ra que eles possam tomar consci-
ência desse corpo, que é com esse corpo que ele está no 
mundo (sic)(ENO). 
 
Eles precisam se tocar, precisam... precisam conhecer 
como o corpo... como se dá a evolução do corpo... ah.... tem 
que conhecer tudo, como é formado, a importância, é... a es-
trutura, p’ra que serve cada parte, tudo é importante e a pré-
escola, a partir da pré-escola é importante que eles conhe-
çam isso (sic) (ISM). 
 
É sabido que uma das funções básicas do desenvolvi-
mento na primeira infância é o conhecimento do próprio cor-
po. E o desenvolvimento da consciência corporal, com base 
nos fundamentos psicomotores, perpassa a elaboração do 
esquema e da imagem do corpo, o que envolve a conquista 
gradativa de aspectos gnósicos, práxicos, assim como impli-
cações psicoafetivas8. Portanto, ultrapassa a representação 
dos informantes, que cerceia o desenvolvimento infantil na 
maturação biológica e nas aquisições sensório-motoras. 
 
Educação Infantil 
As representações a respeito da educação infantil se re-
velaram a partir da compreensão inicial dos informantes 
sobre o papel do professor pré-escolar e a relação entre 
 
Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99). 125
atividades corporais e educação infantil; depois, quanto à 
percepção do professor frente à socialização do aluno. Desta 
forma, os entrevistados associaram o papel do educador 
infantil ao desenvolvimento do potencial da criança, a partir 
de um trabalho que envolve o corpo, visando, com isto, à 
aquisição futura de habilidades instrumentais, representadas 
nas suas falas pela capacidade de leitura e escrita. O traba-
lho corporal foi percebido como um recurso necessário ao 
processo de educação infantil, à medida que os professores 
identificaram no cotidiano escolar a associação positiva entre 
atividades corporais e aprendizado. Isto pode ser constatado 
nos seguintes recortes: 
 
Eu acho fundamental todo o processo de desenvolvi-
mento da criança esse motor. Sabe, a gente tem ideia de 
que dar aula é só ficar sentadinho e assistir o que a profes-
sora fala e responder ou usar a boca. Na fase pré-escolar, 
não. A gente tem que usar realmente o corpo, que é a partir 
do corpo que a criança vai se colocar dentro do mundo p’ra 
poder desenvolver (sic)(GFM). 
 
[...] o papel do professor é estar mesmo ali colocando ele 
pra riscar,rabiscar, cortar, pular, rasgar, tudo que eles pos-
sam fazer com o seu corpo sendo preparado para lá na fren-
te eles encontrarem um lápis (sic) (CSM). 
 
O estudo de Albuquerque20 a respeito do uso de ativida-
des corporais para alunos com dificuldades de aprendiza-
gem, realizado nas Faculdades Integradas da Terra de Brasí-
lia, corrobora a percepção dos entrevistados sobre trabalho 
corporal. Para esse autor, a aplicação da psicomotricidade 
possibilitou o avanço no desempenho escolar, além de ter 
melhorado o desenvolvimento psicomotor e o amadureci-
mento psicoafetivo dos alunos. 
Observou-se que os informantes salientaram a escassez 
de práticas psicomotoras na rotina em sala de aula. De acor-
do com os discursos, a falta de capacitação continuada foi o 
responsável por esse fato. Além disso, o caráter de antecipa-
ção da escolaridade das pré-escolas, que prioriza a alfabeti-
zação em detrimento de um trabalho psicomotor de base, foi 
considerado fator cerceador das práticas corporais. Isto pode 
ser entendido nos seguintes recortes das entrevistas: 
 
[...] dizer que a gente ouve falar e que se trabalha edu-
cação psicomotora é muito por cima, muito vago [...] criança 
de educação infantil quer movimento, ela não quer ficar sen-
tada [...] surgiram os parâmetros, mas as escolas não são 
preparadas para, eu não vejo o município preparar os pro-
fessores para isso [...] desde quando eu entrei, eu tenho 25 
anos que eu trabalho na rede e eu nunca vi curso (sic) 
(CSM). 
 
[...] tá se exigindo muito da escrita, da leitura, da oralida-
de da criança e, no entanto, a psicomotricidade que é neces-
sária não está assim tendo muito na pré-escola [...] hoje em 
dia a criança já vai diretamente pro lápis [...] a globalização 
quer isso, quer quantidade e a qualidade tá ficando lá em-
baixo (sic) (MLSP). 
Em consonância com o fato observado, Goulart9 informa 
que os professores de pré-escola e de primeiro grau come-
tem falhas na condução do processo de aprendizagem, em 
virtude da falta de conhecimento adequado no que atinge o 
desenvolvimento dos seus alunos. Para Le Boulch4, os pro-
fessores sempre concedem espaço insuficiente às vivências 
corporais e às atividades lúdicas, em função do ensino for-
mal. Fonseca10 reitera esse relato ao considerar que ainda 
hoje há predomínio de um método de ensino expositivo e 
competitivo, característico dos modelos de formação tradi-
cional. Silva21, por sua vez, afirmou que, independentemente 
de a temática corpo-movimento compor as diretrizes do 
RCNEI, a proposta oficial apresentada não permite superar o 
modo mecanicista de concepção de corpo e movimento, pois 
norteia seus objetivos apenas para o desenvolvimento dos 
aspectos funcionais da motricidade. 
Uma outra parcela dos entrevistados vinculou, ainda, o 
papel do professor pré-escolar não apenas à educação for-
mal, mas também à socialização. Neste aspecto, as transcri-
ções a seguir demonstram a importância da relação profes-
sor-aluno, no sentido da formação pessoal e social do esco-
lar: 
 
[...] você hoje não é só um professor, né? Você acaba 
sendo até tudo para a criança, hoje no mundo de hoje eu te-
nho crianças que necessitam tanto de mim, do que eu posso 
passar, eu vou formar não... é... eu vou formar uma é... não 
só na parte da educação, como caráter em todos os senti-
dos... eu quero é formar pessoas, né? (sic) (RCR). 
 
[..] a criança vai chegando e vai desenvolvendo a perso-
nalidade, então imagine a importância do professor nessa 
fase... o professor primeiro ele tem que ser conhecer e res-
peitar muito as crianças. Porque cada uma aqui dentro dessa 
classe representa uma família (sic) (PS). 
 
Ao considerar a psicomotricidade na pré-escola, Cabral8 
enfatizou que as relações interpessoais não podem ser colo-
cadas em segundo plano. Ademais, Martins22, no seu estudo 
sobre práticas e socialização entre adultos e crianças e des-
sas entre si, no interior da creche, defendeu a ideia de que 
as crianças, no tocante às relações interpessoais, devem ser 
consideradas atores sociais ativos. No discurso dos infor-
mantes deste estudo, evidenciou-se forte valorização do 
professor no papel de formador da personalidade da criança. 
No entanto, a criança é situada na esfera do objeto a ser 
manipulado, e seu corpo é visto como o campo no qual a 
prática psicomotora está dissociada da intersubjetividade. 
É importante salientar que, além da análise dos discur-
sos, a produção de dados desta pesquisa objetivou a análise 
documental alicerçada nos planejamentos anuais de aula dos 
informantes. Todavia, os planejamentos anuais de aula for-
necidos pelos informantes corresponderam apenas aos mar-
cos de aprendizagem da educação infantil da SMEC que 
compõem as diretrizes do RNCEI. 
 
 
Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99). 126 
ConsideraçõesConsideraçõesConsideraçõesConsiderações finaisfinaisfinaisfinais 
 
A partir desta investigação, constatou-se que a educação 
psicomotora é um conceito distante da realidade do educador 
infantil e, embora perpasse o imaginário dos professores de 
pré-escola, não se reflete na sua prática profissional. Obser-
vou-se que os significados sobre educação psicomotora 
estão reduzidos, em geral, à ideia de um saber corporal, 
enquanto que as práticas são subordinadas às atividades de 
coordenação motora, estruturação espacial e lateralidade, 
visando somente à alfabetização. Assim, concluiu-se que os 
professores não se apropriam de forma satisfatória dos pre-
ceitos psicomotores fundamentais relativos às noções de 
corpo e desenvolvimento infantil. Contudo, a despeito dessa 
carência de informações, há valorização das questões perti-
nentes ao corpo, que está vinculada à associação positiva 
com o processo de aprendizado resultante das vivências 
cotidianas em sala de aula. Além disso, a inexistência de 
atividades psicomotoras na rotina escolar se deve à falta de 
capacitação continuada dos profissionais, assim como ao 
predomínio do ensino formal em detrimento de uma educa-
ção psicomotora de base. 
A relevância da psicomotricidade, na Educação Infantil, é 
verificada nas próprias diretrizes do RCNEI, assim como na 
existência de projetos contemporâneos que vislumbram a 
implementação da educação psicomotora. No entanto, a 
partir deste estudo, o que se observou na realidade das pré-
escolas pesquisadas da rede pública municipal de Salvador 
foi um contrassenso. Neste sentido, faz-se necessário de-
senvolver um debate crítico sobre o distanciamento entre o 
marco legal e a incorporação prática do fazer a psicomotrici-
dade, a fim de que medidas sejam criadas para favorecer a 
real efetividade da educação psicomotora. Ademais, ressalta-
se, também, que novas pesquisas devem ser realizadas, 
com o objetivo de ampliar a compreensão dos significados e 
das práticas profissionais em educação infantil. 
 
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