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A RELAÇÃO DOENTE – MÉDICO 1 – Relação Doente – Médico e distância social Médico: principal agente de difusão de conhecimentos médicos Limita sua reprodução Pacientes (populares): Entre si conversam sobre o “médico” Percebe-se: submissão incondicional – queixas – escolha do médico ao acaso Critérios de avaliação de “bom médico”: amabilidade – boa vontade – complacência Pacientes (classe social elevada): Possibilidade de escolha – títulos e reputação - Questão da relação de classes sociais: os “nós” e os “outros” – (médicos) possuem conhecimentos, meios materiais e direitos que lhes conferem extensos poderes, dão-lhes a possibilidades de manipulação ou então, necessariamente, a vontade de manipular. Ex: o preço da consulta – Quais são os critérios? (se não sabemos, ou se não sabem, desconfiam) – E os medicamentos? São todos necessários? Os exames? (falam em propina). - “A relação doente – médico não é como gostaria a ideologia médica, uma relação específica, mas pertence a um gênero mais vasto de relações interindividuais, que põem face a face um especialista detentor de um conhecimento específico e manipulador, e um profano que suspeita da manipulação sem poder provar e nem, com maior razão, evitá-la.” – P.40 - Motivos para a desconfiança: Legal – o direito médico Forças tradicionais (deontologia – princípios de classe) No real (nos limites da legalidade) – sistemas de compadrios ou “laços de amizade” – envio de pacientes – exames (comissões). 2 – Relação doente – médico: comunicação Reclamação: Não ser franco Não dizer “direito” o que a gente tem Não (de)mostrar tudo o que está pensando Mutismo do médico – barreira lingüística (mesmo acontece entre o erudismo e o popular) Barreira social – (classes menos favorecidas “não entendem” maiores explicações – atitude do médico frente aos membros das classes populares) – procede no sentido do comando/ordem e não da argumentação lógica/conscientização. Essa atitude (considera que algumas ações já deveriam ser conhecidas pelos pacientes – ex: hábitos de higiene) prejudica a medicina preventiva (pressupõe laços). Quando há resistência pelo paciente para realização de certos procedimentos/medicamentos não se procura dar explicações mais promover ou falar sobre sanções (“A senhora lhe dará sem falta essa vitamina, senão ele terá pernas fracas”). Temem: Hospitalização – burocracia – cuidam do doente Familiares esquecidos Doentes: entram e saem dos exames sem maiores explicações (aumenta a ansiedade) Privilégios sociais - Nas consultas – 73% das palavras são realizadas pelos médicos (dominam a consulta) – “(...) o poder médico, que da mesma maneira que o poder religioso, sempre teme ver uma autoridade concorrente levantar-se contra ele, só pode ser plenamente exercido fazendo de seus sacerdotes os detentores de segredos inacessíveis aos profanos.” – p. 47 - Enfim: A resistência médica a inibir a taumaturlogia da própria medicina, cria obstáculos à medicina preventiva: Bons hábitos Consciência do corpo Consciência dos limites Uso da razão 3 – As categoria da percepção médica “Analisando os comportamentos e as atitudes face à morte e aos moribundos do pessoal de um grande hospital americano, Davi Sudnow mostrou eu os esforços empreendidos a fim de reanimar as pessoas em estado de morte clínica e cujo coração tenha parado de bater, variavam conforme o ‘valor social’ atribuído ao moribundo, ou seja, em função de sua idade, respeitabilidade, classe social. Assim, o alcoólatra, a prostituta, o drogado e o doente que, ao entrar no hospital está pobremente vestido e aparenta pertencer às camadas inferiores, não será objeto de um exame aprofundado nem de tentativas prolongadas de reanimação, e será declarado morto com base unicamente num exame estestoscópico do coração. Da mesma maneira, encoraja-se tacitamente os jovens médicos a treinar nos moribundos cujo valor social é baixo e, principalmente, nos suicidas.” – p.49 - É a ética médica de inspiração evangélica (do evangelho/Bíblia)? “O médico, em primeiro lugar, não lida com uma doença, nem sequer com um homem doente, mas com uma pessoa humana, com a qual ele deve, pela sua própria profissão, estabelecer uma comunicação de consciência, a melhor possível, para penetrar, para compreender o valor, o significado da queixa do doente (...)”- p. 49 – (Apesar das possibilidades que os exames fornecem hoje). - A percepção, então, do médico, é seletiva e organizada segundo “tipos psicológicos”: Psicopata Doente desprovido de inteligência que não entende as perguntas mais claras Doente demasiado inteligente que interpreta o que diz o médico (Está implícita a questão social dos pacientes e a própria origem social – valores da classe dominante – dos médicos, além do tradicionalismo da formação médica – exemplos dos “mestres”.) 4 – As estratégias do médico Suas estratégias decorrem, normalmente, da imagem social que possue do paciente e das tipologias Camadas populares (tipo que “pouco entende”) – expressões do cotidiano (dores na barriga) – se reforça o autoritarismo médico. Camadas médias (tipo psicopático) – desconstrução de suas percepções quanto ao corpo (sensações) – persistindo, encaminhamento à psiquiatria. Camadas médias (tipo “inteligente”) – médico procura destacar o seu status profissional: “Eu sou o médico”. - Entonação de voz diferenciada: Ao doente – forte e breve Aos “companheiros” – cochichada e confidencial e cheia de nuances - As técnicas da relação terapêutica acentuam o sentimento de dependência e de sugestão do doente em relação ao médico. Médico em pé, vestido de branco – ordena Paciente na cama – submisso – o médico ausculta-o, apalpa-o, ordena que sente, estenda pernas, braços, tussa, respire, etc. Retoscopia – constrangimento - Impessoalidade médica: Maior com as classes populares Curta duração das entrevistas Falta de regularidade de consultas Volatilidade/rotatividade médica Barreiras lingüísticas - Enfim: “Todo processo de comunicação implica estratégias e toda relação com outrem é também, de uma certa maneira, manipulação de outrem, sendo a atitude adotada face ao interlocutor, principalmente, em função do que se sabe do outro e do que se sabe que o outro sabe da gente (...). Se essas estratégias são especialmente manifestas no caso da relação doente-médico, e se os médicos radicalizam as técnicas de manipulação implicitamente empregadas nas relações cotidianas e delas fazem um emprego semi-consciente, isso se dá talvez, também, porque eles exercem uma atividade cujo sucesso nunca é certo e cujos resultados comportam sempre uma margem de incerteza, sendo assim obrigados a tomar um certo cuidado contra os ‘riscos da profissão’. Todas as técnicas de manipulação utilizadas pelo médico visam, no final das contas, a inculcar no doente a idéia de que, o que quer que possa acontecer depois, a competência e a consciência do médico nõ podem e não devem ser colocadas em dúvida.” 5 – O curandeiro Mérito: (visão das camadas populares) – “Explicam aos doentes o que eles têm”. Linguagem acessível. Representabilidade da doença. Sentimento de que o curandeiro é “da gente” (pertencimento de classe social). Entendem a atividade do curandeiro como inata (dom). 6 – Relação doente-médico e nível de instrução Classes populares: Sem posicionamento crítico em relação ao conhecimento médico manifestado pelo médico. Falta de interrelação entre o problema e a causa. Falta de interrogabilidade – reflexão (tem relação com a formação escolar). Classes superiores: Formação elevada. Condições econômicas. Questionamentos por ser o médico considerado como igual (da mesma classe). “Se o desamparo dos membros das classes populares diante da doença não tem equivalente nas classes superiores é, em primeiro lugar, porque o médico, para estas últimas, não éo delegado anônimo da instituição médica, mas um personagem familiar, do qual se pode apreciar a competência e o valor, e em que se pode apreciar a qualidade do homem atrás do profissional. Deduz-se daí que em relação do discurso médico, haverá diferenças entre as duas classes – o médico fornecerá aos membros das classes superiores certas explicações e manterá em sua presença um discurso edulcorado e vulgarizado, dando-lhe uma espécie de delegação de poder que os autoriza a manipular com prudência certas partes do discurso médico. Pois o desprezo do especialista pelo profano não se aplica igualmente a todos, mas varia em função da ‘inteligência’ deste, de seu bom-senso ou de seus ‘méritos’, enfim, de seu valor social.” BOLTANSKI, Luc. As classes sociais e o corpo. Rio de Janeiro : Edições Graal, 1979.
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